Veículo: (artigo publicado no site CONJUR, em 10/08/12, com o título “CARF deve julgar após definição da questão prejudicial”)
Autor(es): Mário Luiz Oliveira da Costa
O tema atinente ao sobrestamento de recursos pendentes de julgamento no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), quando houver questão prejudicial atinente à possível declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal ou regulamentar envolvido, tem sido objeto de controvérsia no meio jurídico.[1]
Determina o caput do art. 62-A do Regimento Interno do CARF (RICARF)[2] que “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática prevista pelos artigos 543-B e 543-C” do Código de Processo Civil (CPC), “deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF”. Estabelece o § 1º do mesmo dispositivo, outrossim, que “Ficarão sobrestados os julgamentos dos recursos sempre que o STF também sobrestar o julgamento dos recursos extraordinários da mesma matéria, até que seja proferida decisão nos termos do art. 543-B”.
A Portaria CARF nº 001/2012 (editada em 03/01/2012), de seu turno, prevê no parágrafo único de seu art. 1º que o sobrestamento “somente será aplicado
a casos em que tiver comprovadamente sido determinado pelo Supremo Tribunal Federal – STF o sobrestamento de processos relativos à matéria recorrida, independentemente da existência de repercussão geral reconhecida para o caso”.
Interessante notar que, a teor dos referidos dispositivos, o sobrestamento do processo administrativo não deverá ocorrer em razão do reconhecimento da repercussão geral de determinado tema pelo STF, mas, apenas, se o próprio STF tiver determinado o sobrestamento de processos relativos à matéria e independentemente de ter sido reconhecida a repercussão geral. Disto resulta que, não sendo comprovada aquela situação (determinação de sobrestamento pelo próprio STF) e ainda que verificada esta (reconhecimento da repercussão geral da matéria), poderá ser o recurso administrativo julgado pelo CARF.
De outro lado, o RICARF refere-se ao sobrestamento de julgamentos pelo STF de recursos extraordinários “da mesma matéria” e, a Portaria CARF 001/2012, a “processos relativos à matéria recorrida”. Tal poderia ser interpretado no sentido de que, quando o recurso interposto no processo administrativo tratasse de tema distinto daquele pendente de exame pelo STF, não se aplicaria o sobrestamento ainda que a exigência fiscal em si pudesse vir a ficar prejudicada pela posterior decisão do STF.
Mais ainda, considerando a impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade da norma na esfera administrativa, conforme artigo 26-A do Decreto nº 70.235/72[3], recursos administrativos fundados em alegação de inconstitucionalidade não podem ser conhecidos ou apreciados, nesta parte, salvo quando verificada uma das exceções elencadas no § 6º do mesmo art. 26-A[4].
As previsões de sobrestamento de que se cuida, assim, caso fossem interpretadas em sua literalidade, seriam inócuas e ineficazes. Isto porque, ainda que o recurso sustentasse a inconstitucionalidade da norma, ou bem não poderia ser ele conhecido (se não tratasse de uma das hipóteses do referido § 6º do art. 26-A do Decreto nº 70.235/72), ou bem deveria ser conhecido e provido (caso verificada uma das referidas hipóteses autorizadoras de tal procedimento). Não caberia, por consequência, o sobrestamento.
Considerando, contudo, que a interpretação literal é a mais pobre e que, entre duas interpretações possíveis, deve-se preferir aquela que dê efetividade à norma e não a que lhe torne inócua ou nula[5], parece mais adequado interpretar o § 1º do art. 62-A do RICARF e a Portaria CARF 001/2012[6] no sentido de que os julgamentos no CARF devam ocorrer apenas após a definição, pelo Plenário do STF, da questão prejudicial atinente à efetiva constitucionalidade da norma envolvida, quando tal se encontre pendente de definição sob a sistemática do art. 543-B do CPC.
Deste modo, sempre que se tratar de recurso atinente a matéria cujo exame poderá restar prejudicado (total ou parcialmente) na hipótese de o Plenário do STF vir a julgar determinada norma inconstitucional e havendo recursos já sobrestados pelo STF para os fins do art. 543-B do CPC[7], poderá ser ele sobrestado, no CARF.
Havendo o sobrestamento, eventuais – ou, melhor dizendo, prováveis – questões ou fundamentos jurídicos distintos daqueles pendentes de definição no STF (tais como decadência, nulidade da autuação ou da decisão recorrida, erro de sujeição passiva ou quaisquer outras alegações no sentido da ilegalidade da exigência fiscal) somente serão apreciados após o julgamento final da matéria prejudicial, no STF.
Todavia, como, em muitos feitos, os fundamentos jurídicos distintos poderão ser suficientes para sua solução, deve ser verificada, caso a caso, a efetiva conveniência de se proceder ao sobrestamento. Salutar, assim, a previsão constante da Portaria CARF 001/2012, no sentido de que cabe ao Presidente da Turma (se provocado pelo Relator antes do julgamento do recurso) ou à Turma (se a hipótese de sobrestamento for suscitada durante a sessão de julgamento do processo) decidir pelo efetivo sobrestamento ou pelo pronto julgamento do recurso, sendo recomendável esta última providência sempre que se verifique a existência de fundamentos relevantes, distintos e independentes daqueles pendentes de definição pelo Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, em obediência, em especial, aos princípios da eficiência e da razoável duração dos processos também no âmbito administrativo (artigos 37, caput e 5º, LXXVIII, da Constituição Federal), não há porque sobrestar a definição na última instância administrativa de temas de natureza legal cujo exame, ainda que possa ficar prejudicado na hipótese de declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, da norma que fundamenta determinada exigência fiscal, admita conclusão independentemente de tal providência (exame este que será necessário, ademais, na hipótese de a norma vir a ser declarada constitucional, não sendo razoável o seu sobrestamento por tempo indeterminado, a depender da conclusão do julgamento pendente no STF e, após, conforme tiver sido tal decisão, da retomada e do julgamento do próprio processo administrativo envolvido).
Melhor ainda seria, de lege ferenda, o regular processamento de todos os recursos cabíveis (desde que atinentes a temas distintos da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas envolvidas) até o seu final julgamento na esfera administrativa, cancelando-se a exigência em razão de vícios de natureza infraconstitucional que fossem reconhecidos e, na hipótese de sua manutenção[8], determinando-se – aí sim – o sobrestamento do feito[9] até o final julgamento da questão prejudicial pendente no STF. Com tal providência seriam observados os referidos princípios da eficiência e da razoável duração do processo administrativo e, ao mesmo tempo, afastados os custos e percalços (para ambas as partes) inerentes ao processo judicial cuja prejudicialidade estaria em vias de ser definida pelo STF.
O mesmo procedimento seria recomendável, por iguais razões e também de lege ferenda, nos processos administrativos envolvendo tributos estaduais e municipais.
Mário Luiz Oliveira da Costa – Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Advogado em São Paulo, sócio da Dias de Souza Advogados Associados.
[1] Trata-se, aliás, de uma das questões a serem enfrentadas no âmbito do tradicional Simpósio Nacional de Direito Tributário, coordenado pelo Prof. Ives Gandra da Silva Martins e cuja 37ª edição ocorrerá em 23/11/2012.
[2] Portaria MF nº 256, de 22/06/2009 e alterações posteriores.
[3] Na redação da Lei nº 11.941/2009, que veda “aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade” e admitindo-se, para os fins ora examinados, a legitimidade de tal restrição.
[4] Ou seja, nos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo “I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal;II – que fundamente crédito tributário objeto de: a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002;b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; ou c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar n º 73, de 10 de fevereiro de 1993.”
[5] Como princípio de hermenêutica (“Verba cum effectu, sunt accipienda”), na lição de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do Direito. 19ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 204).
[6] Aceitando-se ambas como legítimas, não cabendo, nesta oportunidade, examinar os argumentos no sentido de que a matéria devesse ser regulada por lei ou, ainda, de que a Portaria 001 teria indevidamente inovado em relação ao RICARF (ao invés de simplesmente regulamentá-lo), além de não ter sido publicada no Diário Oficial (consta que teria sido publicada, apenas, no “Boletim Pessoal – BP” nº 01, do CARF, de 06/01/2012) .
[7] Sendo esta a previsão contida no RICARF, mas, a rigor, deveria bastar a existência de reconhecimento, pelo STF, da repercussão geral da matéria constitucional tida por prejudicial.
[8] Caso não reconhecidas as ilegalidades apontadas pelo contribuinte.
[9] E, por consequência, de seu encaminhamento à Procuradoria da Fazenda Nacional para inscrição dos respectivos montantes como Dívida Ativa, subsistindo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.