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Artigos - 25/02/11

Mário Luiz Oliveira da Costa – Impossibilidade de excussão de fiança bancária apresentada em Execução Fiscal antes do final julgamento dos respectivos Embargos

Veículo: Informativo Migalhas, nº 2.579, de 25/02/2011
Autor(es): Mário Luiz Oliveira da Costa

O elevado número de Execuções Fiscais e respectivos Embargos pendentes de julgamento em todo o País tem sido alardeado como uma das causas da morosidade do Poder Judiciário e do atraso na satisfação de créditos tributários relevantes para as Fazendas Públicas Federal, Estaduais e Municipais. Há de se ter presente, contudo, que muitas destas ações envolvem questionamentos legítimos – não raro acerca de exigências fiscais arbitrárias e exorbitantes, ou, ao menos, ainda pendentes de definição na jurisprudência.

 

Assim, muitas vezes é de interesse também do executado que a lide termine com a brevidade possível, mesmo porque a sua tão simples pendência já implica diversos prejuízos, como aqueles decorrentes da manutenção de garantias por tempo indeterminado. Enquanto, de um lado, há de se assegurar uma tramitação mais célere e eficaz das referidas ações, de outro, não é razoável que o contribuinte de boa-fé, que garanta os interesses da Fazenda Pública e apresente fundamentos jurídicos consistentes para o questionamento da exigência, sofra prejuízos adicionais em razão da mora a que não deu causa, enquanto não for o seu pleito julgado em definitivo.

 

Todavia, o teor da Súmula nº 317 do Superior Tribunal de Justiça[1] (cuja aplicabilidade à execução fiscal e respectivos embargos é duvidosa, o que, de qualquer modo, não será objeto de exame nesta oportunidade) tem levado alguns Procuradores de Fazendas Públicas a pleitearem a excussão de fianças bancárias dadas em garantia ainda que pendente o julgamento final do feito. Em outras situações, discordam de pleitos de substituição de bens penhorados por fianças bancárias ou, ainda, condicionam a aceitação da fiança à sua imediata excussão.

 

Ocorre que, ainda que se entenda possível o prosseguimento da execução fiscal na pendência dos respectivos embargos, não há fundamento jurídico válido para o acolhimento de tais pretensões, como se passa a demonstrar.

 

O artigo 15, I da Lei Federal 6.830/80[2] é inequívoco ao assegurar ao executado, “em qualquer fase do processo”, “a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária”. A referência a “qualquer fase do processo” deixa claro que, independentemente da existência de decisão de mérito nele proferida e do seu teor (desde que não transitada em julgado), sempre poderá o executado substituir o bem penhorado, à sua exclusiva opção, por depósito em dinheiro ou fiança bancária.

 

“Qualquer fase do processo” equivale a “todas as fases do processo”. Ora, se assim é, podendo ser a fiança prestada em toda e qualquer fase do processo, por óbvio há de subsistir em toda e qualquer fase do processo, até que se encerre em definitivo.

 

A LEF assegura a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária, não por fiança bancária para ser convertida em depósito em dinheiro. São garantias autônomas e independentes, com efeitos jurídicos, para os fins e nos termos da LEF, idênticos. Facultada a apresentação da fiança ou do depósito, obviamente uma opção é excludente da outra, pois são incompatíveis entre si, não podendo subsistir conjuntamente, sob pena de se configurar dupla garantia.

 

Não fosse para subsistir tal como apresentada, seria de todo inútil e ineficaz a autorização legal para a apresentação da fiança bancária a qualquer tempo (pois bastaria a referência ao depósito em dinheiro), sendo certo que, como ensina Carlos Maximiliano, não se presumem palavras inúteis na lei, cujos termos devem ser interpretados de modo a deles se extrair alguma eficácia[3].

 

Em suma, não há outra conclusão possível senão no sentido de que a autorização para ser a fiança prestada em qualquer fase do processo tem por consequência lógica e inexorável o direito à sua subsistência em todas as fases do processo. Se a fiança bancária for excutida antes do término do processo, ficará prejudicada a apresentação da garantia a partir de então, em flagrante descumprimento do quanto disposto no artigo 15, I da LEF, não sendo sequer razoável interpretar o dispositivo de modo a anular o seu próprio comando.

 

Nem se diga que, na ausência de efeito suspensivo à apelação interposta, tratar-se-ia de execução definitiva, com a consequente liquidação da garantia, fosse ela qual fosse. Tal raciocínio seria aceitável, apenas, em relação a outras garantias, distintas do depósito e da fiança bancária. Quanto a estas, havendo equiparação legal e autorização para apresentação a qualquer tempo, sujeitam-se, igualmente, à determinação de subsistência até o término da lide.

 

Em outras palavras, da mesma forma que o depósito em dinheiro não pode ser convertido em renda da Fazenda Pública (pagamento) antes do término da medida judicial, até então também não pode a fiança bancária ser convertida em pagamento ou em depósito em dinheiro.

 

Assim se impõe, inclusive, em razão da própria natureza jurídica da fiança. Nos termos do artigo 818 do Código Civil, “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra” (destacamos). A fiança bancária, enquanto caução ou garantia, objetiva “oferecer ao credor uma segurança de pagamento, além daquela genérica situada no patrimônio do devedor”[4]. Trata-se, assim, de garantia de pagamento, para a hipótese de o devedor não cumprir obrigação por ele assumida.

 

A pretendida excussão antecipada da garantia implicaria, contudo, o efetivo pagamento, pelo fiador, dos respectivos montantes envolvidos, vez que o art. 818 do CPC não prevê outra forma de liquidação da fiança senão a de satisfazer, ao credor, a obrigação envolvida. E isso sem que se saiba, afinal, se tais montantes são efetivamente devidos pelo afiançado. Ocorre que a determinação de pagamento, antes mesmo do término do processo (quando e só então será possível saber se o executado é realmente “devedor” e possui uma efetiva “obrigação” a ser cumprida), é manifestamente ilegal e abusiva, pois não observa os requisitos do artigo 818 do Código Civil e impõe ao executado a tortuosa e inadmissível via do solve et repete, há muito afastada por nossos Tribunais.

 

De outro lado, caso se entenda que a excussão antecipada da fiança não implicaria, efetivamente, o pagamento da dívida, mas apenas o depósito em dinheiro do respectivo montante, tratar-se-ia, então, de providência não prevista em lei. Isto porque não há, quer no Código Civil, quer na Lei nº 6.830/80, qualquer previsão de que a fiança possa ser excutida não para adimplir a obrigação, mas para passar a garanti-la de outra forma (qual seja, pelo depósito em dinheiro).

 

Eventual determinação nesse sentido caracteriza inequívoca inovação no mundo jurídico, criando obrigação não prevista em lei e atuando o julgador como legislador positivo, o que, como se sabe, é vedado por contrariar os princípios da legalidade e da separação dos Poderes.

 

Portanto, sob qualquer ângulo que se examine a questão, não há como legitimar a excussão de fiança bancária prestada em garantia de Execução Fiscal, antes do julgamento final dos respectivos Embargos.

 

Como não poderia deixar de ser, a jurisprudência majoritária tem assegurado a subsistência de fianças bancárias em tal situação, considerando ser esta a única interpretação lógica e sistemática do disposto nos artigos 9º, § 3º[5]; 15, I (que equiparam a fiança bancária ao depósito em dinheiro) e 32, § 2º[6] (que condiciona o levantamento do depósito ao trânsito em julgado da decisão), todos da Lei nº 6.830/80[7].

 

Em conclusão, pode o executado apresentar, a qualquer tempo, fiança bancária em garantia da Execução Fiscal, ainda que em substituição a outra garantia anteriormente apresentada[8]. A fiança bancária apresentada, de seu turno, não poderá ser excutida antes do final e definitivo julgamento dos respectivos Embargos à Execução Fiscal, independentemente dos efeitos em que tiverem sido recebidos os recursos ainda pendentes de julgamento.

 

É de todo conveniente que a orientação jurisprudencial já firmada nesse sentido seja observada pelos Magistrados de 1ª e 2ª instâncias, assim como pelas Fazendas Públicas Municipais, Estaduais e Federal, evitando-se a desnecessária interposição de recursos cujo julgamento final já se conhece e que apenas sobrecarregam ainda mais o Poder Judiciário, retardando o próprio julgamento final do mérito do respectivo feito.

 

Mário Luiz Oliveira da Costa– advogado em São Paulo, sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados.


		

[1]Súmula nº 317: “É definitiva a execução de título extrajudicial, 
ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes 
os embargos.

[2] “Art. 15. Em qualquer fase do processo, será deferida pelo juiz:

 

I – ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária;

 

[3] “Verba cum effectu, sunt accipienda: ‘Não se presumem, na lei, palavras inúteis.’ Literalmente: ‘Devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia.’ As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis.” (Hermenêutica e aplicação do direito, Forense, 18ª ed. – 1999, p. 250). Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, “O direito, tal qual ensinou CARLOS MAXIMILIANO, deve ser interpretado ‘inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis’“. (RE 543974 / MG – Rel. Min. Eros Grau – DJ: 28/05/2009).

 

[4] Conforme Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil, vol. III – Contratos. Rio de Janeiro, Forense, 2003 – p. 493).

 

[5] “Art. 9º Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão da Dívida Ativa, o executado poderá:

 

I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;

 

II – oferecer fiança bancária;

 

….. omissis …..

§ 3º A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro ou fiança bancária, produz os mesmos efeitos da penhora.

 

[6] “Art. 32. Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:

….. omissis …..

 

§ 2º Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do juízo competente.

 

[7]Destacam-se, dentre outros, os seguintes julgados:

 

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. LEI N.º 6.830/80. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IMPROCEDENTE. FIANÇA BANCÁRIA. LEVANTAMENTO. CONDICIONADA AO TRÂNSITO EM JULGADO. EQUIPARAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. TRATAMENTO SEMELHANTE PELO LEGISLADOR E JURISPRUDÊNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. INOCORRÊNCIA.

 

1. O levantamento da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal fica condicionado ao trânsito em julgado da respectiva ação.

 

2. Aleitura sistemática da Lei n.º 6.830/80 aponta que o legislador equiparou a fiança bancária ao depósito judicial como forma de garantia da execução, conforme se depreende dos dispostos dos artigos 9º, § 3º e 15, da LEF, por isso que são institutos de liquidação célere e que trazem segurança para satisfação ao interesse do credor.

 

3. O levantamento de depósito judicial em dinheiro depende do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 32, § 2º, daquele dispositivo normativo. Precedentes: REsp 543442/PI, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, DJ 21/06/2004; EREsp 479.725/BA, Rel. Ministro  JOSÉ DELGADO, DJ 26/09/2005.

 

4. À luz do princípio ubi eadem ratio ibi eadem dispositio, a equiparação dos institutos – deposito judicial e fiança bancária – pelo legislador e pela própria jurisprudência deste e. Superior Tribunal de Justiça impõe tratamento semelhante, o que vale dizer que a execução da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal também fica condicionado ao trânsito em julgado da ação satisfativa.

 

….. omissis …..

 

7. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1033545/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado por unanimidade em 28/04/2009, DJe 28/05/2009 – destacamos)

 

“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CAUTELAR. CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA. LEVANTAMENTO. TRÂNSITO EM JULGADO. NECESSIDADE.

 

I- Em execução fiscal, a carta de fiança bancária somente pode ser levantada, tanto pela exeqüente como pela executada, após o trânsito em julgado da decisão que extinguiu a execução ou cancelou a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

 

II – Agravo legal provido.” (TRF-SP – AC nº 2006.61.00.018916-1, rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. em 27/07/2010).

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Embargos à execução julgados improcedentes. Decisão que recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo. Artigo 520, V do CPC. Execução, no entanto, garantida por fiança bancária. Equivalência a depósito judicial, cujo levantamento depende do trânsito em julgado. Execução provisória obstada. Inteligência dos artigos 9º, 15 e 32 da Lei de Execução Fiscal. Jurisprudência do STJ. Decisão reformada.” (TJ-SP – Agravo nº 962.067-5/9-00, rel. Des. Venício Salles, 12ª Câmara de. Dir. Público,  j. em 10/02/2010, destacamos)

 

“PROCESSUAL CIVIL. Embargos à Execução Fiscal. Repelidos, deve a apelação ser recebida no efeito suspensivo (CPC, art. 520, V). Entretanto, a fiança bancária oferecida em garantia somente poderá ser realizada quando positivada a hipótese do art. 32, §2º, da Lei nº 6.830/80, porquanto equiparada a dinheiro. Recurso não provido, com observação.” (TJ-SP – Agravo nº 907.492-5/5-00, rel. Des. Coimbra Schmidt, 7ª Câmara de Dir. Público, j. em 17/08/2009, destacamos)

 

[8] Desde que distinta do depósito em dinheiro, pois, conforme recente julgamento da Primeira Seção do E. STJ, a aceitação da fiança bancária em substituição a depósito em dinheiro anteriormente efetuado dependeria da comprovação de que (i) a manutenção do depósito caracteriza ônus insuportável ao executado e (ii) a substituição pretendida não implicará prejuízo ao exeqüente (ERESP 1.077.039, julgado em 09/02/2011, Rel. p/acórdão Min. Herman Benjamin).