Veículo: Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n.69, jun/2001
Autor(es): Mário Luiz Oliveira da Costa
Tem sido sustentado que, por força dos mesmos fundamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE nº 212.484-2[1], em que se reconheceu o direito ao crédito de IPI nas aquisições de insumos amparadas por isenção, teriam igualmente os contribuintes o direito ao creditamento nas aquisições não tributadas, imunes ou sujeitas à alíquota zero, que originem a industrialização de produtos onerados por este imposto.
Trata-se de tema que está a merecer reflexão mais profunda. Com efeito, mesmo no que pertine às operações isentas (em relação às quais, repita-se, o direito ao crédito já foi reconhecido pela Suprema Corte), cumpre definir se o creditamento deverá se dar conforme a alíquota atinente à entrada do insumo, afastada por força da isenção, ou de acordo com o percentual incidente na saída do produto tributado, caso diferente daquela. De outro lado, se isenção, alíquota zero, imunidade e não tributação configuram institutos jurídicos distintos, mas supostamente com o mesmo efeito econômico, há de se definir em que proporção se verificam esta igualdade (quanto aos efeitos econômicos) e aquela distinção (quanto à natureza jurídica), para que se possa concluir, com segurança, se efetivamente devem ser equiparadas para fins de reconhecimento do direito constitucional ao creditamento em questão,
independentemente de expressa previsão legal.
Este o propósito deste breve trabalho.
1-O princípio da não-cumulatividade
Como se sabe, em nosso sistema jurídico a não-cumulatividade (princípio que, por força de disposições constitucionais expressas, deve guiar a criação e aplicação das normas do IPI e do ICMS[2]) consiste em técnica adotada para promover, a cada etapa subseqüente do processo produtivo (de industrialização ou comercialização), a respectiva dedução do valor do tributo que incidiu nas etapas anteriores, de tal sorte que, ao final do ciclo, seja o consumidor onerado em montante igual ao que resulte da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo nessa fase[3].
Ou seja, trata-se de princípio que tem por objetivo viabilizar que a cada fase do ciclo econômico seja deduzido o imposto incidente nas etapas anteriores, de modo que a tributação seja neutra, isto é, não haja sobrecarga tributária tanto para o operador (sujeitos passivos que atuam no processo circulatório), quanto para o consumidor. Nenhum deles pode sofrer o efeito cumulativo, seja por assunção integral, pelo sujeito passivo, do ônus excedente quando não houver possibilidade de repercussão, seja por transferência da parcela não recuperada, que irá refletir-se como custo, aumentando o preço de venda final ao consumidor.
Tanto em relação ao IPI quanto ao ICMS a Carta de 1988 faz referência, ao assegurar a não-cumulatividade, à compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores. No que tange ao vocábulo “cobrado”, doutrina e jurisprudência são assentes no sentido de que resta assegurado o direito ao crédito do valor do imposto “incidente” na operação anterior conforme disposto na legislação aplicável, ainda que não tenha sido efetivamente cobrado e/ou recolhido[4].
Outrossim, resulta dos termos em que delineada a não-cumulatividade no texto constitucional que a apuração do ICMS e do IPI deva se dar na modalidade “imposto sobre imposto”. Esta não se confunde com aquela conhecida como dedução “base sobre base”, que implicaria abater-se do valor das operações posteriores o relativo às precedentes. Nada impediria que o constituinte tivesse privilegiado a sistemática da não-cumulatividade pela dedução “base sobre base”[5], mas não o fez a exemplo, aliás, do verificado em última análise na Comunidade Econômica Européia[6]. Igualmente no sentido de que a sobreposição de imposto sobre imposto implica transgressão ao princípio da não-cumulatividade, já se manifestou inúmeras vezes o Supremo Tribunal Federal[7].
A sistemática de dedução “imposto sobre imposto”, em regra, dá-se de forma desvinculada do produto, conforme o conjunto de operações verificadas em determinado período de tempo, assegurando-se o crédito em relação ao imposto incidente na entrada ainda que não haja a subseqüente saída no próprio período, oponível às saídas tributadas atinentes a outros produtos que tenham ocorrido naquele mesmo lapso temporal, denominado período de apuração.[8]
2-Crédito de IPI nas aquisições isentas e alíquota aplicável
Enquanto para o ICMS há regra constitucional expressa no sentido de que a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes (art. 155, § 2º, II, “a”, da CF-88, incorporando disposição já aplicável no regime constitucional anterior, por força da EC 23/83[9]), assim não se verifica em relação ao IPI.
Deste modo, não dispondo a Constituição Federal acerca da matéria relativamente ao IPI, cumpre verificar se haveria o direito ao crédito em questão independentemente de autorização expressa no âmbito da legislação ordinária. Por questão de método, examinarei em primeiro lugar, isoladamente, o direito ao crédito nas operações isentas e as razões que levaram a Suprema Corte a reconhecê-lo.
2.1.À primeira vista poderia parecer que o princípio da não-cumulatividade não fosse suficiente a assegurar tal procedimento, na medida em que, não se verificando o pagamento do imposto na operação de aquisição do insumo, restaria afastada a alegação de dupla oneração desta etapa do ciclo econômico atinente ao produto tributado. Mas, como antes referido, a obediência ao princípio da não-cumulatividade não se verifica pelo exame isolado de uma única etapa do ciclo, mas sim deste como um todo, pois só assim poder-se-á apurar se a somatória da carga tributária global resulta superior à aplicação da alíquota na última operação.
Ora, tomando-se por exemplo hipótese de isenção intercalar (isto é, no meio do ciclo econômico do imposto), resta flagrante a cumulatividade caso não assegurado o crédito em relação à entrada não tributada, como se verifica dos exemplos abaixo, com valores e alíquota de IPI (única, para facilitar) hipotéticos[10]:
Hipótese I – sem o direito ao crédito na entrada não tributada:
Agente econômico: A B C
Valor de venda praticado: 100 200 300
IPI da saída: 10% isento 10%
Débitos/créditos de IPI: C 0 / D 10 C 10 / D 0 C 0 / D 30
Saldo IPI devido na etapa: 10 0 30
Somatória da carga total: 10 + 0 + 30 = 40
Hipótese II – com o direito ao crédito na entrada não tributada:
Agente econômico: A B C
Valor de venda praticado: 100 200 300
IPI da saída: 10% isento 10%
Débitos/créditos de IPI: C 0 / D 10 C 10 / D 0 C 20 / D 30
Saldo IPI devido na etapa: 10 0 10
Somatória da carga total: 10 + 0 + 10 = 20
Como se vê, enquanto na hipótese I a carga tributária total (40) foi muito superior àquela resultante da aplicação da alíquota incidente na última etapa (30), na hipótese II foi ela inferior. Assim, não resta dúvida ser o crédito de rigor, em se tratando de isenção intercalar de IPI, sob pena de verificar-se incontestável efeito cumulativo.
Mais ainda, eventual negativa do crédito em questão implicaria não apenas o efeito cumulativo, como também neutralizaria a plena eficácia do benefício da isenção, transformando-a em mero diferimento do imposto, que incidiria integralmente na saída tributada, sem qualquer abatimento. Esta a principal justificativa, aliás, para sustentar-se o direito ao crédito mesmo quando a isenção se dá ao início no ciclo econômico, na medida em que nesta hipótese a ausência do crédito não implicaria efeito cumulativo.
Portanto, tratando-se de IPI efetivamente persiste o direito do contribuinte ao crédito na hipótese de aquisição isenta de insumos a serem utilizados em produtos onerados por aquele imposto, no montante que seria devido caso não se verificasse a isenção pois, correspondendo esta a uma redução da carga tributária, a vedação do direito ao crédito implicaria a própria anulação do benefício fiscal, já que a parcela relativa à isenção viria a ser cobrada englobadamente com o imposto devido sobre a saída do produto. Ademais, se a intenção do legislador fosse vedar o creditamento do IPI nessa hipótese, teria expressamente feito a ressalva na própria Constituição, tal como fez em relação ao ICMS que, igualmente não-cumulativo, não contempla a possibilidade de crédito em se tratando de operação anterior isenta (art. 155, § 2º, II, “a”).
Por estas razões, firmou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ampla maioria (sete votos favoráveis e apenas um contrário), o entendimento já referido, no sentido do direito ao crédito do IPI em relação às aquisições de insumos beneficiados com a isenção e utilizados na industrialização de produtos tributados por aquele imposto, tendo restado assim ementado o respectivo acórdão:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO INCIDENTE SOBRE INSUMOS. DIREITO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. OFENSA NÃO CARACTERIZADA.
Não ocorre ofensa à CF (art. 153, § 3º, II) quando o contribuinte do IPI credita-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob o regime de isenção.
Recurso não conhecido.”[11]
No mesmo sentido, assegurando o crédito de IPI na aquisição de matéria-prima isenta utilizada na fabricação de produto tributado, há inúmeros precedentes dos Tribunais Regionais Federais[12].
Assim, tem prevalecido – e nisto não há qualquer novidade – o entendimento no sentido de que a isenção de IPI, quando concedida, implica benefício a ser assegurado não apenas ao vendedor do produto isento, mas também ao seu adquirente, que tem o direito de ser responsabilizado pelo recolhimento do imposto incidente tão-somente sobre a parcela do valor por ele agregado ao produto, não podendo ser onerado sobre o restante apenas para neutralizar os efeitos, na arrecadação final do imposto, da isenção dada ao vendedor. Ou seja, tratando-se de isenção não se possibilita ao fisco o chamado efeito de recuperação[13].
2.2.Importa notar, contudo, não ter restado explicitado, quer no precedente do Supremo Tribunal Federal, quer naqueles dos Tribunais Regionais Federais, qual percentual deva ser utilizado para o crédito do imposto, na hipótese de a alíquota não aplicada na aquisição da matéria-prima (por força da isenção) mostrar-se inferior àquela incidente na saída do produto tributado. Com efeito, se, por hipótese, a alíquota que seria devida na operação de entrada, não fosse a isenção, correspondesse a 5% e aquela incidente na saída tributada fosse de 10%, qual seria o percentual aplicável para o crédito “presumido” que vem sendo assegurado pela jurisprudência, 5% ou 10% ?
Trata-se de matéria relevante pois, não obstante em muitos casos haja identidade nas alíquotas de entrada e saída (em que o problema não se põe), é extremamente comum a incidência de alíquotas diferenciadas em relação aos insumos e aos produtos finais deles resultantes.
Poder-se-ia alegar, sob a influência de julgados proferidos no sentido de que a interpretação finalística do princípio da não-cumulatividade implica somente poder ser tributado o valor agregado ao produto em cada fase do ciclo (o exame deste tema será aprofundado no item seguinte), que o crédito no exemplo posto devesse se dar no percentual de 10%.
Todavia, assim não me parece. É sabido – e a esse respeito desconhece-se qualquer questionamento – que nas operações tributadas o crédito do IPI atinente aos insumos limita-se ao valor (percentual) pago na operação de aquisição, ainda que o débito pela saída se dê em alíquota superior. Ora, se assim é, idêntico tratamento deve ser assegurado na hipótese de entradas isentas, sob pena de se ampliar, por mera interpretação, o alcance da isenção concedida, o que é vedado (art. 111, II do CTN[14]). Obviamente poderia lei válida conceder o benefício da apropriação do crédito pela entrada isenta conforme o mesmo percentual do débito da saída. Ocorre que, silente a lei, deve ser aplicado apenas e tão somente o percentual que seria devido não fosse a isenção, por força dos princípios constitucionais da não-cumulatividade e da isonomia, inclusive para que a isenção concedida não se transforme em mero diferimento do imposto (conforme orientação da Suprema Corte), mas também não se verifique vantagem adicional, não prevista em lei e nem decorrente de qualquer preceito constitucional, ao contribuinte.
Afinal, reconhecer o direito ao crédito conforme a alíquota da saída, quando superior àquela afastada na entrada por força da isenção e sem base em disposição legal inequívoca neste sentido, implicaria a necessária declaração, igualmente, do mesmo direito em se tratando de entradas não isentas sujeitas a alíquotas inferiores às das saídas, algo de que jamais se cogitou quer na doutrina, quer na jurisprudência.
Portanto, tratando-se de aquisições isentas de insumos a serem utilizados na fabricação de produtos tributados pelo IPI, entendo que há o direito ao respectivo crédito do imposto, tal como se daria se acaso não verificada a isenção (isto é, conforme a alíquota aplicável às operações semelhantes não isentas, e não aquela incidente na saída do produto tributado).
3-Operações não tributadas, imunes ou sujeitas à alíquota zero – Direito ao crédito de IPI somente quando verificadas de forma intercalar
Postas estas considerações, cumpre verificar se seriam elas suficientes a assegurar, igualmente, o crédito de IPI nas operações sujeitas à alíquota zero, não tributadas ou imunes. Realmente, não obstante tais hipóteses supostamente originem o mesmo efeito financeiro decorrente da isenção, dela se distinguem substancialmente, de modo que não se pode ter como certo – numa eventual análise simplista e menos cuidadosa – que o STF venha necessariamente aplicar-lhes o mesmo entendimento já firmado em relação às operações isentas.
3.1.Verifiquemos primeiramente se há o direito ao crédito quando tais operações iniciam o ciclo econômico atinente ao imposto (não precedidas, mas sim sucedidas, por operações tributadas).
Os produtos não tributados, no mais das vezes, sequer são industrializados[15], enquanto aqueles imunes encontram-se fora do campo de incidência por determinação constitucional, de forma que a não tributação pelo IPI, nas duas hipóteses, não configura propriamente um “benefício” dado pelo legislador ordinário, mas sim decorre da peculiar sistemática do imposto.
De fato, a imunidade, conforme doutrina e jurisprudência dominantes, configura “hipótese de não incidência, constitucionalmente qualificada”[16], diferenciando-se por decorrer da vontade não do legislador ordinário, mas do legislador constituinte, do que resulta sua inclusão dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar[17]. Como tal, não deixa de ser uma manifestação de não incidência, sendo-a apenas, como referido, constitucionalmente qualificada de modo a assegurar maior proteção ao contribuinte.
Desta forma, tanto na imunidade como na mera não tributação não se verifica sequer a ocorrência da obrigação tributária (nem, portanto, de qualquer fato gerador), enquanto na isenção sim, sendo apenas excluído o crédito tributário, nos termos do artigo 175 do Código Tributário Nacional.
Neste sentido, integralmente aplicáveis à hipótese os precedentes da Suprema Corte atinentes ao então ICM, quanto a fatos geradores anteriores ao advento da EC 23/83 (e, assim, livres de qualquer restrição constitucional quanto à integral aplicação do princípio da não-cumulatividade mesmo às operações de isenção ou não incidência, tal como se dá em relação ao IPI), em que se decidiu pelo direito ao crédito apenas nas operações de aquisição isentas, afastando-o nas operações imunes. Assim se entendeu justamente porque, tratando-se de imunidade, resta ausente a própria obrigação tributária, não sendo o princípio da não-cumulatividade suficiente, por si só, a assegurar o pretendido creditamento na medida em que a sua não efetivação não implica qualquer efeito cumulativo (RE nº 115.337-7[18] e RE nº 119.259-3[19], dentre outros)[20].
Manifestou-se o Relator Min. Octavio Gallotti, na ocasião, nos seguintes termos[21]:
Enquanto, na isenção, verifica-se o fato gerador, mas há dispensa de um tributo instituído (porque o legislador não achou conveniente a cobrança), na imunidade, não se dão sequer esse fato gerador ou a obrigação tributária, determinantes de algum crédito ou débito, para as partes empenhadas no negócio.
………………… omissis …………………
O que, em verdade, se pretende, é o crédito, não por incidências sobre o mesmo produto, anteriores à operação imune, mas aquele que se julga decorrente dessa última.
Persegue-se, para tanto, uma vislumbrada identidade entre a técnica do creditamento, quer na isenção, quer na imunidade, acenando-se com a perspectiva de que a recusa do crédito, em ambos os casos, resultaria em mero diferimento.
O argumento não resiste a uma análise menos perfunctória.
A preservação dos créditos, como consectário natural do preceito da não-cumulatividade, só guarda sentido lógico se figurada a existência de outras operações antecedentes àquela imune, necessariamente e situadas no campo de incidência (ainda que relevada a cobrança) do tributo.
Vale aqui a menção ao julgamento, pelo Tribunal Pleno, dos Embargos no Recurso Extraordinário nº 92.766 (RTJ 100/1.248), em que ambas as partes procuram prestígio para as suas teses.
Decidiu o plenário desta Corte que, por ocasião da revenda, no mercado interno, as empresas torrefadoras fariam jus ao crédito do ICM recolhido quando da aquisição do café verde, ao produtor, pelo Instituto Brasileiro do Café. Considerou-se, na assentada, que o crédito, então assegurado ao contribuinte, não tinha origem na revenda efetuada pelo IBC (da qual nenhum recolhimento resultara), mas se devia, na verdade à comercialização – esta tributada – que antecedera a transferência imune. Daí Ter afirmado o eminente Ministro RAFAEL MAYER, Relator, em certo ponto de seu douto voto:
‘… parece-me dificultoso admitir que a venda feita pelo IBC ao consumidor (…) pudesse servir de suporte para o abatimento de montante na operação que sobrevém, se em si mesmo não representa um valor imponível’ (RTJ 100/1.257).
Nesse pressuposto, concluiu S.Exa. que a solução seria retroceder em busca da operação anterior, que houvesse sofrido o gravame fiscal, para dele retirar a referência indispensável ao abatimento.
Nestes autos, entretanto, as instâncias ordinárias, ao atribuir o direito de crédito, não cogitaram de operações anteriores – sequer, aliás, referidas na inicial – mas tiveram como alvo, para justificar o creditamento, precisamente a operação favorecida com a imunidade, como se depreende claramente do seguinte tópico do acórdão recorrido:
………………… omissis …………………
Ante o exposto, entendo que o Colendo Tribunal a quo, ao declarar o crédito, sob color de resguardar o princípio da não-cumulatividade do ICM, em operação imune, feriu os artigos 19, III, a e § 1º e 23, II, da Constituição.”[22]
Deste modo, ausente elemento novo ou argumento inédito que possa justificar o reexame do entendimento manifestado pela Suprema Corte, dentre outros, no precedente retro transcrito, tudo indica venha ele a ser mantido quando do julgamento dos casos específicos atinentes ao IPI, ainda que, indubitavelmente, possam os novos integrantes da Corte (ou mesmo aqueles que já se manifestaram nos precedentes anteriores), vir a ter, na atualidade, entendimento diverso acerca da matéria.
3.2.De outro lado, quanto às operações sujeitas à alíquota zero, efetivamente incluem-se no campo de incidência do imposto e, tal como se dá na isenção, também envolvem o surgimento tanto da obrigação tributária como do crédito tributário e implicam nada ser devido na operação em que se verificam. Não obstante, há muito firmou-se o entendimento do STF no sentido de igualmente não se confundirem com aquelas isentas[23]. Realmente, trata-se de figuras jurídicas absolutamente distintas, na medida em que, enquanto na isenção verifica-se a exclusão do crédito tributário, na operação sujeita à alíquota zero não há esta exclusão; apenas e tão somente o crédito tributário já nasce desprovido de qualquer dimensão econômica.
Em julgamento atinente a pleito de creditamento do IPI incidente sobre embalagens tributadas, adquiridas para o acondicionamento de produto sujeito à alíquota zero (situação inversa daquela ora em exame e cujo creditamento veio a ser reconhecido pela Lei nº 9.779/99), consignou a 1a Turma do STF, em sua composição à época, que:
“O fato de o creditamento ser assegurado com relação a produtos originariamente isentos não colide com o raciocínio que nega o mesmo benefício nas hipóteses de alíquota ‘zero’. Como bem lembrou o eminente Ministro PAULO TÁVORA, do Tribunal Federal de Recursos, em voto mencionado no acórdão recorrido, na isenção ‘emerge da incidência um valor positivo a cuja percepção o legislador, diretamente, renuncia ou autoriza o administrador a fazê-lo. Na tarifa zero frustra-se a quantificação aritmética da incidência e nada vem à tona para ser excluído’”.[24]
Trata-se de precedente antigo, é verdade, mas que também será certamente considerado pela Suprema Corte quando do exame de pleitos atinentes aos créditos nas entradas sujeitas à alíquota zero.
3.3.Ademais, penso que não há mesmo como equiparar, na modalidade “imposto sobre imposto”, os efeitos decorrentes da aplicação de alíquota zero (e muito menos os de imunidade e não tributação) com aqueles resultantes de isenção. Para que se pudesse admitir a procedência da tese de creditamento nas operações não tributadas, imunes ou sujeitas à alíquota zero seria necessário entender que o sistema jurídico pátrio assegura que o IPI incida, apenas e tão somente, sobre o valor agregado em cada etapa do ciclo econômico por ele atingido (modalidade “base sobre base”). Ocorre que, conforme inicialmente esclarecido, o Texto Constitucional é expresso ao assegurar a aplicação da sistemática da não-cumulatividade na modalidade “imposto sobre imposto”. A modalidade “base sobre base” não encontra fundamento na Constituição Federal, na legislação ordinária, na melhor doutrina e nem mesmo na jurisprudência já firmada pelo Supremo Tribunal Federal.
Afinal, na isenção justifica-se o direito ao crédito, tal como reconhecido pelo Plenário do Supremo Tribunal, porque há efetivamente uma alíquota positiva fixada para a operação, que deixa de ser aplicada por força do benefício concedido. Assim se assegura para que não se verifique “a possibilidade de o Estado dar com uma das mãos e retirar com a outra”[25], na medida em que “não teria sentido nenhum a isenção se não houvesse o correspondente crédito, pois tributada a operação seguinte”[26]. Nas demais hipóteses em exame, inversamente, não há alíquota positiva de que possa resultar o direito ao crédito do imposto – não há, como referido, exclusão de crédito tributário que possa restar frustrada, neutralizada, pelo não creditamento.
Reconhecer o direito ao crédito relativamente a estas operações implicaria reconhecê-lo, igualmente, nas etapas em que tanto as entradas quanto as saídas sejam tributadas, mas por alíquotas diferenciadas, sempre na extensão da alíquota da saída, se superior à da entrada, o que, conforme antes referido, não encontra qualquer respaldo no nosso sistema jurídico.
Também não se verifica na hipótese qualquer efeito cumulativo de que pudesse resultar o direito ao crédito a fim de neutralizá-lo, face à desoneração do imposto logo no início do ciclo econômico, sem que tenha sido precedida de etapa tributada. Disto resulta serem reduzidas as possibilidades de o Supremo Tribunal Federal vir a estender às operações imunes, não tributadas ou sujeitas à alíquota zero, que iniciem o ciclo econômico atinente ao IPI (isto é, que não tenham sido precedidas de qualquer etapa tributada), o entendimento já firmado relativamente às operações isentas, quanto ao direito ao crédito.
Ressalte-se contudo, vez mais, tratar-se de matéria ainda não pacificada na jurisprudência, cumprindo apontar que mesmo no âmbito do TRF da 4a Região (Porto Alegre), em que se verifica o maior número de precedentes acerca da matéria (no mais das vezes em hipóteses de isenção e na esteira do precedente da Suprema Corte), há divergência especialmente quanto à aplicabilidade da tese às operações sujeitas à alíquota zero, existindo manifestações tanto favoráveis[27] quanto desfavoráveis[28] aos contribuintes.
Não se pode ignorar, portanto, os argumentos acolhidos em alguns precedentes, no sentido de que o não creditamento nas hipóteses em questão implicaria igualmente neutralizar o “benefício” econômico resultante da não tributação, imunidade ou alíquota zero, transmudando-as, como decidiu o Plenário da Suprema Corte quanto à isenção, em mero diferimento do imposto (que seria integralmente pago na saída do produto tributado, sobre o seu valor integral, e não apenas sobre a parcela agregada na etapa econômica considerada), do que resultaria o direito ao crédito do imposto mesmo no início do ciclo.
O principal óbice a esta posição, como antes exposto, é o fato de o sistema constitucional ter eleito a sistemática da não-cumulatividade conforme a técnica “imposto sobre imposto”, e não “base sobre base”, que seria aplicável caso a Constituição efetivamente assegurasse a tributação (no caso, pelo IPI) limitada ao valor agregado em cada etapa do ciclo[29]. Ainda, tratando-se de imunidade, não tributação ou alíquota zero não há propriamente uma “desoneração” do imposto, mas sim a “não oneração”[30], cujo benefício econômico – quanto à operação no início do ciclo e salvo dispositivo legal expresso em sentido contrário – resta assegurado apenas ao operador responsável por aquela etapa (saída não onerada), e não àquele responsável pela etapa seguinte (entrada não onerada para posterior saída tributada), por força da própria sistemática do imposto e por não implicar qualquer efeito cumulativo.
3.4.Já na operação intercalar (precedida de etapa tributada), entendo haver o direito ao crédito presumido quando verificada a incidência de alíquota zero (ou mesmo em se tratando de operações imunes ou não tributadas, não obstante dificilmente se verifiquem de forma intercalar), como única forma de atender ao princípio da não-cumulatividade.
Isto porque a não efetivação do crédito nas etapas intercalares não tributadas resultaria na somatória, ao final, de valor total superior àquele resultante da última operação tributada, tal qual demonstrado no quadro comparativo atinente à isenção, constante do item 2.1 (a cujas considerações ora me reporto a fim de evitar desnecessárias e fastidiosas repetições), com evidente efeito cumulativo. Assim, nestas hipóteses, adotando por premissa ser “tradição no direito pátrio somente conceber-se a mitigação do princípio da não-cumulatividade mediante dispositivo constitucional”[31], há de se reconhecer o direito ao crédito do IPI, na esteira inclusive do entendimento manifestado pelo STF quando do julgamento, dentre outros, do já referido RE nº 115.337-7[32], devendo ser apurado conforme a alíquota atinente à saída do produto tributado, face à inexistência de outra a ser considerada[33].
4- Conclusões
Por todo o exposto e inclusive face ao entendimento já manifestado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, é inequívoco o direito ao creditamento do IPI nas operações isentas de aquisição de insumos a serem utilizados na fabricação de produtos onerados por este tributo[34]. Não obstante, resta pendente de definição jurisprudencial o percentual aplicável para o lançamento do crédito na hipótese de a alíquota afastada pela isenção mostrar-se inferior à incidente sobre o produto final. Na ausência de disposição legal expressa, entendo somente possa ser utilizada aquela, inferior.
Já no que tange às operações sujeitas à alíquota zero, imunes e não tributadas, subsiste a divergência jurisprudencial. Nos casos em que verificadas no início do ciclo econômico atinente ao IPI, parece reduzida a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal vir a estender o mesmo entendimento firmado em relação às operações isentas, pois para tanto teria que alterar a orientação firmada nos precedentes antes referidos, nos quais restou afastada de forma expressa justamente a pretensão de aplicação, às operações imunes, do entendimento firmado no sentido do direito ao crédito (do então ICM) nas operações isentas, assim como pleitos de equiparação entre estas e aquelas sujeitas à alíquota zero. Mais ainda, teria a Suprema Corte que superar o entendimento no sentido da aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade apenas na modalidade “imposto sobre imposto” (e não “base sobre base”), além de reconhecer que, incidindo ou não o IPI nas operações de entrada, o crédito deva sempre se dar conforme a maior alíquota envolvida na etapa do ciclo econômico considerada, mesmo que atinente à saída do produto tributado.
Mostra-se mais consentâneo com o sistema jurídico pátrio e com a orientação antes firmada pela Augusta Corte entendimento no sentido de que, ausente a alíquota positiva nas operações não intercalares sujeitas à alíquota zero, imunes ou não tributadas, a inexistência do direito ao crédito do IPI é apenas um dos traços distintivos entre tais situações e a isenção, por força do próprio perfil constitucional dado àquele imposto e sem qualquer efeito cumulativo. Disto resulta ainda, por conseqüência, não serem absolutamente idênticos os efeitos econômicos decorrentes daquelas figuras jurídicas, pois apenas nesta (isenção) resta sempre vedado ao fisco, em qualquer hipótese, o efeito de recuperação.
Por último, no que respeita às operações intercalares sujeitas à alíquota zero, imunes ou não tributadas, aguarda-se que a Suprema Corte venha a esposar, também na esteira de precedentes anteriores, o entendimento ora exposto no sentido de configurar-se o direito ao crédito por força do princípio constitucional da não-cumulatividade, a ser efetivado conforme o percentual do imposto incidente na saída do produto tributado.
Mário Luiz Oliveira da Costa – artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário nº 69 (junho/2001, p. 123)
[1] Havido em 05/03/1998 – acórdão publicado em 27/11/98 (Relator para o acórdão Min. Nelson Jobim – RTJ 167/698).
[2] Artigos 153, § 3º, II e 155, § 2º, I, da CF-88.
[3] Como expõe Hamilton Dias de Souza, ressalvando que “a afirmação de que a carga tributária deve ser igual à que resulta da aplicação da alíquota na última operação pode comportar temperamentos quando haja previsão de mecanismos de desoneração relativamente a esta, ou a fases precedentes no ciclo, sem que ocorra o efeito de recuperação” (O Crédito de ICMS de Bens do Ativo, in “Temas Atuais de Direito”, Coordenador Milton Paulo de Carvalho, Ed. LTr, 1998 – pág. 95). Quanto ao significado do termo “efeito de recuperação”, vide nota nº 5.
[4] Neste sentido, dentre outros, Ives Gandra da Silva Martins (Comentários à Constituição do Brasil, Ed. Saraiva, 1990 – 6º v., t. I – pág. 397) e Hamilton Dias de Souza (ICMS – Não-cumulatividade – Aspectos relevantes, in “Estudos Tributários”, Organizador Condorcet Rezende, Ed. Renovar, 1999 – pág. 265), já tendo o Supremo Tribunal Federal igualmente se manifestado na mesma linha (RE 78.589-SP – RTJ 73/898 e RE 111.757-5-SP – RTJ 126/715, dentre outros).
[5] Em se tratando de operações sujeitas a alíquotas uniformes, ambas as técnicas se equivalem, delas resultando igual efeito econômico. Todavia, quando da incidência de alíquotas distintas, a sistemática do “imposto sobre imposto”, em comparação com a da “base sobre base”, é mais benéfica ao contribuinte nas operações em que a alíquota da entrada seja superior à da saída, ao passo em que esta se mostra mais benéfica que aquela na hipótese inversa.
Alcides Jorge Costa, examinando o assunto, esclarece que:
“O método geralmente usado é o de imposto sobre imposto. O método de subtração base sobre base foi o perfilhado pela lei japonesa aprovada em 1950 e que foi revogada sem jamais ter sido aplicada.
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Como adverte COSCIANI, pode-se dizer, de modo geral, que no método imposto sobre imposto, a alíquota das fases ulteriores exerce influência nas fases precedentes, enquanto que, no método base sobre base, o efeito da alíquota circunscreve-se à operação a que foi aplicada. Disto decorre que, utilizado o método imposto sobre imposto, uma alíquota inferior ou uma isenção no curso do ciclo a que está sujeito o produto, não beneficia o consumidor, porque a diferença é recuperada pelo fisco através da aplicação de alíquota mais elevada nas operações posteriores. É o chamado efeito de recuperação. Desnecessário acrescentar que, no método base sobre base, as reduções de alíquotas ou isenções em operações intermediárias beneficiam o consumidor final. O efeito de recuperação tem seu lado positivo, uma vez que permite saber, com exatidão, qual o ônus tributário de cada produto, na hipótese de necessidade de uma desoneração total, como nas exportações.”
(“ICM na Constituição e na Lei Complementar”, Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1978, págs. 26 e 27)
[6] Embora lá o tributo receba a denominação de imposto sobre o valor acrescido, assinala Gian Antonio Micheli que “é, em linha de princípio, neutro para o operador”, sendo que esta expressão “significa simplesmente que o IVA não é, em última análise, elemento do custo” (“Lineamenti della Riforma Tributaria”, Unione Tipografico – Editrice Torinese, 1972, pags. 115/117). No mesmo sentido, Manuel de Juano (“Tributacion sobre El Valor Agregado – IVA”, págs. 75 e 82), Franco Gallo (“Problemas Velhos e Novos de Direito Tributário” – Revista de Direito Tributário nº 9-10, págs. 51/52) e Salvador Ramirez Gomez (“El impuesto sobre el Valor Añadido”, Editorial Civitas, Madrid, pág. 213).
[7] Vale destacar os seguintes trechos de dois precedentes da Suprema Corte acerca da matéria: “Não é possível haver cumulação sem que haja o pagamento do mesmo imposto sobre circulação de mercadoria em duas ou mais etapas, sem dedução do que já foi pago” (AGRE nº 185.338-7 SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 1997) e “Tributos só se podem cumular, se cobrados em duas ou mais etapas. É para evitar que se sobreponham, que a lei adota a técnica da dedução, em cada operação, do montante cobrado nas anteriores, mediante o expediente do crédito fiscal” (RE nº 125.106-9 SP – RTJ 156/993, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1994).
Note-se que não foi por outra razão que a Suprema Corte concluiu pela ausência do direito ao crédito do imposto nas hipóteses de diferimento, entendendo não ser ele necessário a evitar o efeito cumulativo nestas operações simplesmente porque o próprio diferimento já o impossibilitava (Ag.Reg. no AG 87.322, Rel. Min. Moreira Alves – RTJ 90/605; RE 112.098, Rel. Min. Néri da Silveira – RTJ 137/1323 – e RE 225.338-9, Rel. Min. Marco Aurélio, dentre outros).
[8] Não obstante, ressalte-se que para fins do ICMS o art. 26 da LC 87/96 passou a possibilitar a instituição de três outras sistemáticas de apuração, mediante (a) cotejo entre créditos e débitos por mercadoria ou serviço dentro de determinado período; (b) cotejo entre créditos e débitos por mercadoria ou serviço em cada operação; ou (c) cálculo por estimativa dentro de determinado período, o que encontra respaldo no disposto no art. 155, § 2º, XII, “c” da CF-88, cf. Hamilton Dias de Souza (ICMS – Não-cumulatividade – Aspectos relevantes, in “Estudos Tributários”, Organizador Condorcet Rezende, Ed. Renovar, 1999 – pág. 266).
[9] O que se justificou à época como medida necessária para minimizar a “guerra fiscal” entre os Estados da Federação, que então já se mostrava preocupante, sendo certo que, na ausência de disposição constitucional expressa (isto é, até a edição da EC 23), a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se pacificara no sentido de que “havendo isenção na importação da matéria-prima, há direito ao crédito do valor correspondente à hora da saída do produto industrializado” (RE 106.844 – RTJ 116/855, conforme trecho transcrito no voto do Min. Marco Aurélio, nos autos do RE 212.484-2 – RTJ 167/698).
[10] O mesmo exemplo numérico foi utilizado por Hamilton Dias de Souza (Repertório IOB de Jurisprudência nº 24/96 – Caderno 1 – pág. 549) e pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 161.257-6/SP, Rel. Min. Marco Aurélio – julgado em 16/12/97 – DJ de 17/04/98, pag. 016) para demonstrar o efeito cumulativo na isenção intercalar, não obstante o precedente da Suprema Corte cuidasse de hipótese inversa àquela ora examinada, ou seja, de manutenção do crédito atinente à entrada tributada apesar da isenção na saída (em relação ao ICMS, quanto a fatos geradores ocorridos na vigência da Constituição de 1969), enquanto aqui se verifica se há o direito ao crédito na entrada isenta, com saída tributada.
[11]RE nº 212.484-2, valendo transcrever os seguintes trechos de alguns dos votos proferidos naquela ocasião:
“O objetivo é tributar a primeira operação de forma integral e, após, tributar o valor agregado. No entanto, para evitar confusão, a alíquota incide sobre todo o valor em todas as operações sucessivas e concede-se crédito do imposto recolhido na operação anterior. Evita-se, assim, a cumulação.
Ora, se esse é o objetivo, a isenção concedida em um momento da corrente não pode ser desconhecida quando da operação subsequente tributável. O entendimento no sentido de que, na operação subsequente, não se leva em conta o valor sobre o qual deu-se a isenção, importa, meramente, em diferimento.
…………… omissis ……………
Com a vênia do eminente Ministro-Relator, ouso divergir, com o pressuposto analítico do objetivo do tributo de valor agregado. O que não podemos, por força da técnica utilizada no Brasil para aplicar o sistema do tributo sobre o valor agregado não-cumulativo, é torná-lo cumulativo e inviabilizar a concessão de isenções durante o processo produtivo.” (trecho do voto do Min. Nelson Jobim)
“Ora, isenta-se de algo, de início, devido, e, para não se chegar à inocuidade do benefício, deve haver o crédito, sob pena, também, de transformarmos a isenção em simples diferimento, apenas projetando no tempo o recolhimento do tributo.
…………… omissis ……………
Em suma, não podemos confundir isenção com diferimento, nem agasalhar uma óptica que importe em reconhecer-se a possibilidade de o Estado dar com uma das mãos e retirar com a outra.
Dessa forma, sem que haja norma de estatura maior em tal sentido, porquanto o princípio da não-cumulatividade é constitucional, impossível é concluir-se pelo alijamento, em si, do crédito.” (trecho do voto do Min. Marco Aurélio)
“Sr. Presidente, não desconheço a seriedade dos argumentos com os quais o eminente Ministro-Relator se opõe à jurisprudência formada – é certo – sobre o ICMS, mas à luz de disposição literalmente idêntica à que regulava a não-cumulatividade do IPI. No entanto, não vejo como revê-la após a Emenda Constitucional 23, que só ganha sentido na medida em que, para o ICMS, e só para o ICMS, veio a dispor em sentido contrário, trazendo inovação mantida – também só para o ICMS – pela Constituição de 1988.” (trecho do voto do Min. Sepúlveda Pertence)
[12] TRF-RJ: AMS 96.02.06050-6, Rel. Des. Fed. Ney Fonseca (RDDT 37/220); AMS 96.02.34354-0 (RDDT 36/152) e 99.02.29446-4, Rel. Des. Fed. Castro Aguiar (RDDT 54/234); TRF-SP: AG 98.03.013008-0, Rel. Des. Fed. Marli Ferreira (RDDT 35/139) e AG 97.03.000680-9 – despacho da Des. Fed. Salette Nascimento (RDDT 19/153); TRF-RS: AMS 95.04.37384-4, Rel. Juiz Gilson Dipp (RDDT 13/126) e REO 95.04.09175-0, Rel. Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon (RDDT 17/146); TRF-PE: AMS 96.05.54835/RN, Rel. Juiz Geraldo Apoliano e AMS 95.05.18248-1, Rel. Juiz Araken Mariz (RDDT 16/117), dentre outros.
[13] Vide nota nº 5, quanto ao significado do termo efeito de recuperação.
[14] “Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
…………… omissis ……………
II – outorga de isenção;”
[15] Ou, ainda, sujeitam-se a processo de industrialização rudimentar, caracterizando-se como “N/T” simplesmente porque o legislador não os considerou relevantes para fins de incidência do imposto.
[16] RE nº 115.337-7, Rel. Min. Octavio Gallotti (RTJ 127/282), dentre outros.
[17] Na lição de Amilcar de Araújo Falcão, configura a imunidade “uma forma qualificada ou especial de não-incidência, por supressão, na Constituição, da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo” (Fato Gerador da Obrigação Tributária – Ed. RT, 2ª edição – pág. 117).
[18] RTJ 127/282.
[19] RTJ 135/821.
[20] Salvo, como se verá a seguir, quando verificada a imunidade nas operações intercalares, isto é, aquelas precedidas de outras operações tributadas, em que, na ausência de expressa vedação constitucional, o crédito era de rigor, sob pena de se verificar inconstitucional efeito cumulativo.
[21] Justifica-se a longa transcrição por tratar-se de precedente da Suprema Corte cujo raciocínio aplica-se integralmente à hipótese ora em exame, sendo igualmente relevante para a análise das operações intercalares, objeto do item 3.4.
[22] RE nº 115.337-7, julgado por unanimidade em 25/03/1988 (RTJ 127/282).
[23] Súmula nº 576 (“É lícita a cobrança de ICM sobre produtos importados sob o regime de ‘alíquota zero’) e RE´s ns. 92.146-0/SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra – RTJ 94/917 -; 99.825-0/SP, Rel. Min. Néri da Silveira – DJ de 05/09/86, pag. 15.834 – e 109.047-2/SP, Rel. Min. Octavio Gallotti – RTJ 119/856, dentre outros.
[24] RE nº 109.047-2/SP, Rel. Min. Octavio Gallotti, julgado em 29/08/86 (RTJ 119/856).
[25] Conforme voto proferido pelo Min. Marco Aurélio (RE nº 212.484-2 – RTJ 167/698).
[26] Conforme voto proferido pelo Min. Néri da Silveira, no mesmo precedente.
[27] AG 1998.04.01.088931-1/PR – despacho proferido pela Juíza Relatora Tania Escobar (RDDT 42/199); AC 96.04.42556-0/PR e AC 96.04.04861-9/RS, Rel. Juiz Gilson Dipp (RDDT 35/141); AG 1998.04.01.015563-9/SC, Rel. Juíza Tania Escobar e AMS 1998.04.01.088201-0/RS, Rel. Juiz Fernando Quadros da Silva, dentre outros.
[28] AG 98.04.04904-0 – despacho proferido pelo Juiz Relator Élcio Pinheiro de Castro (RDDT 33/206); AC 92.04.20308-0/RS, Rel. Juiz Teori Albino Zavascki; voto divergente do Juiz Vilson Darós no AG 1998.04.01.015563-9/SC; AI 98.04.05040-4/SC, Rel. Juiz Vladimir Freitas (RDDT 39/144) e AC 96.04.04862-7/RS (RDDT 35/137), Rel. Juiz Fábio Bittencourt da Rosa, dentre outros.
[29] O que poderia eventualmente decorrer de interpretação do voto proferido pelo Min. Nelson Jobim nos autos dos RE nº 212.484-2 (RTJ 167/698), mas não das demais manifestações dos Srs. Ministros integrantes da Suprema Corte que então participaram do julgamento, como se verifica do inteiro teor do respectivo acórdão.
[30] Como dito, não há a exclusão do crédito tributário, como se verifica na isenção.
[31] Trecho do voto proferido pelo Min. Marco Aurélio nos autos do RE nº 161.257-6/SP, já referido.
[32] RTJ 127/282.
[33] Caso o mesmo insumo seja utilizado na fabricação de produtos sujeitos a alíquotas distintas, parece-me que o crédito deva se dar na correspondente proporção, conforme o volume utilizado em cada produto.
[34] Faz-se necessário, porém, o ajuizamento de medida judicial específica que assegure tal direito a cada contribuinte, por não produzir o precedente da Suprema Corte os denominados efeitos erga omnes e não ter ainda o fisco federal se curvado ao entendimento ali exarado.