Veículo: Folha de São Paulo, 20/03/2012 - Caderno: Tendências/Debates, pág. A-3
Autor(es): Hamilton Dias de Souza
Incentivos fiscais nocivos ao Brasil
Ives Gandra da Silva Martins e Hamilton Dias de Souza
Em detrimento de todo o país, Estados fazem guerra fiscal com o ICMS das importações; o tema, porém, deve ser discutido no Congresso, e não só no Senado.
Está em discussão no Senado Federal o projeto de resolução 72 de 2010, que estabelece aplicação uniforme de alíquota zero de ICMS nas operações interestaduais com mercadorias importadas.
Entendem seus proponentes que a questão estaria encartada na competência daquela casa do Congresso Nacional, por se tratar apenas de fixação de alíquotas interestaduais (artigo 155, §2º, IV, da Constituição).
Há, todavia, aqueles que consideram que tal ato legislativo implicaria a disciplina política de concessão de incentivos fiscais pelos Estados-membros da Federação, matéria que não se compreende na competência do Senado Federal.
De fato, consta da justificação do projeto de resolução 72 que o seu objetivo seria resolver “um dos graves problemas resultantes da guerra fiscal do ICMS”, pois ” os benefícios concedidos (…) reduzem ou anulam a carga tributária do ICMS incidente sobre as importações e repercutem negativamente na economia do país”.
A justificação procede, pois objetiva regular a competição fiscal entre os Estados, a fim de evitar incentivos predatórios e nocivos ao país, que, infelizmente, alguns Estados têm promovido em detrimento de todo o país.
Há, todavia, uma forma mais adequada de atalhar tal política de alguns Estados, de forma nitidamente não polêmica e decididamente constitucional.
A Lei Suprema dá competência exclusiva ao Congresso Nacional, por lei complementar, para regular “a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados” (artigo 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal).
Ora, a lei complementar submete-se a processo de elaboração mais complexo do que a resolução senatorial, na medida em que implica aprovação pela maioria absoluta dos membros das duas casas do Congresso Nacional, mas espanca qualquer dúvida sobre mácula na Lei Suprema.
É porque a deliberação tomada nesse tema apenas pelo Senado Federal pode vir a ser contestada como violadora da Carta da República, por implicar invasão de competência legislativa.
Outro aspecto que merece reflexão diz respeito ao estabelecimento de alíquota zero apenas para as mercadorias que sejam importadas por um Estado e dali remetidas para outros Estados.
As mercadorias nacionais que são objeto de operações interestaduais continuam se sujeitando às alíquotas interestaduais vigentes, de 7% ou 12%, conforme o caso.
Há, portanto, diferença tributária em razão da origem dos bens, o que não é possível, a teor do artigo 152 da Constituição Federal, que veda “aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços de qualquer natureza em razão de sua procedência ou destino”.
O Supremo Tribunal Federal tem rechaçado normas estabelecedoras dessas discriminações.
Por essa razão, o tema, de alta relevância para a Federação, deveria ser discutido no foro próprio, que é o Congresso Nacional, de forma a serem estabelecidas regras claras que disciplinem a competição fiscal entre os Estados.
O exame isolado pelo Senado, embora compreensível, pode tisnar a Lei Suprema, motivo pelo qual sugerimos o caminho da lei complementar.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 77, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio
HAMILTON DIAS DE SOUZA, 67, advogado, é membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e do Conselho Jurídico da Fiesp. Foi professor de direito tributário da Faculdade de Direito da USP
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