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Artigos - 20/05/20

Luís Henrique trata da contribuição ao RAT (antigo SAT) durante a pandemia.

Veículo: JOTA
Autor(es): Luis Henrique Pires

 

Em razão da crise advinda com a propagação do coronavírus e da consequente decretação, pelo Poder Público, de medidas de restrição a diversas atividades econômicas, inúmeros contribuintes têm ajuizado demandas com o propósito de suspender e/ou postergar o pagamento de tributos em geral.

Em regra, as ações fundamentam-se na Portaria MF nº 12/2012, que trata da postergação do vencimento de tributos federais com relação aos contribuintes situados em municípios abrangidos por ato normativo que tenha decretado estado de calamidade pública.

A jurisprudência, embora ainda incipiente e limitada sobretudo a decisões de natureza monocrática, tem sido balizada no exame da autoaplicabilidade da portaria (verificar se existe ou não a necessidade da regulamentação de que trata o seu artigo 3º), da possibilidade de o Poder Judiciário reconhecer a moratória, sem que isto implique usurpação de atividade legislativa (em razão de o art. 153 do CTN fazer referência à “lei que conceda moratória”) e do confronto entre a necessidade de arrecadação de recursos públicos para fazer frente às despesas extraordinárias em face de princípios constitucionais que privilegiam a manutenção das empresas e de sua capacidade de gerar empregos e pagar tributos (capacidade contributiva – art. 145, §1º; princípios gerais da atividade econômica – arts. 170 e seguintes; dentre outros).

Fato é que, na grande maioria dos casos, as ações têm sido limitadas aos aspectos acima mencionados, sem envolver qualquer discussão quanto à possibilidade de exigência do tributo em face de sua materialidade que, de algum modo, restou comprometida pelo ato de decretação de calamidade (“fato do príncipe”).

Nesse contexto, sobressai-se o exame quanto à subsistência ou não da contribuição sobre o RAT (“riscos ambientais do trabalho”), antigamente – e ainda mais conhecida – como SAT (“seguro de acidentes de trabalho”), durante o período em que subsistir a proibição total ou restrição parcial ao exercício de atividade econômica.

Como se sabe, o RAT/SAT tem por finalidade o financiamento dos benefícios previdenciários “concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho” (artigo 22, II da Lei nº 8.212/91).

Incide sobre a remuneração paga aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, sendo que as alíquotas são de 1%, 2% ou 3%, conforme o risco de acidentes vigente para cada atividade econômica, indicado em tabela divulgada pelo Poder Executivo.

As alíquotas efetivas podem, ainda, ser reduzidas à metade ou multiplicadas por dois, conforme performance individual de cada agente econômico após a apuração do “FAP” – Fator Acidentário de Prevenção.

A contribuição em questão está umbilicalmente ligada ao risco de acidente de trabalho, “pois estabelece a C.F. que o trabalhador tem direito ao seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador (C.F., art. 7º, XXVIII)”.[1] Não só a definição do aspecto quantitativo, mas a própria materialidade da contribuição diz respeito, exclusivamente, ao risco laboral.

Ausente qualquer risco (o que é diferente de existir um risco ainda que mínimo), a contribuição perde o pressuposto de validade, até porque as contribuições em geral distinguem-se dos impostos porque atendem a uma finalidade específica.

Essa vinculação da contribuição ao risco de acidente laboral ficou evidente no entendimento adotado pelo STJ, consagrado na Súmula nº 351: “A alíquota de contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT) é aferida pelo grau de risco desenvolvido em cada empresa, individualizada pelo seu CNPJ, ou pelo grau de risco da atividade preponderante quando houver apenas um registro”.

Os julgados que deram origem à súmula afastaram a norma (posteriormente modificada) que estabelecia a apuração da alíquota de acordo com o risco existente na empresa como um todo, mesmo que existente mais de um estabelecimento.

Assim se decidiu por se reconhecer que, na linha de entendimento firmado ainda à época do extinto Tribunal Federal de Recursos, “os graus de risco às atividades desenvolvidas por funcionários de empresa devem, necessariamente, se compatibilizar com as funções e os locais onde são desenvolvidas as atividades”, de modo que se “a periculosidade é diferenciada, por isto mesmo, a taxa também o deverá ser.”[2]

Essa vinculação também veio a ser reconhecida pelas normas relativas ao FAP. O fator em questão varia de 0,5 a 2,0 e é calculado individualmente por contribuinte, conforme acidentes e doenças ocupacionais ocorridos em razão do desenvolvimento da atividade laboral, aplicando-se posteriormente sobre as alíquotas de 1% a 3%, as quais podem, assim, ser reduzidas à metade ou majoradas em até 100%.

É digno de nota que, após sucessivas decisões judiciais que reconheceram a ilegalidade do critério de cálculo do FAP então vigente, que impunha a consideração dos denominados “acidentes de trajeto” (aqueles ocorridos no percurso casa/trabalho/casa)[3], o Conselho Nacional de Previdência alterou a metodologia para expurgar tal item (Resolução nº 1.329/2017). Trata-se do reconhecimento de que acidentes ocorridos fora do ambiente de trabalho não são computados na contribuição devida pelo sujeito passivo, ou seja, são fatos extratributários.[4]

Diante dessa premissa, a partir do momento em que ato normativo estadual ou municipal, de acordo com a previsão contida no artigo 3º da Lei Federal nº 13.979/2020, proíba o exercício da atividade econômica no estabelecimento ou, ainda, ampare a realização de teletrabalho ou trabalho remoto (home office), conforme autorização do artigo 4º da MP nº 927/2020, disto decorrem alterações significativas com relação à contribuição sobre o RAT/SAT.

A proibição do exercício de atividade econômica no estabelecimento implica, excepcionalmente, a suspensão do pressuposto de incidência da contribuição sobre o RAT/SAT tendo em vista que, verificada essa situação, deixa de existir, no plano dos fatos e salvo as situações restritas previstas no art. 21, I e IV da Lei n° 8.213/91, qualquer risco de acidente de trabalho.

Pouco importa que o artigo 3º, parágrafo 3º da Lei nº 13.979/2020 tenha estabelecido que a ausência de trabalho (presencial ou remoto) durante o período de decretação da medida restritiva seja considerada “falta justificada”, não interferindo no pagamento da remuneração ao colaborador (exceção feita a quem aderiu ao regime de suspensão ou redução do contrato de trabalho – MP 936).

Tal medida é direcionada às relações empregatícias, em nada interferindo no exame dos pressupostos da incidência da contribuição em exame. Além do mais, o adicional ao RAT/SAT depende exclusivamente de haver risco de acidente laboral e, quanto a isso, trata-se de fato ao qual o legislador não pode, nem mesmo por ficção legal, atribuir qualificação distinta, sob pena de descaracterizar por via oblíqua a materialidade da contribuição em desconformidade não apenas com a sua lei de regência, mas também ao artigo 110 do CTN e ao entendimento há muito consagrado na jurisprudência do STF na linha de que “(…) se a lei pudesse chamar de compra o que não é compra, de exportação o que não é exportação, de renda o que não é renda, ruiria todo o sistema tributário inscrito na Constituição”[5].

Desse modo, sendo materialmente impossível ocorrer acidente de trabalho enquanto suspensas integralmente as atividades no estabelecimento, não tem cabimento a exigência do RAT/SAT.

Tal assertiva aplica-se, inclusive, aos casos em que o estabelecimento permanece fechado, mas a natureza da atividade de todos ou alguns colaboradores viabilize o trabalho a distância (home office), porque aqui também – e salvo situações excepcionais que se enquadrem no art. 21, I e IV da Lei nº 8.213/91 (acidentes ocorridos fora do ambiente de trabalho) – não há que falar-se em acidente (em razão) de trabalho desenvolvido no estabelecimento do empregador.

Quando menos, ainda que admitida a manutenção da exigência, devem ser aplicados os percentuais mínimos (1% de alíquota e FAP de 0,5). Afinal, a ausência de trabalho (se a natureza da atividade não permitir o home office) ou mesmo o seu exercício em residência contemplam um risco nulo (ou mínimo, no caso de home office) de acidente de trabalho.

Nessa situação, impõe-se a redução temporária da alíquota e respectivo FAP aos patamares mínimos legalmente previstos. A manutenção do aspecto quantitativo vigente antes da suspensão das atividades no estabelecimento distorce a finalidade prevista na Lei n. 8.212/91, tornando ilegítima a exigência no que respeita ao excesso verificado.

Conclusão

A interrupção da atividade econômica e/ou a sua modificação para o sistema de home office, em decorrência da decretação de estado de calamidade pública, implicam alteração no regime de apuração e pagamento da contribuição sobre o RAT/SAT.

Trata-se de alterações que decorrem não da decretação de moratória ou figura afim – como tem sido sustentado, atualmente, nas demandas tributárias relacionadas à crise de Covid-19 –, mas da suspensão ou alteração, ainda que temporárias, do critério de incidência da contribuição.

Tem o contribuinte, assim, o direito à suspensão ou, subsidiariamente, ao ajustamento da exigência (redução ao patamar mínimo) enquanto perdurar a situação excepcional atualmente vigente.


[1] STF, Pleno, RE n. 343.446-2, Min. Carlos Velloso, DJ 04/04/2003.

[2] Julgado do TFR citado no RESP n. 328.924, Min. José Delgado, DJ 24/09/2001.

[3] “(…) não haveria sentido em se cogitar da inclusão de acidentes de trajeto no cálculo da respectiva contribuição, tendo em vista que ditos acidentes não podem sequer ser evitados pelas empresas empregadoras. Os acidentes de trajeto estão fora do controle das empresas contribuintes, não se afigurando justo que estas venham a arcar com acréscimo nas alíquotas a que estão sujeitas por fatores alheios à sua atuação na prevenção de acidentes do trabalho.” (TRF3, Apel. n. 0016063-65.2010.2010.4.03.6100, Des. Wilson Zauhy, DJ 30/04/2019)

[4] A recentíssima MP n. 955, de 20/04/2020, revogou a MP n. 905/2019, que havia revogado o inciso IV, “d”, do art. 21 da Lei n. 8.213/91, que considera acidente de trabalho aquele ocorrido no “percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela.” Em termos de FAP, no entanto, ainda não houve alteração legislativa e, se houver, poderá ser questionada.

[5] Pleno, trecho do voto do Min. Luiz Gallotti, DJ de 31/08/1973.

 

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/contribuicao-sobre-o-rat-sat-tem-de-ser-suspensa-ou-reduzida-durante-a-pandemia-19052020