Autor(es): Mário Luiz Oliveira da Costa
Alterações necessárias nos procedimentos para a obtenção de Certidões Negativas de Débitos*
O artigo 205 do Código Tributário Nacional autoriza a lei a exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, possuindo os mesmos efeitos desta a certidão de que conste a existência de créditos tributários não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa (CTN, art. 206).
Atualmente, as certidões negativas são exigidas para a prática das mais diversas atividades, tais como participação em licitações, obtenção de financiamentos públicos, registros de determinadas alterações societárias na Junta Comercial e desembaraço de mercadorias importadas sob regimes especiais de tributação.
O claro objetivo da exigência é o de coibir a sonegação, mas, na prática, várias empresas continuam suportando irreparáveis prejuízos, em especial quando, ao solicitarem a renovação de suas certidões, vêem-se surpreendidas pela inclusão de novos créditos tributários nos sistemas de controle da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional, muitas vezes sem qualquer prévio aviso. Não é incomum tratar-se de créditos que já tenham sido quitados, que se encontrem com a exigibilidade suspensa, extintos por compensação ou mesmo atingidos por decadência ou prescrição.
Se tanto não bastasse, enquanto não apreciados os esclarecimentos apresentados pelos contribuintes no sentido da regularidade de sua situação fiscal, fica obstada a emissão das certidões negativas (ou positivas com efeitos de negativas), situação esta que pode perdurar por meses ou mais de um ano, como se tem verificado em relação às inscrições em dívida ativa da União Federal, cuja presunção de legitimidade resta seriamente abalada quando não precedida de notificação do contribuinte ou de adequado exame pela Receita Federal e pela Procuradoria da Fazenda Nacional.
Em recente artigo[1], sustenta o Sr. Secretário da Receita Federal do Brasil, Dr. Jorge Rachid, que o procedimento para a obtenção de Certidões Negativas de Débitos é “extremamente simples e desburocratizado”, não constituindo “um ‘entrave’ para as empresas”.
Em que pesem os consideráveis avanços verificados nos últimos anos, decorrentes do reconhecido empenho tanto da Secretaria da Receita Federal do Brasil quanto da Procuradoria da Fazenda Nacional, ainda há muito a ser feito para que a renovação das certidões negativas se torne realmente simples e rápida, deixando de onerar as empresas.
Os problemas remanescentes poderiam ser em muito minorados, sem qualquer prejuízo aos interesses do Fisco, se a SRF e a PFN passassem a observar alguns simples procedimentos.
Por primeiro, antes que um suposto débito impeça a emissão da certidão com efeitos de negativa, há de se intimar o contribuinte para prestar os devidos esclarecimentos, podendo o mesmo, inclusive, questionar a exigência no seu mérito, quando não verificada preclusão para tanto. Afinal, o contraditório e a ampla defesa, mesmo na esfera administrativa, são assegurados pela Constituição (art. 5º, LV) e pela legislação ordinária (arts. 2º, caput e § único, X; 5º e 48 da Lei nº 9.784/99, dentre outros dispositivos legais aplicáveis).
Outrossim, no curso do prazo para o contribuinte prestar os esclarecimentos ou, ainda, enquanto pendente de exame final a sua defesa, deve ser emitida, ao menos, a certidão positiva com efeitos de negativa, com a observação de que os créditos ali indicados ainda aguardam definição quanto à sua efetiva procedência. Assim é de rigor por configurar a manifestação do contribuinte efetivo recurso, de modo que, independentemente de a legislação ordinária assegurar que dele resulte a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (conforme art. 151, III do CTN), quando menos há de se reconhecer – inclusive em obediência aos princípios da razoabilidade, boa-fé e moralidade – que, até o seu exame, não há débito verdadeiramente exigível, líquido e certo. É o que determina, ademais, o artigo 201 do CTN, ao referir-se a “decisão final proferida em processo regular”.
Tem sido comum, igualmente, o acréscimo de novos óbices à expedição das certidões, sempre que os anteriores são solucionados. A par de contrariar a boa-fé e a lealdade que devem nortear as relações entre o Fisco e os contribuintes, tal prática não condiz com o prazo de validade dado às certidões negativas ou positivas com efeitos de negativas (aliás, de exíguos seis meses, sendo de todo conveniente a sua ampliação). Assim, há de ser entregue ao contribuinte, quando da solicitação da certidão, a lista definitiva dos débitos que impeçam a sua expedição naquele momento. Qualquer novo débito ou pendência somente poderia ser acrescentado ao denominado “conta corrente” do contribuinte junto à Receita e à PFN quando da posterior renovação da certidão, sob pena – como se tem verificado na prática em relação a vários contribuintes – de se eternizar a prestação de sucessivos esclarecimentos sem que a certidão seja efetivamente expedida.
De outro lado, as certidões negativas não são emitidas quando o crédito tributário encontra-se em fase anterior à propositura da execução fiscal, quer no próprio órgão regional da Receita Federal (aguardando registros ou o término do prazo para pagamento), quer na Procuradoria da Fazenda Nacional (aguardando a inscrição em Dívida Ativa e a efetiva distribuição da execução, o que, em geral, demora alguns meses).
Considerando que o contribuinte não pode ser prejudicado pela mora da Administração, há inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, antecipando-se o oferecimento da garantia que seria prestada na execução fiscal, deve ser expedida a certidão positiva com efeitos de positiva por tratar-se, de qualquer forma, de execução já garantida, ainda que não ajuizada. O oferecimento antecipado de garantia que fique previamente vinculada à execução fiscal pendente de ajuizamento é de total interesse da Administração, cabendo-lhe incentivar tal prática, além de não ser sequer razoável atribuir efeitos jurídicos distintos à mesma garantia tão somente em razão de ter sido ou não ajuizada a correspondente execução fiscal.
Assim, mostra-se de todo conveniente a edição de atos regulamentares pela Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria da Fazenda Nacional autorizando expressamente a emissão de certidão positiva com efeitos de negativa sempre que o contribuinte preste garantia suficiente à eventual e futura quitação do crédito tributário cuja exigibilidade não se encontre suspensa.
Por último, além destas simples providências, impõe-se a alteração das normas que exigem a quitação ou a suspensão da exigibilidade da totalidade dos créditos tributários como condição para o exercício de determinadas atividades, quando a existência de medida judicial em curso já deveria ser considerada suficiente para tanto.
Realmente, ainda que a ausência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário impeça a emissão da certidão negativa, a certidão positiva tendo por objeto apenas débitos que se encontrem sub judice não pode ter a mesma natureza e efeitos jurídicos daquela que indique débitos que, simplesmente, não tenham sido pagos, sem qualquer questionamento judicial ou administrativo por parte do contribuinte.
Não parece adequado, à vista dos controles de que dispõe a Administração e passados mais de quarenta anos da edição do CTN, subsistir o direito à certidão negativa tão somente quando suspensa a exigibilidade do crédito tributário.
A existência de medida judicial pendente de decisão final acerca do crédito tributário deveria ser suficiente a demonstrar a regularidade da situação fiscal do contribuinte, principalmente para participar de licitações, liberar mercadorias, registrar atos societários, obter financiamentos (cabendo ao órgão financiador verificar se os débitos listados comprometem ou não a capacidade econômica da empresa, exigindo garantias adicionais, quando o caso) e outras atividades semelhantes.
Quando não verificada a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, pode o Fisco exigir o respectivo montante com os acréscimos legais. Todavia, impingir prejuízos adicionais ao contribuinte, inclusive quanto ao regular desenvolvimento de suas atividades, implica equipará-lo ao sonegador, além de configurar verdadeira coerção para o pagamento do tributo e grave restrição à livre iniciativa, punindo quem legitimamente recorreu ao Poder Judiciário na defesa de seus direitos. Afinal, enquanto pendente a ação de decisão final, subsistirá a indefinição quanto a ser efetivamente devido o respectivo montante questionado.
Não é razoável que, enquanto se aguarda a definição final da lide, a álea atinente à provisória suspensão da exigibilidade produza efeitos tão danosos.
As distorções decorrentes da sistemática atual de emissão e renovação das certidões negativas são evidentes e rotineiras. Muitas vezes o contribuinte se vê surpreendido com a prolação de decisão judicial desfavorável em determinado feito justamente à época da renovação da certidão negativa e, até que logre êxito na obtenção de efeito suspensivo ao respectivo recurso (o que, aliás, tem sido deferido tanto pelos Tribunais de segunda instância quanto pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, quando se trata de matéria relevante e não pacificada na jurisprudência em favor do Fisco), sofre vários prejuízos por não ter sido possível a automática renovação de sua certidão.
Ora, nada justifica o quadro normativo atual, em que se assegura aos contribuintes a regular obtenção de certidões negativas na pendência de decisões finais nos processos administrativos, mas não quando se trata de processos judiciais. Por que exigir que o contribuinte, na provisória ausência de decisão judicial assegurando a suspensão da exigibilidade do crédito tributário questionado, seja obrigado a proceder ao seu depósito judicial (quando não ao seu pagamento) apenas e tão somente para fins de obtenção de CND?
Em suma, para a prática de determinadas atividades há de se atribuir efeitos de negativa à certidão positiva envolvendo exigências fiscais que se encontrem sub judice, não obstante seja necessário alterar a legislação para tanto. Só assim deixará a CND de ser utilizada como meio coercitivo para o pagamento de tributos ou elemento de desequilíbrio da concorrência.
As providências de que ora se cogita – tanto de simples mudança nos procedimentos por parte da SRF e da PFN, quanto aquelas que envolveriam alterações no quadro normativo em vigor – seriam extremamente salutares, em especial em tempos em que se pretende, ao menos no discurso, reduzir ou eliminar o chamado “custo Brasil”, incentivar a produção, facilitar a geração de empregos e atrair novos investimentos.
* Artigo publicado sob os títulos “CNDs devem estar em sintonia com novos tempos” (jornal Valor Econômico de 02/01/2008, Caderno Legislação & Tributos, p. E-2) e “Há muito a se fazer para a renovação de CND ser simples e rápida” (revista eletrônica CONJUR – www.conjur.com.br – de 08/01/2008).
[1] “A CND não é um ‘entrave’ para as empresas” – Jornal Valor Econômico de 09, 10 e 11 de novembro de 2007, página E4.