Destaques

Destaques

Imprimir

Artigos - 13/06/22

Mário Costa publica, em conjunto com presidentes de outras entidades de defesa da advocacia, artigo no CONJUR sobre sessões virtuais de julgamento

Veículo: ConJur
Autor(es): Dr. Mário Costa

Foi publicada, no último dia 3 de junho, a Lei nº 14.365/2022, com alterações no Estatuto da Advocacia (EA), no Código de Processo Civil (CPC) e no Código de Processo Penal (CPP) tratando de importantes temas relacionados ao exercício da advocacia.

Lamenta-se vetos presidenciais que, se mantidos, frustrarão a iniciativa legislativa. Entre eles, improcedem as razões apresentadas para os vetos ao inciso IX-A e ao § 2º-A, ambos do artigo 7º do EA.

Tais alterações asseguravam ao advogado sustentar oralmente, durante as sessões de julgamento, as razões de qualquer recurso ou processo presencial ou telepresencial em tempo real e concomitante ao julgamento e, este, determinava que, Incluídos no plenário virtual o julgamento dos recursos e das ações originárias, sempre que a parte requerer a sustentação oral em tempo real ao julgamento, o processo será remetido para a sessão presencial ou telepresencial.

Nas razões para os vetos presidenciais, afirmou-se que as alterações contrariariam o interesse público por suposta oposição ao avanço recente de novas modalidade síncronas e assíncronas de prestação do serviço jurisdicional, que apresentaram incremento de eficiência, celeridade e digitalização do Poder Judiciário, vez que a sistemática de julgamento virtual não traz prejuízo às partes nem ao devido processo legal e à ampla defesa, mas celeridade ao julgamento, existindo exemplos práticos que estabelecem que os representantes das partes e os demais habilitados nos autos podem encaminhar as suas sustentações orais por meio eletrônico após a publicação da pauta em até quarenta e oito horas antes de iniciado o julgamento virtual. Noticia-se, ademais, preocupação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, de que eventual sanção do texto poderia acarretar o colapso dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal, que só conseguiu reduzir o acervo graças ao plenário virtual (O Globo de 3/6/2022)

Estas justificativas ou preocupações não procedem.

Primeiro porque a expressão “incremento de eficiência”, constante no veto presidencial, foi indevidamente utilizada como justificativa para supostamente atender ao interesse público.

O conceito de eficiência jurídica é muito mais amplo do que a eficiência administrativa (artigo 37 da Constituição). O princípio jurídico da eficiência abrange não apenas o serviço público célere, com presteza e rendimento funcional, mas, sobretudo, os valores constitucionais protegidos por cada norma jurídica.

A norma jurídica vetada buscava assegurar a plenitude da ampla defesa e do contraditório, o devido processo legal, a proteção de direitos e garantias individuais demandados em um processo justo em busca de um resultado também justo. A preocupação isolada com “a celeridade do processo” não pode se sobrepor a tantos outros direitos dos indivíduos que buscam a proteção do Poder Judiciário.

Princípio é um padrão que deve ser observado como uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade. É dever do Estado ser eficiente em todas as concepções.

Os julgamentos “por meio eletrônico”, quando criados (CPC, artigo 945), foram limitados a processos sem possibilidade de sustentação oral e, ainda assim, assegurada a sessão presencial em caso de oposição de qualquer das partes, independentemente de motivação, bem como na hipótese de se verificar divergência entre os julgadores. Após a Lei nº 13.256/2016, contudo, as sessões virtuais passaram a ser utilizadas, progressivamente, para julgamentos de quaisquer feitos, inclusive envolvendo matérias inéditas.

A advocacia tem reiterado a necessidade de ajustes no procedimento.

Há, na atualidade, clara dicotomia entre opostos extremados: de um lado, julgamentos virtuais com centenas de casos a serem examinados e definidos em poucos dias, sem debate entre os julgadores e com graves restrições à ampla defesa; de outro, julgamentos presenciais — temporariamente substituídos, em alguns tribunais, por videoconferências — com um ou mais dias inteiros desnecessariamente dedicados a um único ou a poucos casos, inclusive com leitura de longos votos concordantes (em especial no STF).

O meio-termo entre os dois extremos seria uma solução razoável.

As sessões virtuais são importantes instrumentos de produtividade dos tribunais, permitindo uma prestação jurisdicional célere e eficaz. Mas a sua adoção nos moldes atuais deve ser reparada.

O julgamento de tema inédito não pode se transformar em mera coletânea de votos, sem discussão ou interação entre os julgadores, tampouco entre eles e as partes representadas. Essas distorções contrariam o interesse público e prejudicam as partes, o devido processo legal, a ampla defesa e a própria qualidade das decisões proferidas. Restringem o sagrado exercício do direito de defesa, sem o qual imperam o autoritarismo e a injustiça. As inovações vetadas saneariam tais mazelas.

O envio de sustentações orais por meio eletrônico não resolve, como constou das razões de veto. De fato, em reportagem veiculada recentemente no Valor, fez-se referência a uma “discussão acalorada” entre os ministros do STF, sobre as regras do plenário virtual, em que eles acabaram, sem querer, escancarando um bastidor. Nem todos assistem às sustentações orais que são enviadas, por vídeo, pelos advogados das partes.

Vê-se, assim, que os “videomemoriais” não se prestam a substituir as sustentações orais realizadas durante as sessões de julgamento, em sessão presencial ou telepresencial, e que, consequentemente, a sua adoção viola frontalmente as prerrogativas da advocacia e o direito constitucional à ampla defesa.

A morosidade do Judiciário não decorre do exercício da advocacia, mas de diversos outros fatores, como a recalcitrante inobservância de precedentes firmados em recursos repetitivos e a já referida falta de otimização das sessões de julgamento não virtuais.

As sessões podem ser formalmente virtuais, mas os julgamentos são reais, não simulados ou meramente potenciais. Portanto, devem ser moldadas de forma a aproximá-las, o quanto possível, das sessões presenciais.

As inovações indevidamente vetadas auxiliariam tal aproximação e aumentariam a eficácia e a aceitação, entre advogados e jurisdicionados, deste moderno sistema de julgamento, a par de outros avanços igualmente necessários (como a fixação de limite de processos por pauta; suspensão do julgamento de processos diante de questões de ordem ou esclarecimentos de fato; e automática prorrogação da sessão de julgamento sempre que proferidos votos divergentes, possibilitando-se a reflexão por todos os julgadores).

A advocacia e os jurisdicionados brasileiros confiam que o Congresso Nacional saberá restabelecer os avanços que havia assegurado e derrubar os vetos em questão, sem prejuízo de instituir outras alterações indispensáveis para o aprimoramento da jurisdição.

Aasp — Mário Luiz Oliveira da Costa (presidente)
Cesa — Gustavo Brigagão (presidente)
IAB — Sydney Limeira Sanches (presidente)
Iasp — Renato de Mello Jorge Silveira (presidente)
MDA — Eduardo Perez Salusse (presidente)
OAB-SP — Patricia Vanzolini (presidente)
Sinsa — Gisela da Silva Freire (presidente)  

Clique aqui para acessar a íntegra do artigo.