Veículo: Conjur de 03/07/2019
Autor(es): Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino
O art. 47 da Lei nº 4.506, de 1964 (matriz legal do art. 311 do RIR/2018) condiciona a dedução de despesa na formação do resultado tributável à demonstração de que seja necessária e usual (ou normal), nos seguintes termos:
“Art. 47 – São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e a manutenção da respectiva fonte produtora.
O conceito de necessidade diz respeito à relação dos gastos com a manutenção da pessoa jurídica e os seus fins econômicos. A usualidade refere-se ao fato de ser comum à fonte produtora de receitas e para a realização das “transações ou operações exigidas pela sua atividade”.
De fato, despesa “necessária” é aquela que se apresenta como intimamente vinculada às operações realizadas pelo contribuinte. Ou seja, aquela que precisa ser realizada ou seja útil no contexto do desenvolvimento da atividade empresarial (manutenção da fonte produtora) e nesta encontre sua razão de ser.
É o que ensina Bulhões Pedreira:
“A necessidade não é referida ao tipo de atividade da empresa, mas a cada um dos seus negócios ou operações.
A despesa é necessária desde que paga ou incorrida para realizar qualquer negócio exigido pela atividade do contribuinte”(Imposto sobre a renda – Pessoas Jurídicas, tomo I, pág. 372, 1979).
Nesse mesmo sentido, é o PN CST nº 32/81:
“(…) o gasto é necessário quando essencial a qualquer transação ou operação exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que sejam vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos”.
De outra parte, a despesa normal é aquela que se verifica comumente no tipo de operação ou transação efetuada e que, na realização do negócio, se apresenta de forma usual, costumeira ou ordinária. Nas palavras de Bulhões Pedreira a “despesa normal é a usual, costumeira ou ordinária no tipo de negócios do contribuinte. O requisito legal não é que seja usualmente paga pelo contribuinte: pode ser excepcional ou esporádica na experiência do contribuinte, desde que possa ser considerada como usual ou normal do tipo de seus negócios, operações ou atividades” (op. cit. pág. 372).
A despesa operacional (necessária e usual) contrapõe-se à liberalidade, gasto indedutível na apuração do resultado tributável. A liberalidade é o gasto dissociado dos objetivos sociais, “porquanto não representam atividade essencial da empresa” (STJ – REsp 1.536.854/PR, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJ: 17/11/2015), não sendo possível demonstrar a existência de obrigação de realizá-lo ou a relação entre ele e a manutenção da fonte de produção de receitas.
Verifica-se que são dedutíveis as despesas que atuam no sentido de viabilizar a realização da atividade-fim da pessoa jurídica ou torná-la mais célere e eficiente. A necessidade, como referido, há, pois, de ser entendida no sentido de utilidade relacionada a um fim determinado, de modo que será necessária a despesa sem a qual os objetivos sociais não seriam adequadamente atingidos, no tempo e na qualidade do resultado econômico perseguido pela empresa.
Com base nesse cenário normativo, em junho de 2019, a Receita Federal do Brasil (RFB) confirmou seu entendimento sobre dedutibilidade para fins de IRPJ e de CSLL das despesas com bonificações comerciais concedidas a clientes, por intermédio da Solução de Consulta nº 205/2019 da COSIT.
Contribuinte dedicado ao comércio por atacado de peças e acessórios novos para veículos automotores informa que, visando maior competitividade no mercado, realiza companhas diárias com promoções vinculadas à determinada linha/marca de mercadorias, mediante a concessão aos seus clientes de um crédito expresso em valores monetários, que fica à disposição do mesmo em um cartão de crédito pré-pago, enviado pelo próprio contribuinte ao cliente exclusivamente para este fim (cartão esse que é gerido por terceiros). Pondera que todas as operações de concessão de créditos monetários são identificadas em notas fiscais de vendas das mercadorias abarcadas pela campanha.
Nesse contexto e considerando ser optante pelo regime de apuração do lucro real, questiona a Receita Federal do Brasil a respeito da possibilidade de dedução, da base de cálculo do IRPJ e da CSL, dos valores transferidos aos cartões pré-pagos dos clientes, sustentando que tais bonificações se equiparam a descontos incondicionais que não compõem a sua receita bruta.
Ao analisar a questão, a COSIT inicialmente se manifesta no sentido de que a operação praticada pelo contribuinte não se encontra no conceito de desconto incondicional, na medida em que (1) a nota fiscal é emitida pelo contribuinte pelo valor total das mercadorias, sem menção de valor a título de desconto; (2) o cliente paga o valor total das mercadorias descritas nas notas fiscais; e (3) a bonificação é ato posterior à emissão da nota fiscal, concedida mediante concessão de um crédito no cartão pré-pago.
De igual modo, conclui a COSIT que essa operação não se caracteriza como desconto condicional (descontos financeiros), uma vez que tal procedimento não dependente de evento posterior à emissão da nota fiscal por parte do comprador, como no caso de um pagamento adiantado.
Destaca, ainda, que o crédito concedido pelo contribuinte aos seus clientes, no caso concreto, não se enquadra na definição de brindes, uma vez que não são fornecidos de forma gratuita e deliberada. Isso porque, para que se tenha direito ao valor monetário divulgado nas campanhas, o comprador deve adquirir determinado valor em produtos da empresa (ou seja, a operação está amparada em operações comerciais efetivamente realizadas que podem ser comprovadas por meio de documentos idôneos, uma vez que há a identificação da operação na nota fiscal).
Os valores monetários concedidos pelo contribuinte enquadram-se como bonificações comerciais, vez que para que se tenha direito ao valor monetário divulgado nas campanhas, o comprador deveria adquirir determinado valor em produtos da empresa.
A Solução de Consulta nº 205/2019 restou expressamente vinculada à Solução de Consulta COSIT nº 212, de 05 de agosto de 2015, a qual já havia externado posição semelhante e havia traçado interessantes considerações sobre o assunto:
“4. A presente consulta trata da análise acerca da dedutibilidade dos valores empregados pela Consulente a título de bonificações comerciais concedidas aos clientes, com objetivo de incrementar suas vendas, para fins da apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
(…)
(…)
Foi ratificado, assim, o entendimento da Administração Tributária no sentido de que:
O posicionamento da Receita Federal do Brasil é positivo, visto que as soluções de consulta proferidas pela COSIT têm efeito vinculante no âmbito da RFB (art. 9º da IN RFB nº 1.396, de 2013), o que confere maior segurança jurídica aos contribuintes na consecução dos seus objetivos sociais, em especial em períodos de recessão econômica, como aquele que estamos vivendo, nos quais são contínuos os esforços para incrementar as vendas dos mais variados setores.
Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino é advogado tributarista do Dias de Souza Advogados Associados, mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e bacharel em Direito pela USP.
https://www.conjur.com.br/2019-jul-03/opiniao-receita-confirma-dedutibilidade-despesas-bonificacoes