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Artigos - 01/11/07

Mário Luiz Oliveira da Costa – Sucessão Tributária na Recuperação Judicial e na Falência

Veículo: Revista do Advogado. São Paulo, n°94, p.119. nov 2007
Autor(es): Mário Luiz Oliveira da Costa

As novas regras instituídas pela Lei nº 11.101/2005 e pela Lei Complementar nº 118/2005[1], vigentes há pouco mais de dois anos, trouxeram profundas modificações nos denominados procedimentos falimentares e nos aspectos fiscais envolvidos. Na parte fiscal, uma das alterações mais relevantes foi a exclusão da responsabilidade por sucessão nas aquisições em sede de procedimentos de recuperação judicial e falência.

O salutar objetivo do legislador foi facilitar a comercialização de unidades autônomas pelas empresas que se encontrem nas referidas situações – de modo a agilizar a obtenção de recursos adicionais, muitas vezes indispensáveis à pretendida reestruturação econômica e financeira ou, ao menos, à melhor satisfação dos interesses dos credores –, dando aos adquirentes a segurança jurídica de que não lhes serão cobrados os respectivos tributos que tenham incidido anteriormente à aquisição.

O tema envolve, contudo, questões que merecem atenção especial quer quanto aos aspectos gerais da sucessão tributária[2], quer no que tange aos procedimentos específicos de recuperação judicial e falência.

1. A regra geral da sucessão tributária

Determina o artigo 133 do Código Tributário Nacional que a pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional e continuar a respectiva exploração responderá pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato. Responderá integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade e subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

Aplica-se tal disposição aos tributos lançados ou não, provisionados ou não. Limita-se, todavia, à efetiva aquisição de estabelecimento ou fundo de comércio, ainda que por qualquer título e em sentido genérico, abrangendo, assim, não apenas a compra e venda, mas também as demais formas de alteração de propriedade, tais como doação, permuta e integralização de capital. Como explica Ives Gandra da Silva Martins, o conceito envolve a transmissão de direito de um determinado patrimônio (que se reduz) a outro (que se incrementa), contendo a expressão “por qualquer título” a intenção legislativa de abranger, sem exceção, qualquer espécie de transferência[3].

A venda de bens do ativo que não se qualifiquem como fundo de comércio ou estabelecimento, contudo, não implica sucessão, pois não está prevista no caput do artigo 133 em exame. Há de se verificar, também, a continuidade na exploração do negócio, ocorrendo a sucessão apenas quanto aos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido e a cuja exploração se dê prosseguimento. Portanto, caso não se verifique tal continuidade, estará afastada a sucessão ainda que adquirido um estabelecimento ou mesmo a empresa como um todo, hipótese equiparável à mera aquisição de determinados utensílios ou máquinas.

Já se determinada empresa[4] adquire, de outra, parte de seu estoque e alguns bens do ativo necessários à exploração do negócio, dando-lhe continuidade ainda que sob razão social distinta, presume-se ter adquirido o fundo de comércio (ao menos em parte) e, por conseqüência, ter-se-á caracterizada a responsabilidade por sucessão[5]. Como esclarece Hugo de Brito Machado, um ou alguns elementos isolados não são suficientes para configurar fundo de comércio ou estabelecimento, de modo que a sua aquisição somente implicará a responsabilidade tributária em questão “se os elementos adquiridos forem suficientes para traduzir a idéia de sucessão na atividade”, isto é, “se forem suficientes para transferir ao adquirente os bens imateriais como a fama e conseqüentemente a clientela do sucedido”.[6]

Em suma, nestas situações diferenciadas, apenas o exame das peculiaridades de cada caso concreto poderá definir se houve ou não transferência de parte do fundo de comércio ou do estabelecimento, bem como continuidade na sua exploração e, assim, sucessão na respectiva responsabilidade tributária.

2. Regulação específica da LC 118/2005 quanto à falência e à recuperação judicial

Em reconhecido avanço, dispôs a Lei Complementar nº 118/2005[7] que não se aplica o disposto no artigo 133 do CTN na hipótese de alienação judicial em processos de falência e de recuperação judicial[8], neste último somente quando o objeto de alienação for filial ou unidade produtiva isolada. Prevê, outrossim, a subsistência da responsabilidade por sucessão quando o adquirente for sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial (ainda que minoritário), ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial[9]; parente, em linha reta ou colateral até o 4º grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

Não basta encontrar-se o vendedor em processo de recuperação judicial ou falência. Estará afastada a responsabilidade por sucessão tão somente quando se tratar de alienação judicial havida em sede de tais procedimentos[10], atendidos os trâmites e requisitos impostos pela Lei nº 11.101/2005.

Acrescentou a LC 118, ainda, que, tratando-se de processo de falência, o produto da alienação judicial da empresa, filial ou unidade produtiva isolada deverá permanecer em conta de depósito à disposição do juízo de falência por um ano, admitida a sua utilização apenas para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que prefiram ao tributário (art. 133, § 3º do CTN, na redação da referida lei complementar).

3. Temas que suscitam maior reflexão

3.1. Fundo de comércio e estabelecimento / Empresa, filial e unidade produtiva isolada

Como visto, o caput do artigo 133 do CTN faz referência à aquisição de “fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional”. Já o parágrafo 3º do mesmo dispositivo, introduzido pela Lei Complementar nº 118/2005, refere-se a “empresa, filial ou unidade produtiva isolada” (estes dois últimos termos são também referidos no § 1º, relativamente à recuperação judicial).

Quanto aos termos “fundo de comércio” e “estabelecimento”, somente este último possui definição legal expressa. Conforme artigo 1.142 do Código Civil, “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. Entende Rubens Requião, equiparando os conceitos, que “o fundo de comércio ou estabelecimento comercial é o instrumento da atividade do empresário. Com ele o empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade. Forma o fundo de comércio a base física da empresa, constituindo um instrumento da atividade empresarial” (itálico original)[11].

Já Fran Martins indica que integram o fundo de comércio elementos incorpóreos e corpóreos que têm por escopo facilitar o exercício profissional empresarial com o fito de atrair fregueses, utilizados pelos empresários no desempenho de sua função econômica visando circulação de bens. Ressalta que, não obstante alguns tratadistas equiparem o fundo de comércio à empresa comercial (tomada esta no sentido do conjunto de capital, trabalho e organização, realizando a circulação das mercadorias com o intuito de lucro) e, realmente, verifique-se uma acentuada aproximação entre ambos os conceitos, subsistiria a distinção por ser aquele o conjunto de elementos de que se utiliza a empresa para obter bons resultados para a sua atividade[12].

Para Ives Gandra da Silva Martins, fundo de comércio é “o conjunto dos bens da empresa ou do profissional, inclusive aqueles de ordem imaterial (clientela)”, enquanto estabelecimento é “apenas uma unidade (muitas vezes, poderá ser a única) operativa”.[13] Hugo de Brito Machado, de seu turno, expõe que a idéia de estabelecimento “está mais ligada aos bens materiais, instalados no local em que a atividade é exercida e que se prestam como suporte dessa atividade” e, a de fundo de comércio, “ao conjunto de bens imateriais, representados pelo nome comercial, pela denominação dita de fantasia que faz conhecida a empresa, pelas marcas dos produtos por ela fabricados etc”.[14]

Finalmente, Fábio Ulhoa Coelho define-os da seguinte forma: estabelecimento empresarial “é o conjunto de bens que o empresário reúne para explorar uma atividade econômica”, enquanto fundo de comércio[15] é um atributo do estabelecimento empresarial consistente no “valor agregado ao referido conjunto, em razão da mesma atividade”, ou seja, no “sobrevalor nascido da atividade organizacional do empresário”.[16]

Em antigo Parecer Normativo (PN-CST nº 02/72), externou a Receita Federal entendimento oficial no sentido de que fundo de comércio e estabelecimento comercial são efetivamente sinônimos, pois ambos designam “o complexo de bens, materiais ou não, dos quais o comerciante se serve na exploração de seu negócio”, consignando, ainda, que, “juridicamente, não há distinção entre estabelecimento comercial e industrial”. Não obstante, estabelecimento comercial teria também “a acepção de unidade operativa onde se exercitar o comércio, ou onde se desenvolver a indústria ou profissão – loja, fábrica, armazém, oficina, escritório, etc.”, devendo ser esta interpretada como a constante do artigo 133 do CTN, sob pena de se verificar “inócua repetição de sinônimos”. Trata-se de entendimento adequado e consentâneo com o objetivo da norma.

De qualquer forma, independentemente das distinções doutrinárias, podendo ou não – e em que extensão – ser o conceito de estabelecimento equiparado ao de fundo de comércio, a relevância de suas definições para fins de sucessão tributária diz respeito aos bens materiais e imateriais necessários e/ou vinculados ao exercício de determinada atividade comercial, industrial ou profissional. Reitere-se, outrossim, que, por força da expressa restrição contida no artigo 133 do CTN, estará a sucessão limitada aos tributos relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, o que reduz, para fins fiscais, a importância da diferenciação entre fundo de comércio e estabelecimento, sendo mais relevante detectar a parcela destes que implique incidências fiscais e, por conseqüência, a transferência da responsabilidade pelo seu pagamento.

É nesse contexto que deve ser examinada a inovação trazida pela Lei Complementar nº 118/2005 que, ao invés de manter a referência aos termos “fundo de comércio” e “estabelecimento”, introduziu três novos ao tratar, no mesmo artigo 133 do CTN, da falência e da recuperação judicial: “empresa”, “filial” e “unidade produtiva isolada”.

Com efeito, enquanto o parágrafo terceiro do artigo 133, na redação da LC 118, faz referência a “empresa, filial ou unidade produtiva isolada”, determina o parágrafo primeiro que o disposto no caput não se aplica na hipótese de alienação judicial em processo de falência e, quanto à recuperação judicial, “de filial ou unidade produtiva isolada”. Não há, nos dispositivos acrescidos pela LC 118 ao artigo 133, menção expressa a “estabelecimento” ou “fundo de comércio”.

Sendo conhecido o conceito de empresa[17], cumpre examinar o que se deve entender como “filial” e “unidade produtiva isolada”, mais especificamente quanto às suas semelhanças e distinções e aos efeitos de sua inclusão no dispositivo legal ora examinado.

O termo filial, como se sabe, é utilizado para qualificar os estabelecimentos distintos da matriz, esta em geral de maior importância e onde se concentram as atividades relacionadas ao comando, à direção da empresa. A matriz é o estabelecimento principal, enquanto as filiais (assim também entendidas as sucursais e agências) são os estabelecimentos secundários[18].

A referência a “unidade produtiva isolada” certamente objetivou assegurar ao adquirente a segurança de que a responsabilidade estará afastada ainda que adquira estabelecimento sem existência formal[19] ou mesmo apenas parte do estabelecimento, hipóteses que, pela regra geral do caput do artigo 133 do CTN, implicariam sucessão. Assim, aplica-se a exceção do § 1º do artigo 133 quando houver a alienação judicial de estabelecimento apto a possibilitar o desempenho de atividade econômica, ainda que não formalmente constituído. Da mesma forma, a título exemplificativo, quando determinada empresa industrializa produtos diversos e, no âmbito do plano de recuperação judicial, entende-se conveniente que se desfaça da linha de produção (e respectivo fundo de comércio) de apenas um (ou alguns) deles, tal caracterizará a transferência de unidade(s) produtiva(s) isolada(s).

Poder-se-ia imaginar que, ao adotar termos distintos do caput na regulação específica (excludente) da sucessão na recuperação judicial, teria o legislador restringido as hipóteses em que a responsabilidade do adquirente, nesta situação, estaria afastada. Tratando-se de processo de recuperação judicial[20], estaria afastada a responsabilidade do adquirente tão somente em relação à “filial” ou “unidade produtiva isolada” adquirida, mas não quanto ao correspondente “fundo de comércio”.

Esta não parece, contudo, a melhor exegese.

Não se trata de manter a sucessão quanto à parcela do fundo de comércio transferida com determinada filial ou unidade produtiva isolada, mesmo porque não há determinação expressa neste sentido. Não é sequer razoável pretender que a sucessão não estivesse integralmente afastada na recuperação judicial, tal como assegurado na falência (apenas limitada, naquela, à filial ou unidade produtiva isolada), sob pena de frustrar por completo o objetivo da lei[21]. De nada adiantaria afastá-la de forma apenas parcial, excetuando o respectivo fundo de comércio e, assim, mantendo na prática as mesmas dificuldades para a comercialização de estabelecimentos que se verificava no regime anterior, da concordata preventiva.

Nesta situação, portanto, o fundo de comércio correspondente à filial ou unidade produtiva isolada objeto da alienação judicial qualifica-se como acessório, sujeitando-se como tal, na ausência de determinação legal expressa em sentido contrário, ao mesmo regime jurídico aplicável ao principal.

Dúvida relevante pode haver não quanto ao fundo de comércio correspondente à filial ou unidade produtiva isolada que seja vendida em procedimento de recuperação judicial, mas, sim, à hipótese de sua alienação em separado, de forma autônoma e independente.

Com efeito, ainda que não usual, nada obsta a alienação, em sede de procedimento de recuperação judicial, tão somente de parte de determinado fundo de comércio, como certa marca comercial em conjunto com os direitos de produção e comercialização[22], vez que a Lei nº 11.101/2005 permite a venda parcial de bens (art. 50, XI), condicionando-a, apenas, à aprovação dos credores (art. 53, I c/c arts. 55 e 56). E, de fato, como antes referido, a LC 118/2005 afasta a sucessão, em se tratando de processo de recuperação judicial, “na hipótese de alienação judicial de filial ou unidade produtiva isolada”, o que não parece aplicável à alienação isolada de parte do fundo de comércio, desvinculada de qualquer filial ou unidade produtiva. Aqui sim, entender que a alienação judicial de parte isolada do fundo de comércio fosse equivalente à da filial ou unidade produtiva implicaria extrapolar a razoável e possível interpretação da lei, inovando-a[23]. Caso venha a interpretar a norma neste sentido, atuará o Judiciário como legislador positivo, o que lhe é vedado.

Corrobora o que aqui se afirma o fato de a Lei nº 11.101/2005 conter previsão expressa de que, na alienação “conjunta ou separada de ativos”[24] em sede de procedimento de falência, “o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária” (art. 141, II), enquanto, ao referir-se ao procedimento de recuperação judicial, igual dispensa fica restrita à “alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas” (art. 60). Confirma o mesmo raciocínio, igualmente, o fato de a Lei nº 11.101/2005 (arts. 60 e 142) restringir as formas de alienação de quaisquer ativos na falência e, na recuperação judicial, apenas das filiais ou unidades produtivas isoladas.[25]

À vista do quanto até aqui exposto, tem-se que, não obstante comportem distinções conceituais, haverá sucessão apenas e tão somente quando transferida parte (ou a íntegra) do fundo de comércio, da empresa, do estabelecimento, da filial ou da unidade produtiva isolada e se, cumulativamente, (a) os bens transferidos forem suficientes à continuidade da exploração da respectiva atividade comercial, industrial ou profissional; (b) houver efetivamente tal continuidade e (c) houver tributos relativos aos bens transferidos. Estará afastada a sucessão, outrossim, quando, ainda que preenchidos tais requisitos, tratar-se de alienação judicial de quaisquer destes bens em sede de procedimento de falência ou recuperação judicial, à exceção, neste último, da alienação do estabelecimento matriz ou da empresa como um todo (ressalvada na legislação pelo simples fato de não ser tal providência condizente com aquele procedimento), bem como de parte do fundo de comércio desvinculada da respectiva filial ou unidade produtiva isolada.

3.2. Locação e arrendamento

Merece destaque a responsabilidade por sucessão na locação e no arrendamento, tanto na hipótese geral, quanto na recuperação judicial e na falência, mesmo porque a Lei nº 11.101/05 admite ao devedor arrendar estabelecimento no âmbito daquele procedimento (art. 50, VII) e, neste, “alugar ou celebrar outro contrato” (art. 114).

Não há sucessão para fins tributários se, por exemplo, um novo inquilino se instala em determinado imóvel e passa a explorar a mesma atividade comercial do inquilino anterior, sem que tenha efetivamente adquirido (pela simples razão de não ter com ele formalizado qualquer relação jurídica) o respectivo fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional. Vale dizer, é imperioso, para caracterizar a sucessão de que cuida o artigo 133 do CTN, que a transferência do fundo de comércio ou do estabelecimento se dê diretamente do explorador anterior ao seguinte.

Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, dentre outras ocasiões, quando do julgamento do Recurso Especial nº 108.873/SP[26]. Não fosse assim, sempre que alguém se estabelecesse em local antes ocupado por outro – com o qual não tivesse tido qualquer relação jurídica – e exercesse a mesma atividade, estaria obrigado ao pagamento dos tributos devidos por aquele que ali tivesse anteriormente se estabelecido, o que, na prática, inutilizaria o local para o mesmo ramo de atividade[27].

De outro lado, na hipótese de ser o estabelecimento ou fundo de comércio alugado ou arrendado diretamente pelo devedor a outra pessoa natural ou jurídica de direito privado, poder-se-á verificar a sucessão se caracterizadas a efetiva transferência e continuidade na exploração da atividade empresarial. Como exposto no item 1, também aqui as peculiaridades de cada caso concreto serão decisivas para que se possa definir se houve ou não transferência e continuidade e, por conseqüência, sucessão na respectiva responsabilidade tributária.

No que respeita especificamente aos procedimentos de falência e recuperação judicial, cumpre observar que enquanto, de um lado, o caput do artigo 133 do CTN prevê a sucessão na transferência “por qualquer título” do estabelecimento ou fundo de comércio (o que, justamente, fundamenta a sua aplicação nas hipóteses de locação ou arrendamento), o § 1º do mesmo dispositivo, introduzido pela LC 118, afasta-a tão somente “na hipótese de alienação judicial” nos referidos procedimentos.

Ora, alienação não é sinônimo de locação ou arrendamento, o que impossibilita estender a estes os efeitos jurídicos assegurados exclusivamente àquela. Conforme De Plácido e Silva, alienação “é o termo jurídico, de caráter genérico, pelo qual se designa todo e qualquer ato que tem o efeito de transferir o domínio[28] de uma coisa para outra pessoa, seja por venda, por troca ou por doação”. Alienar significa “tornar de outrem a coisa que era nossa e que se lhe transferiu por título inter vivos, seja gratuito ou oneroso”[29]. Na locação ou arrendamento (este mais propriamente empregado para distinguir a locação de prédios rurais), diversamente, transfere-se não o domínio, mas apenas a posse, o uso e gozo do bem, por prazo determinado ou indeterminado[30].

Nelson Nery Junior, examinando o disposto no artigo 1.144 do Código Civil[31], deixa claro que alienação e arrendamento são institutos distintos e inconfundíveis. A alienação do estabelecimento, qualificada como trespasse ou trespasso, “é o negócio jurídico por meio do qual o empresário ou sociedade empresária (trespassante) aliena o estabelecimento comercial (empresarial) como um todo ao adquirente (trespassário), transferindo-lhe a titularidade de todo o complexo que integra o estabelecimento empresarial e recebendo o pagamento do adquirente”, enquanto, no arrendamento, “o titular primitivo transfere parte de seus poderes (constituição de direitos de uso e gozo) ao novo empresário, que não é o titular do estabelecimento, mas seu explorador”, devendo, ao final do negócio, devolvê-lo “ao seu titular pleno”[32].

Dúvida não remanesce, portanto, de que os efeitos jurídicos da alienação e da locação ou do arrendamento somente podem ser equiparados por expressa determinação legal, relativamente a determinadas situações e para os fins que a lei identifique claramente. Tratando-se de procedimentos de recuperação judicial e falência, ainda que viável a locação ou o arrendamento do estabelecimento, não há previsão legal equiparando os seus efeitos jurídicos aos da alienação judicial.

A distinção entre o caput e o § 1º do artigo 133 do CTN, assim, não pode ser ignorada. Quis o legislador que, em sede de recuperação judicial ou falência, apenas na alienação judicial – e não nas demais formas de transferência do estabelecimento ou do fundo de comércio – ficasse afastada a sucessão da responsabilidade fiscal.

Por estas razões, verificados os requisitos do caput do artigo 133 e tratando-se de recuperação judicial ou falência, estará afastada a sucessão tão somente na hipótese de alienação judicial do estabelecimento, da filial, da unidade produtiva isolada ou do fundo de comércio[33]. Ocorrendo a transferência por forma distinta da alienação judicial, aplicar-se-á, sem exceções, a regra geral de sucessão.

3.3. Agente com objetivo de fraude

Dentre as “exceções das exceções”, isto é, as hipóteses em que, mesmo na alienação judicial em procedimento de recuperação judicial ou falência, subsistirá a responsabilidade por sucessão se preenchidos os requisitos do caput do artigo 133 do CTN, desperta maior atenção aquela atinente ao adquirente “identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária”. Isto porque as demais exceções constantes do § 2º do artigo 133[34] envolvem critérios técnicos e objetivos, ao passo que esta guarda razoável subjetivismo quanto à interpretação que se lhe possa dar.

Não há definição expressa, no dispositivo, quanto à forma ou aos requisitos para a identificação do agente, menos ainda das situações em que alguém poderá ser considerado como tal ou quando estará caracterizado o objetivo de fraude.

Caberá ao Fisco investigar as peculiaridades de cada caso concreto, a fim de determinar se o adquirente agiu ou não como “agente do falido ou do devedor em recuperação judicial”. Deverá fazê-lo, por óbvio, no âmbito do competente procedimento administrativo, asseguradas todas as garantias a ele inerentes, em especial o contraditório e a ampla defesa.

O claro objetivo do legislador, em todas as hipóteses excepcionadas, foi manter a responsabilidade por sucessão mesmo na aquisição em sede de falência ou recuperação judicial se o próprio devedor der, direta ou indiretamente, prosseguimento à atividade empresarial. Trata-se de prova indispensável à eventual imputação, ao adquirente, da responsabilidade por sucessão. Se o adquirente for efetivamente desvinculado do devedor, com este último remanescerá, de forma exclusiva, a responsabilidade tributária.

Assim, poderá ser tido como “agente”, para os fins do dispositivo examinado, qualquer adquirente que atuar de modo a propiciar ao próprio devedor prosseguir, de forma direta ou indireta, na exploração da atividade empresarial atinente ao estabelecimento, fundo de comércio, filial ou unidade produtiva adquiridos. Aplica-se à hipótese, em parte, o conceito de agente previsto no artigo 710 do Código Civil[35], não limitado ao procurador ou mandatário em sua acepção estrita[36], ou seja, independentemente de tratar-se de obrigação assumida em caráter eventual ou não, com ou sem vínculos de dependência ou retribuição.

Por último, resta examinar a expressão “com o objetivo de fraudar a sucessão tributária”. Como já referido, a razão única da dispensa de que se cuida foi facilitar a alienação dos ativos das empresas em processo de recuperação judicial ou falência, de modo a manter concentrada no vendedor a responsabilidade tributária atinente aos fatos geradores até então verificados. Não há qualquer motivo para beneficiar o adquirente se este for, em última análise, o próprio devedor ou sua extensão. Por força desta expressão incluída no dispositivo legal, contudo, tal poderá vir a ocorrer.

De fato, não basta, para manter a responsabilidade por sucessão, que o adquirente seja identificado como agente do falido ou devedor em recuperação judicial. Há a necessidade de comprovação de que tal se deu com o objetivo de fraudar a sucessão tributária, ou seja, afastá-la em hipótese em que, a rigor, deveria subsistir.

Nesta parte, portanto, o legislador pecou pelo excesso. Bastaria indicar que a sucessão subsistiria quando identificado o adquirente como agente do devedor de modo que, na prática, este próprio tivesse dado continuidade, direta ou indiretamente, à exploração da respectiva atividade empresarial. Tendo sido incluído o objetivo de fraude como requisito para a subsistência da sucessão, este também precisa ser provado. Mais ainda, é indispensável a prova de que tal objetivo existia no momento da alienação.

O objetivo de fraudar a sucessão tributária exige, assim, a comprovação de ter havido esta intenção, de ter o agente agido com dolo. Não se admite mera conjectura a respeito, ainda que aceitável a prova indiciária, desde que inequívoca[37] – requisito, aliás, indispensável a este tipo de prova. Deste modo, quando verificada a boa-fé do devedor e do adquirente – ausente, portanto, o dolo –, mesmo sendo este identificado como agente daquele, não haverá “objetivo de fraudar a sucessão tributária” e, por conseqüência, estará afastada a responsabilidade por sucessão.

Pode ocorrer, por exemplo, de a utilização de um agente dar-se exclusivamente por razões comerciais, pretendendo evitar o pronto conhecimento público de que o mesmo empresário permaneceu na condução do negócio (o que, em determinadas situações, pode implicar óbices adicionais à reconquista do mercado). Se, numa situação como esta, o devedor, antes da alienação, tiver parcelado o débito fiscal e tudo indicava que tinha intenção e reais condições de honrá-lo integralmente com o patrimônio remanescente, mas acaba não o fazendo[38], não estará atendido o requisito legal para a subsistência da sucessão tributária, pois não haverá prova do efetivo objetivo de fraude no momento da alienação, de que se pretendia burlar o fisco, mantendo a exploração da atividade pelo mesmo titular sem quitar o passivo tributário anterior.

Em suma, mesmo quando o adquirente for identificado como agente do devedor, tratando-se de alienação em sede de procedimento de recuperação judicial ou falência, não haverá a sucessão se não for comprovado o objetivo de fraudá-la e não se tratar das demais exceções elencadas no § 2º do artigo 133 do CTN.

Todas estas questões deverão ser enfrentadas no âmbito do processo administrativo ou judicial competente[39], conforme as provas nele coligidas.

Conclusão

Os temas aqui abordados não esgotam os vários aspectos atinentes à sucessão da responsabilidade tributária nos procedimentos de recuperação judicial e falência que possibilitam a formação de convicções jurídicas no sentido tanto da sua ocorrência, quanto no de restar afastada por expressa determinação legal.

Em inúmeras situações poderá o adquirente de determinado estabelecimento, fundo de comércio, filial ou unidade produtiva isolada, ainda que de boa-fé e, eventualmente, até mesmo amparado em orientação firmada por seus consultores no sentido de restar afastada a sucessão, vir a ser posteriormente surpreendido com a exigência de tributos atinentes a fatos geradores ocorridos anteriormente à aquisição, sob o fundamento de que, em razão das peculiaridades do caso concreto, estaria caracterizada a sucessão.

A evolução da doutrina e a consolidação da jurisprudência, ao longo do tempo, auxiliarão a reduzir a insegurança jurídica envolvida nestas situações especiais, ainda que não a eliminem por completo.

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Obs.: Artigo publicado na Revista do Advogado (AASP) nº 94 – novembro/2007.

[1] Ambas publicadas no Diário Oficial de 09/02/2005.

[2] Que não serão abordados nesta oportunidade, salvo no que pertinentes à matéria efetivamente examinada.

[3] Comentários ao Código Tributário Nacional, 2006, p. 267.

[4] A título de exemplo, pois o sucessor poderá ser pessoa física ou jurídica de direito privado, como determina o dispositivo legal de que se cuida.

[5] Aplica-se o mesmo entendimento à locação e ao arrendamento, como será demonstrado no item 3.2.

[6] Comentários ao Código Tributário Nacional, 2004, v. II, p. 561/562.

[7] No mesmo sentido, os artigos 60 e 141 da Lei nº 11.101/2005.

[8] Não alcançando, portanto, a recuperação extrajudicial.

[9] Assim, não haverá sucessão se o adquirente for sociedade integrada pela empresa falida ou em recuperação (ou, ainda, por um de seus sócios), desde que não detenha o seu controle e salvo se verificado o objetivo de fraude.

[10] Quanto à recuperação judicial, como antes referido, limitada à filial ou à unidade produtiva isolada que sejam vendidas, o que será examinado no tópico seguinte.

[11] Curso de Direito Comercial, 2003, v. 1, p. 270.

[12] Curso de Direito Comercial, 2005, p. 411/416.

[13]Ob. cit., p. 267.

[14]Ob. cit., p. 561.

[15] Cuja denominação correta, no seu entender, seria “fundo de empresa”, por tratar-se de fato econômico com repercussões jurídicas na organização de estabelecimento de qualquer atividade empresarial, não apenas daquela de natureza comercial.

[16] Curso de Direito Comercial, 2007, v. 1, p. 98.

[17] A par do quanto já exposto, Ives Gandra da Silva Martins, fundamentando-se em Aliomar Baleeiro, esclarece que empresa “é a firma, individual ou coletiva, que explora o comércio, indústria ou atividade profissional com o intuito de lucro ou remuneração” (ob. cit., p. 265/266).

[18] Rubens Requião, ob. cit., p. 277.

[19] Nos termos do artigo 126, III do CTN, a capacidade tributária passiva independe “de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”.

[20] Na falência a dúvida não se põe, face à redação do dispositivo legal em comento.

[21] Deve o intérprete buscar, dentre as interpretações possíveis do contido na norma, aquela cujo sentido seja conducente ao resultado mais razoável, que melhor corresponda às necessidades da prática (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 1999, p. 165/167).

[22] Admitindo-se, a título exemplificativo, a aplicabilidade do disposto no artigo 133, caput do CTN a esta situação.

[23] Aliás, tratando-se de recuperação judicial, há referência expressa na Lei nº 11.101/2005 apenas à “alienação judicial” de filiais ou unidades produtivas isoladas (art. 60), de modo que entender como tal a alienação autorizada de parte do fundo de comércio (conforme art. 50, XI c/c arts. 53, I e 66) já configura esforço de interpretação.

[24] Admitida, portanto, a alienação de parte isolada do fundo de comércio.

[25] Impondo que se verifiquem por uma das seguintes modalidades: leilão (por lances orais), propostas fechadas ou pregão.

[26] Cujo acórdão restou assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO. NÃO OCORRÊNCIA.

A responsabilidade prevista no artigo 133 do Código Tributário Nacional só se manifesta quando uma pessoa natural ou jurídica adquire de outra o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial, industrial ou profissional; a circunstância de que tenha se instalado em prédio antes alugado à devedora, não transforma quem veio a ocupá-lo posteriormente, também por força de locação, em sucessor para os efeitos tributários. Recurso especial não conhecido.” (Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 04/03/1999, v.u.)

[27] Hugo de Brito Machado, ob. cit., p. 563.

[28] Ou seja, a propriedade, não apenas a posse.

[29] Vocabulário Jurídico, 2007, p. 94/95.

[30] De Plácido e Silva, ob. cit., p. 140 e 862.

[31] No sentido de que, para produzir efeitos quanto a terceiros, o contrato que tenha por objeto “a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento” deve ser averbado no Registro Público de Empresas Mercantis e publicado na imprensa oficial.

[32] Código Civil Comentado, 2006, p. 691/692.

[33] Quanto a este, salvo se transferido, no procedimento de recuperação judicial, de forma isolada (desvinculada da respectiva filial ou unidade produtiva isolada), como demonstrado no item anterior.

[34] Ser o adquirente sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; ou, ainda, parente, em linha reta ou colateral até o 4º grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios.

[35] “Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

Parágrafo único. O proponente pode conferir poderes ao agente que este o represente na conclusão dos contratos.”

[36] Cf. Eduardo Domingos Bottallo, Breves Notas Sobre a Lei Complementar nº 118/05 (Alterações do Código Tributário Nacional Decorrentes da Nova Lei de Falências) – in Grandes Questões Atuais do Direito Tributário, 2005, p. 78.

[37] Isto é, que não comporte dúvida razoável, não admita conseqüência possível noutro sentido e não contrarie outros indícios que apontem em direção distinta.

[38] Ainda que por dolo posterior, pois, aí, não se trata de utilização de agente com o objetivo de fraude.

[39] Distinto do juízo falimentar, a quem não é reservada tal competência pela lei ou pela Constituição Federal. Oportuno ressaltar, outrossim, ser manifestamente inaplicável à imputação da sucessão tributária o disposto no artigo 143 da Lei nº 11.101/2005 (“Art. 143. Em qualquer das modalidades de alienação referidas no art. 142 desta Lei, poderão ser apresentadas impugnações por quaisquer credores, pelo devedor ou pelo Ministério Público no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da arrematação, hipótese em que os autos serão conclusos ao juiz, que, o prazo de 5 (cinco) dias decidirá sobre as impugnações e, julgando-as improcedentes, ordenará a entrega dos bens ao arrematante, respeitadas as condições estabelecidas no edital.”), mesmo porque não se trata, aqui, propriamente de impedimento à alienação do respectivo ativo, mas, tão somente, de seus efeitos jurídicos em relação ao Fisco.