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Artigos - 03/05/21

O crédito de ICMS na aquisição de sacolas plásticas pelos supermercados

Veículo: Conjur
Autor(es): Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino

A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, apreciando recurso da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, analisou a possibilidade de crédito de ICMS na aquisição de material plástico utilizado para embalar os produtos comercializados pelos supermercados (REsp 1830894/RS, relator ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, julgado em 3/3/2020, DJe 5/3/2020).

A questão de fundo, segundo afirmou o ministro Benedito Gonçalves, diz respeito “ao direito ao crédito de ICMS decorrente da aquisição de sacolas plásticas, sacos ou filmes plásticos e bandejas adquiridas para o acondicionamento de produtos comercializados pela recorrida (supermercado)”.

Com base no artigo 20 da LC nº 87, de 1996 [1], asseverou a 1ª Turma do STJ que os insumos que geram direito ao creditamento são aqueles que, extrapolando a condição de mera facilidade, se incorporam ao produto final, de forma a modificar a maneira como esse se apresenta e configurar parte essencial do processo produtivo (AgInt no REsp 1.802.032/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 20/8/2019, DJe 27/8/2019). Foi mencionado também que, para fins de creditamento de ICMS, é necessário que o produto seja essencial ao exercício da atividade produtiva para que seja considerado insumo (AgInt no AREsp 424.110/PA, relator ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado
em 19/2/2019, REPDJe 26/2/2019, DJe 25/2/2019).

Assim, foi fixada a premissa de que o insumo que possibilita o crédito é aquele que se incorpora ao produto final, com essencialidade ao exercício da atividade produtiva. O ministro Benedito Gonçalves em seu voto referiu-se à questão ambiental e às mudanças que ela vem provocando no hábito de empresas e consumidores. Afirmou que o “Direito Tributário não pode ficar alheio às políticas públicas de desestímulo à utilização das sacolas plásticas; vale dizer, ao permitir o creditamento de ICMS pela aquisição das sacolas plásticas, data vênia, o Judiciário acaba por caracterizá-las como insumos essenciais e que se incorporam à atividade desenvolvida pelos supermercados, o que vai na contramão de todas as políticas públicas de estímulo ao uso de sacolas reutilizáveis por parte dos consumidores. Ademais, compreendo que o fornecimento das sacolas plásticas, para acomodação e transporte de mercadorias pelos consumidores, não é essencial à comercialização dos produtos por parte dos supermercados; prova isso o fato público e notório de que diversos hipermercados já excluem, voluntariamente, o fornecimento das sacolas com a finalidade de transporte ou acomodação de produtos”.

Assim, a 1ª Turma do STJ entendeu que as sacolas plásticas fornecidas aos clientes nos caixas, para o transporte das compras, não são consideradas insumos e, portanto, não geram crédito do imposto estadual.

Quanto aos filmes e sacos plásticos utilizados na venda de perecíveis, o ministro considerou-os como insumos, com direito ao creditamento, afirmando que “não há como fornecer um peixe ou uma carne sem o indispensável filme ou saco plástico que cubra o produto de natureza perecível, como forma de isolar a mercadoria e protegê-la de agentes externos capazes de causar contaminação”.

No entanto, explicou o relator, as bandejas feitas de isopor ou plástico não são indispensáveis para essa finalidade, caracterizando apenas uma comodidade oferecida ao consumidor, razão pela qual não geram direito ao creditamento de ICMS. No entendimento do ministro Benedito Gonçalves, “os filmes e sacos plásticos são suficientes para o isolamento do produto perecível”.

O entendimento, tomado por unanimidade, é o mesmo adotado pela 2ª Turma do STJ [2], o que impede a análise do tema pela seção de Direito Público do mesmo tribunal [3].

A maioria dos estados também não aceita o creditamento de ICMS decorrente da aquisição das sacolas plásticas.

No que se refere ao estado de São Paulo, a Sefaz se posicionou reiteradamente, durante muitos anos, pela legitimidade da apropriação do crédito de ICMS em casos da espécie, por meio de respostas da consultoria tributária. Como exemplo, cite-se as Respostas às Consultas Tributárias nº 4867 de 24/2/2015, nº 15659 de 06/7/2017 e nº 18267, de 24/9/2018, sendo possível destacar desta última a seguinte conclusão:

“3. Inicialmente, depreende-se do relato que os materiais de embalagem objeto da consulta são os que compõem as embalagens comerciais, que não integram o produto comercializado, mas que são indispensáveis à comercialização, permanecendo com os adquirentes das mercadorias embaladas, sem posterior retorno ao estabelecimento vendedor.
4. Isso posto, transcrevemos o caput do artigo 61 do RICMS/2000, que dispõe sobre o crédito do imposto:
‘Artigo 61 — Para a compensação, será assegurado ao contribuinte, salvo disposição em contrário, o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado, nos termos do item 2 do § 1º do artigo 59, relativamente a mercadoria entrada, real ou simbolicamente, em seu estabelecimento, ou a serviço a ele prestado, em razão de operações ou prestações regulares e tributadas’.
5. Diante do disposto no artigo transcrito, esclarecemos que a Consulente poderá creditar-se do valor do imposto incidente na operação de aquisição de materiais de embalagem utilizados no acondicionamento das mercadorias que comercializa (sacolas de papel, sacolas de papelão, sacolas plásticas, papéis de seda e de presente, adesivos decorativos, etiquetas, fitas adesivas, fita crepe, papéis de embrulho, materiais de amarrar, colas, barbantes, fitas, fitilhos, cordões e congêneres, lacres, isopor utilizado no isolamento e proteção dos produtos no interior das embalagens, tinta, giz, pincel atômico e lápis para marcação), sendo essas operações regularmente tributadas, uma vez que os materiais de embalagem são considerados insumos, nos termos do subitem 3.1 da Decisão Normativa CAT-01/2001, de conhecimento da Consulente”.

Também a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT) já decidiu sobre o tema, pela legitimidade de crédito de ICMS na aquisição das sacolas plásticas, conforme precedentes nos processos DRT-06-4055104-0/2015 e DRT-06- 4055105-2/2015, ambos julgados em sessão de 11/12/2018, processo DRT-06-4085857-1, sessão de 14/5/2019, e DRT-06-4055106-4/2015, sessão de 16/7/2019.

Entretanto, no final de 2018, a Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo modificou o entendimento oficial, concluindo que as sacolas e sacos plásticos distribuídos aos clientes, gratuitamente, para mero transporte das mercadorias adquiridas, não conferem direito a crédito do ICMS. A título de exemplo, as Respostas às Consultas nº 18467/18, nº 18487/18, nº 18494/18, nº 18496/18, nº 18499/18, nº 18513/18, nº 18514/18, nº 18518/18, todas de 30/11/2018, disponibilizadas no site da Sefaz nos dias 11 e 12/12/2018.

Referida modificação de entendimento restou consolidada por meio da Decisão Normativa CAT- 4, de 30/5/2019 (DOE 31/5/2019), que assim dispõe:

“1. No conceito de insumo incluem-se a matéria-prima, o material secundário ou intermediário, o material de embalagem, o combustível e a energia elétrica, consumidos no processo industrial ou empregados na atividade de prestação de serviços. 2. O material de embalagem que é considerado insumo é aquele consumido pelo fabricante no processo industrial, ou seja, aquele que se agrega à mercadoria produzida, integrando-se a ela. Não faz parte desse conceito o material de embalagem disponibilizado no momento da venda. 3. As sacolas plásticas disponibilizadas gratuitamente para acondicionar e transportar os produtos comercializados em supermercados não integram o produto a ser revendido, nem são consumidas em processo de industrialização, motivo pelo qual não podem ser consideradas insumos e não se agregam aos custos das mercadorias. São itens de mera conveniência, pois os produtos poderiam ser vendidos sem seu fornecimento. Portanto, são materiais de uso e consumo, contabilmente correspondentes a despesa de vendas. 4. Corrobora com tal entendimento a jurisprudência do E. STJ, como, por exemplo, manifestado no acórdão proferido no AgRg no REsp 1.393.151-MG, relator Min. Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014, segundo o qual ‘somente é possível classificar as alegadas ‘sacolas plásticas’ como bens destinados ao uso e consumo do estabelecimento, pois não têm essencialidade na atividade empresarial da contribuinte, sendo inclusive, prescindíveis, pois configuram mero regalo posto à disposição dos consumidores’. 5. Dessa forma, é vedado o crédito relativo à entrada das sacolas plásticas pelo estabelecimento comercial que as distribuirá gratuitamente a seus clientes (artigo 20, § 1º, da Lei Complementar 87/1996 e artigo 66, inciso V, do RICMS/2000). 6. O referido crédito será admitido quando for superado o limite temporal previsto no artigo 33, inciso I, da Lei Complementar 87/1996. 7. Ficam revogadas as manifestações que, versando sobre a mesma matéria, concluíram de modo diverso”.

Entretanto, tratando-se de fatos geradores pretéritos, realizados em data anterior à modificação do entendimento da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, época em que o entendimento oficial era pela legitimidade do direito ao crédito, balizando o procedimento dos contribuintes paulistas em geral, não se pode admitir a glosa dos créditos em questão, em atenção ao corolário dos princípios da segurança jurídica e da legalidade, assim considerado em face das normas complementares, tais como os atos normativos e as práticas reiteradas da Administração, compreendidas no conceito de legislação tributária.

Esse racional pode ser extraído pela análise conjunta dos artigos 100 e 146, ambos do CTN:

“Artigo 100 — São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”.

“Artigo 146 — A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.

Assim, para as mudanças ocorridas nos atos normativos genéricos e abstratos, caberia ao contribuinte invocar a aplicação do artigo 100, parágrafo único, do CTN, evitando o pagamento de penalidades, juros de mora e atualização monetária. Contudo, mesmo em tais atos normativos genéricos e abstratos, quando evidente que os critérios jurídicos estabelecidos nos atos normativos originários (que levaram o contribuinte a tomada de decisão) detinham grau de vinculação externa, poderia o artigo 146 do CTN também ser invocado.

Por consequência, mesmo com a consolidação da jurisprudência pela inexistência do direito de crédito de ICMS na aquisição de sacolas plásticas pelos supermercados, no que se refere aos contribuintes paulistas e em relação ao período anterior a 31/5/2019, data em que a Sefaz-SP alterou o seu posicionamento anterior [4], remanesce o direito de crédito nessa hipótese, em atenção aos citados artigos do CTN. Assim, eventuais exigências das autoridades fiscais em relação ao período anterior a maio de 2019 devem ser repelidas, cabendo aos contribuintes bandeirantes tomarem as medidas administrativas e judiciais cabíveis.

Isso porque reputa-se legítima a postura dos contribuintes ao valerem-se da orientação dada pela Sefaz-SP sobre como proceder em relação ao crédito de ICMS em discussão, em atenção ao princípio da proteção da confiança legítima na orientação oficial do Fisco (CF, artigo 37) [5].

[1] “Artigo 20 – Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação” (grifo do autor).
[2] AgInt no REsp 1.802.􀹋􀹎􀹍∕RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 20/8/2019, DJe 27/8/2019, REsp 1.808.􀹔􀹒􀹔∕RS, relator ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 11/6/2019, DJe 1/7/2019 e AgRg no REsp 1.393.􀹌􀹐􀹌∕MG, relator ministro Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014.
[3] Posteriormente, o AgInt no AREsp 1079725 / RS, DJe 26/11/2020, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, confirmou o entendimento do REsp 1830894/RS.
[4] Consideramos essa a data da alteração do posicionamento da Sefaz sobre a questão, com a edição Decisão Normativa CAT- 4, a despeito das Respostas às Consultas exaradas no final de 2018.
[5] “Artigo 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”.

Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino é advogado do escritório Dias de Souza Advogados Associados, administrador de empresas pela Faap, especialista em Direito Tributário pelo Ibet e mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP.

Revista Consultor Jurídico, 3 de maio de 2021, 9h13