Veículo: JOTA
Autor(es): Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino
Conhecimento do Recurso Especial no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), na hipótese de o precedente Paradigma TER SIDO reformado após a SUA interposição.
Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino[1]
O Recurso Especial, no âmbito do contencioso administrativo tributário paulista e dirigido à Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), está disciplinado pelos artigos 42, III, e 49, ambos da Lei Estadual nº 13.457/2009.
O artigo 49, caput e §§ 1º e 2º, da Lei nº 13.457/2009 estabelece os pressupostos de admissibilidade do Recurso Especial, exigindo a comprovação de divergência de interpretação da legislação entre os acórdãos recorrido e paradigma (esse último não pode ter sido reformado e deve ser proferido por qualquer Câmara do TIT), bem como a demonstração de que a aludida divergência compreende todos os fundamentos suficientes para embasar a decisão recorrida. É o que se percebe da redação do citado dispositivo legal:
“Artigo 49 – Cabe recurso especial, interposto tanto pelo autuado como pela Fazenda Pública do Estado, fundado em dissídio entre a interpretação da legislação adotada pelo acórdão recorrido e a adotada em outro acórdão não reformado, proferido por qualquer das Câmaras do Tribunal de Impostos e Taxas.
§ 1º – O recurso especial, dirigido ao Presidente do Tribunal, será interposto por petição contendo o nome e a qualificação do recorrente, a identificação do processo, o pedido de nova decisão, com os respectivos fundamentos, a indicação da decisão paradigmática, bem como a demonstração precisa da divergência, na forma estabelecida em regulamento, sem o que não será admitido o recurso.
§ 2º – Cabe ao recorrente providenciar a instrução do processo com cópias das decisões indicadas, por divergência demonstrada” (destacamos).
Assim sendo, para a admissibilidade do Recurso Especial exige-se que as decisões cotejadas pelo recorrente (seja o contribuinte, seja a Fazenda Pública), partindo de idênticas premissas fáticas e jurídicas pertinentes à solução da lide, alcancem soluções diversas, ou seja, que as decisões das Câmaras Julgadoras comprovadamente sejam distintas entre si quanto à interpretação da lei e a valoração dos fatos. Trata-se, assim, de um requisito formal inafastável para a admissibilidade da via recursal, constituindo, desse modo, matéria de ordem pública relativa à qual o julgador necessariamente deverá se pronunciar.
Percebe-se, portanto, que o pressuposto do Recurso Especial é a uniformização de jurisprudência entre os diversos órgãos de julgamento do TIT, não se prestando simplesmente a levar o litígio posto à análise de uma “terceira instância”, a Câmara Superior.
Exatamente, por isso, o Recurso Especial não se presta, por exemplo, a reexaminar o contexto fático-probatório do caso concreto, mister vedado à Câmara Superior do TIT nos termos da sua remansosa jurisprudência:
“Recurso especial que tem como objetivo o reexame do acervo fático-probatório encartado nos autos. Não Cabimento.
Conforme se evidencia da decisão recorrida, a análise do caso, exige deste Tribunal o reexame de todo acervo fático probatório estocado nos presentes autos, competência esta afastada desta fase processual pelo artigo 49 da Lei nº 13.457/2009, para o exame de matéria de direito.
Assim, no meu entender o recurso não há de ser conhecido, pois busca a reforma da decisão recorrida através da análise acervo fático probatório, o que não é admitido nesta fase processual, razão pela qual NÃO CONHEÇO DO RECURSO ESPECIAL do contribuinte” (AIIM 4003477-0, j. em 25/04/2017 – destacamos).
“ICMS. Infrações relativas ao crédito do imposto destacado em documento fiscal emitido por empresa com inscrição estadual irregular. Recurso especial que tem como objetivo caracterizar cerceamento de defesa e o propósito o reexame do acervo fático-probatório encartado nos autos. Não Cabimento.
Assim, no meu entender o recurso não há de ser conhecido, pois busca a reforma da decisão recorrida através da análise acervo fático probatório, o que não é admitido nesta fase processual, razão pela qual NÃO CONHEÇO DO RECURSO, também neste aspecto” (AIIM 4046179-8, j. em 31/01/2017 – destacamos).
“Como se vê, a decisão recorrida está devidamente fundamentada e se debruçou sobre o conjunto fático-probatório, tendo alcançado a conclusão de que a autuada não logrou comprovar a efetividade das operações mercantis retratadas nos documentos fiscais utilizados para apropriar os creditamentos.
Eventual conhecimento do recurso especial, nesse cenário, exigiria e dependeria do reexame do conjunto fático-probatório, em flagrante desvirtuamento das finalidades e características que regem essa modalidade recursal” (AIIM 4048898-6, j. em 31/05/2016 – destacamos).
“Além da ausência de dissídio jurisprudencial, pois distintos os substratos fáticos e jurídicos tratadas nos supostos paradigmas da situação focalizada neste processo administrativo, a pretensão recursal do contribuinte necessariamente demandaria revolver o conjunto fático-probatório, tarefa de realização impraticável em sede de recurso especial” (AIIM 4028762-2, j. em 01/12/2015 – destacamos).
Questão ainda controversa no âmbito do TIT, refere-se à inteligência do termo previsto no caput do artigo 49 da Lei n. 13.457/2009, no sentido de que, para a admissibilidade do Recurso Especial, exige-se a comprovação de divergência de interpretação da legislação entre os acórdãos recorrido e paradigma, sendo que esse último não pode ter sido reformado.
Não há dúvida acerca da impossibilidade de conhecimento do Recurso Especial, quando, no momento da sua interposição, o acórdão paradigma já tiver sido reformado, conforme já decidiu os seguintes precedentes da Câmara Superior do TIT:
“Decisão da c. 2ª Câmara Julgadora, no processo DRT-4-47390/2009, sessão de 17/11/09: neste caso, houve juntada de cópias às fls. 2378/2405 e realizado o cotejamento pelo recorrente. Não obstante, referida decisão foi reformada pela c. Câmara Superior, em sentido contrário ao pretendido pela recorrente, em sessão de 17/08/2010, publicada em 21/08/2010, portanto em data anterior ao protocolo do Recurso Especial que ora se examina, de 22/06/2016. O aresto não se presta ao conhecimento, por desatender ao comando expresso do art. 49 da Lei 13.457/09, que exige a demonstração de dissídio em face de acórdão não reformado das Câmaras do TIT” (AIIM nº 4.032.453-9, p. em 27/07/2017 – destaques do original).
“ICMS 1. FALTA DE PAGAMENTO. OPERAÇÃO TRIBUTADA COMO NÃO TRIBUTADA. FORNECIMENTO DE BANCO DE COURO. 2. CRÉDITO INDEVIDO. ENTRADA DE MERCADORIA OU SERVIÇO PARA USO E CONSUMO. 3. CRÉDITO INDEVIDO. LANÇAMENTO A MAIOR EM GIA. 4. CRÉDITO INDEVIDO. NÃO COMPROVAÇAO DE CRÉDITOS. Em relação ao item 1 do AIIM, o único acórdão indicado não serve como paradigma uma vez que fora reformado por decisão das Câmaras Reunidas quase um ano antes da interposição do presente recurso, desatendendo o disposto no art. 49 da Lei 13.457/09. (…) RECURSO NÃO CONHECIDO. DECISÃO UNÂNIME” (AIIM nº 3.034.123-1, p. em 06/06/2011 – destacamos).
Nessa hipótese, por óbvio, não haverá interpretação distinta quanto à inteligência da lei e a valoração dos fatos, visto que o acórdão tido como paradigma já terá sido reformado e não produzirá efeitos jurídicos, de modo que não mais representa o posicionamento do colegiado sobre determinado tema.
Questão diferente, entretanto, ocorre quando o precedente tido como paradigma é reformado posteriormente à interposição de Recurso Especial, mas antes do julgamento do caso concreto. Nessa hipótese, segundo pensamos, a Câmara Superior deve conhecer do Recurso Especial, de modo a cumprir o seu papel legal de uniformizador da jurisprudência no âmbito do TIT, conforme restou decidido recentemente por esse colegiado:
“De fato, o Recurso fora interposto em 01/09/2015 e a decisão proferida nos autos do processo DRTC-III-326599/2011, em sede de Recurso Ordinário, fora anulada pela Câmara Superior em 19/05/2016, portanto, vários meses após a interposição do recurso.
Ademais, esta C. Câmara Superior tem entendido que a exigência de que o dissídio jurisprudencial seja fundado em acórdão paradigma não reformado, na dicção do art. 49 da Lei 13.457/09, se dá para acórdão não reformado à época da interposição do recurso. O fato de, no presente caso, ter havido a decretação de nulidade do acórdão indicado como paradigma não desfigura tal entendimento firmado por esta Câmara Superior, uma vez que à época da interposição a recorrente não teria como prever qual seria o destino futuro daquele acórdão.
Assim, acompanho o voto do relator nas demais questões, porém no tocante à recapitulação da multa proponho o conhecimento do recurso” (AIIM nº 3.111.200-6, j. em 24/10/2017 – destacamos).
O resultado desse julgamento foi por maioria de votos (9 x 7), o que bem demonstra que a questão ainda não está solidificada no colegiado.
Em outro precedente mais antigo a Câmara Superior já havia declinado o mesmo posicionamento:
“Com a devida vênia, entendo que ambos os paradigmas refletem divergência de interpretação da legislação tributária, eis que reconhecem a não incidência do ICMS sobre serviços de provedor de acesso, inclusive aplicando a Súmula 334 do STJ. O segundo paradigma, inclusive, fora modificado por pedido de retificação de julgado em momento posterior à prolação da decisão recorrida, de modo que à época da interposição do recurso especial, prestava-se a amparar a divergência”(AIIM 3151560-5, p. em 14/02/2014 – destacamos).
Esse o posicionamento que defendemos deva ser aplicado pela Câmara Superior do TIT, o qual está em absoluta consonância com a legislação de regência (mais especificamente o caput do artigo 49 da Lei n. 13.457/2009).
Com efeito, toda vez que esteja clara a ausência de qualquer requisito de admissibilidade, a atitude correta é negar conhecimento ao Recurso Especial. Porém, não deve a Câmara Superior do TIT exagerar na dose, por exemplo, arvorando em motivos de não conhecimento, circunstâncias não previstas em lei, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente algumas exigências, ou apressando-se na interpretação desfavorável das razões da recorrente, as dúvidas que são suscetíveis de suprimento.
Nesses casos, deve-se recorrer ao princípio da instrumentalidade das formas, o qual requer que estas não sejam excessivas para que não sufoquem os escopos jurídicos, sociais e políticos da jurisdição, assegurando as garantias das partes e a condução do processo ao seu destino final, que é a solução do conflito. É nesse sentido que Ada Pellegrini Grinover assevera que “a técnica processual deve ser vista a serviço dos escopos da jurisdição e ser flexibilizada de modo a servir à solução do litígio” (Direito processual coletivo. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coord.). Tutela coletiva. São Paulo: Atlas, 2006, p. 306).
Os tribunais superiores, como sabemos, sendo que a Câmara Superior do TIT não é diferente, estão abarrotados de processos e por essa razão se cercam de entraves e exigências processuais alheias à própria lei, com o intuito precípuo de barrar o excesso de recursos, a fim de evitar a transformação das cortes de cúpulas em mais uma instância recursal. Convencionou-se nominar “jurisprudência defensiva” a prática da aplicação do descabido formalismo para impedir a continuidade da prestação jurisdicional pelos Tribunais. Essa jurisprudência afronta outros princípios que norteiam o sistema recursal, como: devido processo legal, celeridade processual e acesso à justiça.
Esses entendimentos são injustificáveis e devem ser rechaçados pela Câmara Superior do TIT, vez que ferem o princípio da instrumentalidade do processo e das formas, como também ofendem o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
[1]Bacharelou-se em 1999 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Formado em Administração em 1995 pela Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP. Cursou especialização em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Direito Tributário/Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo – USP. Advogado em São Paulo e militante junto ao Tribunal de Impostos e Taxas (TIT).