Veículo: Revista do Advogado
Autor(es): Dr. Mário Costa
Introduzido entre nós pela Lei nº 11.101/2005 (LRJF), o importante procedimento da recuperação judicial teve dentre seus entraves práticos, desde o início, a exigência de comprovação de regularidade fiscal como uma das condições para sua concessão judicial.¹
Como se sabe, a jurisprudência se consolidou no sentido de afastar a exigência de regularidade fiscal enquanto ausente o parcelamento de débitos fiscais de forma mais vantajosa, aos devedores em recuperação judicial (previsto no art. 68 da LRJF).
Assim se verificou, como consignou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o pressuposto de que “O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação”.²
Afinal, como então bem asseverou o ministro Luis Felipe Salomão, “nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objeto de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores”.
A jurisprudência se consolidou no sentido de afastar a exigência de regularidade fiscal.
A controvérsia foi renovada com o advento da Lei nº 13.043/2014, autorizando as empresas em recuperação a parcelarem seus débitos fiscais federais³ em até 84 meses (superior ao parcelamento ordinário, de 60 meses), bem como possibilitando o pagamento de percentuais inferiores ao início (0,666% ao mês no primeiro ano e 1% ao mês no segundo ano) e de 1,333% ao mês a partir do terceiro ano, remanescendo 1,361% para a 84ª e última parcela. Não foi a nova sistemática, porém, suficiente para que os tribunais pátrios passassem a considerar legítima a exigência de comprovação de regularidade fiscal.
Prejudicado o fundamento de inexistência de parcelamento diferenciado às empresas em recuperação judicial (vez que sanada a mora legislativa a tal respeito), parcela respeitável da doutrina e mesmo da jurisprudência entendeu que ficaria legitimada a exigência de regularidade fiscal.⁴ Contudo, como pontua importante decisão da Terceira Turma do STJ, o afastamento da exigência de regularidade fiscal passou a se dar “à luz do postulado da proporcionalidade”, entendendo-se que “os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário) não têm peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira que o acomete”.⁵
Portanto, se é fato que a legislação desde sempre contempla a exigência de comprovação de regularidade fiscal como condição para a concessão judicial da recuperação judicial, não menos verdade é que, com maiores ou menores percalços, não vinha ela subsistindo quando impugnada em juízo.⁶
As novas alterações, agora decorrentes da Lei nº 14.112/2020 (DOU de 24/12/2020), demandam o reexame do tema. A novel sistemática assegura ao empresário ou à sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento da recuperação judicial liquidar seus débitos para com a Fazenda Nacional, à sua opção, conforme as seguintes modalidades, em apertada síntese:⁷ (i) parcelamento em até 120 meses, com percentuais mensais de 0,5% no primeiro ano e 0,6% no segundo ano; (ii) liquidação de até 30% do total tão somente dos débitos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, com prejuízos fiscais (IRPJ) e base negativa (CSLL) ou com outros créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, podendo parcelar o saldo em até 84 meses com os mesmos percentuais da hipótese anterior para os dois primeiros anos; e (iii) transação nos termos da Lei nº 13.988/2020, que, se aceita pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), poderá resultar na redução de até 70% do valor total de multas, juros de mora e encargos legais⁸ e no parcelamento do valor mantido em até 120 meses.
Além das condições para parcelamento e quitação de créditos tributários mais benéficas do que aquelas até então verificadas para os contribuintes em recuperação judicial, outros tratamentos fiscais diferenciados poderão, de fato e a depender das peculiaridades de cada caso, viabilizar, em situações excepcionais, a regularização fiscal sem relevante prejuízo ao procedimento de recuperação, isto é, sem afetar a probabilidade de ser ele bem-sucedido.
Relevantes, nesse sentir, dentre outras benesses legais, os afastamentos (i) do PIS e da Cofins sobre as reduções de dívidas, assim como (ii) da limitação à utilização de resultados negativos, para fins de IRPJ e CSLL, esta excluída não apenas em relação às reduções de dívidas obtidas na recuperação judicial, como também ao lucro decorrente de ganho de capital auferido em alienações judiciais de bens ou direitos pelas pessoas jurídicas em recuperação judicial ou com falência decretada.⁹ Ainda que não digam respeito a créditos tributários anteriores à recuperação judicial, tais medidas desoneram em parte os resultados verificados no decorrer do procedimento e, assim, auxiliam a empresa em recuperação judicial a destinar recursos para a quitação de outras dívidas (fiscais ou não) e/ou honrar o parcelamento que possa ter firmado.
Inegáveis os avanços ocorridos desde o ano de 2005 (mais precisamente com as Leis nº 13.043/2014 e nº 14.112/2020), ainda que tenham se dado com grande lentidão e de forma insuficiente a resolver, cabal e definitivamente, o problema de que ora se cuida. Com efeito, a despeito de tais avanços, continua ilegítima a exigência de regularidade fiscal, em especial nos casos em que se comprove inviabilizar ou dificultar sobremaneira a própria recuperação pretendida.
Andou bem o STJ ao decidir que, mesmo havendo parcelamento com condições mais benéficas às empresas em recuperação judicial, não seria razoável ou proporcional dar tamanha abrangência ao privilégio do crédito tributário a ponto de sobrepor-se à relevância da função social da empresa ou ao princípio que objetiva sua preservação e seu soerguimento. É o que se justifica e se legitima, inclusive, em prol dos interesses públicos, tanto gerais quanto específicos. Afinal, apenas com o soerguimento da empresa será possível manter e gerar renda e empregos, assegurar incremento na arrecadação fiscal presente e futura, assim como viabilizar, no devido tempo, a quitação de débitos fiscais pretéritos que se mostrem efetivamente procedentes.
Não há, neste proceder, descumprimento da preferência dos créditos tributários de que cuida o art. 186 do CTN, mesmo porque continua autorizado aos Fiscos (federal, estaduais e municipais) exigir o que reputem devido, ainda que com algumas limitações¹⁰ igualmente consentâneas, sob a ótica da proporcionalidade, com o fim maior que se almeja e com o interesse final tanto da sociedade civil quanto dos próprios entes públicos envolvidos.
Considerando o quadro normativo vigente, trata-se, em verdade, da melhor solução possível para a discrepância ou aparente antinomia verificada entre o disposto nos arts. 47 (fixando como objetivo da recuperação judicial “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”)¹¹ e 57 (que impede ou, ao menos, dificulta sobremaneira o atingimento daquele objetivo, ao exigir que o devedor comprove regularidade fiscal) da LRJF.
Continua ilegítima a exigência de regularidade fiscal, em especial nos casos em que se comprove inviabilizar a própria recuperação pretendida.
Assim é que novas condições ainda mais benéficas àqueles contribuintes pouco ou em nada alteram a realidade de empresas com dificuldades financeiras tão graves (a ponto de precisarem se valer da recuperação judicial) via de regra possuírem débitos fiscais ou mesmo exigências fiscais sob discussão administrativa ou judicial cujos pagamentos ou apresentação de garantias integrais são simplesmente impossíveis, ao menos enquanto não restabelecida sua saúde financeira, sua solvabilidade.
Nesse sentir, não há dúvida de que o passivo fiscal da empresa em recuperação judicial, no mais das vezes, é relevante e deve ser honrado (sempre, desde que efetivamente procedentes as exigências fiscais envolvidas), mas a condição de, antes da própria tentativa de recuperação, ser “regularizada” sua situação fiscal é absolutamente alheia à realidade dos fatos. Caracteriza condição impossível (não admitida no sistema jurídico pátrio) ou, ao menos, inviabiliza ou dificulta sobremaneira a recuperação pretendida e, por consequência, a própria quitação dos débitos fiscais. A existência de passivo fiscal relevante, somada à total liberdade para os Fiscos manterem sua cobrança inclusive com atos executórios, é o fiel da balança suficiente, de um lado, para os credores e o juízo avaliarem a efetiva probabilidade da recuperação em si¹² e, de outro, para a própria recuperanda a eles indicar o que seria efetivamente necessário parcelar ou garantir.
Isso, contudo, não legitima a exigência de regularidade fiscal ampla e irrestrita, relativamente a todos os créditos tributários que, se exigíveis (ou seja, sem suspensão da exigibilidade), entendam os Fiscos devam ser parcelados ou garantidos.
Continua atual e aplicável a orientação jurisprudencial no sentido de que a opção entre prévia regularidade fiscal e plausível¹³ tentativa de soerguimento da pessoa jurídica deverá sempre recair nesta última.
A exigência de regularidade fiscal, com parcelamento ou mesmo garantia de créditos tributários para fins de deferimento do pedido de recuperação judicial, ao menos quando dela resulte tamanho ônus a ponto de dificultar sobremaneira (quando não inviabilizar) a própria recuperação, é excessiva, irrazoável e desproporcional. Distancia-se do “mínimo aceitável”, não atendendo a critérios de adequação e necessidade, tampouco verificada na extensão e intensidade proporcionais ao que seria cabível para o atendimento do interesse público envolvido. Como ressaltam Ives Gandra Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, “se a recuperação judicial teve por objetivo amparar as empresas em dificuldades, para que continuassem produtivas, assegurando empregos e recolhimento de tributos, tal exigência de certidões negativas é incompatível com a finalidade da norma legal” (MARTINS; RODRIGUES, 2007, p. 431).
Se tanto não bastasse, a Lei nº 14.112/2020 provoca perplexidade ao autorizar (i) exigência de garantias atinentes a créditos tributários objeto de discussão judicial sem suspensão de exigibilidade como condição para não serem parcelados; (ii) “execução regular” das garantias, “inclusive por meio da expropriação”, na ausência de suspensão da exigibilidade dos respectivos créditos tributários; e, (iii) à Fazenda Nacional, requerer a “convolação da recuperação judicial em falência” nos casos de exclusão do parcelamento.¹⁴
Ora, além de subsistirem todos os vícios antes referidos, exigir a apresentação de garantia em relação a créditos tributários não suspensos e admitir sua “execução regular”, inclusive com “expropriação”,¹⁵ justamente por não estarem suspensos é no mínimo contraditório. Trata-se de exigência não razoável ou proporcional, atentatória aos princípios de confiança e boa-fé que devem nortear as relações entre Fisco e contribuintes.
Recuperação judicial é uma tentativa de conciliação da empresa com seus credores privados. O Fisco não participa do acordo, que não lhe diz respeito. Não tem seus créditos a ele subordinados, podendo proceder à sua regular cobrança (SALAMACHA, 2005, p. 123).¹⁶ Afinal, “o passivo fiscal deve ser cobrado e tratado à margem e desvinculadamente do plano de recuperação”; não podendo o parcelamento ser tido como “um ônus ou obrigação a que se condicione o próprio desfecho do processo recuperacional” (CAMILO JUNIOR, 2012, p. 303).
Exigir regularidade fiscal – inclusive com apresentação de novas garantias, cujas dificuldades e custos são muitas vezes insuportáveis – para que possa ser o acordo entre particulares celebrado e homologado em juízo subverte a ordem e não guarda relação de pertinência com o objeto da norma. Cabe aos credores particulares, como já referido, avaliar se o passivo fiscal da empresa que pediu recuperação judicial inviabiliza ou não o acerto proposto em relação às demais dívidas, o que não se confunde com condicionar tal avaliação à prévia regularização daquele passivo.
Permitir que ente estranho ao acordo possa prejudicá-lo também com expropriação ou excussão de garantias antes mesmo de configurada a coisa julgada no sentido da procedência da exigência fiscal, bem como requerendo a falência da empresa em recuperação, é ainda mais desarrazoado.
Não é demais lembrar que nem todos os créditos tributários não pagos, não suspensos e não garantidos são necessariamente devidos, em especial quando objeto de discussão judicial¹⁷ cujo julgamento final poderá extingui-los.¹⁸ Inaceitável e excessiva, portanto, ao menos a exigência de parcelamento de créditos tributários na referida situação, ou seja, que estejam sub judice, ainda que não suspensos nem garantidos, com efetiva possibilidade de virem a ser afastados, ao final, pelo Poder Judiciário.¹⁹ A exigência de pagamento ou mesmo garantia, nessa situação, contraria ainda mais os objetivos de preservação e fortalecimento da empresa, impondo-lhe gasto que então ainda não se pode considerar definitivamente devido ou necessário, além de restringir o próprio acesso ao Judiciário.
Nem se diga que a ausência de garantia em relação a créditos tributários sub judice, sem suspensão da exigibilidade, poderia incentivar a litigiosidade fiscal. Bem se sabe que a litigiosidade fiscal no Brasil não precisa de incentivo (muito ao contrário), sendo inequívoco que, de qualquer modo, eventuais pleitos abusivos ou contrários à jurisprudência consolidada hão de receber o devido tratamento, sujeitando o demandante às necessárias consequências. O que não se pode é ter a exceção como regra.
Ademais, ressalvando não ser a falência objeto de exame nessa oportunidade, a tão só possibilidade de ser ela requerida pelo simples inadimplemento do parcelamento inviabiliza a própria regularização fiscal sob tal forma, por torna-la por demais arriscada. Caracteriza, a rigor, nova antinomia na lei, ao exigir que a empresa em recuperação judicial adote procedimento que implica novo e ainda mais grave risco ao seu soerguimento, além de não ser sequer razoável admitir tamanho poder a quem nem sequer participou do plano de recuperação judicial.
Registre-se serem muito bem-vindas as disposições constantes da Portaria PGFN/ME nº 2.382/2021 (DO 1º/3/2021), possibilitando que, no âmbito das negociações entre o contribuinte em recuperação judicial e a PGFN,²⁰ sejam acordadas ou flexibilizadas a substituição, liberação ou manutenção de garantias (arts. 4º, inciso IV; 7º, inciso II; 8º, incisos IV e V; e 24, inciso II).
Ocorre que, em especial em um país continental como o nosso, não pode o contribuinte depender do subjetivismo (ou mesmo da boa vontade) do procurador da Fazenda Nacional (quando não das fazendas estaduais e/ou municipais) com quem vier a tratar, em cada caso específico, dos interesses claramente conflitantes. Não há segurança jurídica na autorização, e ainda por mera portaria regulamentar, ao agente público para flexibilizar, a seu talante, parte das rigorosas exigências fixadas em lei.
A exigência de regularidade fiscal como condição para o deferimento da recuperação judicial caracteriza coerção para agamento de tributo
A par do quanto exposto, o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou a inconstitucionalidade da exigência de certidões negativas como condição para a prática de vários atos empresariais e da vida civil, considerando-a ilegítima e contrária à Constituição Federal (CF) quando posta como condição, por exemplo, para fins de inscrição no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ),²¹ registro de contrato social ou contratação de empréstimos junto a instituições financeiras²² e impressão de notas fiscais.²³
É exatamente do que se cuida na situação presente. A exigência de regularidade fiscal como condição para o deferimento da recuperação judicial – que, repita-se, não abrange créditos tributários – caracteriza coerção para pagamento²⁴ dos tributos que não se encontrem garantidos ou com exigibilidade suspensa, para que o contribuinte possa manter o exercício de sua atividade econômica. Contraria o princípio da livre-iniciativa (CF, art. 170, parágrafo único) e restringe o direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (CF, art. 5º, inciso XXXV), mais especificamente o direito do contribuinte de obter a competente prestação jurisdicional acerca da validade de determinada exigência fiscal que repute ilegítima.
Sendo a recuperação judicial necessária para a empresa manter suas atividades (derradeira tentativa de evitar a quebra), a referida exigência implica claro óbice a tanto, como se vê, muito mais grave e intransponível do que o verificado em algumas das hipóteses em que o STF concluiu haver inconstitucionalidade.
Conclusão
Continuam atuais e relevantes, inexistindo razão para não serem observadas, as premissas fixadas pelo STJ de (i) ser o parcelamento tributário “direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal”;²⁵ (ii) que “nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que – além de não fomentar – inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objeto de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho”;²⁶ (iii) dever ser o tema examinado “à luz do postulado da proporcionalidade”;²⁷ e (iv) não terem, “os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário)”, “peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva suapreservação – para preponderar sobre o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira que o acomete”.²⁸ São inegáveis e sempre desejáveis os avanços no sentido de facilitar a quitação de débitos fiscais pelas empresas em geral, em especial por aquelas que se encontrem em recuperação judicial e, inclusive, aprimorando mecanismos de negociação entre Fiscos e contribuintes, como se tem verificado e se espera ocorra mais e mais, em todos as esferas (federal, estaduais e municipais). Não obstante, subsiste a ilegitimidade de qualquer forma de coerção para pagamento de tributo e assim se caracteriza a exigência de regularidade fiscal em questão. Subsiste, igualmente, a discrepância (ou aparente antinomia) entre o disposto nos arts. 47 e 57 da LRJF, já reconhecida e solucionada pelo STJ, ainda que as louváveis providências objetivando viabilizar a pretendida regularização fiscal possam minimizar ou mesmo neutralizar, em determinadas situações, suas deletérias consequências. Nada há a alterar, portanto, na consolidada jurisprudência determinando o afastamento dessa exigência, ao menos não em se tratando de casos específicos em que se comprove quer a impossibilidade de seu atendimento, quer que tal inviabilizaria a recuperação pretendida, ou, ainda, aumentaria de forma relevante o risco de não ser ela bem-sucedida. Por fim, em nenhuma hipótese será admissível exigir, como condição para o deferimento do pedido de recuperação judicial, o pagamento, o parcelamento ou mesmo a apresentação de garantia atinentes a créditos tributários objeto de discussão judicial, menos ainda a excussão de garantia antes do trânsito em julgado de decisão final considerando efetivamente devido o respectivo tributo. Igualmente ilegítima e inadmissível a autorização para a Fazenda Nacional requerer a “convolação da recuperação judicial em falência” nos casos de exclusão de parcelamento fiscal.
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BIBLIOGRAFIA
CAMILO JUNIOR, Ruy Pereira. Empresa em crise e tributação. In: TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; SATIRO, Francisco (coord.). Direito das empresas em crise: problemas e soluções. São Paulo: Quartier Latin, 2012.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14. ed. São Paulo: Thompson Reuters, 2021.
MARTINS, Ives Gandra da Silva; RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Certidões negativas e direitos fundamentais do contribuinte. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Certidões negativas e direitos fundamentais do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007.
SALAMACHA, José Eli. Débitos fiscais e a recuperação judicial de empresas. Revista de Direito Mercantil, São Paulo: Malheiros, n. 140, out./dez. 2005.