Veículo: O Direito Econômico na Atualidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. Págs. 169-190
Autor(es): Mário Luiz Oliveira da Costa
A crise financeira internacional, iniciada em 2007 e cujo ápice foi marcado pela falência do banco Lehman Brothers (em Setembro/2008), comprovou que a Economia não prescinde de uma atuação do Estado próxima e eficaz. É insuficiente que o Estado não seja, meramente, ausente ou distante. A complexidade da economia moderna e os avanços tecnológicos que possibilitaram uma integração mundial, com transações financeiras instantâneas, concluídas a qualquer hora e em qualquer lugar, passaram a exigir um acompanhamento permanente e eficaz do Estado[1]. Este não pode demorar para reagir ao menor sinal de agravamento dos desequilíbrios de mercado, sob pena de maximizar exponencialmente o risco de crises de grande dimensão, com efeitos não mais limitados a um único País ou Região.
O acompanhamento mais próximo se justifica especialmente no setor financeiro, mas é de todo desejável em relação a quaisquer outras atividades econômicas relevantes, pois, nestas, a complexidade e a instantaneidade das relações comerciais em geral implicam os mesmos riscos e efeitos.
Há de se evitar, contudo, a natural tendência de, no curso da crise ou enquanto ainda dela estiver a se recuperar a economia mundial, ser por demais robustecida a intervenção do Estado na Ordem Econômica, ultrapassando o necessário, o admitido na Constituição Federal. Regulação, disciplina, organização racional, regras de transparência e monitoramento permanente, objetivando maior eficácia e controle das instabilidades de mercado, são de todo desejáveis, enquanto assim resultarem. De outro lado, contudo, excesso de regras, rigor exacerbado e engessamento da atividade econômica, com restrições ao livre mercado que ultrapassem o quanto necessário, são nocivos e ilegítimos. A dose do remédio deve ser adequada, para que não se transforme em veneno.
É neste cenário que se torna relevante a autorregulação, mecanismo que pode ser extremamente eficiente no auxílio do controle das instabilidades de mercado e da redução dos encargos e responsabilidades do Estado, desde que não os anule por completo.
Os limites da atuação do Estado na Ordem Econômica devem ser definidos e observados, assim, com a maior clareza possível. As reflexões ora apresentadas não objetivam, em absoluto, esgotar o tema, mas, apenas, indicar alguns critérios que possam ser considerados na busca de um Estado regulador eficiente, para o que a autorregulação pode ser de grande valia.
1. Características, limites e condições da atuação do Estado no domínio econômico.
1.1. Características.
A rígida intervenção do Estado no Domínio Econômico, verificada no passado, há muito deixou de ter espaço político, econômico ou jurídico, no Brasil e no mundo contemporâneo. Os regimes extremos, quer do laissez-faire (pleno liberalismo), quer da total interferência do Estado (presença absoluta ou, em termos econômicos, planificação global[2]), não mais se verificam, praticamente, em todo o mundo. Foram substituídos por sistemas mistos, com maior ou menor preponderância da liberdade econômica ou da participação do Estado conforme o regime econômico adotado e as oscilações de conjuntura.
No Brasil, outrossim, não mais se discute a preponderância da liberdade econômica, assegurada a participação do Estado, tal qual determina a Constituição, de forma incentivadora e reguladora da atividade econômica. Não mais compete ao Estado o papel de produtor – direto ou indireto – de bens e serviços. Regulamentações excessivas, a dificultar a atividade empresarial, devem ser afastadas. Cabe, na atualidade, ao Estado regulador, o papel de indutor da iniciativa privada, atuando como fator de viabilização daqueles que produzem bens e serviços, isto é, contribuindo para o aprimoramento das eficiências de mercado[3]. Tudo isso sem prejuízo, obviamente, dos adequados acompanhamento e fiscalização da atividade privada a que pode e deve proceder, pois cabe ao Estado conduzir e ordenar, visando à preservação do mercado, o desenrolar do processo econômico, mesmo porque o capitalismo não reclama o afastamento do Estado do mercado ou da atividade econômica privada, mas sim a atuação estatal, reguladora, a serviço dos interesses do mercado[4].
Não por outra razão, aliás, a desregulamentação do agribusiness brasileiro foi sendo progressivamente desejada e solicitada por parte expressiva de seus integrantes, com ênfase no final da década de 1980 e no curso da década de 1990, quando grandes mudanças estruturais alteraram instituições e organizações que então encontravam-se estabelecidas há quase meio século, como aquelas vinculadas aos sistemas do café, do trigo e do leite[5].
Tais sistemáticas de rígida intervenção, a par de não mais vigorarem, efetivamente não teriam quaisquer condições de serem retomadas. O Estado não se presta a atuar na atividade econômica privada, como fazia – essa não é e nem deve ser a sua finalidade, mesmo porque não tem competência ou aptidão para tanto. Grande parte dos atos interventivos verificados no passado, por melhores que tenham sido as intenções de seus idealizadores, acabou por provocar distorções e prejuízos ainda maiores do que aqueles que objetivavam corrigir.
Cumpre, assim, verificar as características da atuação do Estado no Domínio Econômico admitida na Constituição Federal de 1988. Considerando não ser relevante para o presente estudo os requisitos para a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, importa mais concretamente, nesta oportunidade, o disposto nos seus artigos 170 e 174, que regulam a intervenção indireta. Aquele estabelece os fundamentos, a finalidade e os princípios da ordem econômica, enquanto este delimita a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica. Pois bem, são fundamentos da ordem econômica a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa[6], tendo ela por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Para tanto, devem ser observados os seguintes princípios: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio-ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (art. 170, caput e incisos[7]). É expressamente assegurado a todos, ainda, o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Cabe ao Estado exercer, na forma da lei e na qualidade de agente normativo e regulador da atividade econômica, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Esta última função será determinante para o setor público e meramente indicativa para o privado[8]. Compete à lei, ainda, estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, que deverá incorporar e compatibilizar os planos nacionais e regionais de desenvolvimento (art. 174, caput e § 1º da CF-88).
Não se pode deixar de considerar, ainda, o disposto no § 4º do artigo 173 (que, a rigor, estaria melhor situado como § 2º do artigo 170 ou mesmo como um dos parágrafos do artigo 174), no sentido de que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros.
É de suma importância esclarecer que as funções executivas da intervenção / regulação (fiscalizar, incentivar e planejar) vinculam-se ao exercício das funções qualitativas (normatizar e regular), mas não as limitam. Não se desconhece que doutrinadores de escol tenham se manifestado no sentido de que, face aos termos em que redigido o artigo 174 da Magna Carta, estaria o Estado, ao intervir na atividade econômica privada como seu agente normativo e regulador, limitado apenas a fiscalizar, incentivar e planejar indicativamente[9].
Há de se considerar, todavia, que tais funções executivas – especialmente a de fiscalização – pressupõem outras que lhes são anteriores e restam igualmente previstas no artigo 174 da Carta: as de normatização e regulação. De fato, se o Estado deverá exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento “como agente normativo e regulador da atividade econômica”, resta claro que lhe compete, em primeiro plano, normatizar e regular dita atividade. Não fosse assim, restaria esvaziada, sem objeto, a função de fiscalização, pois simplesmente não haveria o que fiscalizar. Ademais, dúvida não há quanto à competência legislativa da União sobre a atividade econômica, na medida em que o artigo 24 da Constituição de 1988 prevê a sua competência para legislar sobre direito econômico (inciso I) e sobre produção e consumo (inciso V), competências estas de caráter nitidamente interventivo. Pinto Ferreira, por exemplo, qualifica a competência para legislar sobre produção e consumo como a “arma da intervenção econômica nas mãos do governo federal”, tendo-a por “indispensável”[10].
Disto decorre a inegável possibilidade de a União Federal intervir no domínio econômico[11], não apenas no exercício das funções de fiscalização, incentivo e planejamento, mas, até mesmo numa etapa prévia, destas condicionante, como agente normativo e regulador que é, editando leis acerca do direito econômico e dos institutos ligados à produção e ao consumo, como regras de relacionamento entre produtores e consumidores, podendo “restringir, proibir, proteger, encorajar, promover o consumo de qualquer bem”[12].
As funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo, portanto, não são a essência da atividade normativa e reguladora; antes, são o seu perfil. São a feição que a atividade normativa e reguladora deve ter, e não ela própria[13]. O artigo 174 da Constituição não define o que seja a atividade normativa e reguladora, mas apenas dispõe acerca do seu exercício, de modo que aquela existe enquanto figura jurídica em si mesma, independentemente dos três conceitos referidos no dispositivo. Mais ainda, em momento algum determina a Constituição que o Estado deva exercer exclusivamente as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. A única conclusão possível, numa interpretação sistemática do texto, é no sentido de que ali se assegura ao Estado o exercício inclusive de referidas funções que, como dito, revelam o perfil das funções normativa e reguladora, mesmo porque jamais cogitaram, quer a população, quer os legisladores constituintes, de um sistema de mercado que pudesse subsistir sem qualquer regulação normativa da atividade econômica no sentido de limitar, restringir e adequar determinados direitos a fim de evitar abusos e/ou danos à coletividade.
Já a diferenciação entre as funções normativa e reguladora começou a ser melhor delineada a partir da efetiva implementação das chamadas agências governamentais (ou reguladoras). A função normativa está mais vinculada à produção de textos legais e regulamentares, enquanto a função reguladora diz respeito à qualidade do Estado Regulador, que não deverá atuar diretamente no plano econômico (salvo nas hipóteses excepcionais, expressamente admitidas na Constituição, que não são objeto deste exame), mas volta-se a ele, na forma de promotor da eficiência no mercado.
Em síntese, permeiam a intervenção indireta (ou regulação) do Estado no domínio econômico, por força da Carta de 1988, as seguintes características:
Fundamentos que a justificam: livre iniciativa e valorização do trabalho humano.
Princípios que a norteiam: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio-ambiente; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Forma pela qual pode se dar: lei.
Objetivos que a legitimam: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social; estabelecer as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado e reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros.
Funções qualitativas: normatizar e regular.
Funções executivas: fiscalizar; incentivar e planejar (esta de forma determinante para o setor público e indicativa para o privado).
O exame da regulação do domínio econômico pelo Estado admitida em nosso país na atualidade, assim, deve necessariamente considerar estes fundamentos, princípios, forma, objetivos e funções, bem como os demais preceitos da Constituição Federal de 1988, numa análise integrativa.
Fixadas as características da regulação, resta identificar os limites e as condições para o seu exercício.
1.2. Limites e condições.
1.2.a) Legalidade e motivação.
Um dos requisitos de validade mais importantes da intervenção indireta do Estado no domínio econômico é o de que somente possa ser exercida na forma da lei. Não bastasse já ter sido alçado à categoria de direito fundamental (art. 5º, II), permeia o princípio da legalidade todo o Capítulo atinente aos princípios gerais da atividade econômica, restando referido – de forma quase exaustiva – em praticamente todos os artigos que o integram[14]. Determinações de natureza intervencionista fora do âmbito legal, portanto, somente se legitimarão quando expressamente autorizadas em lei.
Contudo, tão somente a autorização legal não é suficiente para dar à regulação a necessária legitimação constitucional. A Constituição é expressa ao delimitar as hipóteses em que a intervenção estatal no domínio econômico resta autorizada. Para tanto, há de conformar-se aos fundamentos, princípios e objetivos antes referidos. Neste contexto, as normas infraconstitucionais (leis, decretos que as regulamentem, etc.) de natureza intervencionista devem veicular regras que possibilitem atingir os fins indicados na Lei Maior.
Portanto, é essencial que tais normas contenham ampla motivação, pois só assim se viabilizará o exame de sua legitimidade em face dos princípios e finalidades previstos na Constituição. Normas de intervenção imotivadas padecem de vício intrínseco e insuperável de inconstitucionalidade por impossibilitarem, de antemão, o próprio teste de legalidade e constitucionalidade mediante o indispensável confronto entre os motivos e objetivos declarados, face ao que resta autorizado na Constituição e na legislação infraconstitucional. Não se trata, assim, de requisito apenas formal do ato administrativo[15].
Na lição de Cino Vitta o requisito da motivação não significa a mera menção à norma de direito que pretensamente legitimaria o ato praticado; impõe-se a indicação das razões de fato e dos motivos de direito pelos quais se dita o procedimento, sob pena de o administrado apenas compreender qual norma se lhe aplicou e não, como é de rigor, as razões efetivas pelas quais foi invocada da sua aplicação[16].
1.2.b) Razoabilidade e proporcionalidade.
O aparente antagonismo entre alguns dos princípios constitucionais da ordem econômica exige profundo cuidado e grande sabedoria, nas atividades desenvolvidas pelos integrantes dos denominados Três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. A qual dos princípios dever-se-á dar maior importância: propriedade privada ou função social da propriedade; livre concorrência ou defesa do consumidor? Esta antinomia jurídica imprópria não possibilita que um dos princípios seja anulado, sacrificado, em face do outro. Há de buscar-se, como regra de hermenêutica, interpretação conforme à Constituição, de forma a harmonizar os princípios aparentemente antagônicos, assegurando-lhes complementaridade. Deve-se adequar as “normas às relações sociais, em função da tábua de valores dominantes”[17], integrando-os[18].
Ressalte-se, assim, a importância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, chaves mestras indispensáveis para tal integração de princípios. Trata-se de princípios orientadores, sem conteúdo próprio, que configuram o instrumento na busca do justo, aplicando-se nas ações concretas em que se deva optar pela prevalência de alguns princípios em detrimento (parcial) de outros[19].
De fato, conforme doutrina constitucional mais moderna, tratando-se de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas acerca da admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas, também, quanto à compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. Essa orientação permitiu converter o princípio da reserva legal no princípio da reserva legal proporcional e pressupõe, além da legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, a adequação desses meios para concentração dos objetivos pretendidos e a necessidade de sua utilização. Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da regulação para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito). Ou seja, o pressuposto da adequação exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos[20].
Verifica-se na doutrina e na jurisprudência, muitas vezes, a utilização indistinta dos vocábulos razoabilidade e proporcionalidade. A razoabilidade estaria mais ligada à experiência norte-americana, no sentido da deliberação “conforme à razão”, vinculada ao bom senso, à moderação, ao passo que a proporcionalidade vincular-se-ia à proibição do excesso enquanto parâmetro de comparação e equalização, atrelada à experiência européia, especialmente a alemã.
Todavia, ainda que umbilicalmente ligados, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade guardam certa distinção: enquanto aquele diz respeito ao “mínimo aceitável”, de modo a afastar soluções, interpretações ou conclusões absurdas ou teratológicas, este implica a busca da “melhor solução possível” dentre aquelas que se apresentem em determinado momento e/ou situação, assim entendida a mais adequada, a mais ponderada conforme critérios de necessidade e adequação, com a conseqüente “proibição do excesso”. Assim, nada impede que em determinada situação a opção adotada possa mostrar-se razoável (enquanto não absurda ou teratológica), mas não proporcional (se tiver sido preterida outra opção que se mostrasse, para os fins e necessidades envolvidos, mais adequada, de menor onerosidade ou simplesmente menos excessiva).
De qualquer forma, independentemente das distinções que se possam verificar dentre ambos os institutos, importa considerar tratar-se, no caso, não apenas de garantia de obediência aos ditames do Estado Democrático de Direito e aos direitos fundamentais, mas, pragmaticamente e ao que importa à análise ora desenvolvida, da única forma viável para compor satisfatoriamente aparentes conflitos entre princípios.
Com efeito, o conflito aparente entre dois ou mais princípios exige imediata e satisfatória equalização. Nesta, não cabe definir qual princípio deva simplesmente se sobrepor ao outro; a prevalência de qualquer deles deverá ser definida em função de sua integral ponderação, face às circunstâncias concretas envolvidas. Ao contrário das regras, tratando-se de princípios, não se pode pretender que qualquer deles seja integralmente anulado em benefício de outro pois, enquanto princípios, possuem apenas uma dimensão de peso e não determinam conseqüências normativas de forma direta[21]. Cumpre ao hermeneuta, assim, no exame do caso concreto e em face da fundamentalidade dos valores envolvidos, proceder ao devido balanceamento dos princípios pertinentes à hipótese a partir, sobretudo, de considerações axiológicas[22].
Não só isso. Como esclarece Eros Grau, a atribuição de peso maior a um ou a outro princípio, a cada situação, não é meramente discricionária. Deve-se ponderar a Constituição inteira, como totalidade (vez que “não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços”), considerando as múltiplas variáveis de fato (circunstâncias peculiares do problema considerado) e de ordem jurídica (lingüísticas, sistêmicas e funcionais)[23], sempre de forma vinculada à diretriz constitucional resultante da ponderação integrativa de suas várias determinações.
Importa notar, outrossim, que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não se encontram explícitos em nenhum dos artigos da Constituição Federal de 1988. Não por isso perdem em importância e efetividade dentro do sistema, pois são facilmente inferidos de outros princípios e normas expressamente referidos no texto constitucional, como os princípios do devido processo legal, da igualdade, legalidade e moralidade, assim como dos direitos e garantias fundamentais[24]. Mais ainda, mesmo ausente a referência expressa a respeito no texto constitucional, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade configuram, na esteira da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, postulado constitucional autônomo que tem a sua sedes materiae específica na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal para fins de qualquer privação de liberdade ou de bens (art. 5º, inciso LIV)[25][26].
O princípio da proporcionalidade vincula-se, ainda, à concordância prática, impondo a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito, de modo que sua aplicação resulta em impedir a anulação de um por outro, cabendo ao hermeneuta assegurar a melhor interpretação, que afaste supostas contradições[27]. Em suma, trata-se de princípio cujo pressuposto é a igualdade entre os bens e valores guardados pela Constituição, que “impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens”[28].
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da proporcionalidade é aquele segundo o qual “as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas”[29].
Em síntese, a norma regulatória será válida se mostrar-se adequada e proporcional aos princípios e objetivos da ordem econômica e da própria intervenção, podendo restringir uns em benefício de outros especificamente perseguidos em determinada situação, mas jamais neutralizar ou desconsiderar por completo qualquer deles.[30]
De outro lado, como assevera Gilmar Ferreira Mendes, “a conformação do casoconcreto pode-se revelar decisiva para o desfecho do processo de ponderação”[31]. Realmente, não obstante muitas vezes possa-se avaliar quanto ao atendimento ao princípio da proporcionalidade pelo simples exame teórico do dispositivo envolvido, noutras este teste somente se completará com a efetiva verificação das conseqüências decorrentes de sua adoção em determinada hipótese concreta, nada impedindo que o mesmo dispositivo atenda à proporcionalidade quando aplicado a uma situação fática, mas não quando a outras.
Nos dizeres de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o princípio da razoabilidade exige “proporcionalidade entre os meios de que se utilize a Administração e os fins que ela tem que alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto”[32]. Como relata Paulo Brossard de Souza Pinto, “o princípio da razoabilidade, hoje, tem sido reconhecido tanto em controle difuso de normas quanto concentrado, com reconhecimento inclusive da possibilidade de considerar-se determinada exigência como constitucional em sede abstrata, e inconstitucional (por desconforme à razoabilidade) em caso concreto”[33].
1.2.c) Impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Por último, ainda quanto aos limites e condições fixados na Carta de 1988 para o exercício, pelo Estado, da regulação do domínio econômico, é indispensável o atendimento aos princípios de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência[34] que, juntamente com o da legalidade, já referido, devem nortear as relações entre o Estado e os administrados, nos termos do artigo 37, caput da CF-88.
Impessoalidade, no sentido de não poder ser a norma editada objetivando beneficiar ou prejudicar especialmente determinada(s) pessoa(s) – corolário do princípio da igualdade –, assim como no de que os atos e provimentos administrativos sejam imputáveis, não ao funcionário que os pratique, mas ao órgão ou entidade administrativa a que pertença. Moralidade, não no que pertine à moral comum (mesmo porque de difícil conceituação), mas à moralidade administrativa, isto é, à probidade, à ética e à boa-fé que devem imperar nas relações em questão[35]. Publicidade, de modo a não se admitir a fixação de regras de forma secreta, oculta, não transparente ou mesmo simplesmente imotivada[36], o que inviabilizaria inclusive o seu questionamento, no âmbito administrativo ou judicial[37]. Eficiência, enquanto dever do administrador em agir de forma competente, racional e lógica, na busca de melhores resultados e menores custos, considerando a coisa pública e o bem comum.
No que respeita ao princípio da eficiência, antes mesmo de sua inserção de forma explícita no texto constitucional, já configurava o principal parâmetro da atuação do Estado ao regular o domínio econômico. Eficiência tanto em relação à própria atividade regulatória quanto no sentido de que esta (a atividade regulatória ou intervencionista indireta) propicie o funcionamento do mercado da forma mais eficiente possível.
A eficiência, ao contrário da moralidade e da legalidade, não exerce função meramente limitadora da atividade estatal, mas visa principalmente a impulsioná-la; obriga o Estado a agir, a realizar, sempre com a devida adequação, obviamente, aos demais princípios da ordem econômica. Como antes referido, é dever do Estado e de seus agentes, por força do princípio da eficiência, agir de forma competente, racional e lógica, na busca de melhores resultados e menores custos (menor oneração possível tanto dos agentes econômicos individualmente considerados quanto da coletividade como um todo), protegendo a coisa pública e buscando o bem comum.
O princípio da eficiência, portanto, diz respeito à indispensável adequação entre meios e fins, conforme critérios de razoabilidade e proporcionalidade, com a devida ponderação de todos os custos envolvidos (financeiros, sociais, etc.), face aos benefícios almejados.
A eficiência exige, ainda, uma atuação governamental pronta e eficaz na solução dos problemas que lhe competem[38], isto é, não pode o Estado agir de forma atabalhoada, precipitada, mas também lhe é vedada uma postura pachorrenta, exageradamente burocrática, que procrastine a adoção de providências, causando danos ou prejuízos ainda maiores à coletividade ou ao(s) agente(s) econômico(s) envolvido(s). Contrapõe-se a eficiência, assim, à lentidão, ao descaso, à negligência e à omissão, determinando “que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população”[39].
No âmbito, ainda, de uma atuação eficaz, contínua e dinâmica, não poderá o Estado lançar mão de determinados mecanismos para finalidades distintas daquelas a que efetivamente se prestem. Caso contrário, certamente provocará distorções ainda maiores no mercado, pela inconsistência das medidas ou mesmo por eventual questionamento judicial dos próprios agentes prejudicados, inclusive por configurar, tal postura, manifesto desvio de finalidade. De fato, não poderá o Estado, por mais nobres ou desejáveis que se mostrem os fins pretendidos, valer-se de técnicas ou posturas que, por suas características jurídicas, não se prestem a tais finalidades. Sempre que o Estado pretender utilizar meio não adequado para a finalidade envolvida, ou mesmo valer-se de determinado instrumento, método ou procedimento para, contornando vedação legal ou constitucional, atingir indiretamente a mesma finalidade que, por qualquer razão, não lhe seria possível atingir de forma direta, configurar-se-á o desvio de finalidade. Disto resultará, por conseqüência, a nulidade do ato praticado, seja ele de natureza executiva ou legal[40].
Vê-se, assim, que enquanto, de um lado, o Estado deve voltar-se para novas realizações, de outro, há de haver adequado controle[41] para que estas não impliquem, na prática, burocracia, arbítrio ou mesmo ampla intervenção, em dimensão superior à desejada ou permitida na Constituição. Este, o desafio da eficiência econômica, que implica novo sentido na atuação do Estado no domínio econômico, sujeita a avaliação conforme critérios de pertinência e adequação entre meios e fins, razoabilidade e proporcionalidade e atingimento dos objetivos e resultados pretendidos.
2. Autorregulação
Como visto, a norma interventiva vincula-se aos princípios de legalidade, motivação, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Deve, igualmente, atender aos fundamentos, princípios e finalidades da ordem econômica, bem como aos preceitos de proporcionalidade, razoabilidade e boa-fé que, por determinação constitucional, norteiam as relações entre o Administrado e a Administração Pública. Viu-se, ainda, não serem absolutos os princípios constitucionais informadores da ordem econômica. Admite-se seu relativismo desde que de forma razoável e proporcional, consentânea com os objetivos perseguidos e sem implicar a anulação de qualquer princípio, mas sim sua conciliação em face das peculiaridades de cada atividade econômica envolvida.
Determinadas práticas aceitas no regime de intervenção ampla, como proteção de mercado, produção dirigida e comercialização previamente assegurada, não se coadunam com o regime de livre mercado. Há de haver um cuidado especial para que o acompanhamento governamental, assim como as medidas de intervenção pontual, não gerem distorções e nem prejudiquem a livre concorrência. Impõe-se, da mesma forma, uma atuação eficaz e responsável, tanto das autoridades governamentais quanto do setor privado, direcionando a produção de forma adequada a fim de evitar, o quanto possível, o desabastecimento e a superoferta de produtos, assim como suprindo as imperfeições de mercado e punindo exemplarmente os agentes causadores de desequilíbrios.
Como aponta Elizabeth Farina, “há que se confrontar as falhas de mercado e as falhas de governo, na busca de uma organização factível e, porque factível, necessariamente falha”[42].
Na lição de Fábio Nusdeo, cinco são as principais falhas, imperfeições ou inoperacionalidades do mercado, que correspondem “à ausência de pressupostos que haviam lastreado a concepção liberal na sua formulação original, mais simples, mais otimista e ingênua”[43]:
a) A pouca mobilidade dos fatores, na medida em que, ao contrário do que vislumbrado na referida formulação original, uma rigidez mais ou menos pronunciada em quase todos os fatores impede deslocamentos céleres automáticos e oportunos, no mais das vezes impossibilitando que os agentes econômicos possam se adaptar rapidamente às mudanças de mercado. E, de fato, os pressupostos e condições para o desenvolvimento de determinada atividade econômica alteram-se constantemente, muitas vezes de forma imprevista e com reflexos de caráter tanto microeconômico (prejuízos aos agentes econômicos diretamente envolvidos, investimentos com expectativa de retorno frustrada, etc.), quanto macroeconômico (desemprego, recessão, crise em atividades correlatas cujo desenvolvimento dependia daquela que se tenha frustrado, etc.). Esta situação acabou por exigir várias modificações no sistema econômico de mercado, a fim de acomodar o Estado na posição de agente indutor ou refreador da atividade econômica no seu conjunto ou em setores específicos[44].
b) O acesso às informações relevantes, no sentido de que se deva assegurar a todos o acesso às informações atinentes ao produto ou mercado envolvidos, sob pena de vir a ser o agente econômico – especialmente na qualidade de consumidor – induzido a erro.
c) A concentração econômica, pois o mercado apenas bem funcionará se composto por número razoavelmente elevado de compradores e vendedores em interação recíproca, sem que qualquer deles seja muito grande ou muito importante, sendo falsa a premissa de um mercado atomizado, formado por grande número de unidades relativamente pequenas, que fundamentou o raciocínio dos economistas clássicos quando desenvolveram a estrutura operacional de um sistema descentralizado.
d) As externalidades, na medida em que, numa atividade econômica, nem sempre, ou raramente, todos os custos e respectivos benefícios recaem sobre a unidade responsável por sua condução, sendo usual o surgimento de custos decorrentes de fatores externos e imprevistos (ou mesmo benefícios resultantes de fatores externos imprevistos como, por exemplo, a instalação repentina de uma indústria de grande porte e numerosos empregados em determinada região, com a conseqüente ampliação do mercado consumidor local).
e) Os bens coletivos, também conhecidos como bens públicos, na medida em que uma economia fundada apenas no mercado tenderá a discriminá-los fortemente e a exagerar a produção de bens exclusivos (cuja utilização conjunta por vários consumidores não se faz possível).
A Administração Pública, portanto, pode e deve lançar mão das várias técnicas econômicas disponíveis, mas sempre respeitando o Estado de Direito e de forma a não “engessar” ainda mais o setor ou prejudicar aqueles que agirem de boa-fé (obrigando-se à justa indenização, quando assim fizer, quer por descuido ou ineficiência, quer por imprescindibilidade). Deve desempenhar o seu papel fundamental, de indutor da economia[45]. Vale dizer, ao intervir, nas palavras de Eros Grau, “sobre” o domínio econômico, deverá regular e normatizar o desempenho da atividade econômica em sentido estrito, podendo fazê-lo por direção (exercendo pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os agentes econômicos) ou por indução (manipulando os instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados, adotando técnicas regulatórias de estímulo e desestímulo de determinadas condutas)[46].
É indispensável, ainda, que as autoridades públicas saibam lidar adequadamente com os denominados “grupos de pressão” que, na lição de Fábio Nusdeo, baseada em J. Meynaud, “podem definir-se como qualquer conjunto de pessoas ou entidades que procuram obter normas, dispositivos e respectivas interpretações, bem como medidas de algum modo, favoráveis aos seus intentos”[47]. A atuação destes grupos, no quadro competitivo e na sistemática regulatória da economia moderna, desde que respeitados os princípios éticos devidos, antes de negativa, é absolutamente natural. Salienta Fábio Nusdeo que, se uma empresa ou grupo delas não puder realizar os seus fins no mercado, dentro de um quadro institucional determinado, “nada mais natural que procure alterar esse quadro”. Não por outra razão são vistas as pressões grupais com naturalidade, sobretudo nos Estados Unidos, onde institucionalizou-se o lobby[48].
Afinal, ao invés de cinicamente recriminar a atuação lobista, qualificando-a previamente de forma negativa, pejorativa e, contraditoriamente, condescendendo com a sua prática desregrada, cumpre reconhecer a sua naturalidade e disciplinar os mecanismos para que possa ocorrer de forma adequada e ética. Trata-se de providência de fundamental importância para que um mecanismo de autorregulação ou liberdade assistida, acompanhado do indispensável controle governamental, possa, de fato, operar sem distorções, ou seja, atendendo ou não aos interesses dos grupos de pressão, mas sempre de forma clara e transparente, acolhendo os pleitos deduzidos, não por força de interesses individuais ou mecanismos de persuasão inidôneos (os quais deve o regime estar apto a coibir prontamente), mas, sim, quando efetivamente consentâneos com as diretrizes econômicas traçadas e com o interesse geral que, como se sabe, exige o respeito aos interesses legítimos dos particulares[49].
Por outro lado, quando se trata de órgãos ou agências reguladoras, não pode ser esquecido o risco de sua captura pelos próprios interesses que lhes compete regular. Para tanto, mister desenvolver mecanismos que assegurem a efetiva participação da sociedade e, em particular, dos setores mais diretamente envolvidos na regulação, na elaboração e na aplicação de suas normas. Ausentes tais mecanismos, imperfeito será o sistema e certamente, cedo ou tarde, verificar-se-ão distorções no mercado a cuja regulação se destine.
A ação normativa do Estado, no exercício do planejamento de que cuida o art. 174 da Constituição Federal, supõe esteja ele efetivamente aparelhado para observar e corrigir suas ações, sendo igualmente imprescindível a existência de um canal de diálogo com a sociedade, assegurando-se, ainda, a existência de meios democráticos de formação, implementação e revisão de políticas[50].
É com este pano de fundo que se pode compreender a importância da autorregulação.
A dinâmica da economia moderna não permite que se pare no tempo. Há de se assegurar que o Estado possa – sem contrariar os princípios constitucionais aplicáveis – equilibrar a competitividade entre os agentes de mercado, regulando o consumo, não só na defesa da livre concorrência e de um meio ambiente sadio, como, também, de modo a observar a garantia do pleno emprego na forma mais ampla possível.
Deve o Estado lançar mão, neste intento, também do procedimento de regulação negociada, de concertação econômica e social. Trata-se, em sentido amplo, de processo – institucionalizado ou não – de definição ou execução de orientações de medidas de política econômica e social, mediante a negociação entre o Estado (nos seus diversos níveis) e os representantes dos interesses afetados pelas medidas regulação[51].
De fato, o desempenho da economia, ainda quando predominantemente privada, continua sendo responsabilidade do Estado. E a complexidade atual da vida econômica, em especial das relações comerciais, não apenas impõe a participação das organizações econômicas privadas nas definições governamentais de política econômica, como justifica que àquelas próprias organizações (privadas) se confira o papel de conduzir, dentro de limites preestabelecidos, funções regulatórias de modo a possibilitar menores custos de transação e maior eficácia e flexibilidade à respectiva atividade.[52]
A função do Estado, hoje (e como foi se sedimentando desde o fim da II Guerra Mundial), no âmbito da intervenção no domínio econômico, respeita à coordenação global da economia. Tal implica acompanhamento da atividade econômica, indicação de metas de política econômica, incentivo ao desenvolvimento e correção de distorções concorrenciais, ou seja, tudo tendente ao aprimoramento das eficiências de mercado e à redução de suas deficiências. Neste sentir, é imperiosa a adoção de uma ação sistêmica equilibrada e eficaz (ou, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, eficiente), com o controle das oscilações de mercado de forma ainda mais constante enquanto se verifique certo exagero na atuação competitiva e até que os agentes econômicos efetivamente se adaptem às novas regras aplicáveis.
Cabe, outrossim, aos agentes privados sujeitos a tal coordenação global, organizar-se de forma livre (mas assistida), inclusive sob o aspecto da autorregulação, que poderá se dar de modo mais brando quanto a determinados assuntos, “por meio de normas voluntárias e autovinculação voluntária (auto-regulação privada)” e, quanto a outros, em que a vinculação seja essencial para o atingimento dos objetivos pretendidos, “mediante reconhecimento oficial e com meios de direito público (poder regulamentar, disciplinar, etc. obrigatório para toda a categoria)”, ao que Vital Moreira denomina “auto-regulação pública”[53].
De uma forma ou de outra, não se trata, como se vê, de delegar ao setor privado o poder de se autorregulamentar integralmente, de forma atrelada apenas aos seus próprios interesses.
A Constituição Federal de 1988 sequer admitiria postura tão liberal, vez que o Estado encontra-se vinculado aos fundamentos, princípios, forma, objetivos e funções delineados no Texto Maior para a sua intervenção, quando necessária, no domínio econômico (conforme antes referido). Trata-se, assim, de dar aos próprios setores condições para uma auto-organização, a fim possibilitar uma intervenção estatal cada vez menor, pontual, concentrando-se o Estado mais nas funções executivas (fiscalização, incentivo e planejamento) do que nas qualitativas (normatização e regulação).
Com a autorregulação, abre-se o leque das providências cabíveis para recompor o mercado, corrigir suas falhas e equilibrar as várias forças atuantes, que deixam de depender exclusivamente da autuação estatal para encontrarem respaldo nos compromissos assumidos, entre si, pelos próprios agentes econômicos envolvidos. Possibilita-se a produção de normas de regulação com maior aceitabilidade, vez que nascidas no(s) próprio(s) setor(es) a ser(em) regulado(s), dando-se “nova inflexão” à regulação, “direcionando-a para a obtenção de resultados via negociação entre grupos ou setores”[54].
Realmente, uma das principais vantagens da autorregulação diz respeito à sua já referida flexibilidade, possibilitando maior rapidez de reação e adaptação às mudanças no ambiente de negócios, com a discussão e estabelecimentos de regras pelos próprios agentes de mercado, maximizando os benefícios regulatórios e minimizando seus custos[55].
A autorregulação implica, assim, o fortalecimento das associações e demais organizações coletivas que, de fato, em geral emergem quando os agentes de mercado demandam (a) provisão de bens coletivos; (b) minimização de custos de transação; (c) alteração da estrutura das instituições em benefício de seus associados; (d) modificação das alocações alcançadas espontaneamente pelo mercado; (e) geração de ganhos de escala e (f) solução de conflitos[56]. Com isso, tenta-se assegurar a absorção de padrões de comportamento aceitos pelo mercado e pela comunidade, a monitoração dos membros de modo a criar uma reputação positiva para todo o grupo perante a sociedade em geral e, ainda, afastar os abusos e a concorrência predatória.
Desde que devidamente adequada ao regime de liberdade assistida, portanto, a autorregulação mostra-se um importante e moderno instrumento coadjuvante para a aplicação da política econômica.
No dizer de William Clune, a autorregulação não dispensa a lei, pois é, no fundo, uma “negotiation at the shadow of the law”[57]. Ou seja, a autorregulação deverá dar-se à “sombra da lei”, tanto no sentido de não poder dispor acerca de matérias já reguladas por lei, quanto no de dever ater-se, ao inovar no mundo jurídico, aos limites e condições igualmente fixados em lei (faz-se necessário, assim, que o quadro legislativo admita a possibilidade de as partes se autorregularem, indicando as matérias suscetíveis de autorregulação e os níveis de vinculação aplicáveis).
Não obstante, sendo adequadamente operacionalizada, a autorregulação pode caracterizar relevante instrumento de desregulamentação, como contraponto e auxílio na redução da overegulation decorrente do excesso de normas impostas ao mercado ao longo do tempo de forma finalística, isto é, direcionadas a determinados objetivos específicos, o que, como informa Fábio Nusdeo, os autores alemães denominam processo de materialisierung.[58]
Por fim, tal como a intervenção do Estado, uma adequada autorregulação supõe a definição das normas aplicáveis, assim como os modos e meios para fazê-las cumprir. Envolve, em seu grau pleno, três dimensões: sob o aspecto da autonomia normativa (estabelecimento de normas, regulamentos, códigos de conduta, etc.); da autoexecução (implementação, aplicação e execução das normas próprias e do Estado); e da autodisciplina (solução de conflitos e punição das infrações às normas de observância obrigatória)[59].
Em suma, a autorregulação configura muito mais do que um mero código de ética ou de conduta, como às vezes é entendida. Verifica-se, verdadeiramente, quando envolve mais de um segmento (ainda que do mesmo setor econômico), estabelecendo, nos moldes da lei e como poderia esta própria fixar, normas comuns que minimizem os atritos e os custos de transação. Como esclarece Fábio Nusdeo, “a verdadeira auto-regulação não é aquela que emite normas endógenas, como no caso dos corretores ou da ética propagandística. Esses são mais códigos de ética. A auto-regulação de que aqui se trata é aquela intergrupal ou inter-setorial, destinada a regular de fato relações entre setores ou seguimentos de mercado, com interesses diversos, quando não conflitantes”.[60]
3. Conclusões
Face à complexidade do mundo moderno e às falhas do idealizado livre mercado, hodiernamente admite o Direito Público, em todo o mundo capitalizado, a regulação do domínio econômico pelo Estado, tanto sob a forma programática (especialmente nos textos constitucionais), quanto por normas legislativas (cogentes ou permissivas) e atividades administrativas, visando inclusive à proteção dos direitos fundamentais.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, foram atribuídas ao Estado, no Brasil, as funções qualitativas de normatizar e regular a atividade econômica e as funções executivas de fiscalizá-la, incentivá-la e planejá-la, esta indicativa para o setor privado e determinante para o público.
Balizam a ação reguladora, principalmente, os princípios da legalidade, razoabilidade (enquanto mínimo aceitável, não absurdo ou teratológico), proporcionalidade (no sentido da adoção da melhor solução para cada caso concreto, conforme suas peculiaridades e critérios de necessidade e adequação) e eficiência (assim entendido o dever do administrador em agir de forma competente, racional e lógica, na busca de melhores resultados e menores custos, considerando a coisa pública e o bem comum). Imprescindível, igualmente, o devido atendimento aos preceitos de motivação, impessoalidade, moralidade, publicidade e boa-fé, que devem nortear as relações entre o Administrado e a Administração Pública.
Respeitadas as diretrizes retro indicadas, poder-se-á verificar até mesmo a restrição de determinados princípios, desde que em prol de outros mais importantes em cada caso concreto e nenhum deles reste integralmente neutralizado.
São igualmente imprescindíveis mecanismos eficazes e transparentes de regulação e de relacionamento das autoridades públicas com os grupos de pressão, até mesmo para afastar o risco de captura dos órgãos ou agências reguladoras, pelos próprios interesses que lhes competem regular.
Patente, por conseqüência, a importância da autorregulação, no âmbito da qual os próprios setores envolvidos não apenas participam diretamente do processo decisório como, também, dentro de limites preestabelecidos, exercem funções regulatórias, de modo a possibilitar menores custos de transação e maior eficácia e flexibilidade à respectiva atividade econômica.
A autorregulação, assim, configura mecanismo que pode ser extremamente eficiente no auxílio do controle das instabilidades de mercado e da redução dos encargos e responsabilidades do Estado.Possibilita ao Estado concentrar-se mais nas funções executivas (fiscalização, incentivo e planejamento), do que nas qualitativas (normatização e regulação), como exigem os tempos atuais.
Mário Luiz Oliveira da Costa – Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Cursos de especialização em Direito Tributário (pelo Centro de Extensão Universitária) e Direito Empresarial (pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Advogado em São Paulo, sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados.
[1] Como expõem Fernando Alexandre, Ives Gandra Martins, João Sousa Andrade, Paulo Rabello de Castro e Pedro Bação, comentando a crise financeira de 2007, na sua origem “mais do que a desregulamentação, está o aparecimento de um grande número de novos instrumentos financeiros que ficaram fora da alçada das regras de regulação e supervisão e cuja complexidade tornou mais opacos os mercados financeiros, mascarando a exposição do sistema a níveis de endividamento insustentáveis. Os Estados terão ainda assim sido responsáveis por omissão. A razão desta omissão terá sido a fé na capacidade auto-reguladora dos mercados, bem expressa na primeira citação de Greenspan na abertura deste capítulo, e também a dificuldade das entidades reguladoras para conseguirem acompanhar o volume astronômico de transações cada vez mais complexas nos mercados financeiros.” (A Crise Financeira Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2009, p. 66)
[2] José Paschoal Rossetti, Introdução à Economia. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 1990, pág. 324.
[3] Hamilton Dias de Souza, A Reengenharia do Estado Brasileiro (vários autores). São Paulo: RT, 1995, pág. 11 e Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, em 10º Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário – Grandes Temas Tributários da Atualidade. São Paulo: IOB, 2001, pág. 23.
[4] Eros Roberto Grau, O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1996, pág. 97.
[5] Elizabeth M. M. Q. Farina, Reflexões sobre Desregulamentação e Sistemas Agroindustriais: A Experiência Brasileira (tese de doutorado – FEA/USP, não publicada), 1996, pág. 89 e Competitividade: Mercado, Estado e Organizações. São Paulo: Singular, 1997, pág. 195. O caso do setor sucroalcooleiro não foi diferente. O Estado, durante a rígida intervenção mantida por décadas, detinha o controle de tudo. Apenas não produzia a cana, o açúcar ou o álcool diretamente, mas era praticamente como se o fizesse, pois determinava o que cada unidade poderia produzir, com quem deveriam comercializar os agentes econômicos do setor, assim como os preços e volumes a serem observados em todas as etapas de produção e comercialização.
[6] Antes, ainda, é a livre iniciativa um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV da CF-88).
[7] Conforme redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 15/08/1995, quanto ao último item.
[8] Como ressalva Hamilton Dias de Souza, é relativa a natureza meramente indicativa do planejamento para o setor privado. Tal planejamento é meramente indicativo no sentido de não ser obrigatória a sua adoção mas, na prática, a obrigatoriedade poderá acabar aflorando. Isto porque, para que a ordem econômica funcione bem, muitas vezes estimula-se determinado segmento da economia e, ao fazê-lo por intermédio das outrora denominadas sanções premiais, a concorrência para quem não as tem torna-se difícil e, às vezes, impossível. Nestas hipóteses, não haverá outra opção ao agente econômico senão a de seguir a indicação do Estado para que possa ter, de fato, condições de competir no mercado (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, cit., pág. 24).
[9] Conforme Celso Bastos, por exemplo, salvo situações peculiares previstas na própria Lei Maior, a intervenção restaria efetivamente limitada apenas a estas três funções: a de fiscalização, ao exercitar o seu poder de polícia para verificar se os agentes econômicos estão cumprindo as disposições normativas incidentes sobre suas respectivas atividades; a de incentivo, ao fomentar determinados empreendimentos; e a de planejamento meramente indicativo (Comentários à Constituição do Brasil, co-autoria de Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 1990 – vol. 7, pág. 108).
[10] Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1990 – 2º vol., pág. 106.
[11] Para o que a Constituição a autoriza, inclusive, a lançar mão da correspondente contribuição de intervenção no domínio econômico (art. 149, caput).
[12] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, transcrevendo Corwin, em Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990 – 1º vol., pág. 192.
[13] Conforme Hamilton Dias de Souza, obra não publicada.
[14] Realmente, prestigiam a legalidade, dentre vários outros dispositivos lançados ao longo do Texto, os artigos 170, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178 e 179 da Carta de 1988.
[15] Neste sentido, veja-se a lição de Maria Rivalta: “il problema della motivazione é um problema di sostanza. Il caittadino non viene a contatto doi motivi che hanno dettato l´atto amministrativo, se non per mezzo dei motivi docummentati nello stesso atto o altrove, quindi i motivi in quanto docummentati attengono alla sostanza dell´atto” (La Motivazione degli atti amministrativi. Milano: Giuffré, 1960, pág. 177).
[16] Diritto Amministrativo. Torino: UTET, 1954, vol. I, pág. 417 (apud De La Vallina Velarde, em La Motivación del Acto Administrativo, Madri, 1967, págs. 26/27).
[17] Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito. 24ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 317.
[18] Diz Carlos Maximiliano:
“Não raro, à primeira vista duas expressões se contradizem; porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos o nexo oculto que as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema jurídico; descobrir a correlação entre as regras aparentemente antinômicas.
Sempre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório. Incumbe-lhe preliminarmente fazer tentativa para harmonizar os textos; a este esforço ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam Terapêutica Jurídica.” (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 18ª ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, pág. 134).
[19] Cristiane Derani, Atividades do Estado na Produção Econômica: interesse coletivo, serviço público e privatização – Tese à livre-docência do Depto. de Direito Econômico e Financeiro da USP, 2000 – obra não publicada, pág. 136.
[20] Neste sentido, fundamentando-se na doutrina alemã, já se manifestou Gilmar Ferreira Mendes (A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em Repertório IOB de Jurisprudência, 1ª quinzena de dezembro/94 – nº 23/94, pág. 475).
[21] Humberto Bergmann Ávila, citando Alexy, A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade – Rev. de Direito Administrativo nº 215 – jan/mar-1999, pág. 157.
[22] Hamilton Dias de Souza, Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, 2001, pág. 23.
[23] A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica), 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, pág. 189.
[24] Eliana Alonso Moysés, A interpretação das normas constitucionais sobre contribuições, 1997, págs. 176 e 177 (Dissertação de Mestrado – PUC/SP, obra não publicada).
[25] Gilmar Ferreira Mendes, A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Repertório IOB de Jurisprudência – 1a quinzena de dezembro de 1994 – nº 23/94, Caderno 1, pág. 469.
[26] Neste sentido, dentre outros, o acórdão proferido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.158-8 (Julgamento de liminar realizado em 19/12/1994 – DOU de 26/05/1995, Rel. Min. Sepúlveda Pertence (Rel. original o Min. Celso de Mello), valendo transcrever o seguinte trecho do voto então proferido pelo Ministro Celso de Mello: “Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só no aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável. A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou, como no caso, destituídas do necessário coeficiente de razoabilidade. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.” (itálicos não originais)
[27] Eliana Alonso Moysés, ob.cit., pág. 184, fazendo referência a José Joaquim Gomes Canotilho e Tercio Sampaio Ferraz Junior.
[28] José Joaquim Gomes Canotilho,Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1993, pág. 228.
[29] Curso de Direito Administrativo, 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, pág. 67.
[30] Cumpre apontar já ter decidido o Supremo Tribunal Federal, igualmente em Sessão Plenária, que “em face da atual Constituição, para conciliar o fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social, pode o Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros” (ADIn nº 319-DF, Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 04/12/1992 – DOU de 30/04/1993, RTJ 149/667), ao que procedeu, indubitavelmente, em observância ao princípio constitucional da proporcionalidade. Também por ocasião do julgamento da ADPF 101/DF, dentre outros, procedeu o Plenário do STF à ponderação dos princípios constitucionais envolvidos, adequando-os à realidade do caso concreto (Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 24/06/2009).
[31] O Princípio da Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas Leituras, Repertório IOB de Jurisprudência – 2a quinzena de julho de 2000 – nº 14/2000, Caderno 1, pág. 361.
[32] Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, pág. 81 (itálicos não originais).
[33] A Inconstitucionalidade do Depósito de 30% da MP 1863 após o Julgamento das ADINs 1.922-9 e 1.976-7 pelo STJ – Considerações sobre o Devido Processo Substantivo, Rev. Dialética de Direito Tributário nº 54, março de 2000, pág. 80 (itálicos não originais).
[34] Este inserido na Carta pela Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/1998.
[35]”Segundo os cânones da lealdade boa fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.” (Celso Antônio Bandeira de Mello,Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 1991, pág. 71).
“22. Tendo em vista que o princípio da boa-fé , da honradez da palavra, é indispensável na esfera do direito administrativo, inclusive por ser, nesta seara elemento imprescindível para expressão de outro princípio jurídico capital – o da segurança jurídica – compreende-se que possa ser invocado, consoante judiciosa observação do nunca assás invocado JESUS GONZALES PERES para objetar condutas públicas que o violem: ‘El princípio de la buena fe puede oponerse para enervar el ejercicio de un derecho o una potestad'” (in RDP 87/43).
Também o saudoso Hely Lopes Meirelles relaciona vasta doutrina estrangeira a respeito, bem como jurisprudência lapidar do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de que “o controle jurisdicional se restringe ao controle da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.” (Celso Antônio Bandeira de Mello,Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995, págs. 83/85).
[36] Pois a publicidade não é requisito meramente do ato normativo, mas igualmente dos motivos que o originaram.
[37] Já decidiu a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, aos 10/04/1996, que “a intervenção do Estado na economia deve ser pautada por atos racionais, transparentes, a modo de possibilitar o controle judicial; posta em dúvida a legitimidade do ato administrativo, a autoridade que o praticou deve revelar-lhe os motivos.” (Mandado de Segurança nº 4.269-PE, DJ de 17/06/96).
[38] Especialmente nos tempos atuais, em que, como referido ao início, inúmeras relações (econômicas, financeiras e comerciais) complexas e instantâneas são simultaneamente realizadas em todo o mundo, com reflexos automáticos nos sistemas econômicos de diversos países.
[39] Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno. 6ª ed. São Paulo: RT, 2002, pág. 157.
[40] O desvio de finalidade do ato legislativo corresponde, nos dizeres de Canotilho, “excesso no poder legislativo” (Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 1993, pág. 740).
[41] O direito de todos os administrados ao controle da Administração Pública, aliás, não é novidade, tendo sido assegurado inclusive na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (art. 15: “A sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua administração”).
[42] Acordo de Auto-Regulamentação entre Anunciantes e Agências de Publicidade e Veículos de Comunicação – Conselho Executivo de Normas Padrão, 2000, pág. 04 (Parecer não publicado).
[43] Curso de Economia – Introdução ao Direito Econômico. 2ª ed. São Paulo: RT, 2000, pág. 139.
[44] Obra supra, pág. 143.
[45] Regis Fernandes de Oliveira, Empresa – Ordem Econômica – Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 758, dez/1998, pág. 18.
[46] A Ordem Econômica na Constituição de 1988, cit., págs. 156/157.
[47] O Direito Econômico e os Grupos de Pressão. Revista de Direito Mercantil nº 31, 1978, pág. 20.
[48]Ob.cit., págs. 20 e 21.
[49]Fábio Nusdeo, ob.cit., pág. 28.
[50] Cristiane Derani, ob.cit., pág. 214.
[51] António Carlos Santos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria Manuel Leitão Marques, Direito Económico. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1995, pág. 235.
[52] Vital Moreira, Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997, pág. 21.
[53] Ob.cit., pág. 53.
[54] Conforme bem demonstra Fábio Nusdeo (Auto-regulação em Direito Econômico, em Direito no Século XXI, coord. Elizabeth Accioly. Curitiba: Juruá, 2008, pág. 174).
[55] Auto-regulação e o mercado financeiro: a experiência da ANDIMA, Bianca de Oliveira Gomes, em Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais nº 34 – out-dez/2006, RT, pág. 86.
[56] Elizabeth M. M. Q. Farina, com fundamento em MSM Saes, Acordo de Auto-Regulamentação entre Anunciantes e Agências de Publicidade e Veículos de Comunicação – Conselho Executivo de Normas Padrão, 2000, pág. 11 (Parecer não publicado).
[57] Apud Fábio Nusdeo, Auto-regulação em Direito Econômico, cit., pág. 175.
[58] Auto-regulação em Direito Econômico, cit., págs. 166, 167 e 169.
[59] Vital Moreira, ob.cit., pág. 69.
[60] Auto-regulação em Direito Econômico, cit., pág. 174.