Veículo: Fiscosoft
Autor(es): Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino
Em sessão realizada em 19 de fevereiro p.p., a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento a Recurso Especial de um contribuinte, determinando que a compensação por ele pleiteada se procedesse na forma do art. 74 da Lei nº 9.430/96, com a redação dada pelas leis posteriores (REsp n° 987.943, Relatora Ministra Eliana Calmon).
Além da aplicabilidade das disposições da Lei nº 9.430/96, o acórdão em referência trouxe à baila a questão da forma de imputação dos pagamentos nos montantes da dívida para com a União Federal. Esse precedente, na parte em que interessa ao presente estudo, restou assim ementado:
“4. O art. 170 do CTN dispõe que somente a lei pode autorizar a compensação de créditos tributários, nas condições e sob as garantias que estipular.
5. Acompensação tributária depende de regras próprias e específicas, não sendo possível aplicar subsidiariamente as regras gerais do Código Civil.
6. Se as normas que regulam a compensação tributária não prevêem a forma de imputação de pagamento, não se pode aplicar por analogia o art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916) e não se pode concluir que houve lacuna legislativa, mas silêncio eloqüente do legislador que não quis aplicar à compensação de tributos indevidamente pagos as regras do Direito Privado. E a prova da assertiva é que o art. 374 do CC/2002, que determinava que a compensação das dívidas fiscais e parafiscais seria regida pelo disposto no Capítulo VII daquele diploma legal foi revogado pela Lei 10.677/2003, logo após a entrada em vigor do CC/2002.
7. Admitir que, na compensação mês a mês, se amortize primeiro os juros e a correção monetária para, somente após, deduzir-se o principal, importa tornar mais rentável o crédito do contribuinte e eternizar a dívida do Fisco, em evidente afronta às normas que regem a espécie”[1].
A questão que se coloca, portanto, cinge-se em verificar o acerto da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, pois, segundo penso, a forma de compensação defendida no Recurso Especial interposto está em desacordo com o regramento legal da matéria.
Pleiteia-se o direito de imputar créditos, em procedimento de compensação, com débitos próprios atinentes a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, abatendo-se, em primeiro lugar, os juros e, após, o capital, tendo por base o método dos artigos 354 e 379 do Código Civil de 2002 (NCC), combinados com a Lei n° 4.414/64[2], até o esgotamento total dos créditos.
Em outras palavras, alega-se inexistir previsão específica na legislação tributária acerca da imputação do pagamento/compensação ora em análise, motivo pelo qual aplicar-se-iam as disposições do NCC, que em seu artigo 354, equivalente ao artigo 993 da legislação anterior, dispõe que a imputação deve ser efetuada primeiramente sobre os juros vencidos e depois sobre o capital.
Esta forma de imputação determina que o montante do pagamento seja primeiramente utilizado para abatimento dos juros e, somente depois de esgotados esses, seja amortizado o valor do principal. Aplicando essa forma de imputação restará um valor maior de principal, sobre o qual continuarão a incidir os respectivos acréscimos legais[3].
Antes de adentrar na questão específica objeto da minha análise, é necessário lembrar, ainda que em apertada síntese, que a compensação em matéria de Direito Privado apresenta profundas diferenças em relação à compensação no âmbito do Direito Público.
Também os créditos decorrentes desses institutos têm inúmeras diferenças. Os créditos civis inserem-se em uma relação jurídica de Direito Privado, ao passo que os créditos tributários se inserem em uma relação jurídica de Direito Público (Direito Tributário) que se estabelece entre o Poder Público e os particulares.
Em conseqüência, há também diferenças nas regras que valem para a compensação no âmbito privado e no âmbito do Direito Tributário. No âmbito do Direito Civil, as obrigações que se compensam são sempre vencidas, ao passo que no Direito Tributário pode ocorrer a compensação entre obrigações vencidas e vincendas, nos termos do art. 170 do Código Tributário Nacional, vazado nos seguintes termos:
“Art. 170.Alei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública” (destaquei).
A compensação no Direito Civil normalmente é ex contracto[4], ao passo que no Direito Tributário ela é ex lege, ou seja, decorre do comando da lei. É o que se depreende do art. 170 do Código Tributário Nacional e do próprio princípio da estrita legalidade em matéria tributária.
Essas são apenas algumas das diferenças existentes no regramento desses dois institutos, motivo pelo qual entendo pela impossibilidade de se utilizar das disposições da legislação civil na compensação dos créditos tributários, com a seguir será melhor detalhado.
1. Impossibilidade da utilização das disposições da legislação civil na compensação de débitos atinentes a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal
Os citados artigos do NCC, que, segundo a tese defendida no Recurso Especial interposto, seriam aplicáveis na compensação de débitos fiscais, são os seguintes:
CAPÍTULO IV
Da Imputação do Pagamento
(…)
Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo disposição em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta de capital (destaquei).
CAPÍTULO VII
(…)
Da Compensação
Art. 379. Sendo a mesma pessoa obrigada por várias dívidas compensáveis, serão observadas, no compensá-las, as regras estabelecidas quanto à imputação do pagamento.
Cumpre ressaltar que o art. 374 (não citado acima), localizado no CAPÍTULO VII do NCC (Da Compensação – mesmo capítulo do art. 379)[5], que dispunha que “a matéria da compensação, no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais, é regida pelo disposto neste capítulo”, foi expressamente revogado pelo art. 1° da Lei n° 10.677/03, fruto de conversão da MP n° 104/2003[6].
Ou seja, o próprio legislador ordinário excluiu a possibilidade da aplicação de normas do Código Civil à matéria de compensação fiscal, determinando a aplicação da legislação específica.
Trechos da Exposição de Motivos da MP n° 104/03, ao justificar a revogação do art. 374 do NCC, confirmam essa conclusão: “2. Anorma em causa é inconstitucional, porquanto inserta em âmbito temático constitucionalmente reservado à lei complementar, a teor do art. 146, III, “b”, da Constituição de 1988 [ “Art. 146. Cabe à lei complementar: III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;]. 3. Ademais, a norma é contrária ao interesse público, porquanto revoga a atual legislação sobre compensação de créditos e débitos tributários, legislação essa que é atenta às especificidades da matéria tributária. Compromete, ainda, a estabilidade fiscal. 4. Assim, a presente proposta consiste na revogação do art. 374 da Lei n° 10.406, de 2002, de forma a manter subordinada à legislação tributária as hipóteses de compensação de tributos e contribuições, tendo em vista – insista-se – que a referida norma, introduzida pelo novo Código Civil, terá sérios obstáculos para a sua consecução no âmbito fiscal, podendo promover, com isso, graves prejuízos ao Erário. 5. Portanto, é de induvidosa relevância a problemática posta, devendo ser urgentemente revogado o art. 374 em enfoque, antes que ganhe vigência, vigência essa que é iminente”.
Assim, a integração da norma tributária pela aplicação da legislação civil não subsiste, seja pela aplicação da interpretação sistemática, seja pela aplicação da interpretação autêntica àqueles dispositivos.
Deve-se observar, ainda, que o art. 354 do NCC ressalva os casos de disposição em contrário, certamente em razão do princípio da autonomia da vontade vigente no direito privado[7]. Assim, no que se refere ao campo de atuação do direito tributário, no qual vigora o princípio do interesse público, mostra-se evidente a impossibilidade de se acolher uma tese que aborda uma sistemática de compensação que contraria os interesses do Erário Público e, em última análise, da própria coletividade.
Ademais, pode-se entender também que as tais “disposições em contrário” trazidas pelo art. 354 do NCC representam exatamente a regulamentação da matéria pela legislação específica (legislação tributária).
2. Da legislação tributária que regulamenta a matéria de compensação
Conforme já comentado, a possibilidade de compensação de débitos tributários do contribuinte com seus créditos contra a Fazenda Pública está prevista no “caput” do artigo 170 do Código Tributário Nacional.
A compensação, portanto, não é um direito que deriva da própria Constituição, ao contrário, ela está prevista no CTN, mas como uma mera possibilidade concedida ao legislador ordinário.
Neste sentido, adveio o art. 74 da Lei 9.430/96 que confere ao sujeito passivo a possibilidade de compensar créditos que porventura apurar com débitos próprios atinentes a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal[8]. Além disso, o mesmo dispositivo legal delega à Secretaria da Receita Federal a regulamentação sobre o assunto (§ 14)[9]:
“§ 14.ASecretaria da Receita Federal – SRF disciplinará o disposto neste artigo, inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos de restituição, de ressarcimento e de compensação”.
Da leitura desse inciso conclui-se pela existência de previsão de regulamentação pela autoridade administrativa, no que se refere ao tema de compensação na esfera tributária. Não há motivo, portanto, para a invocação da legislação civil para a normatização da matéria.
Ou seja, a própria lei tributária atribuiu à autoridade administrativa a competência para regulamentar as hipóteses de compensação legalmente previstas. Como a legislação ordinária nada dispunha sobre a imputação no encontro de contas (isso desde a Lei n° 8.383/91), a Autoridade Fiscal, ao decidir por determinada metodologia de cálculo, agiu dentro da sua esfera de competência.
Portanto, inexistindo lacuna na legislação tributária, torna-se insubsistente a idéia de utilização das disposições da legislação civil. De fato, o art. 108 do CTN permite a integração da legislação tributária apenas na “ausência de disposição expressa”[10].
Desde 1997 a Secretaria da Receita Federal, por intermédio da edição de Instruções Normativas, vem regulamentando o assunto. Atualmente, vigora a IN SRF nº 600/05 que, por intermédio dos artigos 28 e 52, determina:
“Art. 28.Na compensação efetuada pelo sujeito passivo, os créditos serão valorados na forma prevista nos arts. 52 e 53 e os débitos sofrerão a incidência de acréscimos legais, na forma da legislação de regência, até a data da entrega da Declaração de Compensação.
§ 1º A compensação total ou parcial de tributo ou contribuição administrados pela SRF será acompanhada da compensação, na mesma proporção, dos correspondentes acréscimos legais. (…)” (destaquei).
“Art. 52. O crédito relativo a tributo ou contribuição administrados pela SRF, passível de restituição, será restituído ou compensado com o acréscimo de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) para títulos federais, acumulados mensalmente, e de juros de 1% (um por cento) no mês em que: I – a quantia for disponibilizada ao sujeito passivo; II – houver a entrega da Declaração de Compensação; (…)”(destaquei).
Desta maneira, resta claro que a atual disciplina da Secretaria da Receita Federal sobre o tema – que determina uma compensação proporcional – não comporta o pleito de compensação ora em análise (primeiro os juros e depois o principal). A IN SRF nº 460/04, em seus artigos 28 e 51, tinha redação semelhante.
As Instruções Normativas anteriores (IN SRF nº 210/02 e IN SRF n° 21/97) eram silentes em relação ao método de compensação proporcional.
Demonstra-se, dessa forma, que, quando menos, desde a IN SRF n° 460/04, há determinação expressa da Secretaria da Receita Federal no sentido de haver uma compensação proporcional entre principal e juros, o que impede, também por esse prisma, a aplicação da legislação civil sobre o tema.
3. O art. 39 da Lei n° 9.250/95 (restituição x compensação)
O § 4° do art. 39 da Lei n° 9.250/95 determina que: “A partir de 1º de janeiro de 1996, acompensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada” (destaquei).
Ou seja, nos termos do dispositivo legal citado, tanto o valor a ser restituído quanto aquele a ser amortizado pela compensação devem ser equivalentes.
Em se adotando a tese ora examinada (primeiro a compensação dos juros e depois do principal), haveria uma distorção entre o valor a ser repetido e o valor a ser compensado (esse seria maior que aquele).
A compensação visa agilizar o recebimento do crédito pelo sujeito passivo, sem a necessidade de submissão à ordem de pagamentos dos precatórios judiciais ou mesmo à restituição administrativa (sempre demorada). Consiste, portanto, em um benefício concedido pelo Poder Público, a quem cabe a sua regulamentação, observando-se os ditames legais.
O que não se pode admitir, entretanto, é que a compensação gere um direito de crédito maior do que aquele que seria recebido pela restituição (administrativa ou judicial). A compensação deve ser tida apenas como uma forma mais célere do sujeito passivo receber o seu crédito e não uma forma mais vantajosa.
Assim, a forma de imputação ora em análise, caso fosse considerada legítima, resultaria em um benefício maior do que aquele atingido pela restituição, o que desvirtua a isonomia que deve haver entre ambos os institutos (os contribuintes iriam sempre optar pela compensação, pois, além de mais célere que a restituição, resultaria em um crédito de maior valor)[11].
4. Jurisprudência
Além do precedente já citado do Superior Tribunal de Justiça, no âmbito dos Conselhos de Contribuintes já há algumas decisões que enfrentaram a tese da proporcionalidade entre principal e juros em procedimento de compensação tributária, corroborando o posicionamento aqui defendido:
“COMPENSAÇÃO. IMPUTAÇÃO PROPORCIONAL. A compensação do débito do sujeito passivo será efetuada obedecendo-se à proporcionalidade entre o principal e respectivos acréscimos e encargos legais.
DIREITO À COMPENSAÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO – O simples direito à compensação não serve de argumento defesa para infirmar auto de infração lavrado pela falta de recolhimento de tributo.
JUROS DE MORA. O § 1º, do art. 161, do CTN dispõe que serão calculados à taxa de 1% ao mês somente quando a lei não dispuser de modo diverso.
SELIC – A taxa SELIC tem previsão legal para ser utilizada no cálculo dos juros de mora devidos sobre os créditos tributários não recolhido no seu vencimento. Recurso negado” (Acórdão nº 203-10.753, sessão de 26.01.2006).
“COMPENSAÇÃO. IMPUTAÇÃO PROPORCIONAL – A compensação do débito do sujeito passivo será efetuada obedecendo-se à proporcionalidade entre o principal e respectivos acréscimos e encargos legais.
Recurso negado”(Acórdão nº 203-12183, sessão de 21/06/2007).
Além disso, há precedentes dos Tribunais Regionais Federais no mesmo sentido:
“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. FORMA DE IMPUTAÇÃO DO CRÉDITO. CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. IMPUTAÇÃO PROPORCIONAL. ISONOMIA. UNIDADE E INDIVISIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. VEDAÇÃO LEGAL.
1. Aplicam-se os expurgos inflacionários na forma da Súmula nº 37 desta Corte à repetição do indébito relativo a março a maio de 1990.
2. A aplicação, mesmo que subsidiária, do Código Civil em matéria de compensação tributária, na qual se compreende a metodologia de imputação do crédito ao débito, não é juridicamente possível em virtude da revogação expressa do artigo 374 daquele diploma.
3. A matéria de compensação tributária esta amplamente regulamentada pela legislação especial, inexistindo lacuna a justificar a sua integração, exigida pelo artigo 108 do CTN para que se faça uso de tal recurso.
4. A forma de imputação do crédito pretendida pela impetrante não respeita a necessária isonomia entre os critérios para a cobrança de débitos e créditos fiscais, além de causar distorções a maior, implicando significativa e injustificada supervalorização do crédito do sujeito passivo a ser compensado, cotejando-se o mesmo valor caso fosse restituído.
5. Afinalidade do instituto da compensação é antecipar o recebimento do crédito pelo sujeito passivo e não o seu enriquecimento sem causa.
6. A forma de imputação proporcional empregada pela SRF não provoca tais distorções e preserva a unidade e indivisibilidade do crédito tributário.
7. O caput do artigo 163 do CTN, bem como a natureza indexadora da taxa SELIC, permitem concluir que o montante do crédito tributário é uno e indivisível, justificando a imputação proporcional.
8. A metodologia de cálculo pretendida na inicial implica capitalização de juros, vedada pelo artigo 167 do Código Tributário Nacional” (AMS nº 2004.71.08.009285-6/RS, do TRF da 4ª Região.No mesmo sentido, o REO nº 2004.72.01.003058-0/SC, também do TRF da 4ª Região).
“COMPENSAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. JUROS. IMPUTAÇÃO PROPORCIONAL.
O Fisco, na compensação de seus créditos, não amortiza os pagamentos dos contribuintes primeiramente nos juros/correção monetária (SELIC) para, só depois, levá-los à diminuição do valor principal ou histórico. Modo diverso, os pagamentos são trazidos à conta globalmente no valor consolidado atualizado, implicando imputação proporcional. Em face da natureza híbrida da taxa SELIC (juros e correção monetária), o procedimento do Erário afigura-se mais consentâneo ao Direito, na medida em que a citada taxa também exprime valores mais atinentes ao montante principal, mercê de sua feição indexadora. Por isso, nada mais justo que valores recompostos pela SELIC sejam confrontados com outros relativos ao principal. A essência e o emprego da taxa SELIC implicam considerar o montante tributário como uno e juridicamente indivisível, para efeito de imputação de seu pagamento” (AMS nº 2004.71.08.012119-4/RS, do TRF da 4ª Região).
5. Conclusões
Assim, expostas as premissas teóricas adotadas no decorrer do presente estudo, chega-se às seguintes conclusões:
a) A aplicação, mesmo que de forma subsidiária, do Código Civil de 2002 em matéria de compensação tributária, não é possível em virtude da revogação expressa do art. 374 do mesmo “Codex”;
b) Inexiste lacuna a justificar eventual integração da legislação, exigida pelo art. 108 do CTN, pois há legislação tributária específica sobre a matéria e que determina a compensação proporcional;
c) A metodologia ora em análise implica significativa e injustificada supervalorização do crédito a ser compensado, comparando-se o mesmo valor caso fosse restituído, o que subverte o instituto da compensação que visa antecipar o recebimento de um crédito pelo sujeito passivo e não o aumento do valor do crédito a ser recebido.
Esses são os motivos pelos quais considero que a tese da compensação baseada nos dispositivos do Novo Código Civil (primeiro os juros e depois os valores de principal), no que se refere aos débitos tributários, é equivocada e não merece acolhida dos nossos tribunais (administrativos ou judiciais).
[1] Nos termos do voto proferido pela Relatora Ministra Eliana Calmon, temos: “Diante das premissas, entendo que não há espaço para aplicar-se a imputação de pagamento, figura própria do Direito Civil e só aplicável em matéria tributária quando expresso em lei especial. A propósito, os precedentes da Corte (REsp 951.608/SC e REsp 665.871/SC)que afirmam ser pertinente imputar-se o pagamento pelas regras da lei civil aos precatórios não são aplicáveis, porque não se confunde precatório – requisição de pagamento -, com compensação. O precedente do Terceiro Conselho de Contribuintes (ac. nº 303-34.344), ao adotar como regra, em aplicação analógica, o art. 354 do Código Civil utilizou-se dos mesmos precedentes do STJ, que estou a considerar inservíveis, por reportarem-se a precatório e não a compensação” (esclareci).
[2] Regula o pagamento de juros moratórios pela União, pelos Estados, Distrito Federal, Municípios e Autarquias e determina: “Art. 1º A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as autarquias, quando condenados a pagar juros de mora, por êste responderão na forma do direito civil”.
[3] “No que diz respeito à imputação dos pagamentos nos montantes na dívida da União, para melhor situar a controvérsia e possibilitar a distinção entre a tese advogada pela recorrente e o procedimento adotado pelo Fisco, solicitei à Coordenadoria de Execução Judicial do STJ que, a partir de um exemplo hipotético, elaborasse duas planilhas comparativas, que estão em anexo e ficam fazendo parte integrante do presente voto. Após analisar ambas as planilhas, verifiquei que, de fato, a tese posta para apreciação, se adotada, beneficiará o contribuinte, pois a forma de amortização que aqui se propõe lhe é mais favorável, importando na devolução de um valor maior do que, efetivamente, devolvido pelo Fisco pela sistemática usualmente adotada” (trecho do voto proferido pela Relatora do REsp nº 987.943).
[4] Há hipóteses de compensação legal ou judicial, que constituem exceção à regra.
[5] O Código Civil de 1916 tinha redação contrária ao art. 374 do NCC: “Art. 1017. As dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios também não podem ser objeto de compensação, exceto nos casos de encontro entre a administração e o devedor, autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda”.
[6] Registre-se posicionamento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, no sentido dessa revogação ter sido inconstitucional por vício de origem (inconstitucionalidade formal), razão pela qual continua em vigor o artigo 374 do NCC (Código Civil Comentado, Ed. Revista dos Tribunais, 5ª ed., página 441).
[7] Segundo Judith Martins-Costa “O art. 354 tem em vista a consideração do interesse do Credor” (in“Comentários ao Novo Código Civil”, Vol. V, Tomo I, coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira).
[8]Com o advento da Lei nº 10.637/2002, que deu nova redação ao artigo 74 da Lei nº 9.430/96, alterou-se a sistemática de compensação de créditos relativos a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, de modo que a declaração de compensação pelo contribuinte extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.
[9] A Lei n° 9.430/96, mesmo em sua redação original, já delegava competência para a Secretaria da Receita Federal regulamentar a matéria de compensação de débitos fiscais.
[10] Sobre esse dispositivo, afirma Hugo de Brito Machado que “o Código Tributário Nacional, em seu art. 108, acolheu a teoria das lacunas, ao estabelecer que, na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: (a) a analogia; (b) os princípios gerais de direito tributário; (c) os princípios gerais de direito público; e (d) a equidade. A referência feita por esse dispositivo à ausência de disposição expressa deve ser entendida em termos. A rigor, não se deve falar de ausência de disposição expressa, mas de ausência de disposição específica. Disposição expressa sempre existe, embora genérica e geralmente em sentido oposto ao que se pretende quando se afirma a existência de lacuna” (Comentários ao Código Tributário Nacional, Vol. II, Ed. Atlas, 2004, páginas 217 e 218).
[11] Parto da premissa de que deve ser aplicada uma proporcionalidade entre principal e juros também em procedimento de restituição tributária.