Veículo: FISCOsoft online, 29.jul.2005
Autor(es): Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino
Em sessão realizada em 24 de maio p.p., a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu acatar recurso especial da Fazenda Nacional, referente à cobrança do imposto de renda retido na fonte em uma operação de swap realizada com finalidade de cobertura (hedge). Segundo os ministros da Turma, incide o imposto de renda na fonte sobre os ganhos financeiros resultantes dessas operações[1](Resp n° 591.357).
É a primeira decisão desfavorável para os contribuintes proferida pelo STJ e que, até então, vinham obtendo decisões favoráveis em julgamentos de primeira e segunda instâncias. A discussão, porém, está apenas no início, face a existência de outros processos sobre o tema sendo analisados no próprio STJ, devendo o contribuinte ficar atento para as decisões judiciais que serão proferidas no futuro.
A questão cinge-se, portanto, em verificar a real natureza das operações com finalidade de hedge e que, segundo pensamos, não deveriam ser objeto de tributação pelo imposto de renda na modalidade fonte, uma vez que, por sua essência, não geram qualquer tipo de acréscimo patrimonial.
A Lei nº 8.981/95, em seu artigo 77, inciso V, excluía, acertadamente, do regime de tributação pelo imposto sobre a renda na fonte – IRRF as operações de cobertura[2] (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros ou no mercado de balcão. Os rendimentos e ganhos líquidos dessas operações deveriam compor a base de cálculo do imposto sobre a renda normal (com o que os supostos “ganhos” eram contrapostos às “perdas” sofridas na mesma extensão e em relação à mesma dívida, neutralizando-se), sem a retenção na fonte.
Em 19.01.1999, contudo, foi promulgada a Lei nº 9.779 (conversão da Medida Provisória nº 1.788, de 29.12.1998), que, em seu artigo 5º, determinou a submissão dos “rendimentos” auferidos em operações de cobertura (hedge) à incidência do imposto sobre a renda na fonte. De fato, essa a redação do artigo 5º da Lei nº 9.779/99:
“Art. 5º. Os rendimentos auferidos em qualquer aplicação ou operação financeira de renda fixa ou de renda variável sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte, mesmo no caso das operações de cobertura (hedge), realizadas por meio de operações de swap e outras, nos mercados de derivativos” (grifamos).
A pergunta que se coloca, pois, é: poderia o legislador ordinário ter instituído o regime de tributação na fonte às operações de cobertura (hedge)?
Conforme disposição dos artigos 153, III da CF/88 e 43 do CTN, o fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho, ou de ambos; e os proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.
Conforme já comentado, no plano das operações financeiras efetuadas por pessoas jurídicas, a legislação determinava que as “operações de cobertura” (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros ou no mercado de balcão não deveriam sofrer a incidência do imposto de renda na fonte (IRRF) quando apresentassem resultados positivos em sua liquidação, ex vi do disposto pela Lei nº 8.981/95, art. 77, V.
De fato, entendia-se ser essa uma situação especial onde a “operação de cobertura” realizada pela pessoa jurídica destinava-se, exclusivamente, à proteção de seu patrimônio contra riscos inerentes a oscilações de preços ou de taxas, quando o objetivo do contrato negociado relacionava-se com as suas atividades operacionais ou destinava-se à proteção de direitos ou obrigações.
Dessa forma, em se tratando de operações realizadas no mercado financeiro de capitais, o estudo da regra-matriz de incidência tributária do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza adquire singular importância.
Assim, uma vez que o CTN adotou a idéia de acréscimo patrimonial como fato gerador do imposto de renda, apenas quando realmente configurado esse incremento no valor líquido do patrimônio é que o pagamento do imposto é devido.
Como o hedge é uma operação de cobertura cujo único objetivo é a proteção do ativo e passivo que compõem o objeto social das empresas, não se pode falar em acréscimo patrimonial. De fato, as “operações de cobertura” (hedge), por suas particularidades, são consideradas verdadeiros contratos securitários, firmados com o intuito de extirpar a volatilidade da variação cambial. Assim, semelhantemente à contratação de um seguro convencional, o hedge comporta, não por acaso, o pagamento de um prêmio pelo hedger quando ocorre oscilação de preços no âmbito de suas atividades.
A título ilustrativo, se determinada pessoa jurídica tem passivos em dólares norte-americanos e, observando a movimentação do mercado financeiro, visa proteger-se de eventual alta na cotação daquela moeda, deve ela efetuar um seguro (hedge) para obter um crédito extra caso a valorização realmente ocorra e, assim, poder saldar sua dívida. O crédito concedido não representa acréscimo patrimonial, mas tão somente compensação pela diferença paga “a mais” em razão da variação cambial.
No exemplo acima, como a valorização da moeda estrangeira importou a majoração do valor final da dívida, o montante pago além – pela majoração da moeda – será ressarcido pelo contrato de hedgefirmado. Feita a compensação, nota-se que o “prêmio” recebido não implicou aumento do patrimônio da empresa, mas apenas restituiu o que por ela fora desembolsado a mais.
De fato, as operações de hedge realizadas pelas pessoas jurídicas não proporcionam nenhum acréscimo de patrimônio ou rendimento extra. Elas apenas constituem recomposição patrimonial dos prejuízos suportados pelas empresas quando o negócio contratado versar sobre suas atividades operacionais ou for relativo à proteção de seus direitos ou obrigações.
Pronunciando-se sobre o assunto, Waldírio Bulgarelli aduz que “o hedge representa uma operação de cobertura contra riscos das variações e oscilações dos preços ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica, ou ainda, quando se destinar à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica” (in Contratos Mercantis, Ed. Atlas, 1997, p. 269).
Segundo Roque Carraza, “o hedge (que, em inglês, literalmente significa ‘cerca, muro, barreira, limite’) é, em resumo, uma proteção ou cobertura de risco. Isto explica porque é denominado, em vernáculo, contrato de cobertura. E, realmente, o hedge é, em última análise, um contrato de cobertura contra riscos decorrentes da normal variação de preços. Em termos mais técnicos, tem por finalidade ilidir riscos inerentes às operações de venda e compra, com execução diferida” (in Imposto de Renda – Operações de Hedge Internacional, RDDT n° 27, pág. 153).
O Fisco, por seu turno, contesta os argumentos apresentados pelos contribuintes, alegando, dentre outras coisas, que: (i) essa cobrança é mera antecipação do imposto de renda devido, sendo compensável com o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica a ser recolhido pela empresa por ocasião do encerramento do período-base, pelo qual tenha optado tributar seu lucro; e (ii) como os prejuízos eventualmente apurados nessas operações são dedutíveis para fins de apuração do lucro real até o limite de ganhos auferidos nessas mesmas operações, nada mais justo que haver a tributação na fonte.
Com relação ao argumento de que se trata de mera antecipação do imposto devido, não ocorrendo, portanto, qualquer prejuízo para os contribuintes, nada mais incorreto. De fato, para as pessoas jurídicas que apuram prejuízo fiscal – portanto, não têm como efetuar a referida compensação dentro do próprio ano de recolhimento – o imposto só é passível de compensação a partir de janeiro do ano seguinte ao da retenção[3], o que causa, quando menos, um problema de fluxo de caixa para a pessoa jurídica.
Ademais, da mesma forma que os prejuízos incorridos nessas operações são dedutíveis na apuração do lucro real, os rendimentos devem ser tributados também na apuração do lucro real, sem haver a retenção na fonte, procedendo-se tal como se verificava anteriormente, nos termos do artigo 77, V, da Lei nº 8.981/95, homenageando-se, assim, a real natureza da operação com finalidade de hedge.
Assim, somos de opinião que o ganho auferido nas operações de cobertura ou hedge não constitui espécie de fato gerador da obrigação de pagar imposto de renda retido na fonte, vez que o suposto “rendimento”, assim pactuado, não tem a natureza de acréscimo patrimonial, mas sim de mera recomposição patrimonial. De fato, a exigência em causa viola frontalmente o disposto nos artigos 43 do CTN e 153, III da Constituição Federal, ao pretender tributar, como se se tratasse de renda ou acréscimo patrimonial, realidade econômica que não se caracteriza como tal.
Assim, expostas essas breves noções do hedge, com as quais não pretendemos esgotar o debate, descartadas as operações que possam revelar mera especulação, chega-se à conclusão de que esse tipo de negócio não deve ser definido, face às empresas comerciais e/ou industriais que o praticam, como simples operação eventual ou aplicação financeira.
Em essência essa operação é medida de cautela que se destina a eliminar ou diminuir os riscos inerentes às oscilações de preço, sendo por isso mesmo providência que deve ser arrolada entre aquelas que necessariamente precisam ser adotadas pelas administrações conscientes, no desempenho das atividades que a empresa se propôs a exercitar.
Os resultados positivos alcançados devem ser classificados como receitas operacionais para a apuração do lucro sujeito ao imposto de renda devido pela pessoa jurídica. Da mesma forma os eventuais resultados negativos, os prejuízos, devem ser levados em conta na apuração do mesmo lucro, observadas as disposições legais pertinentes.
In: www.fiscosoft.com.br(29/07/2005)
[1] Consta da ementa do acórdão que “a operação de swap constitui típica operação ensejadora do fato gerador simples do imposto sobre a renda, posto que representa acréscimo patrimonial, obtido na troca de financiamentos em taxas diversas, sobre um montante principal, daí por que ser tributado na fonte”.
[2] Segundo o § 1º do artigo 77 da Lei 8.981/95, “… consideram-se de cobertura (hedge) as operações destinadas, exclusivamente, à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas, quando o objeto do contrato negociado: a) estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica”.
[3] Tais valores são passíveis de atualização pela Taxa Selic a partir de janeiro do ano seguinte ao da retenção.