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Artigos - 28/06/21

Mário Costa publica artigo na Revista do Advogado, sobre regularidade fiscal na recuperação judicial

Veículo: Revista do Advogado
Autor(es): Dr. Mário Costa

Introduzido entre nós pela Lei nº 11.101/2005 (LRJF), o importante procedimento da recuperação judicial teve dentre seus entraves práticos, desde o início, a exigência de comprovação de regularidade fiscal como uma das condições para sua concessão judicial.¹

Como se sabe, a jurisprudência se consolidou no sentido de afastar a exigência de regularidade fiscal enquanto ausente o parcelamento de débitos fiscais de forma mais vantajosa, aos devedores em recuperação judicial (previsto no art. 68 da LRJF).

Assim se verificou, como consignou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o pressuposto de que “O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação”.²

Afinal, como então bem asseverou o ministro Luis Felipe Salomão, “nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objeto de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores”.

A jurisprudência se consolidou no sentido de afastar a exigência de regularidade fiscal.

A controvérsia foi renovada com o advento da Lei nº 13.043/2014, autorizando as empresas em recuperação a parcelarem seus débitos fiscais federais³ em até 84 meses (superior ao parcelamento ordinário, de 60 meses), bem como possibilitando o pagamento de percentuais inferiores ao início (0,666% ao mês no primeiro ano e 1% ao mês no segundo ano) e de 1,333% ao mês a partir do terceiro ano, remanescendo 1,361% para a 84ª e última parcela. Não foi a nova sistemática, porém, suficiente para que os tribunais pátrios passassem a considerar legítima a exigência de comprovação de regularidade fiscal.

Prejudicado o fundamento de inexistência de parcelamento diferenciado às empresas em recuperação judicial (vez que sanada a mora legislativa a tal respeito), parcela respeitável da doutrina e mesmo da jurisprudência entendeu que ficaria legitimada a exigência de regularidade fiscal.⁴ Contudo, como pontua importante decisão da Terceira Turma do STJ, o afastamento da exigência de regularidade fiscal passou a se dar “à luz do postulado da proporcionalidade”, entendendo-se que “os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário) não têm peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira que o acomete”.

Portanto, se é fato que a legislação desde sempre contempla a exigência de comprovação de regularidade fiscal como condição para a concessão judicial da recuperação judicial, não menos verdade é que, com maiores ou menores percalços, não vinha ela subsistindo quando impugnada em juízo.

As novas alterações, agora decorrentes da Lei nº 14.112/2020 (DOU de 24/12/2020), demandam o reexame do tema. A novel sistemática assegura ao empresário ou à sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial liquidar seus débitos para com a Fazenda Nacional, à sua opção, conforme as seguintes modalidades, em apertada síntese:(i) parcelamento em até 120 meses, com percentuais mensais de 0,5% no primeiro ano e 0,6% no segundo ano; (ii) liquidação de até 30% do total tão somente dos débitos administrados pela  Secretaria  Especial da Receita Federal do Brasil, com prejuízos fiscais (IRPJ) e base negativa (CSLL) ou com outros créditos próprios relativos aos tributos  administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, podendo parcelar o saldo em até 84 meses com os mesmos percentuais da hipótese anterior para os dois primeiros anos; e (iii) transação nos termos da Lei nº 13.988/2020, que, se aceita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), poderá resultar na redução de até 70% do valor total de multas, juros de mora e encargos legais⁸ e no parcelamento do valor mantido em até 120 meses.

Além das condições para parcelamento e quitação de créditos tributários mais benéficas do que aquelas até então verificadas para os contribuintes em recuperação judicial, outros tratamentos fiscais diferenciados poderão, de fato e a depender das peculiaridades de cada caso, viabilizar, em situações excepcionais, a regularização fiscal sem relevante prejuízo ao procedimento de recuperação, isto é, sem afetar a probabilidade de ser ele bem-sucedido.

Relevantes, nesse sentir, dentre outras benesses legais, os afastamentos (i) do PIS e da Cofins sobre as reduções de dívidas, assim como (ii) da limitação à utilização de resultados negativos, para fins de IRPJ e CSLL, esta excluída não apenas em relação às reduções de dívidas obtidas na recuperação judicial, como também ao lucro decorrente de ganho de capital auferido em alienações judiciais de bens ou direitos pelas pessoas jurídicas em recuperação judicial ou com falência decretada.⁹ Ainda que não digam respeito a créditos tributários anteriores à recuperação judicial, tais medidas desoneram em parte os resultados verificados no decorrer do procedimento e, assim, auxiliam a empresa em recuperação judicial a destinar recursos para a quitação de outras dívidas (fiscais ou não) e/ou honrar o parcelamento que possa ter firmado.

Inegáveis  os  avanços  ocorridos  desde  o ano de 2005 (mais precisamente com as Leis nº 13.043/2014 e nº 14.112/2020), ainda que tenham se dado com grande lentidão e de forma insuficiente a resolver, cabal e definitivamente, o problema de que ora se cuida. Com efeito, a despeito de tais avanços, continua ilegítima a exigência de regularidade fiscal, em especial nos casos em que se comprove inviabilizar ou dificultar sobremaneira a própria recuperação pretendida.

Andou bem o STJ ao decidir que, mesmo havendo parcelamento com condições mais benéficas às empresas em recuperação judicial, não seria razoável ou proporcional dar tamanha abrangência ao privilégio do crédito tributário a ponto de sobrepor-se à relevância da função social da empresa ou ao princípio que objetiva sua preservação e seu soerguimento. É o que se justifica e se legitima, inclusive, em prol dos interesses públicos, tanto gerais quanto específicos. Afinal, apenas com o soerguimento da empresa será possível manter e gerar renda e empregos, assegurar incremento na arrecadação fiscal presente e futura, assim como viabilizar, no devido tempo, a quitação de débitos fiscais pretéritos  que  se  mostrem  efetivamente procedentes.

Não há, neste proceder, descumprimento da preferência dos créditos tributários de que cuida o art. 186 do CTN, mesmo porque continua autorizado aos Fiscos (federal, estaduais e municipais) exigir o que reputem devido, ainda que com algumas limitações¹⁰ igualmente consentâneas, sob a ótica da proporcionalidade, com o fim maior que se almeja e com o interesse final tanto da sociedade civil quanto dos próprios entes públicos envolvidos.

Considerando o quadro normativo vigente, trata-se, em verdade, da melhor solução possível para a discrepância ou aparente antinomia verificada entre o disposto nos arts. 47 (fixando como objetivo da recuperação judicial “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”)¹¹ e 57 (que impede ou, ao menos, dificulta sobremaneira o atingimento daquele objetivo, ao exigir que o devedor comprove regularidade fiscal) da LRJF.

Continua ilegítima a exigência de regularidade fiscal, em especial nos casos em que se comprove inviabilizar a própria recuperação pretendida.

Assim é que novas condições ainda mais benéficas àqueles contribuintes pouco ou em nada alteram a realidade de empresas  com  dificuldades financeiras tão graves (a ponto de precisarem se valer da recuperação judicial) via de regra possuírem débitos fiscais ou mesmo exigências fiscais sob discussão administrativa ou judicial cujos pagamentos ou apresentação de garantias integrais são simplesmente impossíveis, ao menos enquanto não restabelecida sua saúde financeira, sua solvabilidade.

Nesse sentir, não há dúvida de que o passivo fiscal da empresa em recuperação judicial, no mais das vezes, é relevante e deve ser honrado (sempre, desde que efetivamente procedentes as exigências fiscais envolvidas), mas a condição de, antes da própria tentativa de recuperação, ser “regularizada” sua situação fiscal é absolutamente alheia à realidade dos fatos. Caracteriza condição impossível (não admitida no sistema jurídico pátrio) ou, ao menos, inviabiliza ou dificulta sobremaneira a recuperação pretendida e, por consequência, a própria quitação dos débitos fiscais. A existência de passivo fiscal relevante, somada à total liberdade para os Fiscos manterem sua cobrança inclusive com atos executórios, é o fiel da balança suficiente, de um lado, para os credores e o juízo avaliarem a efetiva probabilidade da recuperação em si¹² e, de outro, para a própria recuperanda a eles indicar o que seria efetivamente necessário parcelar ou garantir.

Isso, contudo, não legitima a exigência de regularidade fiscal ampla e irrestrita, relativamente a todos os créditos tributários que, se exigíveis (ou seja, sem suspensão da exigibilidade), entendam os Fiscos devam ser parcelados ou garantidos.

Continua atual e aplicável a orientação jurisprudencial no sentido de que a opção entre prévia regularidade fiscal e plausível¹³ tentativa de soerguimento da pessoa jurídica deverá sempre recair nesta última.

A exigência de regularidade fiscal, com parcelamento ou mesmo garantia de créditos tributários para fins de deferimento do pedido de recuperação judicial, ao menos quando dela resulte tamanho ônus a ponto de dificultar sobremaneira (quando não inviabilizar) a própria recuperação, é excessiva, irrazoável e desproporcional. Distancia-se do “mínimo aceitável”, não atendendo a critérios de adequação e necessidade, tampouco verificada na extensão e intensidade proporcionais ao que seria cabível para o atendimento do interesse público envolvido. Como ressaltam Ives Gandra Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, “se a recuperação judicial teve por objetivo amparar as empresas em dificuldades, para que continuassem produtivas, assegurando empregos e recolhimento de tributos, tal exigência de certidões negativas é incompatível com a finalidade da norma legal” (MARTINS; RODRIGUES, 2007, p. 431).

Se tanto não bastasse, a Lei nº 14.112/2020 provoca perplexidade ao autorizar (i) exigência de garantias atinentes a  créditos tributários  objeto de discussão judicial sem suspensão de exigibilidade como condição para não serem parcelados; (ii) “execução regular” das garantias, “inclusive por meio da expropriação”, na ausência de suspensão da exigibilidade dos respectivos créditos tributários; e, (iii) à Fazenda Nacional, requerer a “convolação da recuperação judicial em falência” nos casos de exclusão do parcelamento.¹⁴

Ora, além de subsistirem todos os vícios antes referidos, exigir a  apresentação  de  garantia em relação a créditos tributários não suspensos e admitir sua “execução regular”, inclusive com “expropriação”,¹⁵ justamente por não estarem suspensos é no mínimo contraditório. Trata-se de exigência não razoável ou proporcional,  atentatória aos princípios de confiança e boa-fé que devem nortear as relações entre Fisco e contribuintes.

Recuperação judicial é uma tentativa de conciliação da empresa com seus credores privados. O Fisco não participa do acordo, que não lhe diz respeito. Não tem seus créditos a ele subordinados, podendo proceder à sua regular cobrança (SALAMACHA, 2005, p. 123).¹⁶   Afinal, “o passivo fiscal deve ser cobrado e tratado à margem e desvinculadamente do plano de recuperação”; não podendo o parcelamento ser tido como “um ônus ou obrigação a que se condicione o próprio desfecho do processo recuperacional” (CAMILO JUNIOR, 2012, p. 303).

Exigir regularidade fiscal – inclusive com apresentação de novas garantias, cujas dificuldades e custos são muitas vezes insuportáveis – para que possa ser o acordo entre particulares celebrado e homologado em juízo subverte a ordem e não guarda relação de pertinência com o objeto da norma. Cabe aos credores particulares, como já referido, avaliar se o passivo fiscal da empresa que pediu recuperação judicial inviabiliza ou não o acerto proposto em relação às demais dívidas, o que não se confunde com condicionar tal avaliação à prévia regularização daquele passivo.

Permitir que ente estranho ao acordo possa prejudicá-lo também com expropriação ou excussão de garantias antes mesmo de configurada a coisa julgada no sentido da procedência da exigência fiscal, bem como requerendo a falência da empresa em recuperação, é ainda mais desarrazoado.

Não é demais lembrar que nem todos os créditos tributários não pagos, não suspensos e não garantidos são necessariamente devidos, em especial quando objeto de discussão judicial¹⁷ cujo julgamento final poderá extingui-los.¹⁸  Inaceitável e excessiva, portanto, ao menos a exigência de parcelamento de créditos tributários na referida situação, ou seja, que estejam sub judice, ainda que não suspensos nem garantidos, com efetiva possibilidade de virem a ser afastados, ao final, pelo Poder Judiciário.¹⁹  A exigência de pagamento ou mesmo garantia, nessa situação, contraria ainda mais os objetivos de preservação e fortalecimento da empresa, impondo-lhe gasto que então ainda não se pode considerar definitivamente devido ou necessário, além de restringir o próprio acesso ao Judiciário.

Nem se diga que a ausência de garantia em relação a créditos tributários sub judice, sem suspensão da exigibilidade, poderia incentivar a litigiosidade fiscal. Bem se sabe que a litigiosidade fiscal no Brasil não precisa de incentivo (muito ao contrário), sendo inequívoco que, de qualquer modo, eventuais pleitos abusivos ou contrários à jurisprudência consolidada hão de receber o devido tratamento, sujeitando o demandante às necessárias consequências. O que não se pode é ter a exceção como regra.

Ademais, ressalvando não ser a  falência objeto de exame nessa oportunidade, a tão só possibilidade de ser  ela requerida  pelo simples inadimplemento do parcelamento inviabiliza a própria regularização fiscal sob tal forma, por torna-la por demais arriscada. Caracteriza, a rigor, nova antinomia na lei, ao exigir que a empresa em recuperação judicial adote procedimento que implica novo e ainda mais grave risco ao seu soerguimento, além de não ser sequer razoável admitir tamanho poder a quem nem sequer participou do plano de recuperação judicial.

Registre-se serem muito bem-vindas as disposições constantes da Portaria PGFN/ME nº 2.382/2021 (DO 1º/3/2021), possibilitando que, no âmbito das negociações entre o contribuinte em recuperação judicial e a PGFN,²⁰  sejam  acordadas ou flexibilizadas a substituição, liberação ou manutenção de garantias (arts. 4º, inciso IV; 7º, inciso II; 8º, incisos IV e V; e 24, inciso II).

Ocorre que, em especial em um país continental como o nosso, não pode o contribuinte depender do subjetivismo (ou mesmo da boa vontade) do procurador da Fazenda Nacional (quando não das fazendas estaduais e/ou municipais) com quem vier a tratar, em cada caso específico, dos interesses claramente conflitantes. Não há segurança jurídica na autorização, e ainda por mera portaria regulamentar, ao agente público para flexibilizar, a seu talante, parte das rigorosas exigências fixadas em lei.

A exigência de regularidade fiscal como condição para o deferimento da recuperação judicial caracteriza coerção para agamento de tributo

A par do quanto exposto, o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou a inconstitucionalidade da exigência de certidões negativas como condição para a prática de vários atos empresariais e da vida civil, considerando-a ilegítima e contrária à Constituição Federal (CF) quando posta como condição, por exemplo, para fins de inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ),²¹ registro de contrato social ou contratação de empréstimos junto a instituições financeiras²² e impressão de notas fiscais.²³

É exatamente do que se cuida na situação presente. A exigência de regularidade fiscal como condição para o deferimento da recuperação judicial – que, repita-se, não abrange créditos tributários – caracteriza coerção para pagamento²⁴   dos tributos que não se encontrem garantidos ou com exigibilidade suspensa, para que o contribuinte possa manter o exercício de sua atividade econômica. Contraria o princípio da livre-iniciativa (CF, art. 170, parágrafo único) e restringe o direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (CF, art. 5º, inciso XXXV), mais especificamente o direito do contribuinte de obter a competente prestação jurisdicional acerca da validade de determinada exigência fiscal que repute ilegítima.

Sendo a recuperação judicial necessária para a empresa manter suas atividades (derradeira tentativa de evitar a quebra), a referida exigência implica claro óbice a tanto, como se vê, muito mais grave e intransponível do que o verificado em algumas das hipóteses em que o STF concluiu haver inconstitucionalidade.

Conclusão

Continuam atuais e relevantes, inexistindo razão para não serem observadas, as premissas fixadas pelo STJ de (i) ser o parcelamento tributário “direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal”;²⁵ (ii) que “nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objeto de preservação da empresa economicamente viável,  à  manutenção da  fonte  produtora  e  dos  postos  de  trabalho”;²⁶ (iii) dever ser o tema examinado “à luz do postulado da proporcionalidade”;²⁷ e (iv) não terem, “os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário)”, “peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva suapreservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a  superação  da  crise  econômico-financeira  que o acomete”.²⁸ São inegáveis e sempre desejáveis os avanços no sentido de facilitar a quitação de débitos fiscais pelas empresas em geral, em especial por aquelas que se encontrem em recuperação judicial e, inclusive, aprimorando mecanismos de negociação entre Fiscos e contribuintes, como se tem verificado e se espera ocorra mais e mais, em todos as esferas (federal, estaduais e municipais). Não obstante, subsiste a ilegitimidade de qualquer forma de coerção para pagamento de tributo e assim se caracteriza a exigência de regularidade fiscal em questão. Subsiste, igualmente, a discrepância (ou aparente antinomia) entre o disposto nos arts. 47 e 57 da LRJF, já reconhecida e solucionada pelo STJ, ainda que as louváveis providências objetivando viabilizar a pretendida regularização fiscal possam minimizar ou mesmo neutralizar, em determinadas situações, suas deletérias consequências. Nada há a alterar, portanto, na consolidada jurisprudência determinando o afastamento dessa exigência, ao menos não em se tratando de casos específicos em que se comprove quer a impossibilidade de seu atendimento, quer que tal inviabilizaria a recuperação pretendida, ou, ainda, aumentaria de forma relevante o risco de não ser ela bem-sucedida. Por fim, em nenhuma hipótese será admissível exigir, como condição para o deferimento do pedido de recuperação judicial, o pagamento, o parcelamento ou mesmo a apresentação de garantia atinentes a créditos tributários objeto de discussão judicial, menos ainda a excussão de garantia antes do trânsito em julgado de decisão final considerando efetivamente devido o respectivo tributo. Igualmente ilegítima e inadmissível a autorização para a Fazenda Nacional requerer a “convolação da recuperação judicial em falência” nos casos de exclusão de parcelamento fiscal.

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  1. Já em sua redação original, determinava o art. 57 da LRJF que, “Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, ao passo que, nos termos do art. 58 da mesma lei, a concessão judicial da recuperação judicial dependia – e continua dependendo – do cumprimento das “exigências desta Lei”. O art. 191-A do Código Tributário Nacional (CTN), introduzido pela Lei Complementar nº 118, é ainda mais categórico ao estabelecer que “A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei” (“todos os tributos”, ou seja, de quaisquer espécie ou natureza, sejam eles federais, estaduais ou municipais).
  2. Corte Especial, REsp nº 1.187.404-MT, Min. Luis Felipe Salomão, v.u., j. em 19/6/2013.
  3. Nas esferas estaduais e municipais, cabe a cada ente regular a matéria, estando aqueles autorizados a fazê-lo nos termos do Convênio ICMS nº 59, de 22/6/2012.
  4. Veja-se, a respeito, dentre outros respeitáveis entendimentos, a doutrina de Coelho (2021, p. 237-240).
  5. 3ª , REsp nº 1.864.625-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. em 23/6/2020.
  6. A esse  respeito,  dentre  outros  precedentes  além  daquele suprarreferido, as  decisões  encampadas  pelo  ministro Moura Ribeiro, aos 24/11/2020, nos autos do AgInt no AREsp nº 593.832-SP.
  7. Conforme redação dada aos arts. 10-A e 10-C da Lei nº 10.522/2002. O art. 10-B, não mencionado em razão de sua especificidade, passou a permitir o parcelamento em até 24 meses de tributos passíveis de retenção na fonte e de IOF retido e não recolhido.
  8. Nos termos do art. 11, inciso I, da Lei nº 13.988/2020, e na ausência de expressa previsão, na nova lei, de aplicação do referido percentual também ao montante principal.
  9. Conforme, respectivamente, novas redações dadas aos arts. 50-A, inciso I; 50-A, inciso II; e 6º-B, caput, todos da LRJF, face às rejeições dos respectivos vetos presidenciais atinentes ao PL nº 4.458/2020 – Lei nº 14.112/2020, ocorridas em 17/3/2021.
  10. Como aquelas atinentes a bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, cuja constrição pode ser suspensa ou substituída por determinação do juízo da recuperação judicial (conforme arts. 7º-A e 7º-B da LRJF, na redação da Lei nº 14.112/2020).
  11. De forma consentânea com os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa (fundamentos da República Federativa do Brasil e da ordem econômica – CF, arts. 1º, inciso IV, e 170, caput), e com a busca do pleno emprego (princípio da atividade econômica – CF, art. 170, inciso VIII).
  12. O que foi fortalecido e facilitado com a nova determinação de apresentação de relatório detalhado do passivo fiscal, conforme art. 51, inciso X, da LRJF, na redação da Lei nº 14.112/2020.
  13. Ou seja, com efetiva possibilidade de vir a ser bem-sucedida.
  14. Lei nº 10.522/2002, art. 10-A, §§ 1º-C, incisos I e II, e 4º-A, inciso IV, na redação da Lei nº 14.112/2020.
  15. Sem previsão de suspensão da execução fiscal nem sequer ressalva expressa de que a expropriação apenas se verifique na hipótese de decisão final transitada em julgado considerando efetivamente devido o tributo, tampouco de novo parcelamento nessa situação, caso o contribuinte então ainda se encontre em recuperação judicial.
  16. De fato, nos termos do art. 187 do CTN, “A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento”. Não se ignora, contudo, que as questões atinentes aos atos constritivos e ao prosseguimento de execução fiscal Repetitivo nº 987, pendente de julgamento no STJ), merecendo nova análise também em razão das alterações decorrentes da Lei nº 14.112/2020.
  17. A discussão administrativa, como se sabe, via de regra, assegura, por si só, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário até sua final definição. Razoável, portanto, que o mesmo se verifique em relação aos pleitos judiciais plausíveis, formulados ao menos pelas pessoas jurídicas em recuperação judicial.
  18. Conforme art. 156, inciso X, do CTN.
  19. Vale dizer, enquanto ausente, ao menos, jurisprudência consolidada do tribunal superior competente para o exame dos temas em debate em cada caso específico.
  20. O que abrange não apenas os parcelamentos, mas também transação e celebração de Negócio Jurídico Processual, conforme art. 4º da referida portaria.
  21. AgReg no RE nº 576.320, Re Min. Gilmar Mendes, j. em 17/12/2013.
  22. ADI nº 173-lDF, Min. Joaquim Barbosa, j. em 25/9/2008.
  23. AgReg no RE nº 556.038 AgR, Min. Gilmar Mendes, j. em 1º/4/2008.
  24. Ou, ao menos, depósito, cujos efeitos para fins de arrecadação são os mesmos, relativamente aos créditos tributários administrados pela Receita Federal do Brasil.
  25. REsp nº 1.187.404-MT, já referido.
  26. Mesmo precedent
  27. REsp nº 864.625-SP, já referido.
  28. Mesmo precedente.

BIBLIOGRAFIA

CAMILO JUNIOR, Ruy Pereira. Empresa em crise e tributação. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; SATIRO, Francisco (coord.). Direito das empresas em crise: problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2012.

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MARTINS, Ives Gandra da Silva; RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Certidões negativas e direitos fundamentais do contribuinte. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Certidões negativas e direitos fundamentais do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007.

SALAMACHA, José Eli. Débitos fiscais e a recuperação judicial de empresas. Revista de Direito Mercantil, São Paulo: Malheiros, n. 140, out./dez. 2005.

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