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Artigos - 01/03/02

Hamilton Dias de Souza e Tércio Sampaio Ferraz Junior – Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e a Federação

Veículo: Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002, p.58-106
Autor(es): Hamilton Dias de Souza , Tércio Sampaio Ferraz Junior (Consultor)

1. O exercício da competência tributária pela União e as contribuições

 

Os poderes públicos sempre procuraram alargar sua competência tributária, inclusive por meio da criação de novas figuras com denominações impróprias. Assim é que foram instituídas taxas com bases de cálculo próprias de impostos, empréstimos compulsórios sem afetação do produto de sua arrecadação à respectiva causa, contribuições sem referibilidade a qualquer grupo de indivíduos.

 

As décadas de 70 e 80 foram particularmente ricas em precedentes versando  variadas figuras rotuladas de taxa. O Supremo Tribunal Federal, aos poucos, foi assentando determinados conceitos, tais como o de serviço específico e divisível, o de serviço público[1], bases de cálculo impróprias[2], o que cerceou novas tentativas de invasão de competência sobre o pretexto de se tratar de taxa.

 

Na década de 80, as tentativas de invasão de competência foram feitas sobretudo pela União. Entre essas, merecem especial referência os empréstimos compulsórios, mesmo porque bastava para a sua instituição afirmar-se ou que houve seca no Norte ou chuva no Sul ou, ainda, que em face do fenômeno inflacionário havia necessidade de absorver temporariamente o poder aquisitivo da moeda. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de vários desses empréstimos.[3] Todavia, tantos eram os flancos que a redação do texto da Emenda Constitucional nº 01/69 suscitava que houve nítida preocupação do Constituinte de 1988 em traçar limites claros à sua criação.

 

Na década passada, já não mais dispondo do recurso fácil dos chamados empréstimos compulsórios de outrora, a União recorreu às contribuições sociais. O tema ainda permite reflexões aprofundadas da jurisprudência, mas em grande parte já há uma sedimentação razoável do que se entende por tais tributos, sobretudo os para a seguridade social.[4]

 

Ao que tudo indica, move-se a União, na atualidade, em direção às contribuições de intervenção no domínio econômico.

 

A legitimidade da instituição de tributos – no caso, das contribuições – passa, necessariamente, pela verificação quanto à preservação da unidade e harmonia do sistema constitucional tributário e de sua compatibilidade com as vigas mestras sobre as quais o Estado brasileiro foi construído. Isto nos leva à revisão de alguns conceitos  indispensáveis à determinação dos limites aos quais o legislador – constituinte derivado e/ou ordinário – está preso ao exercer a competência tributária, em especial no que pertine à rigidez do sistema tributário, que decorre da determinação das espécies tributárias e da partilha do produto da arrecadação dos tributos, ambas guardiãs da autonomia dos entes federados e, portanto, do próprio regime federativo.

 

2. Classificação das espécies tributárias

 

A classificação das diferentes espécies de tributos deve ser feita não só em função de suas próprias características, mas também tendo em vista os vários critérios adotados para a repartição dos encargos públicos. Isto porque, de fato, a distinção dos tributos foi logicamente elaborada em primeiro lugar pela Ciência das Finanças, e, após, penetrou no terreno jurídico.

 

O Estado cobra exações compulsórias de todos aqueles que se encontram submetidos à sua jurisdição. Por uma perspectiva pré-jurídica ou no âmbito da Ciência das Finanças, o que se tem de verificar é como os indivíduos se relacionam com os vários serviços públicos prestados pelo Estado, sobretudo no que respeita à utilidade individual que deles retiram. Assim, (1) há casos em que os serviços são de tal forma gerais que cada indivíduo não pode medir a utilidade que deles tira (ex.: segurança externa). Outros há (2) em que o serviço é desenvolvido em função do interesse público, mas implica uma série de prestações a indivíduos determinados, que dele tiram uma utilidade específica e, portanto, mensurável. Por fim, (3) há aqueles desenvolvidos em função do interesse público, prestados não a usuários específicos, mas que causam um benefício diferencial a setores de atividade ou grupos de indivíduos.

 

De acordo com as características antes assinaladas pode-se dizer que, no primeiro grupo (1) temos impostos; no segundo (2), taxas, e, no terceiro (3) contribuições.

 

Do ponto de vista jurídico, para se chegar à classificação dos tributos importa examinar a estrutura das hipóteses de incidência de suas espécies, verificando o que cada uma delas tem em comum.

 

Se é verdade que as classificações, em geral, obedecem a motivos pragmáticos ou interesseiros, não possuindo, assim, maior relevância do que didática, é igualmente verdadeiro que, no caso brasileiro, a classificação dos tributos possui qualificação diversa e superior, tendo em vista que ela tem status constitucional. De fato, no caso particular do Brasil, o sistema tributário é tido como o mais rígido do mundo, havendo ampla partilha da competência tributária entre União, Estados e Municípios, não se admitindo competências concorrentes em matéria de impostos. Portanto, embora o poder de tributar seja do Estado, como um todo, cada uma das ordens parciais de governo que o compõe tem sua parcela de poder que é determinada a partir de critério classificatório. Em razão deste critério, temos taxas e contribuições de melhoria, como tributos de competência comum e demais contribuições e impostos como de competência privativa. Por tal razão a exata classificação da espécie tributária tem repercussões jurídicas importantes, pois a própria repartição de competências está nela fundada. Por conseqüência, são diferentes os regimes jurídicos a que cada espécie está sujeita, sendo por isso necessário traçar suas características.

 

Para identificar uma espécie tributária e determinar a natureza dos tributos, importa verificar o aspecto material da hipótese de incidência da norma jurídico tributária. Assim, se o aspecto material da hipótese de incidência consiste num fato desvinculado de qualquer atuação do Estado, em função do que estará o contribuinte sujeito à imposição de determinado tributo, sua espécie será imposto. Se implicar atuação estatal, teremos taxa – caso a referibilidade entre a atividade estatal e o sujeito seja direta – ou contribuições – se a referibilidade for indireta, pois a atividade é desenvolvida para atender ao interesse geral, mas no primeiro caso provoca especial benefício a uma pessoa e, no segundo, a um grupo de pessoas. Este ângulo é fundamental para definir o que são as contribuições.[5]

 

A contribuição, vista por este ângulo, é um tributo vinculado a uma atividade estatal, referida a um grupo de indivíduos, ou, como quer Geraldo Ataliba, referida indiretamente a cada um dos indivíduos do grupo.

 

Em conclusão, verifica-se que o exame das classificações das espécies tributárias feitas a partir de dados da Ciência das Finanças – repartição dos encargos públicos – e a partir de critérios jurídicos – exame da norma jurídica tributária – são complementares.

 

A Constituição Federal de 1988 outorga competência tributária à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para instituir impostos, taxas – em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição – e contribuições de melhoria, decorrente de obras públicas (art. 145).  Ainda, à União, com exclusividade, a Carta outorga competência para instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo (art. 149, CF), bem como empréstimos compulsórios, por lei complementar, para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b (art. 148, CF).[6]

 

A Constituição atual permite distinguir, claramente, taxas de impostos e taxas de contribuições. Os impostos, tributos que se distinguem dos demais, são instituídos a partir de um determinado fato econômico previsto em lei e que revela, supostamente, uma capacidade econômica para contribuir dos respectivos sujeitos passivos. O artigo 16 do Código Tributário Nacional os define como tributos que independem de qualquer atividade estatal referida ao contribuinte. Claro que os fatos econômicos, sobre os quais podem incidir os impostos, são variados, razão pela qual a Constituição os classifica atribuindo competência privativa à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a partir de tal classificação. Assim, os campos econômicos são separados de molde a permitir que sobre cada um deles possa incidir o imposto correspondente. É bem verdade que a referência feita na Constituição Federal é genérica, abrangendo o âmbito de incidência do tributo. Nesse sentido, não pode haver tributação que decorra diretamente da Constituição. É preciso mais, que o titular da competência impositiva descreva, sempre respeitando o respectivo âmbito de incidência, o fato gerador do tributo, com todos os seus aspectos, em atenção ao princípio da tipicidade.

 

Outrossim, a competência tributária é estabelecida de sorte a não permitir que uns invadam o campo tributável de outros. Com efeito, a Federação brasileira é estruturada de forma a que suas ordens parciais de governo tenham fontes próprias de recursos. Mas não só próprias, também exclusivas. Isto significa que não podem os entes que  a compõem alargar suas competências impositivas de nenhuma forma, sobretudo através da utilização de tributos que nada mais constituem do que disfarces daqueles que pertencem à competência alheia.

 

Em matéria de impostos, a rigidez da partilha das competências impositivas é clara, mesmo no que respeita à chamada competência residual da União (artigo 154 da CF-88).

 

Mesmo no que respeita às taxas, a Constituição fornece critérios claros para sua imposição. Nos termos do artigo 145 da CF-88 e do artigo 77 do Código Tributário Nacional, só pode haver instituição de taxa se houver atividade estatal consistente na prestação de serviços públicos prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição ou consistente no exercício regular do poder de polícia. De outra parte, o serviço público que autoriza a cobrança de taxas é aquele prestado pelo que detiver a competência para tanto. Nesse sentido, é inconstitucional a taxa em razão de serviço público se quem o presta não é detentor da respectiva competência administrativa para instituí-la.

 

Portanto, impostos e taxas, bem como a contribuição de melhoria, têm seu campo material de incidência definido na Constituição.

 

Quanto às demais contribuições, têm elas suscitado sérias dúvidas para a sua instituição. De fato, embora as contribuições para a seguridade social tenham sido objeto de copiosa jurisprudência, havendo indicação do aspecto material de seu fato gerador no artigo 195 da Constituição Federal, o mesmo não ocorre com os tributos instituídos com base no § 4º deste mesmo artigo 195.[7]

 

Também as contribuições sociais gerais, tais como salário-educação (art. 212, § 5º, da CF-88), Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS –  (art.7º, inciso III, da CF-88), PIS e PASEP (art. 239 da CF-88) e outras, têm, na Constituição, parâmetros que limitam seu campo de incidência.

 

De outro lado, os empréstimos compulsórios previstos no artigo 148 da Constituição de 1988, só podem ser instituídos mediante lei complementar e nos casos excepcionais previstos no seus incisos I e II. Demais disso, o § único do artigo citado contém importante limitação ao exercício da competência tributária à medida em que obriga que o produto da arrecadação do empréstimo seja vinculado à despesa que fundamentou sua instituição.

 

A rigidez do sistema, pois, tem por objetivo primordial impedir invasões de competência o que, como inicialmente referido, a União tem levado a efeito nas últimas décadas. As invasões de competência prejudicam o sistema tributário como um todo, afetando sua lógica interna e atingem não só os contribuintes como também os demais poderes tributantes. Daí a importância de não se perder de vista, no exame das contribuições de intervenção no domínio econômico, a necessária verificação quanto à verdadeira natureza da figura : se se trata de verdadeira contribuição ou se se caracteriza, em verdade, como mecanismo para usurpação da competência tributária e da rigidez do sistema constitucional tributário, inclusive no que tange à repartição do produto da arrecadação dos tributos.

 

3. As contribuições de intervenção no domínio econômico

 

O artigo 149 da Constituição – que é a única referência existente na Constituição sobre as contribuições de intervenção no domínio econômico  – estabelece competir à União instituí-las, como instrumento de sua atuação em determinadas áreas. Nada mais.

 

Pois bem, qual é a materialidade de tais contribuições?

 

Para responder a tal questão, impõe ter presente que :

(i) o artigo 149 da Constituição estabelece que têm elas de ser instrumento da atuação da União nas respectivas áreas. Portanto, a contribuição há de ser um meio para a União atuar no domínio econômico em termos de áreas;

(ii) elas têm de ser verdadeiras contribuições, contendo todas as características que as identificam;

(iii) em relação a elas, assim como em relação às demais contribuições de que cuida o artigo 149 da CF-88, aplica-se o artigo 146, III, da Carta Maior.

 

As contribuições de intervenção no domínio econômico são tributos cujos traços conceituais supõem, sempre, uma atividade estatal referida indiretamente a um determinado setor, a um grupo de indivíduos e não a toda a população. Portanto, se há intervenção, tem ela de ocorrer em um determinado setor. Intervenção geral não justifica a instituição dessa contribuição.

 

Seus sujeitos passivos são todos aqueles que pertencem ao grupo ou setor sob intervenção e que tenham especial interesse na atividade estatal ou que dela aufiram benefício diferencial ainda que suposto. Embora a atuação do Estado refira-se ao grupo ou setor como um todo, presume-se que tal benefício alcance cada um de seus membros[8].

 

A falta de indicação do aspecto material do fato gerador das contribuições torna imperioso que tributo instituído a esse título atenda claramente aos requisitos próprios da figura e que vêm sendo indicados pela doutrina e acolhidos pela jurisprudência. A contribuição distingue-se dos impostos por ser de sua essência o atendimento a uma determinada finalidade, ou melhor, a uma finalidade constitucionalmente prevista. O artigo 149 da Constituição Federal, ao estabelecer que à União compete impor as contribuições “como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”, as entende como instrumento, isto é, meio para um determinado fim. Este fim é a atuação nas respectivas áreas, ou seja, de interesse das respectivas áreas. Portanto, há, antes de mais nada, de verificar-se na própria Constituição quais são as normas que permitem a intervenção do Estado no domínio econômico. Isto porque só como veículo para atingir aquelas finalidades é que se pode instituir contribuições.

 

É evidente que a falta de critérios do que seja intervenção e domínio econômico impede a identificação adequada dessa figura. Tal ausência de critérios abre um largo campo para que os poderes públicos possam invadir competências alheias ou provocar um bis in idem a pretexto de instituir tributo de sua própria área, infringindo, como já posto, limitações constitucionais próprias de impostos além de lesar interesses de estados e municípios no produto da arrecadação de impostos. Portanto, a correta análise do que e quando seja possível a intervenção é essencial ao deslinde do tema das contribuições.

 

O artigo 170 contém os fundamentos e princípios que regem toda a ordem econômica nacional. Sua leitura conduz o intérprete, muitas vezes, a algumas perplexidades em face da aparente colisão que têm eles entre si. Aparente, porém, já que do exame do caso concreto e em face da fundamentalidade dos valores envolvidos é que se há de dar maior ou menor prestígio a um ou a outro. O que não pode ocorrer é, a pretexto de afirmar-se um, negar-se completamente o outro. A interpretação supõe um balanceamento dos princípios a partir, sobretudo, de considerações axiológicas[9]. A intervenção do Estado no domínio econômico só pode dar-se nos estritos limites da autorização constitucional.

 

O artigo 173 da Constituição Federal, estabelece que “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

 

Da interpretação do dispositivo verifica-se que os casos de exploração direta da atividade econômica pelo Estado são ou aqueles expressamente previstos na Constituição (art. 21 e art. 177 da CF-88) ou, excepcionalmente, quando houver problemas relacionados com a Segurança Nacional ou relevante interesse coletivo, definido em lei.

 

Assim, o que o artigo 173 da Constituição autoriza é a exploração excepcional da atividade econômica pelo Estado em área que não é do seu domínio, mas sim dos particulares. Tanto assim, que as empresas estatais criadas para desenvolver tais atividades submetem-se ao mesmo regime aplicável às empresas privadas e não gozam de privilégios fiscais (§§ 1º e 2º do artigo 173). Há, pois, nessas condições, ingerência do Estado em domínio alheio e, portanto, intervenção. Desta forma, a primeira forma de intervenção do Estado no domínio econômico é a prevista no caput do artigo 173 da Constituição Federal.

 

Outra forma de intervenção é a que consta do § 4º do mencionado artigo 173, que se refere ao abuso de poder econômico e que dispõe : “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros“.

 

Deste modo, o abuso do poder econômico, quando afetar a concorrência, permitirá, também, a intervenção do Estado. Mas não uma intervenção para que ele, Estado, atue empresarialmente, exercendo, com exclusividade ou juntamente com os particulares, atividade econômica. A intervenção autorizada pela Constituição, neste caso, é de natureza regulatória  e que Celso Antonio Bandeira de Melo denomina de intervenção indireta[10]. Na esteira dessa terminologia, dar-se-ia que também se qualifica como intervenção regulatória a que se opera ou pode operar-se em face do que prevê o artigo 174 da Constituição Federal, do qual passamos a tratar.

 

A intervenção direta do Estado na atividade econômica é excepcional, podendo ocorrer somente dentro das balisas estabelecidas pelo artigo 173, caput, da Constituição Federal – imperativos da segurança  nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei, ressalvados os casos previstos na Constituição (arts. 21 e 177 da CF-88). A intervenção indireta do Estado ocorrerá em duas hipóteses: (a) naquela descrita no § 4º do artigo 173[11], que prevê a atuação do estado para reprimir abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros e que tem, portanto, natureza regulatória e (b) na contida no artigo 174, que permite a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este apenas indicativo para o setor privado e determinante para o poder público.

 

O artigo 174 da Carta Maior, permite múltiplas leituras, conforme a ideologia que, pressupostamente, o dispositivo tenha adotado. De qualquer forma, o fato é que o Supremo Tribunal Federal, mais na linha da doutrina nacional representada por José Afonso da Silva[12], Eros Grau[13], Fábio Konder Comparato[14]e menos numa linha ostensivamente liberal, entendeu que o Estado, enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica, também pode exercer as funções de fiscalizador, de estimulador e de planejador da atividade econômica, sendo este planejamento apenas indicativo para o setor privado.

 

Portanto, domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada e a intervenção pode dar-se com fundamento no caput do artigo 173, no § 4º do mesmo artigo 173 e com base no artigo 174 da Constituição Federal de 1988.[15]

 

As considerações sobre a ordem econômica levam, ainda, ao exame do artigo 163 da Constituição de 1967, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/69, porque, parece-nos, tinha conteúdo normativo similar ao dos artigos 173 e  174 da Constituição atual. A despeito de tanta tinta que correu sobre a nova ordem econômica, pensamos que na verdade pouco mudou, ressalvada, obviamente, a ideologia ostensivamente estatizante, presente na Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

 

Efetivamente, o artigo 163 da Constituição de 1967 permitia a intervenção e o monopólio de determinada indústria ou atividade “mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais” .

 

Ora, à letra dos dispositivos, por que hoje se admite a intervenção do Estado no domínio econômico? A intervenção direta do artigo 173 da Carta atual, quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, pode, perfeitamente, ser compreendida no conteúdo do antes citado artigo 163 da CF-67/69. Por outro lado, quando há um setor que não funciona bem em regime de competição, até porque pode haver uma empresa ou um grupo de empresas que têm o domínio completo deste mercado, pode haver uma intervenção regulatória nos termos do § 4º do artigo 173 da CF-88, a exemplo do que autorizava o referido artigo 163 da CF-67/69. E, quando um determinado setor precisa de fomento, porque não funciona, normal ou regularmente, num regime de livre competição, possibilita-se a intervenção do artigo 174 da CF-88. Por que – já dando aqui uma indicação do que se verá adiante – a contribuição de intervenção no domínio econômico de antes é diferente da contribuição de intervenção no domínio econômico de hoje, quando a jurisprudência que causou mais debates sobre o tema foi a relativa ao adicional ao frete para a renovação de marinha mercante – AFRMM[16], que surgiu antes da Constituição atual ?

 

A definição destes campos leva à conclusão de que a intervenção no domínio econômico de hoje tem pontos em comum com a intervenção no domínio econômico existente sob a égide da Constituição anterior; que domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada; que a intervenção no domínio econômico pode dar-se com fundamento no caput do artigo 173, no parágrafo 4º do mesmo artigo 173 e com base no artigo 174 da Constituição Federal de 1998 e que não há necessidade de instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico por lei complementar, pois nada mudou  e o Supremo já julgou constitucionais contribuições que não foram criadas por este veículo legislativo.

 

Remanesce para exame questão relevante: haveria possibilidade de intervenção em campo constitucionalmente reservado à União? Assim não parece. A intervenção, logicamente, só pode ocorrer em campo de atuação distinto daquele que cabe ao interventor. Portanto, a União só pode atuar no setor privado ou em campo que, embora originariamente reservado ao Estado, passe a pertencer à iniciativa privada por força de autorização, concessão ou permissão.

 

Assim, atividades como a exploração de portos marítimos, fluviais e lacustres (art. 21, inciso XII), enquanto exercidas pela União, e aquelas previstas no art. 177 da CF/88, que sempre são por ela exercidas, não poderiam ensejar intervenção. E, não havendo intervenção, logicamente não há se cogitar do instrumento  – contribuição – que a poderia viabilizar.

 

Mas não só por essa razão seria injustificada a contribuição na hipótese cogitada. Se é ela meio através do qual a União pode atuar, qual seria a razão de sua instituição, caso optasse por atuar através da exploração direta da atividade econômica?

 

Este ponto é fundamental em tema de contribuições de intervenção. Se a contribuição há de ser instrumento da atuação da União em uma determinada área, como explicitamente indicava a redação da Carta pretérita e nos precisos termos do art. 149 da CF/88, é claro que não pode ela atuar nesta área, diretamente, cobrando preço, e cumulativamente arrecadar recursos mediante contribuição. Se assim fizesse estaria atuando por duas vias e, pior, estaria tendo dupla fonte de custeio. Ora, tal contraria o princípio da eficiência (art. 37 da CF/88) e o da proporcionalidade.

 

Com efeito, explorar é tirar vantagem ou proveito de algum empreendimento”[17]. A União, quando atua diretamente tira proveito econômico de sua atuação, mediante a cobrança de preço, cuja dimensão deverá ser suficiente para a manutenção e também para a expansão da atividade. Admitir a possibilidade de o Estado, concorrendo com a atividade privada, explorar determinada atividade econômica e, ao mesmo tempo, instituir contribuição de intervenção como instrumento para essa exploração, implica perigoso alargamento da competência impositiva da União, porque a autoriza a, a pretexto de melhorar, investir, reaparelhar ou conservar a sua rede toda de serviço público, ou de serviços de interesse público a que se refere o artigo 21, criar as contribuições que bem entender. A par de explorar determinadas atividades e receber o respectivo preço, receberá de outra fonte, o que não faz sentido. Nessa hipótese, não teríamos contribuição, assim entendida aquela que se caracteriza como instrumento de atuação do Estado em determinada área, mas preços, em contrapartida à atuação estatal. A contribuição seria meio de financiar o Estado independentemente da atuação estatal referida ao contribuinte, o que é incompatível com a figura. Nesse caso estaríamos diante de tributo não vinculado.

 

Além disso, como foi referido, a instituição de contribuição quando a União já pode cobrar preço por sua atuação fere claramente o princípio da proporcionalidade, em virtude do qual a ação do Estado só se justifica se for (i) necessária, (ii) adequada e (iii) razoável (proporcionalidade em sentido estrito)[18]. Ora, se se pode cobrar preço não é (i) necessária a instituição de contribuição para financiar a mesma atividade; (ii) nem adequada, pois a empresa pública deve atuar com os mesmos instrumentos das do setor privado, o que não se coaduna com fonte externa de recursos a serem canalizados exatamente para viabilizar ou impulsionar suas atividades; (iii) nem tampouco razoável, pois, contando a ação estatal com meio próprio que a financia (preços) não é razoável possa ela contar, também, com recursos compulsoriamente arrecadados dos particulares.

 

Do que, contudo, parece impossível fugir é da enorme dificuldade de apoiar as decisões do plenário do STF em tema de contribuição de intervenção no domínio econômico, no que respeita à possibilidade de sua instituição quando se trata de exploração direta de atividade econômica pelo Estado, em áreas ou setores a ele reservados, não delegadas aos particulares. Realmente, nesta hipótese, não há intervenção, mas mera atuação do Estado, em campo que lhe é constitucionalmente reservado e para o que já recebe o devido e justificado preço.

 

Em síntese, a instituição de contribuição de intervenção é possível quando haja (i) efetiva intervenção do Estado no domínio econômico,  nos limites das possibilidades constitucionalmente previstas para tanto, (ii) em atividade originariamente reservada ao setor privado ou que tenha a esta sido transferida por autorização, concessão ou permissão, (iii) e que cause um gasto excepcional do Estado ou benefício especial a determinado grupo de indivíduos, componentes do setor objeto da intervenção efetuada.

 

Aquilo que foge a estes requisitos não pode ser contribuição de intervenção no domínio econômico, tal qual pretendida pelo constituinte, mas coisa diversa, que se presta a financiar, indevida e inconstitucionalmente, as atividades gerais do Estado.

 

Ora, interpretação que conduza à negação dos limites antes referidos e que justifique a instituição de contribuições apenas e tão somente com fundamento na finalidade constitucionalmente prevista, abre à União a possibilidade de criar tributo novo, rotulado de contribuição, mas que na verdade tem todas as características de imposto,  o que interfere com o sistema federativo, como se passa a demonstrar.

 

4. A Federação

 

O sistema federativo tem, seguramente, alguns alicerces fundamentais. Não há dúvida que para haver uma tributação deve haver um ente dotado de personalidade jurídica própria e com capacidade de organização. A par disso, é traço característico da Federação que o ente federado tenha fontes próprias de recursos. Enfim, ninguém tem autonomia com o chapéu na mão. A doutrina parece que não discrepa ao estabelecer que dentre os elementos invulneráveis que compõem a forma federativa do Estado brasileiro encontra-se “a enumeração dos poderes tributários da União, dos Estados e dos Municípios”.[19]

 

Portanto, o tema da tributação e da partilha do produto da arrecadação dos tributos, no ordenamento jurídico pátrio, não pode ser feito sem ter como pressuposto o traçado constitucional da Federação, para o que a Constituição brasileira vale-se de princípios e regras.

 

Ambos – princípios e regras – são conteúdo de normas constitucionais. Teoricamente podemos dizer que princípios são pautas de segundo grau que presidem a elaboração de regras de primeiro grau. Isto é, princípios são prescrições genéricas, que se especificam em regras. Esta distinção, formulada em tese, não é fácil, porém, de ser sustentada na análise do texto constitucional. A terminologia, mesmo teoricamente, não é pacífica. Isto exige, pois, um esclarecimento terminológico[20].

 

Embora a distinção entre princípio e regra não seja fácil de ser sustentada teoricamente, pode-se propor os seguintes critérios que ajudam o intérprete[21]:

 

1.     os princípios não exigem um comportamento específico, isto é, estabelecem ou pontos de partida ou metas genéricas; as regras, ao contrário, são específicas em suas pautas;

2.     os princípios não são aplicáveis à maneira de um “tudo ou nada”, pois enunciam uma ou algumas razões para decidir em determinado sentido sem obrigar a uma decisão particular; já as regras enunciam pautas dicotômicas, isto é, estabelecem condições que tornam necessária sua aplicação (conseqüências que se seguem automaticamente);

3.     os princípios têm um peso ou importância relativa, ao passo que as regras têm uma imponibilidade mais estrita; assim, princípios comportam avaliação sem que a substituição de um por outro de maior peso signifique exclusão do primeiro; já as regras, embora admitam exceções, quando contraditadas provocam a exclusão do dispositivo colidente;

4.     o conceito de validade cabe bem para as regras (que ou são válidas ou não o são), mas não para os princípios, que, por serem submetidos a avaliação de importância, mais bem se encaixam no conceito de legitimidade.

 

Uma das técnicas fundamentais da hermenêutica constitucional exige que o intérprete postule a unidade da constituição. Esta regra da unidade nos obriga a vê-la como um articulado de sentido. Tal articulado na sua dimensão analítica, é dominado por uma lógica interna que se projeta na forma de uma organização hierárquica. Ou seja, uma constituição, da mesma forma que o ordenamento em geral, também conhece, do ângulo hermenêutico, a estrutura da ordem escalonada. O escalonamento é para a dogmática jurídica condição da unidade que, por sua vez, garante ao ato interpretativo o respeito aos valores da segurança e da certeza. Conforme a tradição constitucionalista, sem esta unidade a constituição corre o risco de se tornar instrumento de arbítrio.

 

A noção de hierarquia, sobretudo numa época em que as constituições perdem o caráter de conjunto de normas genéricas, para adquirir o caráter e a complexidade quantitativa e qualitativa de disposições de toda ordem, passa a ser um importante pressuposto hermenêutico[22]. Hierarquia significa que as disposições constitucionais não estão todas postas horizontalmente umas ao lado das outras, mas também verticalmente. Falamos, assim, em sistema escalonado, isto é, disposições coordenadas e inter-relacionadas que se condicionam reciprocamente em escalões sucessivos. Assim, por exemplo, é de se reconhecer, no complexo constitucional, a presença do cerne fixo material representado pelos direitos fundamentais e sua prevalência sobre as demais normas, bem como a diferença entre normas que agasalhamprincípios, normas que instituem princípios, normas que pressupõem princípios, normas que têm mero sentido técnico de organização, que instauram vedações, estatuem objetivos, estabelecem condições etc..

 

Distinções formais, contudo, não são suficientes para compreender o sistema constitucional. Existem aí aspectos econômicos, sociológicos, jurídicos e filosóficos que não podem ser reduzidos a mera forma. Neste sentido, diz-nos Pinto Ferreira[23] que o “edifício” constitucional possui vários andares: “em baixo, a infra-estrutura das relações econômicas, a técnica de produção e de trabalho, como símbolo de uma economia individualista ou capitalista; logo em seguida as representações coletivas da sociedade, os sentimentos e instituições dominantes da comunidade humana, como reflexo da consciência comunal; depois, o sistema de normas jurídicas que, se inspirando nos antecedentes econômicos e histórico-sociais, corporificam-no em uma carta política; e, acima de tudo, os princípios de justiça, direito natural e segurança coletiva, como o ideal do regime constitucional perfeito”. Esta dimensão material, exemplificada neste texto de Pinto Ferreira, mostra que o sistema e sua unidade comportam complicações maiores que a simples ordem analítica e formal.

 

Tendo em vista, portanto, a complexidade formal e material do sistema constitucional e, simultaneamente, a exigência hermenêutica da unidade do sistema, deve-se concluir, numa primeira aproximação do problema, que:

 

a.     toda constituição contém, necessariamente, princípios; e que

 

b.     no contexto infra-sistemático da constituição, os próprios princípios, em face  da estrutura hierárquica, não têm o mesmo peso nem a mesma função. Donde se segue que a observação dos princípios comporta análise e discriminação.

 

O. Bachof[24], ao discorrer sobre a tese doutrinária da existência de normas constitucionais inconstitucionais, distingue entre princípios de caráter puramente positivo e princípios de caráter extrapositivo. A distinção não significa, porém, uma discriminação entre princípios inscritos e não inscritos num texto constitucional, mas aponta para a diferença entre princípios estatuídos e princípios reconhecidos pelo constituinte. Não é o caso de aprofundar esta distinção. Não obstante, ela assinala a existência de princípios – os reconhecidos – cuja universalidade, em tese, ultrapassa os limites das constituições estatuídas. Nestes termos, é conhecido o disposto no artigo 16 da Declaração francesa de 1789: “toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição”. A própria Constituição Federal  determina que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”(artigo 5o, § 2o).

 

Sem entrar no mérito da universalidade dos princípios – o da proteção da dignidade da pessoa humana em face do poder, decorrente da declaração dos direitos individuais e garantias constitucionais ou o da separação dos poderes –  é importante mostrar que a distinção de Bachof nos permite encontrar um primeiro significado para a expressão princípio constitucional. Trata-se, pelos exemplos, de pautas primárias de uma Constituição que, por pressuposto, dão sentido à principialidade do ato constituinte. Assim, se o ato constituinte é um ato inaugural (principialidade), a liberdade (como espontaneidade principial do ser humano) há de ser, necessariamente, um de seus atributos fundamentais. Em conseqüência, princípio constitucional não é apenas uma pauta inicial, não se confunde com um mero começo, mas é pauta que dá sentido ao que se segue em decorrência.

 

Nesse primeiro sentido, princípios fundamentais de uma Constituição são aqueles que lhe dão sentido de primeira norma. É o caso, por exemplo, do princípio da supremacia das normas constitucionais. Sem eles não há constituição, sem eles a principialidade do ato constituinte não ocorre.

 

A Constituição brasileira de 1988 declara estes princípios no seu Título I : “Dos princípios fundamentais”. Este título contém, por assim dizer, o traçado do ato principal do poder constituinte originário. É assim que ele se instaura. Deste modo, alterar o que consta dos artigos 1°, 2°, 3° e 4° é principiar outra constituição. Aqueles princípios, que ali se chamam “fundamentais”, “objetivos fundamentais” e “princípios”, são a base da principialidade constituinte originária: neles está a supremacia de uma ordem nova. Isto o poder constituinte derivado não pode alterar, pois seu poder constituinte ali se principia como ali se principia o próprio poder constituinte originário. Por este seu caráter de fundamentos da própria principialidade, estes princípios devem ser chamados de fundamentais. Tais princípios estão ali com o ato constituinte.

 

Por seu caráter originário destaca-se, inicialmente, no artigo 1º, o que se poderia chamar de princípio congênito do exercício do poder: só o povo é suporte de qualquer poder, inclusive o constituinte. Este princípio do ato constituinte se desdobra, analiticamente, no princípio da soberania popular, da cidadania como o direito de ter direitos[25], da dignidade da pessoa humana (base para os direitos fundamentais), do caráter social e livre da atividade econômica (trabalho e livre iniciativa), do pluralismo político e da tripartição dos poderes. Com base nestes princípios originários, a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito que é sua fórmula-síntese. A partir desses princípios originários, o poder constituinte instaura a República Federativa.

 

República e Federação são regime de governo e forma de Estado que têm por base o princípio republicano e o princípio federativo. Estes já têm caráter estatuído. Também eles são fundamentais, mas não são originários no sentido de imanentes à própria principialidade do exercício do poder constituinte. São uma opção fundamental do poder constituinte. Por seu caráter podemos chamá-los de fundamentais instituídos. Sem os primeiros, o poder constituinte não se constitui. Os segundos decorrem do seu exercício.

 

Há princípios, também fundamentais, que são reconhecidos pelo poder constituinte no momento em que este se exerce, mas que delineiam  o poder constituinte em face de outros poderes igualmente constituintes. São os princípios que regem as relações internacionais. Estes, por seu caráter, são princípios fundamentais de reconhecimento mútuo. Por fim, o artigo 3° traça objetivos fundamentais da República. A palavra princípio cabe aqui no sentido de finalidade, meta[26]. Tais princípios dão o sentido de orientação da República Federativa, regulando-lhe a atividade, impondo-lhe um telos do qual não deve desviar-se. Por seu caráter, são princípios fundamentais teleológicos.

 

Os princípios fundamentais originários, instituídos, de reconhecimento mútuo e teleológicos constituem o núcleo sensível da Constituição Federal, de tal modo que o constituinte derivado neles encontra a condição fundamental de seu exercício. Neste sentido, eles são intocáveis, pois alterá-los é colocar-se como constituinte originário. Do ângulo da hermenêutica constitucional, dir-se-ia que tais princípios não admitem interpretação restritiva, desdobrando-se numa série de direitos, garantias e deveres que deles decorrem. Com base neste fundamento, ademais, o constituinte originário procede, assim, à positivação de certas normas que impõem limites ao poder constituinte derivado (artigo 60, § 4°) e outras que disciplinam a intervenção da União nos Estados (artigo 34) bem como de Estados em Municípios (artigo 35) ou da União em Municípios do Distrito Federal (artigo 35). As normas do artigo 60, § 4°, não estatuem princípios, mas reportam-se a eles para limitar o poder constituinte derivado.

 

4.1.         A Federação e a limitação imposta ao poder constituinte derivado no artigo 60, § 4º, da CF-88

 

No artigo 60, § 4oa,a Constituição Federal veda que seja objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado. O poder constituinte originário, na verdade, ao instituir o princípio federativo, já delineia a federação, estabelecendo-lhe, por sua vez, outros princípios, princípios comuns de organização. Se uma federação é uma repartição de competência, a Constituição Federal distingue entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (artigo 18) conforme um princípio de autonomia política (auto-organização, autogoverno, auto-administração)[27], que faz parte do princípio federativo.

 

A instauração de tais ordens jurídicas coexistentes é uma opção do constituinte que exige, no entanto, compatibilidade e conformidade de suas regras. Para efeito desta exigência é que se estabelecem os princípios de organização. Dentre eles mencionem-se os constantes do artigo 37, referentes à Administração Pública dos quatro entes políticos da Federação e comuns a eles, os do artigo 93 referentes à magistratura, os princípios gerais do sistema tributário nacional da Seção I do Capítulo I do Título VI.

 

Os princípios comuns de organização são, em geral, específicos a certa classe ou assunto especial. Ora se referem à administração, ora à magistratura, ora aos servidores, ora à ordem tributária e orçamentária. Já por essa razão têm um peso menor que os princípios fundamentais, que afetam a estrutura inaugural (principialidade) da Constituição. Sua importância, porém, é decisiva quando se observa o mandamento que veda deliberação sobre proposta tendente a abolir a forma federativa.

 

Por fim, há de se lembrar, a propósito, que a Constituição contém também os chamados princípios estabelecidos, que, na verdade, são vedações expressas ao poder constituinte derivado, o que nos levaria a falar antes em regras. Assim, por exemplo, o artigo 19 contém regras que vedam à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, expressamente, certos comportamentos normativos (por exemplo, recusar fé a documentos públicos, criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si etc.). Outras disciplinam a competência legislativa comum, concorrente e suplementar (artigo 22, § único, artigo 23 e artigo 24). Os §§  1° ao 4° do artigo 24 contêm regras para a disciplina das competências suplementar e concorrente. A distribuição de competências, por meio de regras, contém, porém, a contrario sensu, vedações para o constituinte derivado. Em outros casos, ainda, a Constituição Federal estende, compulsoriamente, aos Estados certas regras, como é o caso do artigo 27, § 1°, em que se manda aplicar as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

 

Isto posto, resta ainda falar do sentido da expressão “tendente a abolir”. Em primeiro lugar, devemos reconhecer que para observar princípios, o constituinte derivado não se escusa se simplesmente repete um princípio, embora nada impeça de fazê-lo. Observar um princípio significa assim abster-se de emitir regras com conteúdos incompatíveis ou, positivamente, emitir regras constitucionais compatíveis. Não se cumpre um princípio repetindo o seu teor, mas emitindo regras que compõem um conjunto hierarquicamente harmônico. Como os princípios não exigem um comportamento específico, nem são aplicáveis à maneira de um tudo ou nada, observá-los significa seguir-lhes a orientação ao estabelecerem-se derivadamente regras constitucionais. Isto confere ao constituinte derivado uma certa flexibilidade legitimante que faz de sua competência um poder condicionado, mas não limitado. Embora condicionado, o poder derivado não deixa de ser constituinte. E nisto ele é diferente do poder legislativo. Ele não é limitado no sentido de que pode estender ou restringir normas constitucionais. Mas é condicionado porque a inobservância de princípios gera uma ilegitimidade das regras por ele constituídas, cuja conseqüência é a desconsideração do poder constituinte derivado. Nesse sentido, significa que ele não pode sequer deliberar sobre proposta tendente a abolir a forma federativa. E tendea abolir se o princípio federativo é atingido, o que se constata pela violação de princípios organizacionais da federação e de regras decorrentes. Abolir, nestes termos, significa desestruturar a forma federativa, por violar-lhe os princípios e  regras.

 

Admitindo-se que os princípios fundamentais constituem primariamente o ato constituinte e o princípio federativo é um deles, deixar de observá-lo é negar-se como poder constituinte. Atos tendentes a abolir o princípio federativo são atos normativos inexistentes quanto à sua eficácia e anticonstitucionais quanto à normatividade. Não são propriamente inconstitucionais, mas contra a constituição, isto é, emanados fora do âmbito de legitimidade constituído originariamente. A força de alguns destes princípios é tal que o próprio constituinte originário estabelece, para sua violação, regras sancionadoras que autorizam a intervenção da União nos Estados e destes em Municípios[28]. Aliás, só assim se explica, no seio de uma federação, esta fórmula esdrúxula da intervenção que, aparentemente, fere a idéia de federação, como faz ver, entre outros, Hans Kelsen.[29]

 

No que se refere à observância dos princípios de organização da federação que, em grande parte, são princípios estabelecidos, por sua estrutura dicotômica (sim/não) próximos de regras, a sua inobservância acarreta a inconstitucionalidade da norma constituinte derivada, isto é, seus efeitos devem ser considerados nulos (mas não inexistentes), cabendo ao STF sobre isto se pronunciar. Isto vale tanto para os princípios da organização quanto para as regras decorrentes. Nesse sentido, o § 1o do artigo 102 da Constituição Federal fala em argüição de descumprimento de preceito fundamental  decorrente da Constituição, conceito que inclui os princípios fundamentais originários, mas também os instituídos, dentre os quais, o princípio federativo[30].

 

Esta questão parece importante para o tema do sistema tributário nacional em face da forma federativa de Estado.

 

Como antes referido, o Sistema Tributário Nacional é estruturado como meio organizacional da própria Federação. E nele se insere a classificação dos tributos, a partir do que é feita a partilha da competência impositiva.

 

A discriminação constitucional de competências em matéria de exações qualificadas condicionalmente (impostos, taxas, contribuição de melhoria) especifica a materialidade a partir da qual poderão ser instituídas exações compulsórias, havendo ainda uma cláusula constitucional genérica para o campo residual (artigo 154, I, da CF), exercendo a relevante função de atribuir a cada pessoa política uma fração do universo possível de incidências. Já em matéria de contribuições, na atribuição de competência, a Constituição adota o critério de instituição de finalidades. Em termos de sistema tributário constitucional, não se trata, pois, de mera classificação (teórica), mas de princípio constitucional de organização, próprio da federação, que, como tal, prevalece perante a legislação infra-constitucional.

 

Prevaleceria também em face do poder constituinte derivado?

 

A Federação brasileira resultou de um movimento histórico de contrifugação[31]. O País não nasceu federativo. As antigas províncias, entidades preponderantemente administrativas, transformaram-se imediata e diretamente em Estados. Não houve, entre nós, um processo centrípeto, de agregação, com a decisão de entidades independentes de se associarem politicamente. O poder central, preexistente, é que assumiu a forma federativa. Assim, enquanto nos casos de agregação, a distribuição das competências é, analiticamente, controvertida, no Brasil deve-se partir, historicamente, de uma hegemonia do todo para a constitucionalização das competências parciais.

 

Este processo de federalização, não obstante, mostra uma passagem progressiva de uma tônica segregacionista, com a insistência na autonomia das unidades parciais, para um federalismo orgânico, com a tônica da cooperação. Assim, já a partir dos anos 30, são normatizadas as relações intergovernamentais, reconhecendo-se o papel da União no custeio, na direção técnica e administrativa das zonas em que as grandes endemias nacionais excediam as possibilidades dos governos locais. Mas é sobretudo na discriminação de rendas que se percebe a nítida tendência para um federalismo solidário[32] – a identidade de destinos, pela comunicação fecunda de recursos: federalismo cooperativo -, espelhado mormente na cooperação financeira por meio de regras capazes de regular o inter-relacionamento resultante do exercício da competência tributária de uma entidade no de outra, conforme três modalidades básicas[33]: a participação em impostos de decretação de uma entidade e percepção por outras ( C.F., arts. 157, I, e 158, I), a participação em impostos de receita partilhada segundo a capacidade da entidade beneficiada (C.F. art. 158, II, III, IV e seu parágrafo único) e a participação em fundos (C.F. art. 159). O federalismo cooperativo exige essa discriminação de rendas, mas num certo sentido a transcende.

 

Pertinente e aguda, nesse sentido, a observação do Min. Celso de Mello[34]:

 

“O legislador constituinte, ao reafirmar sua histórica opção pela forma federativa de Estado, pronunciou uma decisão política fundamental cuja essencialidade, na caracterização da fisionomia institucional do modelo consagrado pela Carta da República, levou-o a eleger o princípio da Federação como um dos núcleos imutáveis do nosso sistema constitucional (CF, art. 60, par. 4o , I).

 

A Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõem o Estado Federal.

 

Desse vínculo isonômico, que parifica as pessoas estatais dotadas de capacidade política, deriva, como uma de suas conseqüências mais expressivas, a vedação – dirigida a cada um dos entes federados – de instituição de imposto sobre o patrimônio, a renda e os serviços, uns dos outros”.

 

Nessa linha de raciocínio, esclarece o Ministro que sendo opoder reformador um poder derivado e subordinado às prescrições jurídicas condicionantes estabelecidas com absoluta supremacia pela Lei Fundamental,

 

“não assiste ao Congresso Nacional qualquer poder de rever ou de reapreciar o sistema de valores essenciais consagrados pela Constituição, dentre os quais avultam, por sua indiscutível relevância, o postulado da Federação e o princípio tutelar dos direitos e garantias individuais, inclusive aqueles de índole jurídico-tributária[35] (negrito no original).

 

No texto, o Ministro fazia menção à imunidade recíprocadentre outras conseqüências do princípio federativo. Portanto, em sede de sistema tributário constitucional, certamente há outras, não menos relevantes.

 

Rubens Gomes de Souza[36] já dizia que o Direito Tributário brasileiro, à época em que escrevia, além dos problemas econômicos e financeiros, apresentava outros, de natureza jurídica, decorrentes do regime financeiro da Constituição. Dentre esses, os principais estavam na possibilidade de caracterização dos impostos privativos, ensejando infrações à discriminação de rendas e às proibições constitucionais em matéria tributária. Finalmente, um grave defeito era apontado no fato de que, na legislação positiva, problemas regidos pelos mesmos princípios recebiam de leis diferentes um tratamento jurídico diverso e, muitas vezes, contraditório. Daí, segundo ele, a necessidade de uma lei que fixasse determinados princípios gerais, a serem observados pelas leis tributárias federais, estaduais e municipais. O projeto de um Código Tributário Nacional originou-se do reconhecimento dessa necessidade.

 

Na Constituição atual, a atribuição à lei complementar de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre a definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados nela, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (artigo 146, “a”), reporta-se a uma sistematização de tributos discriminados na própria Constituição. Menção especial merecem, nesse sentido, os artigos 145, 148, 149.

 

A sistematização de tributos, na própria Constituição, decorre de princípios. Não se trata de sua definição, atribuída à Lei Complementar, mas de seu condicionamento principiológico. Este condicionamento ora tem a ver com direitos e garantias individuais “de índole jurídico-tributária”, ora com conseqüências derivadas do “sistema do federalismo de equilíbrio”.

 

Comecemos por aquelas, para mostrar como se interpenetram com essas.

 

José Afonso da Silva[37], ao discorrer sobre as garantias constitucionais individuais e tratar da segurança jurídica (direito à segurança) nela inclui a segurança em matéria tributária, que se realiza nas garantias consubstanciadas no artigo 150: nenhum tributo será exigido nem aumentado, senão em virtude de lei (inciso I), princípio da legalidade tributária, princípios da anterioridade e da irretroatividade (inciso III), proibição do confisco por via da tributação (inciso IV).

 

O princípio da legalidade, reserva absoluta de lei, fere o tema da segurança no sentido de que, onde o direito é claro e limitado, criam-se condições de certeza e igualdade que habilitam o contribuinte a sentir-se senhor dos seus atos e dos atos de terceiros. A certeza obtém-se pela exigência de ações-tipo (tipificação), ou conforme a materialidade de fatos geradores ou conforme finalidades constitucionais para a atuação do Estado. A igualdade tem a ver com o destinatário das normas, donde a isonomia e proibição de discriminação.

 

Da segurança em termos de legalidade decorre uma exigência de sistematização material e formal, entre as quais há uma complementaridade[38]. Pela sistematização material, assegura-se a racionalidade e unidade de conteúdos[39], cuidando a própria Constituição de discriminar entre impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, de interesse das categorias profissionais e econômicas, dos servidores. A unidade está no caráter de tributo, a racionalização na distinção entre tributos sem (sobre impostos, v. artigo 167-IV da CF) e com afetação – artigo 145-II, III, artigo 149 da CF – (estrutura organizacional). Pela sistematização formal, há uma organização de competências, cujo atributo de uniformidade está na presunção geral do poder tributante (soberania, autonomia) e cujo atributo de racionalidade está na partilha cooperativa das receitas entre os entes federados – Título VI, cap. I, seção VI, da CF – (estrutura política). A sistematização material e formal vem sendo reconhecida em acórdãos do Supremo Tribunal Federal, como se pode ler no RE nº 146.133-9/SP  e na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1,  in RTJ-156/743/745.

 

Como a racionalidade da sistematização material afeta a racionalidade da sistematização formal, a estrutura organizacional e política compõe uma só sistematização tributária. Sem essa sistematização, a federação não se compreende.

 

A racionalidade da sistematização material exige a discriminação entre os tributos. Isto não significa que, sem ferir a sua rigidez, novos tributos não possam ser introduzidos, mas que os tributos discriminados não podem ser desfigurados. Isto porque, sendo a federação estruturada de forma que suas ordens parciais tenham fontes próprias de recursos (de arrecadação própria e partilhada), a desfiguração de tributos discriminados afeta a racionalidade da sistematização formal, com o efeito, por exemplo, de que a repartição de receita de impostos venha a ser subrepticiamente alterada. Afinal, o federalismo cooperativo impõe solidariedade, que proscreve a deslealdade.

 

Assim, por exemplo, as discriminações de competência tributária destinam-se a impedir, dentre os entes da federação, que uns invadam o campo tributável de outros, ademais porque isto tem conseqüências para a repartição das receitas. Isto significa que, se os entes não podem alargar suas competências impositivas, não pode o poder derivado desfigurar a discriminação de tributos, introduzindo em uns as características de outros, em desconformidade com os princípios discriminatórios estabelecidos pelo poder originário[40]. Afinal, se o federalismo cooperativo exige discriminação de receita tributária e esta nada mais é que discriminação de rendas pelo produto[41], a irracionalidade material destitui o sistema tributário de sua condição de garantia da segurança. Haveria, assim, a caracterização de proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado em termos de federação de cooperação.

 

Em outras palavras.

 

O princípio geral (organizacional) que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado federal é o da predominância de interesses (geral ou nacional para a União, regional para Estados e local para Municípios). Na Constituição Federal, para discernir entre os interesses, recorre-se ao sistema  de enumeração exaustiva de poderes, que vigora também para a repartição de rendas tributárias, com competência residual para a União (artigos 145 a 162). Adota-se, na verdade, um sistema complexo que busca realizar o equilíbrio federativo, combinando a enumeração com áreas comuns (artigo 23), setores concorrentes e competências suplementares[42].

 

A discriminação de rendas “constitui um dos aspectos nucleares da disciplina jurídica do Estado federal”[43]. Embora não se confunda com o sistema tributário, na Constituição Federal a discriminação de rendas combina a outorga de competência tributária exclusiva, por fonte, com o sistema de participação no produto da receita tributária de entidade de nível de interesse mais amplo. A discriminação pela fonte indica o tributo, a pelo produto, a repartição de receita.

 

A discriminação pela fonte tem uma importante conseqüência, referente à invasão de áreas reservadas a um ente federal por outro. Não se trata de questão a que se refere o artigo 154-I da Carta Maior, que o Supremo Tribunal Federal já decidiu ser norma destinada ao legislador ordinário e não ao constituinte derivado. Não se trata, também, de saber se contribuições, de competência da União, podem ter fatos geradores de imposto, como a renda, também de competência da União ou se duas contribuições podem ter a  mesma base de cálculo (problema discutido e resolvido afirmativamente na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1 – DF, RTJ-156/736), mas de se o poder derivado pode alterar características principiológicas constitucionais de um tipo de contribuição, permitindo que a União invada o terreno de fontes reservadas aos outros entes federados. Ou, de outra forma, alterar aquelas características de tal modo que, por se tratar, nominalmente, ainda de contribuição, contornar os efeitos da discriminação de rendas pelo produto.

 

Resumindo : se a Constituição não discriminar o poder tributário de Estados e Municípios, ou ainda, o direito que os Estados e Municípios têm de participar no produto da arrecadação dos impostos de competência da União Federal e houver concentração de todos os poderes nas mãos da União, parece indubitável que a forma federativa estará sendo abolida. Portanto, radicalizando, se não existe mais partilha do produto da arrecadação nem partilha da competência impositiva e quem pode criar tributos no Brasil é só a União, não há dúvida que haverá abolição da Federação.

 

Pois bem, mesmo afastando essa postura radical, se for possível, por meio de  uma Emenda Constitucional, amesquinhar os direitos de Estados e Municípios em tema de partilha do produto da arrecadação de modo que  eles passem, progressivamente, a ter menos direitos, parece que, neste caso, há tendência a abolir a federação. Da mesma forma, se em matéria de competência impositiva utilizaram-se sistemas que de alguma maneira tornem amesquinhados os poderes privativos e impositivos de Estados e Municípios por meio da criação de poderes impositivos iguais, sobre as mesmas realidades, para a União, é claro que com isto está-se afastando a competência privativa dos Estados e Municípios e criando uma competência concorrente, o que exclui a idéia de competência privativa e a idéia de partilha de competência impositiva.

 

Em conseqüência, o sistema tributário deixaria de ser um sistema tributário rígido, que é a parte onde se apóia o sistema federativo brasileiro. Ora,  se a competência privativa é amesquinhada, diminuída pouco a pouco, o sistema torna-se flexível. Em assim sendo, medidas ou emendas constitucionais que veiculem tais disposições tendem a abolir a Federação. Esta é a idéia clara  que encontra apoio na melhor doutrina, citando-se, como exemplo,  José Afonso da Silva[44], quando afirma que se uma emenda constitucional retirar parcela da autonomia dos Estados federados, na parte que assenta sobre auto-organização, auto-governo e auto-administração, por mínima que seja,  tal “indica tendência a abolir a forma federativa do Estado”.  Pela mesma razão, se houver algo que retire o poder tributário dos Estados ou o direito que eles têm de participar do produto da arrecadação dos impostos da União, pela mesma razão, evidentemente, haveria tendência a abolir a Federação. Não se diga, como demonstrado, que a interpretação da expressão “tendente a” significa que só há impossibilidade de alteração da Constituição por emenda constitucional ou uma cláusula pétrea quando uma norma tenda a abolir a Federação ou a demolir a forma federativa, no sentido extremado, ou seja, aquilo que tenda a excluir completamente a competência dos Estados ou dos Municípios ou o direito à partilha do produto da arrecadação dos impostos da União.  A interpretação restritiva da expressão tendente a não parece a melhor. A interpretação mais razoável e consonante com o sistema é, verdadeiramente, no sentido de emenda que não só vise a abolir a federação mas também a amesquinhá-la. Ou seja, emenda que vise não  propriamente a alterar o sistema de discriminação de rendas, nuclear para a disciplina do Estado federal, mas a frustrá-lo caracteriza violação ao preceito constitucional que limita ação do poder constituinte derivado (artigo 60, § 4º, da CF-88).

 

Nesse sentido, entende-se:

 

a)     que no sistema de discriminação de rendas o imposto seja uma figura nuclear, pois, por se tratar de tributo não vinculado, permite uma composição ampla de recursos para o exercício amplo da autonomia e das competências dos entes federados;

 

b)    que as taxas sejam particularmente definidas na Constituição, submetendo-se a uma regra de vedação de terem a mesma base de cálculo dos impostos;

 

c)     que as contribuições sociais e de intervenção, adstritas à competência da União, tenham peculiarmente uma estrutura finalística própria (finalidade e referibilidade a grupo);

 

d)    que, em conseqüência, a CF atribua à lei complementar a tarefa de definir os tributos, não no sentido de inaugurar-lhes o sentido, o que é feito pela Constituição, mas de estabelecer-lhes as fronteiras  (finis, donde de-finire, isto é, traçar limites de ponta a ponta) em conformidade com o sentido constitucional;

 

e)     que no exercício dessa atribuição, as definições traçadas pelo CTN são preceitos meramente didáticos[45], sendo explicitações de conceitos já contidos no Texto Constitucional, impositivos não só para o legislador ordinário, mas também para o poder constituinte derivado.

 

 

5.  Resposta aos quesitos

 

1)      Qual o perfil constitucional da contribuição de intervenção no domínio econômico a que se refere o artigo 149 da Constituição Federal e quais os limites para sua instituição ?

 

Reportando-nos ao que foi exposto no item 3 do presente trabalho e sintetizando, temos que a instituição de contribuição de intervenção é possível quando haja (i) efetiva intervenção do Estado no domínio econômico,  nos limites das possibilidades constitucionalmente previstas para tanto, (ii) em atividade originariamente reservada ao setor privado ou que tenha a este sido transferida por autorização, concessão ou permissão, (iii) e que cause um gasto excepcional do Estado ou benefício especial a determinado grupo de indivíduos, componentes do setor objeto da intervenção efetuada.

 

Aquilo que foge a estes requisitos não pode ser contribuição de intervenção no domínio econômico, tal qual pretendida pelo constituinte, mas coisa diversa, que se presta a financiar, indevida e inconstitucionalmente, as atividades gerais do Estado.

 

2)      Qual o sentido e o alcance do § 4º do artigo 149 da Constituição Federal, introduzido pela E.C. n. 33/01, no tocante às contribuições de intervenção?

A Emenda Constitucional nº 33/01 alterou a disciplina das contribuições de intervenção no domínio econômico contida no artigo 149 da CF-88, introduzindo, além de outros, o § 4º,  do seguinte teor : “A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez”.

 

Uma primeira leitura do texto introduzido pela emenda constitucional permitiria vislumbrar mera autorização para que a contribuição incidisse uma única vez. Obviamente tal interpretação, literal e restritiva, não pode ser excluída. A contribuição ao CONDECINE, por exemplo, instituída anteriormente à promulgação da emenda constitucional, previu a incidência da contribuição de intervenção uma única vez, a cada cinco (5) anos.

 

Contudo, parece que a extensão da autorização constitucional é maior, em especial considerando-se uma interpretação histórica. São recentes e conhecidos os desvios praticados por alguns setores da economia visando à sonegação de tributos com a utilização, inclusive do Judiciário, como é o caso das distribuidoras de petróleo. A técnica, publicamente denunciada, consiste em abrir uma distribuidora num determinado local, ingressar com medida judicial e obter liminar autorizando o não pagamento de tributos – ICMS no passado e atualmente as contribuições para o PIS e COFINS –. Cassada a liminar, o estabelecimento é fechado e aberto outro, em outra comarca, onde então novamente é utilizado o mecanismo, e assim por diante, de forma que os tributos acabam não sendo pagos.

 

Uma primeira idéia para coibir tais comportamentos, relativamente às contribuições, foi a de implantar o regime de substituição tributária para efeito de cobrança do PIS e da COFINS, o que foi feito[46]. Contudo, a medida provocou uma série de mandados de segurança (alguns até com razão, porque não havia a previsão de devolução do excesso). Em substituição foi criado, para o setor de combustíveis, o regime de tributação monofásica dessas contribuições.[47]

 

Dentro desse panorama é de perguntar-se se a autorização contida no § 4º do artigo 149 da CF-88, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 33/01, comporta permissão para a tributação monofásica das contribuições. A resposta parece-nos positiva.

 

A COFINS e a contribuição para o PIS são tributos plurifásicos e  cumulativos. A par das discussões que podem existir quanto ao fato de serem ou não tributos plurifásicos, veja-se, por exemplo, Marco Aurelio Greco[48], para quem as contribuições não têm esta aptidão, por serem  tributos que incidem sobre o faturamento e não sobre operações individualizadas, não existindo, assim, uma cadeia, um ciclo econômico, onde é possível operar mais propriamente o princípio da não-cumulatividade. Abstraindo, contudo, tal posição, ninguém discute que, no plano econômico, PIS e COFINS são contribuições que vêm encarecendo nossos produtos, aumentando aquilo que se chama “custo Brasil” e diminuindo a capacidade  de competição, inclusive no plano internacional. Todos os projetos de reforma tributária contemplam, entre outras coisas,  soluções dessa questão tortuosa e uma delas tem sido a possibilidade de se criar uma tributação monofásica em tema dessas contribuições. Não parece que a tributação monofásica confunda-se com substituição tributária. Na substituição tributária tem-se em vista, sempre, incidências posteriores, num determinado ciclo econômico. Na tributação monofásica, tem-se, tão somente – como previsto pela emenda constitucional – uma tributação concentrada numa fase do ciclo e que excluirá todas as outras incidências. É bem que se diga que o Supremo Tribunal Federal entendeu, mesmo antes da Emenda Constitucional nº 3/93, que o regime de substituição tributária era constitucional.[49] Isto é muito relevante porque demonstra que a Emenda Constitucional nº 3/93 não veio dar base constitucional para que o sistema de substituição tributária operasse. Ele já operava, segundo o Supremo Tribunal, independente da promulgação da Emenda Constitucional nº 3/93.

 

A colocação é relevante porque demonstra que a referida Emenda Constitucional não teve por objetivo – no que tange às contribuições – criar um sistema de substituição tributária compatível com a Constituição, mas tão somente  limitar a competência dos entes tributantes para instituí-lo, obrigando a lei instituidora a prever, também, a devolução imediata do excesso, caso esse se verificasse. Não se trata, pois, de norma que contemple desdobramento de direito do cidadão contribuinte, constante do artigo 5º ou de alguma forma decorrente do sistema ou das limitações ao poder de tributar contidas no artigo 150 da CF-88. Sendo assim, é passível de alteração por Emenda Constitucional : foi criada por Emenda Constitucional e pode ser alterada por Emenda Constitucional, não incidindo nas restrições do § 4º do artigo 60 da Carta Maior.

 

Em síntese, o regime autorizado pela Emenda Constitucional nº 33/01 é abrangente da instituição de regime de tributação monofásica, que não se confunde com o regime de substituição tributária.

 

Aliás, a possibilidade da adoção de regime de tributação monofásica para as contribuições já estaria autorizada antes mesmo da Emenda Constitucional nº 33/01. De fato, o § 9º do artigo 195 da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 20/1998, passou a permitir que as contribuições sociais previstas no seu inciso I pudessem ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva da mão-de-obra. Ora, a tributação diferenciada em função da atividade econômica sustenta-se perfeitamente, como é o caso dos combustíveis, implementada pela criação de uma alíquota majorada em determinada operação com desoneração da COFINS nas demais, subseqüentes, o que caracteriza a tributação monofásica.[50]

 

O § 4º do artigo 149, introduzido pela Emenda Constitucional nº 33/01, caracteriza-se, assim, como dispositivo que visa a fazer atuar princípios constitucionais, como os da capacidade contributiva, da generalidade da tributação, repressão à concorrência desleal, dentre outros, e, por essa razão, também estaria legitimado o exercício da competência pelo poder constituinte derivado.

 

Resta analisar a questão relativa à proporcionalidade versus tributação monofásica. Em face da Emenda Constitucional nº 33/01 não parece que a autorização para a tributação monofásica, em si, desnature algum requisito ínsito à natureza das contribuições. A referibilidade e pertinência ao grupo não fica excluída pelo simples fato de a tributação incidir somente em uma operação e mais gravosamente, pois a cadeia subseqüente – formada por integrantes do mesmo grupo – resta aliviada. Além disso, é evidente que o que se cobra de uns vai repercutir economicamente nos demais, provocando uma distribuição econômica entre os membros do grupo. Contudo, aí não termina a verificação quanto à obediência à proporcionalidade, porque ela se prende, sempre, ao exame de compatibilidade das normas infra constitucionais, editadas pelo poder tributante competente. Assim, é possível que do exame da lei ordinária resulte clara a desproporcionalidade do regime como, por exemplo, em hipótese em que ela impeça a aferição da referibilidade a um grupo. Para que este exame se dê basta verificar se o regime instituído é adequado para alcançar os fins propostos – até porque o que justificaria a adoção do regime seria eventual desvio, restrição ou impedimento à atuação de princípios constitucionais – ; se é necessário e se é razoável.

 

Enfim, não vemos óbice a que as contribuições de intervenção no domínio econômico incidam uma única vez sobre o mesmo produto e em alíquotas diferenciadas. Justificando-se a contribuição em razão dos próprios mecanismos de intervenção no setor – efetiva atuação estatal que cause um benefício a um determinado grupo – pode a tributação ocorrer  monofasicamente.

 

3)    A contribuição de intervenção no domínio econômico é um instrumento de planejamento econômico? Se for, em que hipóteses pode ser aplicado?

 

O art. 174  da CF determina que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exerce, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

 

Planejamento é atividade que ocorre nos quadros da economia capitalista. Refere-se a um exercício, por parte do Estado, de uma ação sistemática sobre a economia, estabelecendo-se uma estreita correlação entre o subsistema político e o econômico, na medida em que exige da economia uma otimização de resultados e do Estado a realização da ordem jurídica como ordem do bem-estar social. Não se trata, como na ação dita dirigista, de atividade controladora do mercado, alterando-lhe artificialmente as estruturas, mas a favor do mercado. Não se substitui ao mercado, mas aproveita-lhe as estruturas e as condicionantes, para orientá-lo.

 

Quando o art. 174 da CF dispõe que o Estado exerça, dentre outras, a função de planejamento, esta expressão diz respeito a instrumentos, tendo em vista certos fins. Seu  par. 1o , que determina que a lei estabeleça as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o que incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento, exige normas nas quais aparece uma “obrigação de resultado” (Eros Grau, Planejamento econômico e regra jurídica, São Paulo, 1977, p. 243), peça fundamental para a instauração jurídica de um plano. Essa obrigação é que torna o planejamento vinculante para o setor público, mas não para o setor privado.

 

Pode-se dizer que, para o setor público, o planejamento tem o sentido forte de dominação, pois o Estado, como agente, interfere diretamente no mercado, ao prever comportamentos futuros, pela formulação objetiva de fins, aos quais se alinham meios instituídos. Ou seja, para o setor público o planejamento é vinculante no sentido de que o estabelecimento de fins obriga ao uso dos meios. Já para o setor privado, o planejamento não se impõe ao mercado, pois apenas orienta-o para que caminhe numa determinada direção, otimizando-o em face de possíveis anomalias, sem, contudo,  engessar a livre iniciativa, não substituindo o risco econômico pelo risco da política econômica. É indicativo no sentido de que, os objetivos traçados não são acompanhados de imposição de meios, admitindo-se a liberdade de sua adoção.

 

Planejamento, em suma, enquanto conjunto de ações ordenadas em vista de um fim, envolve previsão programada de resultados, previsão esta compulsória para o setor público, apenas indicativa para o setor privado. O planejamento, enquanto fenômeno de busca de racionalização da atividade econômica, enfrenta, por isso,  para o setor público, um risco jurídico político, em que o atingimento de fins é solidário com a correta determinação dos meios. Não porém, para o setor privado, cujo risco de fracasso não se mede por essa solidariedade, mas pela correta formulação dos meios, ainda que os fins não venham a ser atingidos.

 

O uso de contribuições de intervenção no domínio econômico, nesse sentido, enquanto meio de atuação do Estado, relaciona-se com o planejamento. Por serem compulsórios – são tributos – deve-se indagar se afetam o caráter indicativo do planejamento, para o setor privado.

 

A questão tem a ver com a relação entre a imposição tributária e a liberdade econômica do contribuinte.

 

A dogmática constitucional enfrenta esse problema, tentando redefinir a liberdade, primeiro, por meio de uma explicação estrutural e, depois, de uma explicação pelos efeitos.

 

explicação estrutural parte do pressuposto de que a imperatividade das normas tem dois caracteres estruturais: finalidade e imediatidade (cf. Lerche: Übermab und Verfassungsrecht, Bonn 1961, p. 262). Finalidade significa que toda imperatividade normativa (e a do poder público em grau extremo) tem por objetivo influenciar a autodeterminação do indivíduo, daí que onde há norma (como império) o indivíduo está limitado na disponibilidade para definir seus próprios objetivos. Já a imediatidade – lex prima facie valet  – significa que o comando autoritativo da norma é poder no sentido (weberiano) de chance de obter obediência, independentemente de motivos e interesses  dos endereçados.

 

Ora, toda finalidade decorre de uma imediatidade, mas nem toda imediatidade implica finalidade. Por exemplo: a imposição de tributos  abrange imediatamente o exercício da atividade econômica, mas dela não decorre uma finalidade (planejar-lhe compulsoriamente o exercício, portanto, impor-se na autodeterminação do indivíduo quanto aos objetivos planejados). Segue daí que a liberdade do contribuinte é definida como o campo marginal da ação que resta para o indivíduo, dentro do qual os objetivos (finalidade) de sua ação não são atingidos pela imediatidade do comando. O indivíduo continua livre na determinação dos objetivos de sua atividade econômica, assumindo-lhe os riscos tanto quando busca os mesmos fins do planejamento estatal ou quando os contorna, buscando outros fins.

 

A outra explicação, pelo efeito, procura uma outra resposta, mas com resultados semelhantes. A proteção à liberdade tem de ser vista não pela estrutura – forma do ato normativo – mas pelo efeito que este provoca na conduta. Reconhece-se, então, que o efeito imperativo da norma é apenas um dos efeitos possíveis. Trata-se de um efeito imediato. Mas pode haver outros, por exemplo, a influência da constelação de interesses sociais na conduta individual. Por exemplo, as vantagens conjunturais da tributação do mercado atacadista sobre o varejista. O efeito sobre o empresário e sua motivação é, aqui, mediato. Ora, qualquer influência na autodeterminação individual, seja conseqüência imediata (imperatividade da norma), seja mediata (modo de tributação de interesses econômicos), é sempre restrição ao indivíduo. Em outras palavras, não importa se a finalidade do ato resulta da imediatidade ou da mediatidade do comando, todo comando sempre restringe a autodeterminação dos objetivos da ação do indivíduo. A liberdade, portanto, não decorre da estrutura dos comandos normativos, mas da possibilidade de opção, conforme um cálculo de risco e de interesse, entre os efeitos normativos. Assim, do mesmo modo, a imposição de tributos, nos quadros de um planejamento, não vincula a opção do contribuinte quanto aos fins impostos pelo planejamento.

 

Nestes termos, nada obsta que contribuições de intervenção no domínio econômico sejam utilizadas no bojo de um planejamento, desde que seja meramente indicativo para o setor privado. Mas a medida deve obedecer, enquanto meio, os estritos princípios constitucionais, ainda que a custo do atingimento dos fins da política econômica a que se destina, isto é, dos fins almejados pelo programa de  intervenção. As contribuições têm finalidades próprias, que devem ser respeitadas e que não se confundem com as previsões do planejamento. Nesse sentido elas são meios para atender à atuação do Estado em determinado setor, obrigando-se o Estado a utilizá-las com um determinado fim. Mas isso não obriga o contribuinte a atingir os fins do planejamento, cujas previsões são apenas indicativas para o setor privado. Por isso elas se submetem, para o Estado, aos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, mas, para o contribuinte,  não ao êxito no atingimento dos resultados da política econômica planejada.

 

Porém, a contribuição de que se cuida submete-se às características das demais contribuições: há de haver a) atuação estatal; b) que provoque efeitos positivos; c) em um grupo de indivíduos. Dessarte, só se no bojo do planejamento verificarem-se medidas que beneficiem um determinado grupo é que poderá haver contribuição.

 

 

4)    Pode a União Federal instituir contribuições de intervenção no domínio econômico, atribuindo às agências tanto a capacidade de arrecadá-las, quanto o produto de sua arrecadação? Existem limites constitucionais para a criação de agências com poder regulatório?

 

As agências, no Brasil, surgem por conta do processo de privatização e da disciplina das concessões. Neste sentido aparecem como um novo instrumento de atuação do Estado no domínio econômico. Diz-se que elas representam a substituição do modelo de gestão com base em controles formais (legalidade e motivação fundamentada) e na intervenção direta (Estado empresário), pelo modelo gerencial, com base em avaliação de desempenho (eficiência) e intervenção condicionante da eficiência (regulação e regulamentação). Ou seja, nem o estado mínimo, protetor das liberdades (estado de direito liberal), nem o estado promotor de benefícios sociais e econômicos (estado social), mas o estado regulador que contribui para o aprimoramento das eficiências do mercado (estado regulador)[51] .

 

A criação de agências com atribuições técnicas, de suposta neutralidade política, mais voltadas para a eficiência das regulações e, necessariamente, independentes, com poderes quase legislativos: problema da reserva de lei, quase regulamentares: problema da competência privativa do Presidente da República, e quase judiciais: problema dos limites do contencioso administrativo,  esbarra em conhecidos óbices constitucionais, a começar do disposto no art. 25 do ADCT. Segue-se toda uma série de indicativos limitadores de uma atividade regulamentar autônoma, que pudesse ser atribuída às agências, mesmo quando criadas com base em sede constitucional, como é o caso da ANP e da ANATEL.

 

A Constituição Federal, no já antes citado artigo 174, vê no Estado um “agente normativo e regulador da atividade econômica”. Trata-se, neste âmbito, do exercício das funções de “fiscalização, incentivo e planejamento”, esta última apenas indicativa para o setor privado. A noção de agente normativo e regulador parece dar supedâneo tanto à competência para baixar normas quanto para intervenções reguladoras no sentido de evitar distorções no comportamento do mercado por meio de imposições de ordem técnica. No entanto, a criação de agências com atribuições técnicas, de suposta neutralidade política, mais voltadas para a eficiência das regulações e, necessariamente, independentes, exige uma especificação desse fundamento.

 

A questão está em que medida é possível, em base constitucional, a ocorrência de verdadeira delegação, ainda que por via legal, daquela independência e das correspondentes competências, tendo em vista a tripartição dos poderes.

 

Poder-se-ia argumentar que tais delegações, enquanto autênticas delegações complementares, não feririam o princípio da irrenunciabilidade do poder-dever de legislar, até porque, no plano dos fatos,  emergem da necessidade de lidar com a complexidade social e econômica em termos de técnicas e saberes especializados.

 

O modelo do Estado Regulador tem a ver com este problema. Nele, a atuação do Estado deixa de ser estritamente a de mera proteção da liberdade (Estado de Direito e proteção da livre iniciativa), é também menos estatizante,  isto é, menos assunção, pelo Estado, do dever de atuar diretamente no mercado, caso dos monopólios estatais, por exemplo (Estado Social), passando a um Estado em que a dimensão da Administração (empresarial) torna-se menor, com o conseqüente crescimento da participação da iniciativa privada na gestão de serviços públicos lato sensu, donde decorre a necessidade de maior flexibilização da Administração para exercer funções de controle normativo e reguladorNeste contexto pode-se entender a introdução do princípio da eficiência no art. 37 da Constituição Federal.

 

Entende-se, desde logo, que o princípio da eficiência traz para a discussão constitucional da delegação de competências um elemento novo. A eficiência cria para a Administração uma responsabilidade que não se reduz nem ao risco administrativo (responsabilidade pelo risco) nem à igualdade perante os encargos públicos (responsabilidade institucional), mas antes as incorpora em nome da obrigação imposta ao poder público, ao exercer funções reguladoras no mercado,  de evitar as assimetrias de informação que funcionem como um incentivo para o comportamento oportunista dos agentes privados, levando o mercado a uma disfunção (responsabilidade pelo êxito).

 

O princípio da eficiência tem por característica disciplinar a atividade administrativa nos seus resultadose não apenas na sua consistência interna (legalidade estrita, moralidade, impessoalidade). Por assim dizer, é um princípio para fora e não para dentro. Não é um princípio condição mas um princípio fim, isto é, não impõe apenas limites (condição formal de competência) mas impõe resultados (condição material de atuação). Por seu intermédio, a atividade administrativa continua submetida à legalidade, muito mais, porém, à legalidade enquanto relação solidária entre meios e fins e pela qual se responsabiliza o administrador.

 

Entende-se, assim, a possibilidade de que uma delegação (complementar e instrumental) venha a inserir-se na competência do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, basicamente nas funções de fiscalização e incentivo, ambas em termos do princípio da eficiência. Ou seja, o princípio da eficiência exige que a Administração, em vista do mercado, seja dotada de competências reguladoras de natureza técnica e especializada sob pena de paralisia. Isto é, é impossível exigir-se eficiência da Administração sem dar-lhe competência para alocar fins específicos e encontrar meios correspondentes. A especialização técnica é exigência da eficiência.

 

Com isso é possível traçar limitações à criação de agências.

 

Em termos de eficiência,  tratando-se de uma delegação para alocar meios e fins específicos, ela deve ser posta pelo Legislativo  a serviço de uma decisão tomada entre várias alternativas políticas. É preciso ficar suficientemente claro que o Congresso, na criação de uma agência, tenha assumido uma diretriz quanto a uma política setorial, e que os objetivos dessa política tenham sido discutidos em face de alternativas plausíveis. Não basta que a criação de uma agência e a correspondente delegação de competências tenha por objetivo fins genéricos do tipo interesse público (ainda que setorial), mas é preciso que as finalidades sejam postas na forma de princípios finalísticos de ação. Não basta, no mesmo sentido, a fixação de fins do tipo interesse protegido do consumidor, mas exige-se algum detalhamento desses interesses. Com isso, a criação de uma agência com a correspondente competência instrumental delegada obriga a uma explicitação desse detalhamento, estabelecendo-se fins tecnicamente viáveis e encontrando os meios adequados.

 

O Brasil não tem uma lei geral a disciplinar as agências. Via de regra, elas têm sido criadas por legislação esparsa, muitas por força dos processos de privatização, sendo que algumas delas têm sede constitucional. Por isso mesmo as diferentes formas de independência antes mencionadas não estão, uniformemente, presentes em todas elas. Dentre essas formas está a independência financeira. Daí a questão de se a União pode instituir contribuições de intervenção, atribuindo às agências tanto a competência para arrecadá-las quanto o produto de sua arrecadação.

 

Assinale-se, como faz Marco Aurelio Greco[52], que as contribuições podem  (caput do art. 149 da CF) ser estabelecidas pela União “como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”. Ora, quem fala em instrumento fala em meio para um fim, ou seja, uma exação (meio) para atuar nas respectivas áreas, atendendo-lhes os respectivos interesses (fim). Ou seja, quanto à finalidade, as contribuições admitem uma finalidade imediata que é ser instrumento de atuação, e uma finalidade mediata, que é atender o interesse do grupo ou área[53].

 

A finalidade imediata (instrumento de atuação) pode requerer a instituição de uma contribuição, tendo em vista uma despesa pública exigida para o próprio funcionamento de uma entidade – uma agência –  responsável por um setor (custeio dos respectivos serviços e encargos), bem como para gerar recursos destinados a financiar certas atividades dentro do grupo (por exemplo, atividades antieconômicas, mas socialmente importantes).

 

Nesses dois casos, nada impede que tanto a arrecadação quanto o seu produto sejam atribuídos a uma agência. Tratando-se de uma atuação material do Estado, da União, até faz parte do modelo interventivo a entidade – uma agência – que, por ser responsável pelo setor, ou tenha na contribuição uma das bases de sua independência financeira ou tenha o encargo de gerir o destino legalmente estabelecido para a exação (independência decisória e de objetivos). O importante é que, como instrumento de atuação, a contribuição tenha também uma finalidade mediata (atender o interesse do grupo ou área).

 

Fala-se também do caso de instituição de uma contribuição para intervenção regulatória dentro de uma área, com o fito, por exemplo, de equalizá-la. Quanto a essa hipótese, em que a contribuição, enquanto oneração equalizadora, se confunde com a própria intervenção da União, não havendo vinculação com determinada despesa (custeio), pode-se indagar se, ainda assim, teríamos a contribuição como meio para a atuação do Estado.

 

Entendemos que a expressão atuação tem um sentido amplo e um sentido estrito. No sentido amplo, toda a tributação não deixa de ser meio de atuação. Não é, porém, nesse sentido que se fala da contribuição de intervenção como meio de atuação. Esta implica a vinculação à atuação de órgão e a custeio. Ela é meio de atuação para intervir e não se confunde com o imediato efeito imperativo da norma sobre o comportamento. Assim, é preciso distinguir entre a finalidade imediata da contribuição (ser instrumento de atuação) e o efeito imediato da norma (lex prima facie valet). Quando este efeito imediato (da norma) não se vincula a qualquer atuação instrumental do Estado, temos imposto, não contribuição.

 

 

5)    Entre as contribuições de intervenção no domínio econômico atualmente exigidas em nosso país existe alguma cuja instituição não atendeu aos requisitos constitucionais, sendo, portanto, indevida a sua cobrança?

 

É importante não perder de vista, antes de analisar a constitucionalidade das contribuições recém instituídas, a análise histórica do contencioso tributário brasileiro.[54]  Isto porque, como posto no início deste trabalho, o exercício da competência tributária e as necessidades de receita, em especial da União, têm provocado a desarmonia e distorção do sistema constitucional brasileiro, atingindo a Federação e o núcleo que a identifica – a autonomia dos entes federados – por via da invasão de competências.

 

Feitas essas considerações preliminares, passamos a tecer breves comentários a respeito das recém instituídas contribuições de intervenção no domínio econômico, como é o caso do CONDECINE e da CIDE sobre royalties e a CIDE sobre importação e comercialização de petróleo, gás natural e álcool combustível.

 

4.1. CONDECINE (Medida Provisória n.º 2.228-1/01)

No intuito de regular o mercado daindústria cinematográfica e videofonográfica, foi editada a Medida Provisória n.º 2.228-1/01, que criou a Agência Nacional do Cinema – ANCINE e instituiu a CONDECINE,  contribuição de intervenção no domínio econômico.

 

Através da ANCINE o Estado pretende intervir no setor, a fim de regulá-lo e, essencialmente, promover o aumento da competitividade da indústria cinematográfica e videofonográfica nacional[55]. Para tanto, instituiu-se a CONDECINE, que tem dois grupos contribuintes: a indústria cinematográfica e videofonográfica nacional e a indústria cinematográfica e videofonográfica estrangeira. No primeiro caso a contribuição é devida a cada cinco anos, mediante aplicação de valor fixo sobre títulos ou capítulos de obras veiculadas, produzidas, licenciadas ou distribuídas; no segundo caso incide sobre a receita bruta dos produtores, distribuidores ou intermediários no exterior, à alíquota de onze por cento – acarretando-lhes ônus econômico que pode ser expressivamente maior[56].

 

Inicialmente cumpre verificar que, como já exposto, o Estado pode intervir no domínio econômico mediante atuação direta (art. 173 da CF)[57] ou, ainda, como agente normativo e regulador, quando houver alguma anormalidade na economia que assim justifique. A intervenção no setor, ao argumento de que não pode se desenvolver em condições de livre competição, sobretudo em face do mercado globalizado, parece-nos razoável, tornando legítima a intervenção e a criação da ANCINE.

 

O que não parece legítimo, todavia, é a forma adotada para tanto, especificamente no que diz respeito ao seu custeio, através da CONDECINE, instituída a título de contribuição de intervenção no domínio econômico.

 

De fato, se as contribuições especiais consistem em prestações compulsórias pecuniárias devidas em razão de um benefício especial, assegurado a um grupo social e decorrente de serviço público também especial, não parece razoável que a lei eleja, como sujeito passivo da contribuição, aqueles a quem não esteja referida a atuação estatal, ainda que indiretamente.

 

No caso, a pretexto de se estimular “o desenvolvimento da indústria cinematográfica nacional”, essencialmente representada pelos respectivos produtores, está-se exigindo contribuição não só destes, mas também e de forma mais gravosa dos distribuidores/emissores estrangeiros.

 

A questão que se põe é: pode o Estado instituir contribuição como meio para intervir em determinado setor (indústria cinematográfica e videofonográfica), objetivando estimular a indústria cinematográfica e videofonográfica nacional, e cobrá-la de outro grupo –– indústria cinematográfica e videofonográfica estrangeira?

 

Assim não parece, pela simples razão de não haver benefício ou mesmo gasto especial do Estado que legitime a exigência da prestação pelo grupo pretendido – a indústria cinematográfica e videofonográfica estrangeira. A falta de referibilidade entre este grupo e a atuação estatal, cuja finalidade é o fomento e proteção à indústria nacional, torna a exigência incompatível com os contornos das contribuições de intervenção no domínio econômico, padecendo a medida, assim, de vício de inconstitucionalidade.

 

No mais, note-se que não só se pretende exigir a contribuição de grupo desvinculado do real benefício gerado com a intervenção, mas pretende-se, ainda, que tal grupo sofra incidência à alíquota de 11% sobre o faturamento, onerando-o de forma ainda mais expressiva do que ao grupo beneficiário. Esta desproporção enseja manifesta violação ao princípio da razoabilidade (ou proporcionalidade em sentido estrito), o que, a despeito dos demais vícios incorridos pela medida provisória n.º 2.228-1/0 no que diz respeito às características das contribuições de intervenção, justificaria, por si só, sua invalidação[58].

 

Em conclusão: embora a intervenção no setor da indústria cinematográfica possa legitimar-se como poder-dever do Estado, a  instituição da CONDECINE não se legitima como meio utilizado para custeio dessa ação interventiva, na medida em que onera indevidamente grupo que não desfruta dos benefícios da intervenção, requisito necessário à sua exigência, nem sequer se alinha com o princípio da razoabilidade, aplicável aos atos legislativos em geral, não se sustentando à luz de nosso direito.

 

 

4.2.   CIDE  – royalties –

A Lei nº 10.168/2000 instituiu contribuição de intervenção no domínio econômico para o fim de “estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo” (art. 1º), à alíquota de 10% sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração (par. 2º e 3º do art. 2º).

 

Sujeito passivo é a pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia (exploração de patentes ou de uso de marcas; fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica), firmados com residentes ou domiciliados no exterior (art. 2º).

 

A exação não se conforma com a natureza que lhe foi atribuída de contribuição de intervenção no domínio econômico. De fato, como salientado, para identificar uma exação como contribuição de intervenção no domínio econômico é imprescindível que se promova a análise conjunta dos artigos 149 e 174 da CF, de modo a ser possível determinar o conceito de intervenção do Estado no domínio econômico e os limites constitucionais à sua ocorrência e à instituição da respectiva contribuição. As contribuições de intervenção no domínio econômico são instrumentos da atuação da União nas respectivas áreas, sendo, assim, modo de atingir um fim, qual seja, atender ao interesse de um grupo ou área. Portanto, a teor do disposto nos arts. 149 e 174 da  CF, a contribuição de intervenção no domínio econômico deverá caracterizar-se como instrumento de regulação de determinada atividade econômica, exercida pelas empresas privadas dentro dos princípios dispostos no art. 170 da CF, com determinação dos critérios para a identificação da área e do grupo e da pertinência entre ambos, bem como a existência de benefício ou vantagem especial ao grupo obrigado, individualizável.

 

Tais requisitos, contudo, não se encontram presentes na Lei nº 10.168/2000, não se caracterizando a contribuição por ela instituída como contribuição de intervenção no domínio econômico.

 

Em primeiro lugar porque a intervenção não se caracteriza como intervenção no domínio econômico. De fato, da leitura do artigo 1º da Lei em comento verifica-se que o que se estimula, imediatamente, é a pesquisa tecnológica desenvolvida por universidades e centros de pesquisa (fim: estímulo ao desenvolvimento tecnológico; meio: cooperação entre universidades e centros de pesquisa, de um lado, e setor produtivo, de outro).

 

Ora, a pesquisa, objeto de cooperação, insere-se na atividade das universidades, submetidas “ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, o mesmo ocorrendo em relação às instituições de pesquisa e tecnológicas, como se vê do expressamente disposto no art. 207 e seu par. 2ºb da CF. A atividade de ensino e pesquisa é ATIVIDADE SOCIAL, que integra o patrimônio educacional (art. 205, CF), cultural (art. 216,III), científico e tecnológico do País (arts. 218, 219, CF).

 

Trata-se, assim, de ORDEM SOCIAL, tanto que tais dispositivos estão contidos no Capítulo III do Título VIII da CF.

 

Se assim é, claro está que a contribuição recém criada não se destina à intervenção no domínio econômico e em atividades econômicas, mas sim à social, especificamente educacional, cultural, científica e tecnológica que, a teor do disposto no art. 213, par. 2º , da CF será promovida e incentivada pelo Estado com aplicação, pela União, de 18% da receita anual de impostos (art. 212 da CF).

 

Em segundo lugar porque não há definição de grupo. A contribuição não se justifica por incidir sobre determinado setor do mercado ou uma atividade industrial qualquer. A finalidade perseguida pela Lei é estimular a pesquisa tecnológica, genericamente falando, não associada a determinada área ou atividade. Refere a norma contida no artigo 1º da Lei nº 10.168/2000, de um lado, a universidades e centros de pesquisa e, de outro, a importadores de tecnologia. Ambos, juntos, não formam, no sentido constitucional, uma área e, muito menos, um grupo.

 

Ademais, os importadores de tecnologia submetem-se a uma presunção: porque importam, não desenvolvem tecnologia nem cooperam com universidades e centros de pesquisa, o que é falso.Cite-se, por exemplo, o setor de informática que, até por força do gozo de incentivos, está compulsoriamente obrigado a cooperar com o desenvolvimento tecnológico. Não há, assim, o benefício ou vantagem especial referida especificamente ao grupo contribuinte além de gerar-se verdadeira discriminação sem respeito à igualdade. Além disso, como neste caso específico, a contribuição foi criada em substituição à exigência de um percentual de 10% sobre as importâncias pagas a título de royalties e de serviços técnicos e de assistência técnica, administrativa e semelhantes, a título de imposto de renda, em idêntico percentual incidente sobre a mesma base de cálculo, a instituição e incidência da contribuição impedem a aplicação de tratados contra bi tributação à medida em que atingem só as transferências de tecnologias importadas, mas não as produzidas no país.

 

 

4.3.  CIDE a que se refere a E.C. 33/01

 

A EC 33 de 11-12-2001, introduziu previsão de contribuições sobre a importação ou comercialização dos mencionados produtos, suscitando interessantes indagações sobre o tema. De fato, estabelece que as contribuições de intervenção no domínio econômico (e as contribuições sociais – art. 149, par. 2o , II)  podem incidir na importação de combustíveis bem como estabelece ainda que podem ter alíquotas ad valorem cujas bases de cálculo podem ser o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro.

 

Como se percebe é amplo o campo de incidência das contribuições ora cogitadas.

 

A primeira indagação que ocorre é no sentido de saber se as contribuições sociais são apenas as previstas na CF, isto é, se elas são cabíveis nas hipóteses onde se prevê tal responsabilidade de determinados grupos ou se a partir de agora pode a União instituir novas contribuições destinadas a novas finalidades sociais. Se tal for possível, é claro que a própria discriminação de competências impositivas fica afetada em face de campo tão extenso como o social, cujo atendimento se insere nos deveres fundamentais do Estado.

 

A interpretação conforme a Constituição sugere que a referência às contribuições sociais não teve por objetivo alargar seu campo de incidência. São elas apenas as requeridas pela Constituição.

 

Em tema de CIDE prevê-se que poderão elas incidir sobre todas as materialidades previstas no inciso III do par. 2º do artigo 149 e, no caso de petróleo , combustíveis, gás natural poderão também incidir na importação. No art. 177, par. 4o prevê-se sua incidência também sobre a comercialização.

 

Dada a intervenção regulatória da União no setor referido parece-nos que, em consonância com o exposto neste trabalho, pode, conforme permissão constitucional, ser criada uma contribuição de intervenção. Trata-se de setor que constitui monopólio da União (petróleo  e outros hidrocarbonetos fluidos), flexibilizado pelo par. 1o do art. 177. Porém, tal só será possível se houver destinação do produto de sua arrecadação à finalidade que justificou sua instituição. Assim, se houver destinação a finalidades outras que não se relacionem com a intervenção estatal no setor, haverá falta de destinação e desnaturamento do tributo como contribuição. Nesse passo, diga-se que nem a EC teria aptidão de permitir a instituição de tributo desvinculado de atuação estatal (em área determinada) sob o rótulo de contribuição. Em outras palavras, nem a Emenda Constitucional pode chamar de contribuição o  que é imposto.

 

Parece-nos, entretanto , que não deve ser esta a interpretação a ser dada à EC 33, que efetivamente pretende tratar de contribuição e não de imposto. Por conseguinte, a interpretação conforme sugere que só se legitimará o tributo se estiver em consonância com os traços característicos de uma verdadeira contribuição.

 

O art. 177, par. 4o  autoriza e a Lei n. 10.336/2001 institui contribuição ora tratada. Esta, em seu artigo 1º, estabelece que o produto da arrecadação será destinado, na forma da lei orçamentária, ao : “I – pagamento de subsídios a preço ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; .II – financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do.petróleo e do gás; e III – financiamento de programas de infra-estrutura de transportes” (de igual teor são os incisos I, II, III do par. 4o do art. 177 da CF).

 

Os incisos I e II cuidam de matérias que se situam no largo espectro da intervenção estatal no setor. O inciso III, entretanto, permite mais de uma interpretação. De fato, enquanto o inciso I literalmente trata de subsídios ao transporte de álcool combustível, gás natural e derivados de petróleo, o inciso III menciona financiamento de programas de infra estrutura de transportes, mas não esclarece quais sejam tais transportes e, ademais, não estabelece relação com o setor. Se se entender que a lei orçamentária pode destinar o produto da CIDE a quaisquer programas de infra-estrutura de transportes, como o refazimento ou ampliação da malha viária em geral (art. 178 da CF), matéria que não se inclui no âmbito das atribuições dos órgãos reguladores das atividades a que se  refere a CIDE, haverá falta de destinação, o que viciará a lei, por se tratar de verdadeiro imposto e não de contribuição. Caso, entretanto, se dê a tal expressão (transportes) sentido restritivo, referente apenas ao transporte de (por meio de conduto) de petróleo bruto, seus derivados, gás natural de qualquer origem, e álcool combustível,  em princípio não haverá inconstitucionalidade. Note-se que o fato de a lei reproduzir o que consta do art. 177, § 4º, II da CF (com a redação da E.C. 33/01) não altera o que ora se conclui pelas razões acima expostas.

 

O tema é novo e certamente permitirá maiores reflexões a partir do exame dos atos concretos praticados pelo Executivo, ao cuidar da efetiva utilização dos recursos da CIDE em 2002 e a partir da lei específica estabelecedora de critérios e diretrizes aplicável de 2003 em diante, a teor do disposto no par. 2o do art. 1o da Lei 10.336/01.

 

De qualquer modo, financiamento de programas de infra-estrutura de transportes, caso tenha por escopo o transporte em geral (de quaisquer produtos e até de pessoas), ainda que, indiretamente, afete o transporte de produtos do setor (petróleo, gás, álcool), não constitui parte da área, salvo se ficar definida uma finalidade específica. O financiamento da infra-estrutura de transportes é matéria de orçamento geral, sendo próprio de impostos. Como a lei e a Constituição falam em financiamento de programas, é preciso ficar atento a que tais programas tenham o perfil de uma destinação específica. Do contrário, teremos imposto e não contribuição de intervenção no domínio econômico.

 

Um outro tema importante refere-se ao disposto no art. 177, par. 4o , I, b:

 

“I – a alíquota da contribuição poderá ser: … b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b;”.

 

O art. 149, como se sabe, manda aplicar o princípio da anterioridade às contribuições de intervenção no domínio econômico. Poderia o constituinte derivado alterar esse comando, no que se refere à CIDE destinada ao setor?

 

O STF, na ADI n. 939 – DF (IPMF), deixou claro que a anterioridade constitui “direito público  subjetivo oponível ao Estado pelos contribuintes que dela se beneficiam” (Min. Celso de Mello, RTJ – 151/830). Nesse sentido esclareceu que, quanto à anterioridade, “houve a opção pelo legislador constituinte de 1988 e, com ela, tivemos o esgotamento das exceções, porque taxativamente fixadas na Carta. Os dispositivos são numerus clausus, não apenas exemplificativos. Fora das hipóteses excepcionadas cabe observar, com rigor, a anterioridade” (Min. Marco Aurélio, RTJ – 151/823).

 

Ora, sem tecer considerações mais aprofundadas sobre o tema, parece-nos que já esse pronunciamento do STF levantaria sérias dúvidas sobre a constitucionalidade do referido dispositivo, trazido pela Emenda Constitucional n. 33/01.

 

 

In: PESQUISAS TRIBUTÁRIAS – Nova Série 8. São Paulo: Revista dos Tribunais – Centro de Extensão Universitária, 2002. págs. 58-106

 

 



[1] Recurso Extraordinário nº 89.876-RJ, Pleno, rel. Moreira Alves, j. 04.09.1980,  in RTJ, vol. 98/230-280 e Representação nº 1.094-SP, Pleno,  Rel. Min. Moreira Alves, j. 08.08.1984,  in RTJ,  vol. 141/430-460.

 

[2] Recurso Extraordinário n.º 110.576-3, 1a Turma,  Rel. Rafael Mayer e Recurso Extraordinário n.º 100.201-8, 2a Turma,  Rel. Carlos Madeira.

 

[3] De se referir o  empréstimo compulsório instituído pela União pelo Decreto Lei 2.047/83 e  o empréstimo compulsório sobre veículos instituído pelo Decreto Lei 2.288/86, declarados inconstitucionais pelo Plenário do STF,  respectivamente, nos Recursos Extraordinários nº 111.954-PR, rel. Oscar Corrêa, j. 01.06.88, in RTJ, vol 126, p. 330-349 e RE 121.336-CE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 11.10.90, in  RTJ,  vol. 129,  p. 624-639.

 

[4] A Suprema Corte declarou inconstitucionais : a) INSS- contribuição de autônomos, avulsos e administradores – Recurso Extraordinário nº 166.772-9-RS, rel. Min. Marco Aurélio, j. 12.05.94, in RTJ 156, p. 666-692; b) PIS – alteração de base de cálculo e alíquota pelos Decretos-Leis ns. 2445/88 e 2449/88 – Recurso Extraordinário nº 148.754-RJ, rel. Min. Carlos Velloso, j. 24.06.93, in RTJ 150, p.888-921; c) FINSOCIAL – declarada inconstitucional a exigência veiculada pelo art. 9º  da Lei nº 7689/88 – Recurso Extraordinário nº  150.764-1-PE, rel. Sidney Sanches, j. 16.12.92, in RTJ nº 147, p.1024-1063.

 

[5] Veja-se trabalho de Hamilton Dias de Souza inserto no Curso de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, editora Saraiva, 8ª edição, 2001, p.489-524.

 

[6] A Suprema Corte, por seu Plenário, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 146.733-SP, rel. Moreira Alves, in RTJ 143, p. 684-704, identificou cinco espécies tributárias na Constituição, quais sejam: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria (art. 145), as contribuições (sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais (art. 149) e os empréstimos compulsórios (art. 148). No mesmo sentido, RE 138.284-CE, rel. Carlos Velloso,  in RTJ vol. 143, p.113-326

 

[7] O § 4º do artigo 195  da CF-88 permite a instituição de impostos com afetação de sua receita à seguridade social, mas não contribuições. Isto porque não há exigência de referibilidade entre uma dada atividade estatal e o tributo de que se cuida. Nesse sentido, ver Hamilton Dias de Souza, Contribuições Especiais, inserto no Curso de Direito Tributário, coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, referido na nota nº 5 deste estudo.

 

[8] Sobre as características que identificam as contribuições, ver Hamilton Dias de Souza no já citado “Curso de Direito Tributário” coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, p. 489-524.

 

[9] Reporte-se, sobre o tema, ao caso das mensalidades escolares, quando o Supremo Tribunal Federal assentou importante doutrina sobre a interpretação do artigo 170 da Carta Maior, o balanceamento de princípios lá contidos e a necessidade de serem eles observados em toda e qualquer matéria atinente à ordem econômica (ADI nº 319-DF, j. 03.03.93, rel. Moreira Alves, in  RTJ 149/666-692).

 

[10] In Revista de Direito Administrativo, vol. 1243, Fundação Getúlio Vargas, “O Estado e a Ordem Econômica”, p. 37-50, v. p.45.

 

[11] Celso Antonio Bandeira de Melo denomina a intervenção do Estado a que se refere o § 4º do artigo 173 da  CF de intervenção indireta (RDA, vol. 1243, Fundação Getúlio Vargas, “O Estado e a Ordem Econômica, p. 37-50, p.45).

 

[12] In “Curso de Direito Constitucional Positivo”, ed. Malheiros, 9ª edição, p.437

 

[13] In  “A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica)” , ed. Revista dos Tribunais, ed. 1990, p.142-143.

 

[14] In “Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba 2 – Direito Administrativo e Constitucional”, Ed. Malheiros, 1997, p. 354.

 

[15]Não se olvida a existência de relevantes considerações doutrinárias no sentido de que, na vigência da Constituição atual, não mais há espaço, verdadeiramente, para intervenção, admitindo-se mera interferência do Estado no domínio econômico. Assim, sob a égide da Carta de 1988, o Estado não mais  intervém. Atua. Contudo, num sentido menos dogmático e mais pragmático, fato é que o Estado intervém, regulando setores, controlando preços, entre outros, tal qual ocorria na vigência da Carta anterior e como reconheceu a Suprema Corte.

 

 

[16] Recurso Extraordinário nº 165.939-4-RS,  rel. Carlos Velloso,  j. 25.05.95  e RE  nº 177.137-2-RS,  rel. Carlos Velloso,  j. 25.05.95.

 

[17] De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, vol. II,  Cia. Editora Forense, 4ª edição, p. 662.

 

[18] Sobre o tema, ver Mendes, Gilmar Ferreira, in “O Princípio da Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas Leituras”, Repertório IOB de Jurisprudência – 2a Quinzena de Julho de 2000 – n.º 14/2000 – Caderno 1 – p.372.

 

[19] conferência proferida pelo Professor Machado Horta referida por José Tarcísio de Almeida Mello, à p. 117,  do seu “Direito Constitucional Brasileiro”.

 

[20] cf. Ferraz Jr. Interpretação e estudos da Constituição de 1988, São Paulo, 1990, p. 83 ss..

 

[21]Cf. Carrió, Principios juridicos y positivismo juridico, Buenos Aires, 1970:52, citando Dworkin.

 

[22]Engisch, Einführung in das juristische Denken, Stuttgart, 1968:137.

 

[23] Princípios gerais de direito constitucional moderno, São Paulo, 1951:64.

 

[24] Verfassungswidrige Verfassungsnormen, Tübingen, 1951.

 

[25] Lafer, “A reconstrução dos direitos humanos”, São Paulo, 1988:146.

 

[26] Cf. Carrió, 1970:23.

 

[27] José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 16a ed. p. 69.

 

[28] cf. Ferraz Jr., 1990:90.

 

[29] “La giustizia constituzionale: l’execuzione federale”, Milão, 1981:76 ss..

 

[30] cf. Min. Carlos Mário da Silva Velloso: A argüição de descumprimento de preceito fundamental, trabalho em homenagem aos oitenta anos do Min. Oscar Dias Corrêa – http;//gemini.stf.gov.br/netahtm1/discursos/discurso_homenagem.htmp. 3,4.

 

[31] Cf. Orlando Bittar, Obras Completas, Belém, 1978, vol. 2 p. 323.

 

[32]Bittar, op. cit. p. 328.

 

[33] cf. José Afonso da Silva: Curso, p. 616.

 

[34] RTJ-151/833.

 

[35] p. 836.

 

[36] Compêndio de Legislação Tributária (1975).

 

[37] Curso, p. 386.

 

[38] Cf. Ferraz Jr., Segurança jurídica e normas gerais tributárias, RDT, 17-18/54.

 

[39] Hamilton Dias de Souza, Comentários ao Código Tributário Nacional, São Paulo, 1975, vol. I, p. 14 ss..

 

[40] cf. Hamilton Dias de Souza: Contribuições de intervenção no domínio econômico, IOB, São Paulo, 2001, p. 19.

 

[41] José Afonso da Silva, Curso, p. 616.

 

[42] José Afonso da Silva, Curso, p. 418 e 419.

 

[43] José Afonso da Silva, Curso, p. 608.

 

[44] no seu Curso de Direito Constitucional, 16ª ed., p. 69.

 

[45] A expressão “precepto didactico” foi mencionada por Sainz de Bujanda e divulgada no Brasil por Geraldo Ataliba (“Hipótese de incidência tributária”, 5ª ed., Malheiros, 1992, p. 31), segundo o qual não é função da lei formular definições de conceitos contidos na Constituição, que demarquem as competências legislativas. Admitir o contrário seria “(…) consentir que as demarcações constitucionais corram o risco de ter sua eficácia comprometida”. Daí que tais definições não teriam propriamente força legal por si sós, mas somente enquanto de acordo com a Constituição, explicitadas com objetivos didáticos e para maior segurança dos contribuintes.

 

[46] Lei nº 9.718/98, artigos 4º a 6º.

 

[47] Lei nº 9.990/2000.

 

[48] In “Substituição Tributária (antecipação do fato gerador)”, Malheiros Editores, 2ª ed.,  p. 190 e segs..

 

[49] STF, Plenário, RREE 213.396-SP e 194.382-SP.

 

[50] A Lei nº 9.990/2000 instituiu a tributação monofásica do PIS/COFINS relativamente aos combustíveis, derivados de petróleo em geral e álcool carburante. Do mesmo modo, a Lei nº 10.147/2000, relativamente a alguns produtos cosméticos e remédios. A substituição tributária em matéria de PIS/COFINS é aplicável aos veículos em geral (Medida Provisória nº 2.158-35) e aos cigarros (Lei nº 9.715/98).

 

[51] Sobre as agências e o fundamento constitucional de sua atividade, cf. Ferraz Jr.: Agências reguladoras: legalidade e constitucionalidade, Revista Tributária e de Finanças Públicas, 35/143.

 

[52] Contribuições (uma figura “sui generis”) – São Paulo, 2.000, p. 135 ss.

 

[53]Cf. Greco, op. cit. p. 136.

 

[54]Hamilton Dias de Souza, “Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico”, 10 Simpósio Nacional IOB de Direito Tributário, Grandes Temas Tributários da Atualidade, ed. IOB, 2001, p. 227.

 

[55] Vide artigos 6o e 7o, MP n.º 2.228-1/01.

 

[56] Art. 32, caput e parágrafo único e art. 33, §2o, MP n.º 2.228-1/01.

 

[57]É bem verdade que com a CF/88 alguns autores fazem uma distinção entre atuação e intervenção no domínio econômico, sendo essencialmente a primeira com base na autorização constitucional que o Estado tem para atuação em determinados setores e a segunda com base em seu direito-dever de intervir em outros, ainda que originariamente reservados à iniciativa privada (neste sentido, José Afonso da Silva, Hely Lopes Meirelles, entre outros).

 

Mas a distinção não é relevante para fins da presente análise, em que se cuida, efetivamente, de intervenção em setor reservado à iniciativa privada – o setor da indústria do cinema.

 

[58] A respeito do tema, vide ADIn nº 855, relator Min. Sepúlveda Pertence.01