Destaques

Destaques

Imprimir

Artigos - 30/08/12

Mário Luiz Oliveira da Costa – CARF – Questões Controvertidas no Processo Administrativo Fiscal

Veículo: Questões controvertidas no Processo Administrativo Fiscal / Coord. Ives Gandra Da Silva Martins; conferencista inaugural: Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais pags 287-313.
Autor(es): Mário Luiz Oliveira da Costa

XXXVII Simpósio Nacional de Direito Tributário

1) É possível atribuir efeitos modificativos aos embargos de declaração? Mesmo quando apresentados pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão?

Determina o art. 37 do Dec. 70.235/1972, na redação da Lei 11.941/2009, que o julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) far-se-á conforme dispuser o regimento interno. O art. 65 do Regimento Interno do CARF (RICARF),[1] de seu turno, prevê que “Cabem embargos de declaração quando o acórdão contiver obscuridade, omissão ou contradição entre a decisão e os seus fundamentos, ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se a turma”.[2]

A possibilidade de oposição de embargos de declaração objetiva assegurar que, antes mesmo da eventual interposição de recurso a ser apreciado por outro órgão julgador, possam, os próprios prolatores da decisão, reexaminá-la de modo a suprir eventual obscuridade, omissão ou contradição. Possibilita-se aos julgadores, assim, atenderem plenamente ao requisito da adequada motivação, corolário da ampla defesa. Afinal, tem o administrado o direito a conhecer as efetivas razões pelas quais lhe é exigido determinado tributo, o que apenas será integralmente atendido se a decisão proferida for suficientemente clara e motivada, ou seja, se não contiver obscuridade, omissão ou contradição (ou, contendo-as num primeiro instante, se forem devidamente sanadas).

Disto resulta que o recebimento dos embargos de declaração no efeito modificativo (ou infringente) do julgado será cabível sempre que, do exame da obscuridade, da omissão e/ou da contradição apontadas, resultar novo convencimento do julgador, total ou parcialmente distinto daquele anteriormente verificado. Será igualmente cabível a modificação do julgado quando se tratar de manifesto lapso ou erro de escrita ou de cálculo, nestas hipóteses até mesmo independentemente da oposição de embargos de declaração, conforme arts. 32 do Dec. 70.235/1972[3] e 66, caput do RICARF.[4]

A viabilidade de acolhimento de embargos de declaração no efeito modificativo ou infringente, quando do exame da obscuridade, omissão ou contradição apontadas resultar entendimento diverso daquele inicialmente externado, tem sido reconhecida pela jurisprudência administrativa e judicial. É o que se verifica, exemplificativamente, dos acórdãos ns. 3102-00.730[5] e 9101-00.900,[6] bem assim daquele proferido nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.133.580/RS.[7]

No que respeita especificamente aos embargos de declaração apresentados pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão, não há porque se entender de outra forma, ressalvando-se apenas que, neste caso, os embargos somente poderão ser conhecidos quanto aos temas acerca dos quais puderem efetivamente versar.

Realmente, os incs. I a V do § 1.º do art. 65 do RICARF indicam que os embargos de declaração poderão ser interpostos por conselheiro integrante do colegiado (inc. I); pelo contribuinte envolvido, responsável ou preposto (inc. II); pelo Procurador da Fazenda Nacional atuante no caso (inc. III); “pelos Delegados de Julgamento, nos casos de nulidade de suas decisões” (inc. IV); e “pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão” (inc. V).

Assim, os embargos de declaração passíveis de apresentação pelo Delegado de Julgamento somente poderão versar acerca de eventual obscuridade, omissão ou contradição[8] atinentes à declaração de nulidade de sua decisão, enquanto aqueles apresentados pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão deverão se ater, necessariamente, a tais matérias.

Cumpre ressaltar, outrossim, que estas limitações foram evidenciadas pela Portaria MF 586/2010, que deu nova redação ao § 1.º do art. 65 do RICARF para explicitar o conteúdo da norma, delimitando mais nitidamente a competência das Delegacias Regionais de Julgamento e das Delegacias da Receita Federal, no que se refere à oposição de embargos declaratórios junto ao CARF.

Quanto ao titular da unidade da administração tributária, a redação do art. 65 do RICARF anterior à Portaria MF 586/2010 referia-se à unidade “encarregada da execução do acórdão”, ao passo que a redação na forma da referida Portaria passou a se referir à unidade “encarregadada liquidação e execução do acórdão” (destaque não original).

Por liquidação entende-se “a operação que tem por objetivo reduzir a quantias certas valores que não o eram.”[9]Daí porque o art. 475-A do CPC estabelece que: “Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação”. Execução, por sua vez, significa o cumprimento da determinação contida no acórdão, o que, no contexto do Dec.70.235/1972, implica a cobrança do valor lançado e mantido pelo órgão julgador, ou a exoneração do sujeito passivo (arts. 43 a 45).

O conectivo “e”, utilizado pelo art. 65, V, do RICARF, restringe a oposição de embargos aos casos em que as duas figuras se apresentem (liquidação e execução). Quer dizer: somente têm competência para opor embargos os titulares de Delegacias da Receita Federal que tenham a incumbência de liquidar e executar o acórdão. Não podem opor embargos, portanto, os titulares de Delegacias da Receita Federal que devam apenas executar o acórdão: tem de haver liquidação e execução; se só houver execução, sem necessidade de prévia liquidação, não cabem embargos.

Ora, só carece de liquidação o acórdão que modifique em parte o lançamento, tornando incerto o valor original. Se o lançamento for integralmente mantido ou cancelado, não há liquidação a ser feita; o julgado poderá ser imediatamente executado, com cobrança amigável do débito ou exoneração do sujeito passivo e arquivamento dos autos. Obviamente, assim, a matéria objeto dos embargos deve se restringir ao esclarecimento de questões que dificultem a correta liquidação e execução do julgado.

Em outras palavras, se for necessário recalcular (liquidar) o crédito tributário em virtude do decidido pelo CARF e houver inexatidão que impeça o seu regular cumprimento, cabem os embargos pelo titular da Delegacia da Receita Federal, relativamente à matéria. Se, entretanto, a decisão puder ser executada sem dificuldades, não poderá o titular da unidade da administração tributária envolvida apresentar embargos de declaração tratando de quaisquer outros temas.

Isso fica evidente na medida em que a impossibilidade de as DRJ e DRF oporem embargos contra toda e qualquer decisão do CARF decorre de outras normas que formam o sistema processual, especialmente aquelas que conferem legitimidade apenas à Procuradoria da Fazenda Nacional para defender os interesses da União.[10]

É certo que não podem as Delegacias agir como se fossem representantes da União, mas tão somente no que se mostre necessário ao regular desempenho de suas funções, facultando-se, dessa maneira, a oposição de embargos para o esclarecimento de pontos duvidosos de decisões do CARF que possam embaraçar a correta execução de julgados, seja em relação à matéria que deva ser apreciada pela DRJ (no caso de nulidade de sua decisão anterior), seja quanto à quantificação do crédito tributário que deva ser cobrado pela DRF (na hipótese de cancelamento parcial de autuação fiscal ou deferimento parcial de restituição do indébito).

Portanto, desde que observada a limitação quanto aos temas passíveis de embargos de declaração pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do julgado, estes poderão até mesmo, excepcionalmente, ser recebidos no efeito modificativo do julgado quando, do exame da obscuridade, da omissão e/ou da contradição apontadas, adotarem os julgadores entendimento distinto daquele anteriormente firmado (ou, ainda, for corrigido lapso ou erro de escrita ou de cálculo). Assim poderá ocorrer, por exemplo, quando houver omissão do julgado acerca dos critérios de correção monetária e juros aplicáveis a determinada restituição que vier a ser suprida. Ainda exemplificativamente, da mesma forma se dará quando, havendo contradição entre os fundamentos e a conclusão da decisão acerca de temas atinentes à liquidação e execução do julgado, for tal contradição sanada com alteração da convicção anteriormente firmada.

Ressalte-se, contudo, que em hipótese alguma poderão os embargos de declaração apresentados pela DRJ ou pela DRF tratar (ou levar ao reexame) de preliminares que tenham sido julgadas[11] (atinentes, por exemplo, a eventual nulidade da autuação fiscal, decadência ou prescrição, tempestividade do recurso, renúncia à via administrativa etc.)[12] ou do mérito da decisão proferida. Estes temas podem ser objeto, tão somente, de embargos de declaração apresentados por conselheiro integrante do colegiado; pelo contribuinte envolvido, responsável ou preposto; ou pelo Procurador da Fazenda Nacional atuante no caso.

Conclusão:

É possível atribuir efeitos modificativos aos embargos de declaração quando acolhidos para o fim de sanar obscuridade, omissão ou contradição e disto resultar alteração no entendimento constante da decisão embargada. Esta possibilidade se aplica também a embargos de declaração apresentados pelo titular da unidade da administração tributária encarregada da liquidação e execução do acórdão, ressalvando-se que, neste caso, os embargos de declaração somente poderão ser conhecidos quanto a temas estritamente vinculados a tais providências (liquidação e execução do acórdão) e não a preliminares ou ao próprio mérito objeto da decisão.

2) Quais os limites para reconhecimento da concomitância entre processo administrativo e judicial? É necessária a equivalência de pedidos e mesma causa de pedir?

O art. 38 da Lei 6.830/1980[13] encontra-se assim redigido:

“Art. 38. A discussão judicial da dívida ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.

Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto.”

Assim, por força do referido dispositivo legal, a opção pela discussão de determinada exigência fiscal perante o Poder Judiciário implica renúncia à via administrativa[14] e desistência de eventual recurso pendente naquela esfera.

Editou o Sr. Coordenador-Geral do Sistema de Tributação (COSIT), outrossim, o Ato Declaratório Normativo 3/1996, declarando, em caráter normativo,[15] que:

“a) a propositura pelo contribuinte, contra a Fazenda, de ação judicial – por qualquer modalidade processual, antes ou posteriormente à autuação, com o mesmo objeto, importa a renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso interposto;

b)consequentemente, quando diferentes os objetos do processo judicial e do processo administrativo, este terá prosseguimento normal no que se relaciona à matéria diferenciada (por exemplo, aspectos formais do lançamento, base de cálculo etc.);

c) no caso da letra ‘a’, a autoridade dirigente do órgão onde se encontra o processo não conhecerá de eventual petição do contribuinte, proferindo decisão formal, declaratória da definitividade da exigência discutida ou da decisão recorrida, se for o caso, encaminhando o processo para a cobrança do débito, ressalvada a eventual aplicação do disposto no art. 149 do CTN;

d)na hipótese da alínea anterior, não se verificando a ressalva ali contida, proceder-se-á a inscrição em dívida ativa, deixando-se de fazê-lo, para aguardar o pronunciamento judicial, somente quando demonstrada a ocorrência do disposto nos incs. II (depósito do montante integral do débito) ou IV (concessão de medida liminar em mandado de segurança), do art. 151 do CTN;

e)é irrelevante, na espécie, que o processo tenha sido extinto, no Judiciário, sem julgamento do mérito (art. 267 do CPC).”

De acordo com os dispositivos legal e regulamentar transcritos, a propositura de medida judicial implica renúncia ao direito de discussão, na esfera administrativa, da mesma matéria.

A questão ora em exame diz respeito a saber se esta renúncia/concomitância exige equivalência de pedidos e mesma causa de pedir, ou seja, se seria possível a discussão simultânea acerca da mesma exigência fiscal, nas esferas administrativa e judicial, envolvendo pedidos ou causas de pedir distintos.

Entendo que a identidade de “objetos” exigida pelo ADN COSIT 03/1996 deva ser interpretada como atinente à identidade, cumulativa, de pedidos e de causa de pedir. A concomitância diz respeito a pretender ou não o contribuinte discutir, nas duas esferas, as mesmas matérias,[16] o que apenas se verificará quando coincidentes os pedidos e as causas de pedir.

Assim se impõe não apenas em observância à aplicação subsidiária do quanto disposto no art. 301, § 2.º, do CPC,[17] mas, também, como resultado de razoável interpretação do referido art. 38 da Lei 6.830/1980, que não pode ser tido como suficiente a cercear o direito do contribuinte ao julgamento, pelos órgãos administrativos competentes, dos fundamentos jurídicos que não tenham sido submetidos à apreciação judicial. A interpretação do art. 38 da Lei 6.830/1980, de forma consentânea com os princípios constitucionais de direito de petição ao Poder Público (art. 5.º, XXXIV, a, da CF/1988),[18] contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV)[19] implica limitar a renúncia ali prevista aos temas e fundamentos jurídicos específicos e coincidentes.

Há, neste sentido, diversos precedentes administrativos como se verifica, dentre outros, dos Ac CSRF/03-05.569[20], Ac CSRF/01-05.371[21] e Ac CSRF/03-04.025.[22] Também o STJ já decidiu que:

“1. Incide o parágrafo único do art. 38 da Lei 6.830/1980, quando a demanda administrativa versar sobre objeto menor ou idêntico ao da ação judicial.

2. Aexegese dada ao dispositivo revela que: “O parágrafo em questão tem como pressuposto o princípio da jurisdição una, ou seja, que o ato administrativo pode ser controlado pelo Judiciário e que apenas a decisão deste é que se torna definitiva, com o trânsito em julgado, prevalecendo sobre eventual decisão administrativa que tenha sido tomada ou pudesse vir a ser tomada. (…) Entretanto, tal pressupõe a identidade de objeto nas discussões administrativa e judicial” (Leandro Paulsen e René Bergmann Ávila. Direito processual tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 349).

(…)

5. Originárias de uma mesma relação jurídica de direito material, despicienda a defesa na via administrativa quando seu objeto subjuga-se ao versado na via judicial, face a preponderância do mérito pronunciado na instância jurisdicional.

6. Mutatis mutandis, mencionada exclusão não pode ser tomada com foros absolutos, porquanto, a contrario sensu, torna-se possível demandas paralelas quando o objeto da instância administrativa for mais amplo que a judicial.

7. Outrossim, nada impede o reingresso da contribuinte na via administrativa, caso a demanda judicial seja extinta sem julgamento de mérito (CPC, art. 267)[23], pelo que não estará solucionado a relação do direito material” (REsp 840.556/AM, 1.ª T., j. 26.09.2006, rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux,).

Cumpre ter presente, por fim, que a renúncia não se verifica quando, ainda que coincidentes pedidos e causa de pedir, não tenha sido a medida judicial proposta pelo mesmo contribuinte vinculado ao processo administrativo (ausente, assim, o requisito de identidade de partes, cumulativamente exigido no art. 301, § 2.º, do CPC, antes referido). É o que se verifica, por exemplo, quando o tema é objeto de mandado de segurança coletivo, impetrado por alguma das entidades elencadas no art. 5.º, LXX, da CF/1988. Por tais razões, já entendeu o CARF que “A impetração de mandado de segurança coletivo, por substituto processual, não se configura hipótese em que se deva declarar a renúncia à esfera administrativa” (Câmara Superior de Recursos Fiscais, Ac 9202-00.278, 2.ª T. da 2.ª Câm., j. 22.09.2009, dentre outros).

Conclusão:

Apenas haverá concomitância entre processo administrativo e judicial quando o mesmo contribuinte integrar diretamente ambos os processos, limitando-se a concomitância aos objetos e fundamentos jurídicos coincidentes. É necessária a equivalência de pedidos e a identificação da mesma causa de pedir, sendo obrigatório o exame, na esfera administrativa, dos temas e fundamentos jurídicos não coincidentes.

3) Tendo em vista o art. 62-A, caput, e § 1.º, do RICARF, quando deve haver o sobrestamento dos recursos pelo CARF e quando deve ser aplicada a decisão proferida pelo STF? Deve o CARF aplicar a decisão do STF que decida matéria de mérito já reconhecida como de repercussão geral, ainda que tal julgamento não tenha ocorrido com referência expressa à sistemática do artigo 543-B do CPC? (Ex. RE interposto antes da Lei 11.418/2006)

Conforme o caput do art. 62-A do RICARF, “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática prevista pelos artigos 543-B e 543-C” do Código de Processo Civil (CPC), “deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF”. Estabelece o § 1.º do mesmo dispositivo, outrossim, que “ficarão sobrestados os julgamentos dos recursos sempre que o STF também sobrestar o julgamento dos recursos extraordinários da mesma matéria, até que seja proferida decisão nos termos do art. 543-B”.

Em 03.01.2012, foi editada a Portaria CARF 1/2012, determinando os procedimentos a serem adotados para o sobrestamento de processos em questão e consignando, no parágrafo único de seu art. 1.º, que o sobrestamento “somente será aplicado a casos em que tiver comprovadamente sido determinado pelo Supremo Tribunal Federal – STF o sobrestamento de processos relativos à matéria recorrida, independentemente da existência de repercussão geral reconhecida para o caso”.

Por primeiro, não creio que referidos atos regulamentares possam ser inquinados de ilegais. O art. 37 do Dec. 70.235/1972 (na redação dada pela Lei nº 11.941/2009) determina que “O julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais far-se-á conforme dispuser o regimento interno”, o que legitima o disposto no art. 62-A do RICARF. Já a Portaria CARF 1/2012, apesar de não publicada no Diário Oficial (consta que teria sido “publicada”, apenas, no “Boletim Pessoal – BP” nº 01 do CARF, de 06/01/2012) somente poderia ser afastada se dispusesse de forma contrária ao regulado no RICARF, o que não parece ocorrer.

Interessante notar, outrossim, que a teor dos referidos dispositivos o sobrestamento do processo administrativo não deverá se dar em razão do reconhecimento da repercussão geral de determinado tema pelo STF, mas, apenas, se o próprio STF tiver determinado o sobrestamento de processos relativos à matéria e independentemente de ter sido reconhecida a repercussão geral. Disto resulta que, não sendo comprovada aquela situação (determinação de sobrestamento pelo próprio STF) e ainda que verificada esta (reconhecimento da repercussão geral da matéria)[24], o recurso administrativo poderá ser julgado pelo CARF. A rigor, não deveria ser relevante a existência ou não de decisões do próprio STF determinando o sobrestamento, mas, apenas, o reconhecimento da repercussão geral. Ainda assim, trata-se, a meu ver, de critérios de conveniência e oportunidade elegíveis pela Administração.

De outro lado, o RICARF refere-se ao sobrestamento de julgamentos, pelo STF, de recursos extraordinários “da mesma matéria” e, a Portaria CARF 001/2012, a “processos relativos à matéria recorrida”. Tal poderia ser interpretado no sentido de que, quando o recurso interposto no processo administrativo tratasse de tema distinto daquele pendente de exame pelo STF, não se aplicaria o sobrestamento ainda que a exigência fiscal em si pudesse vir a ficar prejudicada pela posterior decisão do STF.

Mais ainda, considerando a impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade da norma na esfera administrativa, conforme art. 26-A do Dec. 70.235/1972,[25] recursos administrativos fundados em alegação de inconstitucionalidade não podem ser conhecidos ou apreciados, nesta parte, salvo quando verificada uma das exceções elencadas no § 6.º do mesmo art. 26-A, ou seja, nos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo:

“I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal;

II – que fundamente crédito tributário objeto de:

a)dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002;

b)súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993; ou

c)pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993.”

As previsões de sobrestamento de que se cuida, assim, caso fossem interpretadas em sua literalidade, seriam inócuas e ineficazes. Isto porque, tratando-se de recurso no qual fosse alegada a inconstitucionalidade da norma, ou bem não poderia ser ele conhecido (se não sustentasse a ocorrência de uma das hipóteses do referido § 6.º do art. 26-A do Dec. 70.235/1972), ou bem deveria ser conhecido e provido (caso se tratasse de uma das referidas hipóteses autorizadoras de tal procedimento) ou improvido (se não acolhido o argumento de que estivesse configurada uma das hipóteses autorizadoras). Não caberia, por consequência, o sobrestamento.

Considerando, contudo, que a interpretação literal é a mais pobre e que, entre duas interpretações possíveis, deve-se preferir aquela que dê efetividade à norma e não a que lhe torne inócua ou nula,[26] parece mais adequado interpretar o § 1.º do art. 62-A do RICARF e a Portaria CARF 1/2012 no sentido de que os julgamentos no CARF devam ocorrer após a definição, pelo Plenário do STF, da questão prejudicial atinente à efetiva constitucionalidade da norma envolvida, quando tal se encontre pendente de definição sob a sistemática do art. 543-B do CPC.

Deste modo, sempre que se tratar de recurso atinente a matéria cujo exame poderá restar prejudicado (total ou parcialmente) na hipótese de o Plenário do STF vir a julgar determinada norma inconstitucional e havendo recursos já sobrestados pelo STF para os fins do art. 543-B do CPC,[27] deverá ser ele sobrestado no CARF.

Todavia, caso se verifique o sobrestamento antes mesmo do exame dos recursos voluntário e/ou de ofício pela Turma Julgadora competente, eventuais questões ou fundamentos jurídicos distintos daqueles pendentes de definição no STF (tais como decadência, nulidade da autuação ou da decisão recorrida, erro de sujeição passiva etc.) somente serão apreciados após o julgamento final da matéria prejudicial, no STF. Considerando, contudo, que em muitos casos os fundamentos jurídicos distintos poderão ser suficientes para a solução do feito, deverá ser verificada, caso a caso, a efetiva conveniência de se proceder ao sobrestamento.

Prevê a Portaria CARF 001/2012, aliás, caber ao Presidente da Turma (se provocado pelo Relator antes do julgamento do recurso) ou à Turma (se a hipótese de sobrestamento for suscitada durante a sessão de julgamento do processo) decidir pelo efetivo sobrestamento ou pelo pronto julgamento do recurso. Esta última providência será recomendável sempre que se verificasse a não interferência da futura decisão do Plenário do STF com a matéria em debate no feito administrativo, em especial quando presentes fundamentos relevantes, distintos e independentes daqueles pendentes de definição pelo Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, em obediência, em especial, aos princípios da eficiência e da razoável duração dos processos também no âmbito administrativo (artigos 37, caput e 5.º, LXXVIII, da Constituição Federal), não há porque sobrestar a definição na última instância administrativa de temas de natureza legal cujo exame, ainda que possa ficar prejudicado na hipótese de declaração de inconstitucionalidade, pelo STF, da norma que fundamenta determinada exigência fiscal, admita conclusão independentemente de tal providência (exame este que será necessário, ademais, na hipótese de a norma vir a ser declarada constitucional, não sendo razoável o seu sobrestamento por tempo indeterminado, a depender da conclusão do julgamento pendente no STF e, após, conforme tiver sido tal decisão, da retomada e do julgamento do próprio processo administrativo envolvido).A existência de repercussão geral reconhecida pelo STF e/ou de recursos extraordinários sobrestados nos termos do art. 543-B do CPC não impede, por exemplo, o julgamento pelo STJ dos recursos especiais interpostos nos mesmos processos (do que poderá resultar, inclusive, a perda de objeto dos respectivos recursos extraordinários, caso os especiais sejam providos e tal implique o integral cancelamento da exigência fiscal questionada).

Em suma, a regra de sobrestamento dos recursos administrativos deve ser aplicada com razoabilidade e sabedoria. Sempre que verificada a existência de fundamentos jurídicos suficientes ao cancelamento da exigência fiscal independentemente da constitucionalidade pendente de definição no STF, o processo administrativo poderá ser levado a julgamento[28], sendo de todo conveniente que assim se proceda.

Se forem acolhidos, pela Turma Julgadora, os argumentos do contribuinte no sentido da ilegalidade da exigência, deverá ser ela cancelada antes mesmo de o Plenário do STF julgar a matéria constitucional. Já na hipótese de não serem acolhidos tais fundamentos jurídicos, aí sim serão cabíveis a interrupção e o sobrestamento do julgamento no CARF, devendo este subsistir até a decisão definitiva, do STF, acerca da efetiva constitucionalidade (ou não) da legislação na qual se fundamente a exigência fiscal em debate.

Esta parece ser a interpretação mais adequada e eficaz do quanto disposto no RICARF e na Portaria CARF 1/2012.

Melhor ainda seria, de lege ferenda, o regular processamento de todos os recursos cabíveis (desde que atinentes a temas distintos da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas envolvidas) até o seu final julgamento na esfera administrativa, cancelando-se a exigência em razão de vícios de natureza infraconstitucional que fossem reconhecidos e, na hipótese de sua manutenção[29], determinando-se – somente então – o sobrestamento do feito[30] até o final julgamento da questão prejudicial pendente no STF. Com tal providência seriam observados os referidos princípios da eficiência e da razoável duração do processo administrativo e, ao mesmo tempo, afastados os custos e percalços (para ambas as partes) inerentes ao processo judicial cuja prejudicialidade estaria em vias de ser definida pelo STF.[31]

Por fim, como visto, o art. 26-A, § 6.º, I, do Dec. 70.235/1972 autoriza[32] os órgãos de julgamento do processo administrativo fiscal a afastarem a aplicação ou deixarem de observar tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo “que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal”. Tal autorização não está condicionada a tratar-se de matéria de mérito já reconhecida como de repercussão geral ou de ter tal julgamento ocorrido com referência expressa à sistemática do art. 543-B do CPC.

Interessante notar, todavia, estar implicitamente condicionada à razoável expectativa de que o entendimento externado pelo STF seja efetivamente definitivo. Para tanto, imprescindíveis o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Plenário do STF e a inexistência de indícios de que o tema será reexaminado (afastada a hipótese, por exemplo, de haver outro feito versando sobre a mesma matéria pautado para julgamento pelo Plenário do STF). Pertinentes, nesse sentido, as observações feitas pelo Conselheiro João Otávio Oppermann Thomé, no Ac 1102-00.194, do qual foi relator:

“Perceba-se que o comando em questão contém autorização, mas não determinação, para que seja afastada a aplicação do dispositivo dito inconstitucional. Isto porque é assente que somente produzem efeitos erga omnes as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade.

Por outro lado, sendo inequívoca e consistente a posição do STF em relação à matéria, parece-me que não há sentido em insistir na aplicação do dispositivo inquinado de inconstitucionalidade, sendo tal atitude contrária inclusive ao interesse público, ao estimular o recurso dos administrados à tutela jurisdicional.

Neste sentido, para afastar a aplicação do dispositivo alegadamente inconstitucional, quando não apontada esta condição em ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade, é necessário: (a) – demonstrar a existência de decisão plenária definitiva do STF, porque assim a lei o exige; e (b) demonstrar que a matéria muito provavelmente não está sujeita a uma revisão este entendimento por parte do referido tribunal, por prudência do julgador administrativo na extensão, a terceiros, dos efeitos de uma decisão que, a priori, somente diz respeito aos litigantes no processo (CARF, 1.ª Seção, 1.ª Câm., 2.ª T. Ordinária, j. 19.05.2010).

Portanto, sendo confirmada a razoável expectativa de que não será alterado o entendimento firmado pelo Plenário do STF (mesmo quando externado em processo não sujeito à sistemática do art. 543-B do CPC e nem se trate de decisão com efeitos erga omnes), haverá inequívoco “poder dever”[33] do julgador administrativo aplicá-lo.

Conclusão:

O § 1.º do art. 62-A do RICARF e a Portaria CARF 1/2012 devem ser interpretados no sentido de determinarem o sobrestamento de recursos envolvendo a discussão ou a aplicação de normas cuja constitucionalidade se encontre pendente de definição, no STF, sob a sistemática do art. 543-B do CPC. Não contraria tais atos normativos e é de todo conveniente e oportuno, contudo, o regular exame dos recursos administrativos que contenham fundamentos jurídicos relevantes no sentido da ilegalidade da exigência fiscal, sobrestando-se os seus julgamentos apenas na hipótese de não serem acolhidos os vícios de ilegalidade neles apontados.

Deverão ser aplicadas pelo CARF as decisões definitivasdo Plenário do STF declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de determinada norma, independentemente de se tratar de matéria de mérito já reconhecida como de repercussão geral na sistemática do art. 543-B do CPC ou de tais decisões produzirem efeitos erga omnes, desde que haja razoável expectativa de que o quanto nelas definido não será alterado pelo próprio STF.

4) Até que momento é possível a apresentação de provas no processo administrativo fiscal? Qual o limite da utilização das presunções como meio de prova?

Determina o art. 16 do Dec. 70.235/1972 que o contribuinte indique, na impugnação ao auto de infração, as provas que possua acerca dos fatos alegados (inc. III), bem como as diligências ou perícias que pretenda sejam efetuadas, inclusive formulando quesitos e indicando o seu perito (inc. IV). Estabelece, em seus parágrafos 4.º e 5.º que:

“§ 4.º. A prova documental será apresentada na impugnação, precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual, a menos que:

a)fique demonstrada a impossibilidade de sua apresentação oportuna, por motivo de força maior;

b)refira-se a fato ou a direito superveniente;

c)destine-se a contrapor fatos ou razões posteriormente trazidas aos autos.

§ 5.º. A juntada de documentos após a impugnação deverá ser requerida à autoridade julgadora, mediante petição em que se demonstre, com fundamentos, a ocorrência de um das condições previstas nas alíneas do parágrafo anterior.”

Interpretação literal do quanto disposto no art. 16 do Dec. 70.235/1972 poderia levar ao entendimento de que, salvo as exceções expressamente enumeradas em seu § 4.º, estaria impossibilitada a apresentação de qualquer outro documento ou prova, posteriormente à impugnação.

Ocorre que tais disposições devem ser flexibilizadas e adequadas aos princípios da formalidade moderada e da verdade material,[34] que regem o processo administrativo fiscal e são os maiores responsáveis por sua eficácia. Ademais, vedar terminantemente a produção de novas provas após a impugnação (ainda que ressalvadas as referidas exceções) restringe o direito à ampla defesa constitucionalmente assegurado[35] e macula indelevelmente eventual decisão que venha a ser proferida desprezando prova posteriormente apresentada e de cujo exame poderia resultar solução distinta.

De outro lado, obviamente, não se pode admitir abusos, como a apresentação, posteriormente à impugnação, de documentos que tenham sido dolosamente ocultados pelo próprio contribuinte ou que objetivem, tão somente, tumultuar o feito ou procrastinar seu desfecho.

Cumpre notar que o art. 29 do Dec. 70.235/1972 determina que “na apreciação da prova, a autoridade julgadora formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias”. Ora, se a autoridade julgadora pode determinar a realização das diligências que entender necessárias, com maior razão pode aceitar a juntada aos autos, independentemente de diligências e sem prejuízo do quanto for por elas apurado, das provas que considerar pertinentes e úteis à melhor elucidação dos fatos (e, por consequência, à definição mais segura do direito a eles aplicável).

Assim é que, ainda que sob a natureza de norma geral e, como tal, de aplicação subsidiária apenas quanto aos temas não regulados pela norma especial, não se pode deixar de considerar que a Lei 9.784/1999 assegura ao administrado, em seu art. 3.º, III, o direito de “formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente” e, em seu art. 38 prevê possa o interessado, “na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres”. Determina o § 2.º do mesmo dispositivo legal, outrossim, que somente possam ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.

Por tais razões, compartilho do entendimento externado por Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez López, de que o direito “à produção de provas comporta graduação a critério da autoridade julgadora, com fulcro em seu juízo de valor acerca da utilidade e necessidade, de modo a assegurar o equilíbrio entre a celeridade desejável e a segurança indispensável na realização da justiça”.[36]

Em suma, ponderados todos os princípios e normas envolvidos, a melhor solução para o tema parece ser no sentido de que na impugnação à autuação fiscal possam ser apresentadas quaisquer provas, desde que não sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias. Após a impugnação, deverão ser aceitas as provas que, além de observarem tais requisitos, não tenham sido dolosamente ocultadas e cuja conveniência e necessidade forem inequívocas.

Neste sentido, refira-se o Ac CSRF/03-04.382, consignando que “O objetivo do processo administrativo fiscal é a constatação da ocorrência (ou não) do fato gerador da obrigação tributária. Tendo a Administração ciência de que o ato administrativo de lançamento não seguiu os ditames da legalidade, ainda que através de documento juntado tardiamente, deve o Fisco, de ofício, rever o ato” (j. 16.05.2005).

Coadunava-se com tal entendimento o disposto no RICARF anterior, aprovado pela Portaria 55/1998 e que, normatizando a flexibilização do quanto disposto no Dec. 70.235/1972 (com as alterações, neste ponto, da Lei 8.748/1993), facultava ao sujeito passivo e ao Procurador da Fazenda Nacional apresentar esclarecimentos ou documentos, bem como requerer diligências, enquanto o processo estivesse com o relator. Seria de todo conveniente a reintrodução de tal previsão no RICARF atual, inclusive com as explicitações adicionais retromencionadas, de modo a afastar qualquer controvérsia a respeito.

No que respeita à segunda indagação, atinente ao limite da utilização das presunções como meio de prova, há de se distinguir as presunções legais das denominadas presunções simples.

As primeiras, previstas em lei e nela determinados, desde que com razoabilidade, os indícios suficientes à comprovação de determinado fato, dependem tão somente da efetiva constatação dos indícios tidos como suficientes. A razão para tanto é simples, pois, não sendo a ninguém permitido alegar o desconhecimento da lei, sabe-se que a existência de determinados indícios implicará a presunção legal.

Nas presunções legais absolutas (juris et de jure), há verdadeira ficção jurídica, que muitas vezes sequer corresponde à efetiva realidade dos fatos, mas que ainda assim poderá ser aceita, desde que “razoável e proporcional – vale dizer, necessária, lógica e racional perante a realidade social e o bem comum perseguido, o qual deve estar imanente em qualquer norma jurídica”, além de consentânea com os demais princípios próprios do direito tributário.[37] Não são admissíveis, porém, “no tocante à declaração da existência de obrigação tributária principal ou da sua quantificação, pois, tanto quanto as ficções, as presunções absolutas poderiam servir de instrumento conflituoso com os limites constitucionais do poder de tributar”.[38] De outro lado, nas presunções legais relativas (juris tantum), além da razoabilidade e da necessária observância aos demais princípios próprios do direito tributário, possibilita-se ao contribuinte a produção de prova em sentido contrário.

Cabe à autoridade fiscal, assim, em ambas as hipóteses, fazer prova cabal do fato exigido em lei para caracterizar a presunção,[39] mas, na relativa, poderá o contribuinte produzir prova em sentido contrário, de modo a afastar a aceitação do fato presumido. O art. 42 da Lei 9.430/1996, por exemplo, estabelece presunção legal relativa ao determinar que caracteriza omissão de receita ou de rendimento a existência de valores creditados em conta mantida junto a instituição financeira “em relação aos quais o titular, pessoa física e jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações”.

O tema de maior complexidade, porém, diz respeito às presunções simples, não previstas em lei.

Ensina Alberto Xavier, tratando das presunções simples, que, não existindo ou sendo deficiente a prova direta pré-constituída, deva a autoridade fiscal investigar livremente a verdade material, recorrendo ativamente “a todos os elementos necessários à sua convicção”. Tais elementos, via de regra, serão “constituídos por provas indiretas, isto é, por fatos indiciantes, dos quais se procura extrair, com o auxílio de regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos fatos indiciados”, valendo-se de “ilações, presunções, juízos de probabilidade ou de normalidade” que devem ser “suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade”.[40]

Realmente, quando se deseja saber se um evento, do qual não se teve participação, ocorreu, recorre-se a provas de sua existência, que podem ser diretas ou indiretas, estas também chamadas de indícios, que são aqueles elementos que não dizem respeito diretamente ao fato a ser provado. O indício pode ser definido como “o fato conhecido do qual se parte para o desconhecido, ou seja, o fato conhecido em que se funda o raciocínio do juiz para chegar ao fato desconhecido. Indica o fato probando, não representa; nêle se assenta o raciocínio que conduz ao fato por provar. (…) Do indício, como ponto de partida, por inferência se chega a estabelecer uma presunção”.[41]

O indício não é uma prova diretamente relacionada ao fato que se deseja provar. Apenas indica um outro fato, mas que, por intermédio de determinado raciocínio, pode significar sua ocorrência. Disto resulta que, quando se tem presente um indício e não uma prova direta, o procedimento de comprovação dos fatos divide-se em duas partes, de igual importância: a comprovação da existência do fato indicial e a demonstração da presunção de que ele efetivamente indicaria o fato que se deseja provar.

Assim, para que um indício seja passível de consideração, deve ser: (a) grave (propiciar um convencimento seguro, isto é, que não comporte dúvida razoável); (b) preciso (não permitir que se extraia mais de uma consequência possível, ou seja, verificar-se a impossibilidade de existir alternativa); e (c) concordante (caso existam vários indícios, todos eles devem apontar diretamente para o fato desconhecido de forma a não ser possível entender-se ocorrido qualquer outro fato). Logo, um indício pode ser utilizado como meio de prova, dando origem a uma presunção, quando indício e presunção gerem a convicção de que não exista alternativa razoável além daquela vislumbrada.

No campo administrativo, essa necessidade de correlação é ainda mais acentuada, tendo em vista os princípios constitucionais e legais que regem a relação entre Estado e particulares, dentre os quais aquele concernente à prática de atos administrativos se e quando ocorridos os fatos descritos na lei como aptos ao nascimento da obrigação. A presunção, por sua natureza, pode deflagrar efeitos que se mostrem contra factum, ou seja, a presunção iria contra a realidade, de modo que não se pode tomá-la como fundamento para a prática de qualquer ato gravoso se não traduzir com adequado grau de segurança a ocorrência do respectivo fato imputado.

Portanto, caso subsista dúvida razoável quanto à procedência da exação, esta deverá ser cancelada em cumprimento, dentre outros, dos princípios da segurança jurídica e da legalidade (que impedem seja o tributo exigido quando não houver certeza de que foram atendidos os pressupostos legais para tanto) e da regra prevista no art. 112 do CTN.[42]

O antigo Conselho de Contribuintes (atual CARF), ao examinar casos em que a Administração Fiscal pretendeu efetuar lançamentos tributários com base em fatos que não guardavam estreita relação com o fato gerador que se desejava provar ou em indícios e presunções destituídos de gravidade, precisão e concordância, cancelou tais lançamentos em diversas oportunidades, como se verifica, dentre outros, do seguinte precedente:

“Presunção como meio de prova. Presunção é a ilação que se tira de um fato conhecido para provar a existência de um fato desconhecido. Sua validade repousa em três requisitos: o da gravidade, o da precisão e o da concordância, não prosperando a ilação quando os indícios escolhidos autorizem conclusões antípodas, como ocorreu no caso concreto. Incumbe ao Fisco provar que o ato se fez na contramão da lei de regência com o propósito doloso de excluir ou modificar as características essenciais do fato gerador da obrigação tributária” (Ac CSRF/01-06.015, j. 14.10.2008).

Da mesma forma, ainda que se trate de presunção legal (absoluta ou relativa), não sendo cabalmente comprovados os requisitos para que assim se caracterize, deverá ser tida como presunção simples, sujeitando-se aos seus requisitos de validade. Tanto a presunção legal quanto a presunção simples deverão observar, igualmente, os princípios do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade por impossibilitar ao contribuinte comprovar o não preenchimento da condição exigida em lei (na presunção legal, em especial a absoluta), produzir prova em sentido contrário (na presunção legal relativa e na presunção simples), ou, ao menos, demonstrar não serem os indícios graves, precisos e concordantes, de modo a abalar a convicção de que não existiria outra possibilidade razoável que não aquela vislumbrada pela autoridade fiscal como deles decorrente (na presunção simples).

Neste sentido, dentre outras, as seguintes decisões da Câmara Superior de Recursos Fiscais:

“Omissão de receita. Depósitos bancários. Presunção simples. Para utilizar a presunção legal de omissão de receita prevista no art. 42 da Lei 9.430/1996, é necessário intimar o sujeito passivo para que comprove a origem dos depósitos bancários. A prova da infração a partir de presunção simples demanda que o conjunto de indícios trazidos pela fiscalização permita ao julgador alcançar a certeza necessária para seu convencimento, afastando possibilidades contrárias, mesmo que improváveis. Se remanescer dúvida razoável de improcedência da exação, o julgador não poderá decidir contra o acusado” (Ac CSRF/01-05.458, j. 19.06.2006).

“IRPJ. Presunção contida no art. 40 da Lei 9.430/1996. Compras não contabilizadas. Não comprovação da condição antecedente. Inaplicabilidade da presunção. Se o auto de infração que capitulou a irregularidade caracterizada pela falta de escrituração de compras adotou o art. 40 da Lei 9.430/1996, via de consequência buscou a aplicação da presunção legal nele estampada, deixou de comprovar o efetivo pagamento das referidas compras, deixando assim de cumprir a condição antecedente (fato – pagamento) exigida para sua invocação, a questão deve ser tratada à luz da teoria das presunções simples, nas quais o ônus da prova é atribuído à fiscalização” (Ac CSRF/01-05.816, j. 14.04.2008).

Conclusão:

É possível a apresentação de provas no processo administrativo fiscal a qualquer momento, durante todo o seu curso e desde que não sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias e não tenham sido dolosamente ocultadas quando da impugnação. Todavia, após a impugnação e quando não verificada uma das hipóteses do § 4.º do art. 16 do Dec. 70.235/1972, poderá o julgador indeferir a apresentação de provas cuja conveniência e necessidade não forem inequívocas.

A utilização de presunções legais como meio de prova é admitida quando cabalmente comprovados os requisitos fixados em lei e desde que estes atendam à razoabilidade, bem como tenham sido observados o contraditório, a ampla defesa e os demais princípios próprios do direito tributário. Não são admissíveis as presunções absolutas para fins de declaração da existência de obrigação tributária principal ou de sua quantificação. A utilização de presunções simples, de seu turno, somente será legítima quando fundamentadas em indícios graves, precisos e concordantes, de modo a gerarem, igualmente observando-se o contraditório, a ampla defesa e os demais princípios de direito tributário, efetiva convicção de que não exista alternativa razoável além daquela vislumbrada pela autoridade fiscal como deles decorrente.

5) Tendo a parte impugnado o item do lançamento, pode o julgador dar provimento ao seu recurso por fundamento jurídico diverso daquele alegado?

Como indicado na resposta à primeira indagação do item anterior, regem o processo administrativo fiscal, dentre outros, os princípios da formalidade moderada e da verdade material, enquanto o principal objetivo perquirido, em prol do interesse público, diz respeito à confirmação da legalidade do ato administrativo examinado.

Em momento algum determinam o Dec. 70.235/1972, a Lei 9.784/1999 ou o RICARF que o exame da legalidade da autuação fiscal deva se limitar aos fundamentos jurídicos apresentados pelo contribuinte.

Com efeito, determina o art. 31 do Dec. 70.235/1972 que as decisões proferidas acerca das impugnações apresentadas pelos contribuintes devam, dentre outros requisitos, examinar expressamente as razões de defesa suscitadas contra todas as exigências, mas não necessariamente limitar seu exame a tais razões.

Se tanto não bastasse, determina o art. 63 da Lei 9.784/1999 (norma geral, de aplicação subsidiária ao processo administrativo fiscal) que, mesmo não sendo conhecido o recurso quando verificada uma das situações ali elencadas.[43] tal “não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa”.

Ora, se assim deve ser quando sequer conhecido o recurso, com maior razão há de se verificar quando for ele conhecido e se entender haver fundamento jurídico, ainda que distinto daquele nele exposto, suficiente à decretação de ilegalidade do ato.

Quanto à preclusão, há de se considerar que, tratando-se de processo administrativo fiscal, o exame da legalidade da autuação dependerá de expressa e tempestiva impugnação por parte do contribuinte. Nos termos dos arts. 17 e 21 do Dec. 70.235/1972 (norma específica), a matéria e a exigência fiscal que não tenham sido expressamente contestadas devem ser tidas como não litigiosas,[44] sendo o contribuinte considerado revel e sujeito à imediata cobrança dos valores não contestados e não pagos. Da mesma forma se verificará quando determinado item do lançamento for mantido por decisão administrativa contra a qual não for interposto recurso ou cujo recurso não questione a exigência atinente a tal item.

Portanto, desde que não verificada a preclusão, ou seja, desde que tenha a parte impugnado o item do lançamento ou recorrido contra a sua manutenção, não estará o julgador obrigado a examinar o tema de forma limitada aos fundamentos jurídicos constantes da impugnação ou do recurso.

Percucientes as palavras de Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez López, com fundamento na lição de Odete Medauar, a esse respeito:

“Em decorrência do princípio da legalidade, a autoridade administrativa tem o dever de buscar a verdade material. O processo fiscal tem por finalidade garantir a legalidade da apuração da ocorrência do fato gerador e a constituição do crédito tributário, devendo o julgador pesquisar exaustivamente se, de fato, ocorreu a hipótese abstratamente prevista na norma e, em caso de impugnação do contribuinte, verificar aquilo que é realmente verdade, independente do alegado e provado. Odete Medauar preceitua que ‘o princípio da verdade material ou verdade real, vinculado ao princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações e documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos’.”[45]

Em feito no qual o recurso do contribuinte contra a decisão da DRJ trouxe fundamentos jurídicos distintos daqueles apresentados quando da impugnação, houve por bem a Câmara Superior de Recursos Fiscais determinar fossem tais razões apreciadas, afastando, assim, a preclusão:

“Processo administrativo. Preclusão. Conforme precedentes desta Corte, o processo administrativo fiscal visa primordialmente ao controle de legalidade dos atos da Administração, pelo que as normas relativas à preclusão devem ser interpretadas com menos rigor, especialmente aquelas relacionadas às fases postulatória e instrutória do procedimento. Nessa linha, não restam preclusas questões jurídicas invocadas pelo contribuinte apenas em sede de recurso voluntário quando este contesta a tributação em sede de impugnação, ainda que por outros fundamentos. Recurso especial provido apenas para determinar o retorno dos autos ao colegiado a quo para apreciação das razões recursais não conhecidas sob o fundamento de preclusão” (Ac 9101-00.525, j. 26.01.2010).

Por fim, quando menos no que respeita às questões de ordem pública (como a decadência), dúvida não remanesce de que devam ser apreciadas pelo julgador ainda que não abordadas no recurso, como tem entendido o CARF.[46]

Conclusão:

Tendo a parte impugnado o item do lançamento (afastando, assim, a preclusão), pode o julgador dar provimento ao seu recurso por fundamento jurídico diverso daquele alegado, atingindo o objetivo maior do processo administrativo fiscal, qual seja, a conferência da legalidade do ato administrativo envolvido.

6) Até que ponto pode o julgador ajustar o lançamento? Pode manter o lançamento sob motivação diversa da constante no Termo de Verificação Fiscal? O erro na capitulação legal enseja sempre a nulidade do lançamento?

Determina o art. 10 do Dec. 70.235/1972 que o auto de infração “conterá obrigatoriamente”, dentre outros, “a disposição legal infringida e a penalidade aplicável”. Exige a Lei 9.784/1999, de seu turno, que devam ser observadas nos processos administrativos também “as formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados” (art. 2.º, VIII) e que os atos administrativos “deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos” quando “neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses”, “imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções” ou “decidam recursos administrativos” (art. 50, caput, I, II e V), sendo que a motivação “deve ser explícita, clara e congruente” (art. 50, § 1.º).

Somente com a plena motivação da autuação fiscal poderá o contribuinte exercer o contraditório e a ampla defesa, conhecendo, afinal, os exatos motivos que levaram a Administração a entender devido o tributo exigido e, assim, podendo impugná-los adequadamente.

Uma vez realizado o lançamento, o contribuinte, por óbvio, defende-se das acusações que lhe foram imputadas. A partir do momento em que a decisão de primeiro ou segundo grau modifique as razões do ato de imposição, o direito à defesa e ao contraditório resta atingido, já que não poderia o contribuinte presumir qual seria a fundamentação do órgão ou autoridade julgadora para manter o ato de imposição.

Disto resulta que a autoridade julgadora não poderá ajustar o lançamento de forma a agravar a situação do contribuinte ou a mantê-lo sob motivação ou capitulação legal distintas daquelas adotadas pela autoridade fiscal autuante.

Realmente, se o conhecimento dos fatos e da fundamentação efetiva da ação fiscal só forem possíveis com o recebimento da decisão prolatada pelo julgador apresentando novos motivos pelos quais o tributo exigido seria supostamente devido, tal não terá o efeito de legitimar o ato de lançamento, já que o vício decorrente de motivação inadequada enseja nulidadee não anulabilidade, inviabilizando seu aproveitamento. Daí porque, diferentemente da situação examinada no item 5, não poderá o julgador valer-se de motivação ou capitulação legal distintas daquelas constantes do lançamento, para mantê-lo.

Nesse sentido, aponta Celso Antônio Bandeira de Mello que “o motivo do ato é a própria situação material, empírica, que efetivamente serviu de suporte real e objetivo para a prática do ato. É evidente que o ato será viciado toda vez que o motivo de fato for descoincidente com o motivo legal.”[47]

Portanto, se o auto de infração não preencheu os requisitos legais de validade (dentre os quais a devida motivação e a correta capitulação legal), a sua alteração por autoridade superior (quer em razão de impugnação/reclamação interposta pelo autuado, quer em procedimento de revisão de ofício) implica o reconhecimento dos vícios de que padecia a autuação (na hipótese em exame, por motivação e/ou capitulação legal inadequadas ou deficientes), resultando no reconhecimento de sua nulidade.

Em matéria tributária, a obediência rigorosa ao quadro normativo deriva da natureza ex lege que permeia as obrigações fiscais. Nesse ponto, o direito tributário assemelha-se ao penal, não se admitindo que as falhas que causem prejuízo ao acusado sejam sanadas em fases posteriores. Assim como o juiz não pode condenar o réu por fato criminosodiverso daquele constante da denúncia, os órgãos julgadores do contencioso fiscal não podem exigir tributo por motivo distinto daquele contido no auto de infração.

Admitir o contrário significaria possibilitar à DRJ, por exemplo, reconhecer a improcedência dos motivos e/ou a inadequação da capitulação legal constantes da autuação, acolhendo as razões da impugnação apresentada pelo contribuinte, mas, mantendo a autuação fiscal por motivo e/ou capitulação legal distintos. Da mesma forma, estaria o julgador integrante do CARF autorizado a acolher as razões do recurso voluntário interposto e, ainda assim, manter a ação fiscal por um terceiro e novo motivo (e/ou capitulação legal). Permitir-se-ia, ainda, que a Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF pudesse acolher eventual Recurso Especial, mas, mesmo assim, manter o auto de infração por uma quarta e inédita justificativa, levando o contribuinte a responder indefinidamente às novas acusações que lhe fossem sendo impostas.

Destaque-se, outrossim, que o art. 145 do CTN, que regula a hipótese de revisão do lançamento, admite-a apenas quando houver impugnação do sujeito passivo, revisão de ofício ou por iniciativa da autoridade, esta nos casos previstos no art. 149 do mesmo Código, enquanto não extinto o direito da Fazenda Nacional.[48] Admite o § 3.º do art. 18 do Dec. 70.235/1972 quando, “em exames posteriores, diligências ou perícias, realizados no curso do processo, forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões de que resultem agravamento da exigência inicial, inovação ou alteração da fundamentação legal da exigência”, seja “lavrado auto de infração ou emitida notificação de lançamento complementar, devolvendo-se, ao sujeito passivo, prazo para impugnação no concernente à matéria modificada”.

Tais modalidades de revisão, por óbvio, não poderão ser realizadas pela autoridade julgadora, que não possui competência ou função de revisão, mas apenas decisória.

Ademais, mesmo estes procedimentos deverão observar o determinado no art. 146 do CTN,[49] segundo o qual a modificação nos critérios jurídicos do lançamento somente poderá ser efetivada para atos futuros. Essa regra deriva dos princípios maiores da irretroatividade da lei e da segurança jurídica, impedindo que o contribuinte seja surpreendido com alterações de entendimento por parte da Administração, em relação a atos passados.

Ao comentar o tema, ensina Alberto Xavier que “o art. 146 nada mais é, pois, que simples corolário do princípio da não retroatividade extensível às normas complementares, limitando-se a esclarecer que os lançamentos já praticados à sombra de ‘velha interpretação’ não podem ser revistos com fundamento em ‘nova interpretação’”.[50]

Por essas razões, há diversos julgados anulando decisões que haviam alterado os fundamentos do lançamento, como se observa, dentre outros, dos seguintes acórdãos:

“O dever poder de decidir conferido ao Delegado da Receita Federal de Julgamento está adstrito aos termos do lançamento efetuado pela autoridade fiscal, não cabendo-lhe aperfeiçoá-lo ou transformá-lo de qualquer forma, sob pena de transposição de sua competência legal” (Ac 103-20.754, j. 17.01.2001).

“Retificação de lançamento pela DRJ. Consoante art. 149 do CTN, é competente para revisão de ofício do lançamento anteriormente efetuado, a autoridade incumbida do lançamento (item XIII do art. 1.º da Portaria SRF 4.980/1994). A Turma da Delegacia da Receita Federal de Julgamento não é autoridade lançadora, e como tal não tem competência para promover revisão, alteração, retificação ou aperfeiçoamento do lançamento” (Ac 108-09.139, j. 06.12.2006).

“Lançamento tributário. Inovação. Impossibilidade. É insubsistente a parcela de crédito tributário, tida como ‘mantida’ pela autoridade administrativa julgadora, quando se constata que ela está fundada em elementos não considerados no lançamento original” (Ac 105-16.834, j. 22.01.2008).

“Processo administrativo fiscal. Inovação. Impossibilidade. O dever-poder de decidir conferido ao Delegado da Receita Federal de Julgamento está adstrito aos termos do lançamento efetuado pela autoridade fiscal, não lhe sendo permitido aperfeiçoá-lo ou transformá-lo de qualquer forma, sob pena de transposição de sua competência legal” (Ac 103-22.569, j. 27.07.2006).

“Processo administrativo fiscal. Recurso especial de divergência. Na apreciação de recurso especial de divergência a Câmara deve cingir-se à matéria de direito em litígio e de eventuais preliminares. Inadmissível o aperfeiçoamento ou inovação do lançamento, ainda que estes não importem em agravamento da exigência, mas caracterizam mudança de critérios jurídicos do lançamento” (Ac CSRF/01-04.535, j. 09.06.2003).

“Erro na motivação do lançamento. Impossibilidade de ajuste pela autoridade julgadora. À autoridade julgadora (DRJ ou Conselho de Contribuintes) não é permitido ajustar o lançamento, ainda que na motivação constante da descrição dos fatos, por faltar-lhe competência para tanto e também por implicar cerceamento do direito de defesa” (Ac 108-09.256, j. 28.03.2007).

Da mesma forma, há reiteradas decisões cancelando exações fundadas em capitulação legal não aplicável aos atos praticados pelo contribuinte, ainda que as autoridades julgadoras tenham considerado que tais operações pudessem ser enquadradas em outras disposições normativas:

“Provocaria cerceamento do direito de defesa, com a consequente nulidade do acórdão, a manutenção de qualquer parte da exigência com fulcro em fundamentos distintos daqueles expendidos na decisão monocrática e do específico enquadramento legal constante do auto de infração”(Ac 108-06.011, j. 23.02.2000).

“Imposto de renda pessoa jurídica. IRPJ. Glosa de exclusão do lucro líquido na apuração do lucro real. Falta de motivação, de descrição e de enquadramento legal. A falta da descrição dos fatos, seu enquadramento legal e a motivação da realização de glosa, qualquer que seja ela, macula de nulidade o lançamento fiscal, eis que os requisitos omitidos pela fiscalização são essenciais à validade do lançamento fiscal” (Ac 103-20.854, j. 19.03.2002).

“Imposto sobre a propriedade territorial rural. ITR. Exercício de 1997. Nulidade. É nulo o auto de infração que não descreve os fatos, não fornece completa capitulação legal, tampouco menciona os demonstrativos e termos que o integram (IN SRF 94/97, arts. 1.º e 4.º a 6.º)” (Ac 302-35.815, j. 17.10.2003).

“IRF. Nulidade do auto de infração. O erro na tipificação e no enquadramento legal da infração cometida pelo contribuinte acarreta a nulidade do auto de infração por preterição do direito de defesa do contribuinte. Recurso provido” (Ac 102-44.466, j. 17.10.2000).

Conclusão:

A autoridade julgadora poderá ajustar o lançamento tão somente de forma benéfica ao contribuinte. Poderá a autoridade fiscal – não a autoridade julgadora – ajustar o lançamento de forma prejudicial ao contribuinte, enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública e desde que observado o disposto no art. 146 do CTN, nas hipóteses do art. 149 do CTN ou quando verificadas incorreções, omissões ou inexatidões de que resultem agravamento da exigência, inovação ou alteração da fundamentação legal. Nestas situações, deverá ser lavrado novo auto de infração ou emitida notificação de lançamento complementar, devolvendo-se ao contribuinte o prazo para impugnação no concernente à matéria modificada. Não poderá a autoridade julgadora manter a exigência sob motivação diversa da constante no termo de verificação fiscal e o erro na capitulação legal ensejará, sempre, a nulidade do respectivo lançamento.

 

Mário Luiz Oliveira da Costa – Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Cursos de especialização em Direito Tributário (pelo Centro de Extensão Universitária) e Direito Empresarial (pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Advogado em São Paulo, sócio da Dias de Souza Advogados Associados.

[1] Portaria MF 256/2009 e alterações posteriores.

[2] Hipóteses coincidentes, portanto, com aquelas que justificam a oposição de Embargos de Declaração em processos judiciais, previstas no artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC).

[3] “Art. 32. As inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculos existentes na decisão poderão ser corrigidos de ofício ou a requerimento do sujeito passivo.”

[4] “Art. 66. As inexatidões materiais devidas a lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculo existentes na decisão serão retificados pelo presidente de turma, mediante requerimento de conselheiro da turma, do Procurador da Fazenda Nacional, do titular da unidade da administração tributária encarregada da execução do acórdão ou do recorrente.”

[5] “Demonstrada a omissão no enfrentamento dos pontos sobre os quais se alicerçou o acórdão, impõe-se o suprimento da falha. Inteligência do art. 65, caput e parágrafos, do Regimento Interno dos Conselhos Administrativo de Recursos Fiscais, aprovado pela Portaria MF 256/2009. Limites. Apesar de regra geral não ser possível conferir efeitos modificativos aos embargos, forçoso é admitir que, excepcionalmente, o suprimento da omissão interfira no conteúdo da decisão” (CARF, 3.ª Seção, 2.ª T., 1.ª Câm., DOU 01.09.2011).

[6] “A decisão sobre embargos de declaração possui efeito integrativo, pois complementa e aperfeiçoa o julgado. Ao se eliminar os vícios que maculam o acórdão, poderão advir, como consequência, os efeitos infringentes” (CARF, Câmara Superior de Recursos Fiscais, DOU 10.05.2011).

[7]“1. Os embargos de declaração, a teor dos arts. 535, I e II, do CPC, prestam-se a sanar vícios eventualmente existentes no acórdão. 2. A possibilidade de atribuição de efeitos infringentes ou modificativos aos embargos de declaração sobrevém como resultado da presença dos vícios que ensejam sua interposição” (STJ, 1.º T., rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 19.09.2011).

[8] Ou, ainda, manifesto lapso ou erro de escrita ou de cálculo, como antes referido.

[9] Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 853.

[10]Conforme o art. 12, V e parágrafo único, IV, da LC 73/1993: “À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente: (…) V – representar a União nas causas de natureza fiscal. Parágrafo único. São consideradas causas de natureza fiscal as relativas a (…) IV – decisões de órgãos do contencioso administrativo fiscal”. Já as normas regimentais estabelecem que atuarão junto ao Tribunal, “em defesa dos interesses da Fazenda Nacional, os Procuradores da Fazenda Nacional credenciados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional” (art. 48 do RICSRF – Portaria MF 147/2007; art. 81 do RICARF – Portaria MF 256/2009). No mesmo sentido, diz o art. 8.º, VIII, c, do Dec. 7.050/2009 competir à Procuradoria da Fazenda Nacional “representar os interesses da Fazenda Nacional (…) no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (…)”.

[11] Ou mesmo acerca das quais tenha se omitido a decisão embargada.

[12] À exceção, obviamente, da nulidade da decisão proferida pelo Delegado de Julgamento, quando este figure como embargante.

[13] Cuja constitucionalidade já foi declarada pelo STF (RE 233.582/RJ, Pleno, j. 16.08.2007, rel. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa).

[14] Ainda que a medida judicial tenha sido anterior à instauração do procedimento administrativo, conforme jurisprudência majoritária.

[15] Com supedâneo no art. 100, I, do CTN.

[16] Como explicita a Súmula CARF 1 (no mesmo sentido da Súmula 6 do antigo 3.º Conselho de Contribuintes): “Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial”.

[17] “§ 2.º. Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.”

[18] “XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder” (…).

[19] “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (…).

[20] “Não há concomitância entre processo administrativo e judicial quando a causa de pedir dos processos for diversa” (3.ª T. da Câm. Superior de Recursos Fiscais, j. 13.11.2007).

[21] “A coincidência entre a causa de pedir, constante do fundamento jurídico da ação judicial, e o fundamento da exigência consubstanciada em lançamento, impede o prosseguimento do processo administrativo no tocante aos mesmos fundamentos, de modo a prevalecer a solução judicial do litígio. Qualquer matéria distinta em litígio no processo administrativo deve ser conhecida e apreciada” (1.ª T. da Câmara Superior de Recursos Fiscais, j. 06.12.2005).

[22] “Estando nitidamente demonstrado serem diversas as causas de pedir da ação judicial e do processo administrativo, impõe-se o conhecimento da matéria diferenciada pelos órgãos administrativos” (3.ª T. da Câmara Superior de Recursos Fiscais, j. 05.07.2004).

[23] No que respeita à extinção da medida judicial sem julgamento de mérito, tem prevalecido no CARF, contudo, o entendimento de que não prejudicaria a renúncia já havida, como indica o ADN 3/1996, antes transcrito.

[24] O que pode ocorrer, por serem independentes os procedimentos de verificação quanto à existência de repercussão geral (arts. 322/325-A do RISTF) e de devolução/sobrestamento dos recursos (art. 328 do RISTF), cabendo explicitar que compete ao STF apenas devolver os casos idênticos àqueles selecionados aos tribunais de origem, para que estes procedam ao sobrestamento dos respectivos recursos (sem prejuízo de ser razoável considerar a devolução como equivalente ao próprio sobrestamento).

[25] Na redação da Lei 11.941/2009, que veda “aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade” e admitindo-se, para os fins ora examinados, a legitimidade de tal restrição.

[26] Como princípio de hermenêutica (Verba cum effectu, sunt accipienda), na lição de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do Direito. 19.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 204).

[27] Sendo esta a previsão contida no RICARF, mas, a rigor, deveria bastar a existência de reconhecimento, pelo STF, da repercussão geral da matéria constitucional tida por prejudicial.

[28] Não configurando óbice a tanto o disposto no § 1.º do art. 62-A do RICARF ou na Portaria CARF 1/2012.

[29] Caso não reconhecidas as ilegalidades apontadas pelo contribuinte.

[30] E, por consequência, de seu encaminhamento à Procuradoria da Fazenda Nacional para inscrição dos respectivos montantes como Dívida Ativa, subsistindo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

[31] O mesmo procedimento seria recomendável, por iguais razões e também de lege ferenda, nos processos administrativos envolvendo tributos estaduais ou municipais em que o dispositivo legal envolvido fosse objeto de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida pelo STF.

[32] Diferentemente do art. 62-A do RICARF que, conforme antes indicado, mais do que autorizar, determina que as decisões definitivas do STF e do STJ, proferidas na sistemática dos arts. 543-B e 543-C do CPC, sejam necessariamente adotadas pelo CARF.

[33] Sendo relativa, assim, a discricionariedade do julgador administrativo, na medida em que, caracterizada a razoável expectativa de que o entendimento do STF não será alterado (ou inexistente razoável justificativa em sentido contrário), deverá ser ele obrigatoriamente aplicado ao processo administrativo.

[34] Ambos decorrentes do princípio da legalidade e do objetivo maior do processo administrativo fiscal, qual seja, conferir a legalidade do ato administrativo envolvido. Determina o art. 2.º da Lei 9.784/1999 deva a Administração Pública obedecer, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, interesse público e eficiência (caput), observando-se nos processos administrativos a “adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados” (inc. IX).

[35] Conforme art. 5.º, LV, da CF/1988, já referido.

[36] Processo administrativo fiscal federal comentado. 3.ª ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 306.

[37] Como demonstra Ricardo Mariz de Oliveira, adotando, como exemplo de ficção legal, tratar como pessoa jurídica a pessoa física que exerça determinadas atividades econômicas (Presunções. Indícios. Ficções. In: Barreto, Aires Fernandino. Direito tributário contemporâneo – Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 672/673).

[38] Idem, p. 675.

[39] Ainda na lição de Ricardo Mariz de Oliveira, “mesmo quando haja uma presunção jurídica, o fato em que ela se embase, para declarar ocorrido o fato imponível, deve ser cabalmente provado pela autoridade lançadora, e deve ser aferido pelas autoridades julgadoras segundo as provas trazidas nos autos. Quer dizer, o fato imponível não pode ser meramente suposto, sem prova suficiente do fato segundo o qual a lei entende que ele tenha ocorrido” (idem, p. 676).

[40] Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 133.

[41] Santos, Moacyr Amaral. Prova judiciária no civil e no comercial. 3.ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1968. vol. 5, p. 398 e 399.

[42] Que determina seja a lei tributária que defina infrações, ou lhe comine penalidades, interpretada da maneira mais favorável ao acusado em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato; à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

[43] Interposto fora do prazo, perante órgão incompetente, por quem não seja legitimado ou após exaurida a esfera administrativa.

[44] Nos termos do art. 302 do CPC, “presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados”, salvo nas hipóteses ali indicadas.

[45] Processo administrativo fiscal federal comentado cit., p. 78.

[46] Dentre outros, no Ac 3403-00.541 (“O efeito translativo próprio dos recursos ordinários, inclusive os administrativos, em especial o voluntário, permite a manifestação do órgão julgador ad quem de temas não expressamente abordados no apelo recursal, desde que se cuidem de matérias de ordem pública, como é o caso da decadência em matéria tributária.” – j. 26.08.2010) e no Ac 2301-01.512 (“A decadência é matéria de ordem pública e deve ser conhecida de ofício” – j. 09.06.2010).

[47] Curso de Direito Administrativo. 10.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 241.

[48] Devendo ser concluído o respectivo procedimento em tal prazo e não meramente iniciado, como indicado no referido dispositivo. Nesse sentido, dentre outros, aponta Alberto Xavier ser “manifestamente imperfeita a redação do parágrafo único do art. 149, pois a revisão do lançamento não somente deve ‘iniciar-se’, mas também ‘concluir-se’ dentre do prazo decadencial assinalado por lei para o exercício do próprio poder de lançar” (Op. cit., p. 248).

[49] “Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

[50] Op. cit., p. 262.