Destaques

Destaques

Imprimir

Artigos - 15/01/24

Luís Henrique da Costa Pires publica texto, no Conjur, sobre a MP 1.202/2023 e suas implicações na limitação à compensação e à coisa julgada.

Veículo: CONJUR

No contexto das tradicionais alterações da legislação tributária de final de ano, a Medida Provisória nº 1.202, de 28/12/2023 (DOU de 29/12/2023), introduziu no artigo 74, parágrafo 3º, da Lei nº 9.430/96, uma nova vedação à compensação (inciso X), ao estabelecer a proibição do encontro de contas relativamente “ao valor do crédito utilizado na compensação que superar o limite mensal de que trata o artigo 74-A”, se “decorrente de decisão judicial transitada em julgado”.

O estabelecimento dos limites restou delegado ao Ministério da Fazenda, que publicou a Portaria Normativa MF nº 14, de 5/1/2024 (DOU da mesma data). O diploma fixou limites que variam de acordo com o valor do crédito atualizado na data da primeira declaração de compensação. Ao total, são seis faixas, que vão desde a compensação no prazo mínimo de 12 meses (créditos até R$ 99.999.999) até 60 meses (créditos superiores a R$ 500 milhões).

O motivo principal da medida foi restringir quantitativamente a compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais que afastaram o ICMS das bases de cálculo do PIS/Cofins, conforme se observa da Exposição de Motivos nº 00175/2020 MF que antecedeu à edição da MP nº 1.202  e de declarações do ministro da Fazenda à imprensa.

É cediço que a compensação tributária depende de previsão em lei (artigo 170 do CTN) e, em razão disso, pode sofrer limitações. Até porque “se o contribuinte tiver interesse em efetuar a compensação conforme autorização legal, o fará; caso contrário, pode optar pela repetição de indébito” Basta recordar que, até o advento da Lei n. 8.383/91, a compensação tributária não era prevista no ordenamento, salvo previsões esparsas contemplando situações específicas.

Ocorre que a MP nº 1.202 delegou ao Executivo a tarefa de estabelecer os limites a serem aplicados, em violação ao princípio da reserva legal, aplicável em matéria de compensação. Além disso, restringiu o direito à compensação, permitindo que apenas titulares de decisões judiciais possam dele se utilizar, o que não se mostra isonômico nem razoável.

A par disso, a limitação em questão jamais poderia alcançar créditos cujo direito à compensação decorre de decisões judiciais transitadas em julgado antes da publicação da Medida Provisória, por força da proteção conferida pelo artigo 5º, XXXVI, da Constituição e no artigo 6º da Lindb (DL nº 4.657/42), no sentido de impedir que alterações posteriores na legislação venham a restringir direito já reconhecido em definitivo e cujo exercício foi ou poderia ter sido iniciado.

A jurisprudência sinaliza nesse sentido, ao tratar de questões análogas.

O STF, ao tratar do efeito temporal da LC nº 118/05, que pretendeu interpretar o artigo 168, I, do CTN, no sentido de que o prazo de 5 anos seria contado a partir do pagamento indevido, em oposição à tese do “5 + 5” então consagrada na jurisprudência, além de afastar a sua aplicação às ações ajuizadas antes de sua vigência — por reconhecer que, a pretenso do suposto efeito meramente interpretativo, “em verdade, inova no mundo jurídico e deve ser considerada como lei nova” — foi além e acrescentou que, mesmo “que se pudesse considerar legítima sua aplicação retroativa com fundamento direto no artigo 106, I, do CTN, ainda assim a LC 118/05 teria de observar o artigo 5º, XXXVI, da CF, não podendo atingir o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

O mesmo foi decidido no âmbito do STJ ao tratar de outra limitação — daquela instituída pelo artigo 170-A do CTN, que proibiu a compensação de créditos discutidos judicialmente antes do trânsito em julgado, em relação à qual prevaleceu o entendimento de que “somente se aplica a créditos objeto de ação judicial proposta após sua entrada em vigor, não das anteriores”. 

Na linha de tais julgados, as limitações à compensação (ou à restituição em geral, no caso do prazo prescricional) não podem atingir sequer ações ajuizadas antes de sua vigência. Logo, não podem refletir nos casos em que o contribuinte possui decisão judicial transitada em julgado.

À vista dos vícios apontados, sobretudo a proteção à coisa julgada, espera-se uma pronta e firme resposta do Judiciário aos litígios que lhe venham a ser submetidos, caso antes o Poder Legislativo não rejeite a medida provisória.

Clique aqui para acessar o artigo.