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Artigos - 09/10/12

Hamilton Dias de Souza e Hugo Funaro – A substituição tributária e a guerra fiscal

Autor(es): Hamilton Dias de Souza

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) editar súmula vinculante declarando inconstitucionais desonerações de ICMS concedidas sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) vem preocupando os beneficiários, que receiam ser chamados a recolher o tributo dispensado.

 

A par disso, os destinatários das mercadorias vêm sendo impedidos de se creditar do valor total do ICMS destacado na operação interestadual. Funciona assim: numa operação interestadual com mercadoria no valor de R$ 100 e sujeita à alíquota de 12%, o Estado de origem poderia cobrar R$ 12 do remetente. Como o ICMS é não cumulativo, tal valor poderia ser creditado pelo adquirente para abatimento na próxima operação. Supondo que a mercadoria fosse revendida por R$ 200 e que a alíquota interna fosse de 18%, caberiam ao Estado do destinatário R$ 24 (R$ 36 – R$ 12). Imaginando-se que o Estado de origem tenha dispensado metade do seu ICMS, o Estado de destino só admitiria crédito de R$ 6 (e não R$ 12) e arrecadaria, no total, R$ 30 (e não R$ 24).

 

Pelo fato de a sanção de “ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria” estar prevista no artigo 8º da Lei Complementar (LC) nº 24, de 1975 (de constitucionalidade duvidosa), o Tribunal de Impostos e Taxas paulista vem validando a exigência de estorno do crédito correspondente ao ICMS irregularmente dispensado pelo Estado de origem.

 

Contudo, a sanção referida só se aplica às operações sujeitas ao regime normal de tributação, não tendo eficácia no regime especial de substituição tributária para frente. É que, nesse sistema, não há crédito a ser apropriado pelo destinatário: o substituto tributário deve recolher, além do ICMS devido ao Estado de origem pela sua operação própria, a diferença do imposto devida nas operações subsequentes a serem realizadas no Estado de destino (ICMS-ST). Ou seja, no exemplo acima, o remetente da mercadoria (substituto) deveria pagar R$ 12 ao Estado de origem e R$ 24 ao Estado de destino.

 

Contudo, o Fisco paulista vem exigindo que os remetentes de mercadorias localizados em Estados que lhes tenham concedido benefícios irregularmente complementem o valor do ICMS-ST. Alega-se que do valor devido ao Estado de São Paulo deveria ser descontado apenas o imposto efetivamente recolhido na origem (R$ 6 no exemplo anterior).

 

A exigência adicional de ICMS pelo Estado de destino é ilegal

 

O raciocínio é equivocado, pois o mesmo artigo 8º da LC 24, no qual se fundamenta a glosa de créditos do destinatário paulista, prevê que a concessão de incentivos ou benefícios não autorizados pelo Confaz implica também “a nulidade do ato, a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente”. Quer dizer: o imposto dispensado na operação interestadual torna-se exigível, por força da lei complementar. Assim, ao Estado de origem é devido o valor integral do ICMS incidente na operação (R$ 12), que, dessa maneira, deve ser deduzido do ICMS-ST.

 

Para que o Fisco paulista pudesse exigir valor adicional de ICMS-ST seria necessária previsão expressa na LC nº 24, o que, todavia, não há. A omissão do legislador federal talvez se explique porque, na época em que editada a lei complementar, o regime de substituição tributária para frente era usado de forma excepcional. Hoje, a substituição tributária está virando regra, porém, não foi prevista, para as operações sujeitas a tal sistemática, sanção similar à glosa de créditos aplicável nas operações sujeitas ao regime normal de tributação. E, sem previsão expressa, não pode ser exigido o tributo.

 

Tanto é assim que a legislação paulista só prevê a glosa do valor do ICMS creditado pelo estabelecimento destinatário paulista em montante superior ao efetivamente “cobrado” (destacado) na operação interestadual, o que não se aplica ao imposto “devido” pela operação do remetente, nem viabiliza a referida glosa, tendo em vista que todo o valor devido ao Estado de destino é pago pelo substituto. Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, que, em sendo constatado que o benefício fiscal concedido pelo Estado de origem não altera o cálculo do imposto devido, mas, apenas, resulta em recolhimento a menor em face da concessão de crédito presumido, deve ser descontado o percentual de 12% do ICMS/ST devido ao Estado destinatário, tendo em vista a autonomia fiscal dos entes federados, que só pode ser regulada por norma de caráter nacional (RESP 1.125.188/MT).

 

Portanto, as operações interestaduais submetidas ao regime de substituição tributária não podem ser tratadas como os casos comuns de glosa de créditos dos destinatários de mercadorias submetidas a incentivos ou benefícios irregulares de ICMS. Trata-se de nova frente de batalha da chamada guerra fiscal, que deve ser examinada à luz do princípio da reserva legal e tendo presente a advertência do Supremo Tribunal Federal de que “inconstitucionalidades não se compensam”. Analisada a questão sob esse prisma, conclui-se que a exigência adicional de ICMS-ST pelo Estado de destino é ilegal.

 

Hamilton Dias de Souza e Hugo Funaro são sócios do escritório Dias de Souza Advogados Associados

 

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

 

Fonte: Valor Econômico, 09/10/2012 – Caderno: Legislação & Tributos, pág. E-2