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Artigos - 15/07/11

Hamilton Dias de Souza – Critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência – Reflexões para a regulação e aplicação do art. 146-A da Constituição Federal

Veículo: A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO: condições e limites – “Homenagem ao Prof. Ney Prado”. SP: LTr, 2011 Pág 385-400
Autor(es): Hamilton Dias de Souza

1. Introdução.

A Emenda Constitucional nº 42/2003 introduziu, na Constituição Federal, o art. 146-A, prevendo que “lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.

A norma constitucional traz importante instrumento para prevenir e coibir ações que desequilibrem a concorrência através da utilização de tributos. A matéria é nova, não havendo precedente, quer em constituições brasileiras anteriores, quer no direito comparado. Por essa razão, é oportuno o exame do tema[1].

Começaremos pela análise do texto constitucional. Em seguida examinaremos qual poderá ser o conteúdo e a função da lei complementar nele prevista, qual a competência das ordens parciais de governo (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), bem como as atribuições das autoridades administrativas que poderão aplicar o disposto na legislação. Além disso, trataremos rapidamente da questão atinente ao papel dos órgãos de defesa da concorrência nesta matéria.

2. Análise do texto constitucional.

A primeira questão a ser enfrentada prende-se à competência outorgada pela norma constitucional à lei complementar. Os critérios especiais de tributação poderão ser estabelecidos por ela se parecer oportuno ao Congresso Nacional. Daí a expressão “poderá”. Critérios, de seu turno, são parâmetros a serem observados pelos legisladores ordinários, não comandos cujos destinatários sejam fisco e contribuinte, como adiante se verá.

A finalidade da norma é dispor sobre desequilíbrios concorrenciais causados pelo tributo. Não se presta a ser instrumento meramente arrecadatório, não podendo ser instituídos tributos com base no dispositivo constitucional examinado. O critério de validação da competência é finalístico, não condicional. O bem protegido é o mercado como patrimônio nacional, na acepção do artigo 219 da Constituição Federal, não se prestando a regular questões concorrenciais entre empresas privadas.

A parte final do texto ressalva a competência da União para estabelecer normas de igual objetivo em relação a seus tributos. Isso significa que mesmo ausente a lei complementar já podia a União dispor sobre desequilíbrios concorrenciais tributários com base em outros princípios constitucionais como o da igualdade e o da livre concorrência (Constituição Federal, artigos 5º, 150, II e 170). A superveniência de lei complementar implicará revogação se regular diferentemente a matéria anteriormente prevista em lei ordinária da União. Os critérios estabelecidos em lei complementar serão de observância obrigatória para União, Estados e Municípios. Se houver insuficiência de densidade normativa na lei complementar, poderá a União, por lei própria, dispor sobre a matéria no âmbito de sua competência.

O art. 146-A, além de veicular competência dirigida ao legislador complementar, densifica um importante princípio: a neutralidade concorrencial do tributo. Todo tributo afeta o mercado, na medida em que interfere com o preço de bens e serviços, mas isso não significa que ele possa afetar a concorrência. Um tributo aplicado uniformemente aos diversos agentes que atuam num determinado mercado relevante será concorrencialmente neutro. Se, entretanto, ele privilegiar uns em detrimento de outros, desequilibrando as forças de mercado, será inconstitucional, não necessariamente por quebra de isonomia, mas por quebra da neutralidade. A neutralidade concorrencial do tributo poderia, até então, ser entendida como medida desejável, mas não obrigatória. Com a EC 42/03, todavia, a neutralidade concorrencial do tributo passa a integrar o sistema tributário[2]. A Constituição inequivocamente impõe como objetivo a ser perseguido que o tributo não seja fonte de desequilíbrio na concorrência. E, portanto, a partir de sua edição, não pode o legislador agir de forma a abalar a concorrência. Se o fizer, agirá contra o princípio da neutralidade. Afinal, se o legislador deve evitar desequilíbrios motivados por práticas tributárias adotadas pelos contribuintes, seria ilógico admitir que ele próprio possa editar normas causadoras de desequilíbrio. Isso contrariaria o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Razões extrafiscais, entretanto, podem justificar tratamento desigual, desde que compatíveis com o perfil constitucional do tributo e que se justifiquem em face dos demais princípios constitucionais. Mas, se independentemente de razões legítimas, o tributo interferir indevidamente com o jogo de mercado, a inconstitucionalidade, por quebra de neutralidade, há de ser reconhecida.[3]

Mesmo na concessão de incentivosdeve o legislador agir de forma a induzir os particulares a agirem conforme o interesse público perseguido pela norma instituidora do incentivo sem, contudo, interferir com a livre concorrência a ponto de afetar a liberdade de iniciativa. A possibilidade de serem instituídos incentivos com vistas à redução das desigualdades regionais não exclui a observância do princípio da livre concorrência. Não é porque um princípio constitucional fundamenta a concessão de incentivos que outros princípios possam ser abandonados. É forçoso haver um balanceamento entre eles, de sorte que um não exclua o outro. Assim, o limite do incentivo é o que é suficiente para promover o equilíbrio econômico entre as regiões do país sem prejudicar a concorrência e, portanto, o mercado. Exemplo do que se afirma encontra-se em incentivo que além de compensar os custos empresariais decorrentes da instalação do estabelecimento em local menos favorecido, vá além, permitindo que o beneficiário tenha vantagens competitivas excessivas que desequilibrem a concorrência como um todo.

Deve haver justa medida entre meios e fins (proporcionalidade). Se a norma tributária for formulada de modo a provocar desequilíbrios concorrenciais (desigualdade na lei), será inconstitucional (aspecto negativo da neutralidade). Além disso, se a norma for corretamente formulada, porém, houver ineficácia prática em relação a agentes econômicos (desigualdade na aplicação da lei), devem ser editadas normas corretivas que tornem efetiva a tributação legalmente prevista (aspecto positivo da neutralidade).

É nesse contexto que se deve analisar a atuação de entidades imunes na exploração da atividade econômica. De fato, os órgãos e entidades imunes devem utilizar as vantagens tributárias que lhes são outorgadas para o estrito cumprimento das funções que lhes são próprias. Isso significa que não podem competir num determinado mercado de bens e serviços em dimensão que venha a prejudicar o mercado. Assim, é razoável que certas atividades econômicas possam ser exploradas marginalmente por essas entidades, como estacionamento para veículos vizinho a templos ou entidades educacionais, pequenos comércios, renda de aluguéis, desde que se destinem apenas a complementar o necessário ao atingimento de suas finalidades. Contudo, se a vantagem for utilizada de forma excessiva, a ponto de prejudicar o regular funcionamento de mercado explorado em regime de concorrência, não haverá direito à imunidade[4].

A matéria – desequilíbrios concorrenciais tributários – suscita reflexões sobre inúmeros aspectos que serão abordados nos tópicos abaixo.

3. Natureza da lei complementar.

Inicialmente, é importante verificar se a lei complementar prevista no art. 146-A da Constituição pertence aos domínios do Direito Tributário ou do Direito Econômico. Embora o direito seja uno, a divisão em ramos é útil para melhor estudar e compreender as normas jurídicas que regulam as diversas áreas do comportamento humano. Até porque cada área submete-se a princípios peculiares que orientam a produção, interpretação e aplicação das respectivas normas. É, pois, dever do intérprete situar a norma no campo jurídico pertinente, para que seja feita uma análise adequada.[5]

O art. 146-A encarta-se no Capítulo I (“Do Sistema Tributário Nacional”) do Título VI (“Da Tributação e do Orçamento”) da Constituição. Trata-se, assim, de norma de natureza tributária. Conseqüentemente, a lei complementar prevista no dispositivo constitucional – e bem assim os atos normativos que nela se baseiem – são da mesma natureza (tributária).

O campo próprio para o estudo da estudo da matéria deve ser, portanto, o Direito Tributário. É claro que, para bem compreender o objeto, faz-se necessário recorrer a elementos de Direito Econômico, tendo em vista que a concorrência está no cerne da questão. O mesmo se dá em relação a outras matérias reguladas por ramos diversos do Direito, como, por exemplo, o Direito Civil e o Administrativo e que são colhidas pelas normas tributárias. Afinal, o Direito Tributário é, por definição, um direito de superposição.[6]

Outra questão relevante, ligada à natureza da lei complementar, consiste em verificar se ela cuida de normas gerais tributárias a serem observadas na elaboração de outras normas pelos entes federativos competentes (normas de competência ou estrutura), ou se veicula normas especiais que regulam diretamente comportamentos (normas de conduta).[7] O art. 146-A da Constituição outorga competência à lei complementar para estabelecer critérios especiais de tributação, o que pode gerar certa perplexidade. Para alguns, isso pode significar a indicação de parâmetros aos legisladores federal, estaduais e municipais; para outros, a fixação de comando a ser obrigatoriamente seguido pelos contribuintes.[8]

A melhor interpretação parece ser no sentido de que a lei complementar do art. 146-A da Constituição veicula normas de estrutura, de modo coerente com a função reservada à lei complementar pelos incisos I a III do art. 146 e com os demais dispositivos incluídos na Seção I (“Dos Princípios Gerais”) do Capítulo reservado ao “Sistema Tributário Nacional”, que disciplinam a competência tributária dos entes federados.

Entender que a lei complementar deveria conter normas de conduta implicaria aceitar a necessidade de iniciar processo legislativo no âmbito federal, com quórum qualificado (maioria absoluta), sempre que verificado desequilíbrio concorrencial, seja em âmbito nacional, seja no território de uma ou mais unidades federativas. Seria admitir, ainda, a possibilidade teórica de existirem centenas de leis complementares sobre o assunto, o que fere o princípio da razoabilidade. E mais: que o Congresso Nacional deveria se ocupar de temas regionais ou até municipais, afetos às respectivas assembléias legislativas e câmaras de vereadores, contrariando o pacto federativo, que supõe a autonomia estadual e municipal. Na prática, ficaria comprometida a eficácia do art. 146-A da Constituição, pois não haveria tempo hábil para promulgar todas as leis complementares necessárias a corrigir distorções antes de consumados seus efeitos deletérios sobre o mercado considerado.

Parece correto concluir, portanto, que a lei complementar deve estabelecer critérios especiais de tributação, podendo até indicar os setores aos quais podem ser aplicados, mas quem efetivamente os instituirá são os entes

competentes para a exigência do tributo correspondente, quando verificados os seus pressupostos. Trata-se de “lei nacional” que condiciona a validade das leis ordinárias federais, estaduais e municipais.[9] Como tal, aplica-se a todos os tributos.

O art. 146-A da CF outorga competência “nova” para a lei complementar dispor sobre critérios especiais de tributação em âmbito nacional, de forma coerente com a função uniformizadora das normas de direito tributário, reservada a esse tipo de diploma normativo. As normas gerais assim veiculadas excepcionam aquelas estabelecidas com fundamento no art. 146, por isso a criação do art. 146-A. Não compete à lei complementar disciplinar diretamente os tributos federais, estaduais e municipais, mas apenas estabelecer parâmetros a serem seguidos. Se a lei complementar disciplinar diretamente os tributos estaduais e municipais será inconstitucional, por agressão à autonomia dos titulares da competência tributária. No caso de ser regulado tributo da União, não haverá inconstitucionalidade, mas as normas da lei complementar que tratarem da matéria serão consideradas como “lei ordinária”, podendo ser alteradas posteriormente por normas de igual natureza.

Nesse contexto, a lei complementar referida no art. 146-A da Constituição tem caráter de norma geral por estabelecer parâmetros a serem observados pelos entes políticos na edição de normas destinadas à prevenção de desequilíbrios causados por práticas tributárias. É, entretanto, especial em relação às normas gerais do art. 146, III, com as quais convivem harmonicamente. Daí porque a Emenda Constitucional nº 42/2003 criou o art. 146-A, em vez de inserir nova alínea no art. 146, III, da CF.

4. Campo reservado à União.

Identificada a natureza da lei complementar do art. 146-A da Constituição como sendo norma tributária de competência (ou estrutura), cumpre delimitar o campo de atuação da União, face à ressalva constante da parte final do dispositivo (“… sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”).

A ressalva em questão diz respeito à preservação (“sem prejuízo”) de competência da União para estabelecer “normas de igual objetivo”. O “igual objetivo” dessas normas é, sem dúvida, “prevenir desequilíbrios da concorrência”, como consta da parte inicial do art. 146-A da Constituição, que define a competência da lei complementar.

A primeira questão que surge é: quais “normas” pode o legislador ordinário editar? Seriam tributárias ou de outra natureza (direito econômico)?[10] A interpretação lógico-sistemática leva a entender que são normas tributárias. Primeiro, porque o art. 146-A está localizado topograficamente no Título da Constituição que trata da Tributação e do Orçamento, sendo lógico concluir que o dispositivo cuida de competência tributária e, portanto, da produção de normas dessa natureza. Segundo, porque a parte inicial do dispositivo cuida de competência tributária, confirmando que, por razões lógicas, a ressalva só pode ser em relação a uma competência de igual natureza. Terceiro, porque seria desnecessário ressalvar a competência da União para dispor sobre direito econômico, pois esta se funda no art. 24, I, da Constituição, que de nenhuma maneira é afetado pela norma do art. 146-A.[11]

Disso resulta outra questão relevante: as normas tributárias constantes da lei ordinária da União são de competência ou de conduta? São de conduta. As normas de competência necessárias a implementar as disposições do art. 146-A da Constituição devem ser veiculadas por lei complementar. Ademais, a previsão em lei ordinária da União de normas tributárias aplicáveis a Estados, Distrito Federal e Municípios contrariaria a lógica do sistema tributário nacional, que supõe lei complementar para estabelecer normas gerais (CF, arts. 146, 155, III, §2º, XII, 156, III).

Isso não significa que a União fique indene às disposições de lei complementar. A lei complementar deve veicular normas gerais com vistas a uniformizar as leis federais, estaduais, municipais e distritais que venham a dispor sobre o tema. A União não tem competência para editar lei ordinária de normas gerais. Pode, entretanto, editar normas adicionais aplicáveis especificamente aos tributos federais, observando, no que couber, a lei complementar. Afinal, se a União sempre teve competência para dispor sobre o tema, não faz sentido que, sobrevindo lei complementar, não possa ela editar normas suplementares, para suprir eventuais lacunas em relação aos tributos que lhe competem. Contudo, os Estados e os Municípios não têm essa prerrogativa. Sua competência é nova e deve ser exercida em estrita conformidade com a lei complementar. Assim é pela necessidade de trato uniforme da matéria, de sorte a evitar a proliferação de normas estaduais e municipais díspares, que poderiam afetar a coerência do sistema, gerar insegurança e até causar desequilíbrios concorrenciais, na medida em que estes, no mais das vezes, não se restringem ao território de um único Estado ou Município, cuja extensão delimita a aplicação das respectivas normas.[12]

Conclui-se, portanto, que a intenção do constituinte foi, de um lado, permitir que o legislador complementar produza normas de âmbito nacional tendentes a orientar a atividade legislativa dos entes tributantes em matéria de desequilíbrios concorrenciais tributários; de outro, resguardar a competência (pré-existente) da União para disciplinar a matéria segundo as suas necessidades, sem prejuízo da observância dos critérios gerais veiculados por lei complementar.

5. Conteúdo da lei complementar.

O art. 146-A da Constituição outorga competência à lei complementar para estabelecer critérios especiais de tributação com fim específico: prevenir desequilíbrios concorrenciais. As normas gerais assim editadas devem veicular diretrizes e bases essenciais à regulação da matéria no âmbito da legislação atinente a cada tributo, indicando inclusive as formas possíveis de prevenção de desequilíbrios. Os titulares de poder tributário, por sua vez, devem expedir leis e atos administrativos contendo a especificação necessária à aplicação dos critérios especiais de tributação a cada setor da atividade econômica onde seja constatado o desequilíbrio concorrencial, em conformidade com a lei complementar, ressalvada a competência suplementar da União, no tocante aos tributos que lhe cabem.

É importante definir, então, o que são critérios especiais de tributação, como se manifestam os desequilíbrios concorrenciais que lhes dão causa e quais as condições e limites para a sua instituição pelos entes competentes.

5.1. Definição de critério especial de tributação. Espécies.

“Critério” significa “um modo de apreciar coisas e/ou pessoas”, “especial” indica algo “fora do comum, distinto” e “tributação” diz com “ato ou efeito de tributar(-se)”, ou seja, de “impor tributos”.[13] Organizando esses conceitos na busca de um sentido lógico, tendo em vista o escopo do art. 146-A da Constituição, pode-se definir o critério especial de tributação como um modo diferenciado na instituição e/ou cobrança de tributos.

Quer dizer: a lei complementar pode autorizar os titulares da competência tributária a instituir tributos com aspectos diferenciados dos previstos nas normas gerais do Código Tributário Nacional, bem como dispor sobre obrigações acessórias especiais, com vistas a assegurar a livre concorrência. Há, pois, quebra da igualdade formal entre os potenciais sujeitos passivos do tributo, justificada pela necessidade de proporcionar, no plano material, tratamento uniforme a agentes econômicos que atuem em mercados mais propensos a desequilíbrios concorrenciais em virtude da alta carga tributária, com o objetivo de realizar os princípios que regem a ordem econômica e como forma de assegurar a distribuição da justiça social (CF, arts. 3º e 170).[14]

As obrigações a serem estabelecidas em lei complementar podem ser principais ou acessórias, dado que ambas são inerentes à competência tributária.[15] Vale dizer: tanto podem ser alterados os elementos da obrigação principal, de modo que o recolhimento do tributo seja feito de forma distinta da normal, quanto podem ser previstos deveres instrumentais específicos que possibilitem melhor controle dos agentes econômicos e, com isso, proporcionem o adequado recolhimento dos tributos devidos.[16]

Aliás, não teria sentido restringir a edição de critérios especiais apenas aos aspectos estruturais da obrigação principal, quando o desequilíbrio concorrencial pode, muitas vezes, ser resolvido mediante o estabelecimento de deveres instrumentais que, aumentando o controle sobre o sujeito passivo do tributo, levem ao mesmo resultado: recolhimento do tributo legalmente previsto. A alteração da sistemática de pagamento, em regra, é mais

gravosa do que a criação de novos deveres instrumentais. Se a Administração pode o mais, pode o menos. E deve agir com proporcionalidade, de modo a produzir o resultado menos gravoso ao contribuinte.[17]

Nos casos em que a obrigação acessória é instrumento para o cumprimento da obrigação principal não há necessidade de lei estrita que a preveja. Basta que tenha base em lei. Não se cuida de legalidade estrita. Diversa é a solução quando se trata de obrigações acessórias restritivas de direitos, como as que são estabelecidas relativamente a contribuintes que de maneira sistemática e contumaz não pagam ou evitam o pagamento de tributos. Estas devem ser instituídas diretamente por lei, cabendo à Administração Pública sua aplicação no caso concreto[18].

Os critérios especiais de tributação podem, portanto, ser de duas espécies: materiais ou formais. Critérios materiais são aqueles que interferem com os elementos estruturais da obrigação tributária. Como exemplo podemos mencionar a tributação monofásica, a cobrança do tributo em momento anterior ao fato gerador, o estabelecimento de alíquotas fixas ou ad rem e pautas de valores mínimos (fixação da base de cálculo tendo como referência o preço normal encontrado no mercado). Critérios formais são aqueles que, sem interferir no regime normal de recolhimento do tributo, criam deveres instrumentais adicionais para acompanhamento específico de determinados contribuintes. Dentre estes podem ser referidos: regime especial de fiscalização consistente em acompanhamento permanente de atividades comerciais; medidores de peso, volume e vazão; registro especial para fabricantes de cigarros; condicionamento de créditos tributários à comprovação de pagamento na etapa anterior; regime especial de recolhimento (redução de período de apuração e prazo de pagamento de tributos).

Diante disso, vale advertir que, em nenhuma hipótese, o art. 146-A da Constituição pode ser invocado como fundamento para a criação de novos tributos. O dispositivo não outorga competência para tanto. O que ele prevê é a possibilidade de serem criadas formas diferenciadas de apuração, cálculo e fiscalização dos tributos cuja instituição seja autorizada aos entes políticos, nos termos dos dispositivos constitucionais pertinentes.[19] Na realidade, permite-se a criação de regimes especiais compulsórios, com o fim de assegurar o efetivo recolhimento dos tributos devidos por todos os agentes econômicos que competem num determinado segmento da atividade.

A compulsoriedade dos regimes estabelecidos com base no art. 146-A da Constituição afasta a necessidade da lei complementar nele prevista para a instituição de sistemas diferenciados de recolhimento de tributos (e respectivas obrigações acessórias) de adesão facultativa pelos contribuintes. Nesse caso, a aplicação do critério especial de tributação decorre de opção fiscal do sujeito passivo e, normalmente, não se orienta pelos princípios da ordem econômica, mas, eminentemente, por razões de política fiscal. É claro que a eventual criação de sistema alternativo simplificado que estimule adesão generalizada e proporcione melhor controle fiscal, pode ter reflexos positivos tanto para a arrecadação, quanto para a livre concorrência. Mas, ainda assim, o caráter subjetivo do ato de adesão, que pode não se verificar na prática, retira desse tipo de sistema a característica primordial dos regimes baseados no art. 146-A da Constituição, que é a aplicação uniforme da carga tributária aos agentes econômicos que competem num determinado mercado.

Além disso, dispensa a lei complementar como instrumento de proteção do contribuinte contra as investidas fiscais, na medida em que existe a opção de permanecer no regime ordinário, caso assim deseje. Assim, os entes tributantes podem, respeitados os limites de sua competência impositiva, criar os critérios especiais de tributação optativos que lhes convenham.

Importa salientar, ainda, que a Constituição e o Código Tributário Nacional também contemplam formas diferenciadas de apuração de tributos que, além de atender os interesses fiscais, podem contribuir para a preservação da livre concorrência. É o caso da substituição tributária “para frente” (CF, art. 150, §7º), das alíquotas específicas e da tributação monofásica das contribuições e do ICMS (CF, arts. 149, §2º, III e §4º; e 155, §2º, XII, h e §4º, IV, b) e das alíquotas específicas dos impostos de importação e exportação (CTN, arts. 20, I e 24, I). Essa tributação especial pode ser utilizada também para prevenir desequilíbrios concorrenciais.

Não é esse, porém, seu objetivo primordial, podendo a tributação especial ser utilizada por outras razões de caráter fiscal, como instrumento para facilitar a arrecadação e evitar a evasão fiscal. De qualquer sorte, sua sede constitucional não é o art. 146-A da Constituição, não se sujeitando às restrições impostas por este dispositivo. Tais figuras consubstanciam, inequivocamente, critérios especiais de tributação e podem ser usadas com a finalidade (extrafiscal) de prevenir desequilíbrios concorrenciais. Como, porém, a Constituição não restringe o uso, podem elas ser instituídas com objetivos puramente fiscais, não se submetendo à lei complementar do art. 146-A.

5.2. Desequilíbrios concorrenciais abrangidos.

O campo de aplicação da lei complementar fundada na norma do art. 146-A da Constituição há de ser a prevenção dos desequilíbrios causados pelos tributos. Isso porque os instrumentos postos à disposição do legislador para a atuação da norma constitucional são os critérios especiais de tributação. Como visto, estes consistem em regimes diferenciados na instituição, cobrança e fiscalização de tributos. Prestam-se, portanto, a assegurar o correto cumprimento de obrigações tributárias. Sendo assim, os desequilíbrios de que se cuida são os de origem tributária. Somente os dessa natureza podem ser resolvidos mediante alteração do critério de tributação. Consistem, pois, em instrumentos para que agentes econômicos de determinados setores sujeitem-se efetivamente à carga tributária legalmente prevista. Por isso, o art. 146-A está no capítulo da Constituição que cuida do sistema tributário.

As ações que justificam a adoção de critérios especiais de tributação podem ser lícitas ou ilícitas. Compreendem-se no âmbito do art. 146-A da Constituição, por exemplo, a sonegação, o planejamento tributário, a obtenção de decisões judiciais que suspendam ou afastem a exigência de tributo, entre outros. Basta que acarretem anomalia no funcionamento do mercado. Contudo, a vantagem tributária tem de ser decisiva para tornar a situação de um competidor melhor do que a de outro. Quando a vantagem tributária atinge proporções que abalam o mercado, configura-se distúrbio causado pelo tributo. A rigor, isso não se verifica no caso de ação isolada que produza efeito econômico de curto prazo. Exige-se, para tanto, um ato ou um conjunto de atos (omissão reiterada no pagamento de tributo) cujos efeitos possam perdurar por tempo suficiente para alterar a participação de mercado do agente que o pratique, interferindo com a livre concorrência, em prejuízo da livre iniciativa. Em outras palavras, a caracterização do desequilíbrio de que trata o art. 146-A da CF depende de prática tributária contumaz e em volume suficiente para interferir com o jogo de mercado[20]. O interesse protegido é público. Não se cuida de disputa privada, de interesse restrito.

O desequilíbrio concorrencial pode ser potencial ou atual. O objetivo do art. 146-A da Constituição é prevenir desequilíbrios concorrenciais. O legislador deve atuar preventivamente, evitando anomalias do mercado. Contudo, nada impede que, estando consumada situação prejudicial à concorrência, possam ser adotadas medidas para evitar seu prolongamento. A norma é prospectiva (voltada para o futuro), mas seus efeitos tendem a reequilibrar o mercado e, nessa medida, pode ser aplicada para resolver problemas pré-existentes. Se o setor da atividade econômica for, por sua própria estrutura, sujeito a desequilíbrios concorrenciais decorrentes, por exemplo, de alto índice de informalidade – e, conseqüentemente, sonegação -, a adoção cautelar dos critérios especiais de tributação é plenamente justificável. Da mesma forma, se agentes econômicos de um dado setor forem levados a seguir procedimento tributário adotado por outros, mesmo quando de duvidosa legalidade, como forma de manterem sua competitividade, igualmente será legítimo o estabelecimento de regime fiscal específico com o objetivo de neutralizar o fator tributário como elemento de competição e, com isso, possibilitar a alocação eficiente de recursos na economia.

Por outro lado, distúrbios concorrenciais causados por atos de natureza não tributária estão fora do alcance da lei complementar do art. 146-A da Constituição. Eles devem ser solucionados através dos mecanismos próprios. Eventuais instrumentos indutores de caráter tributário podem ser criados com o objetivo de auxiliar na correção de desequilíbrios estruturais, mas não terão como fundamento o artigo 146-A da Constituição Federal. O objetivo da norma é tão somente evitar que o tributo seja causa das aludidas falhas. Os critérios especiais de tributação são instrumentos para corrigi-las. A Constituição prevê objetivos e finalidades, mas também os meios para alcançá-los. A prevenção de desequilíbrios concorrenciais de causa diversa da tributária deve ser feita mediante os meios fornecidos pelo ordenamento.

Também não se enquadram no campo do art. 146-A da Constituição, a despeito de serem de origem tributária, eventuais desequilíbrios decorrentes de benefícios e incentivos relacionados a impostos estaduais e municipais, especialmente o ICMS e o ISS. Esses casos devem ser diretamente regulados por leis complementares editadas com fundamento em disposições constitucionais específicas (CF, art. 155, §2º, XII, g e art. 156, §3º, III). Afinal, não se trata de problema provocado por ação exclusiva do particular, mas sim por ato estatal que a antecede. Há interesses federativos envolvidos que devem ser disciplinados por normas cogentes destinadas especialmente às unidades federativas e que inclusive prevejam as sanções pertinentes em caso de inobservância dos pressupostos constitucionais. A lei complementar fundada no art. 146-A não se presta a essa finalidade, até porque, veiculando normas de competência, sua aplicação a casos concretos depende das leis ordinárias que venham a ser editadas pelos entes tributantes, que, obviamente, não legislarão contra seus interesses, quando venham a conceder benefícios e incentivos ficais de forma irregular.

Portanto, diferentemente do que ocorre no campo da repressão às infrações da ordem econômica, a causa do desequilíbrio concorrencial é elemento determinante para a instituição dos critérios especiais de tributação. Estes só se justificam quando os procedimentos adotados por agentes econômicos relativamente ao cumprimento de obrigações tributárias (causa) possam proporcionar vantagem sobre seus competidores que provoque abalo na livre concorrência (efeito). Pouco importa qual tributo serve de veículo ao desequilíbrio. Todos podem ser utilizados de sorte a gerar distorções quando interfiram significativamente na composição de custos e na formação de preços.

Ressalte-se que o desequilíbrio a ser prevenido com fundamento no art. 146-A da Constituição se verifica no plano da eficácia e não na formulação da norma. O dispositivo constitucional cuida de ação externa à norma que, impedindo a produção dos seus regulares efeitos, afete o funcionamento do mercado. Se a própria lei de incidência tributária criar distorções ou favorecer contribuintes que competem em um mesmo mercado relevante,[21] ela poderá ser declarada inconstitucional, por quebra da isonomia e da neutralidade tributária, como antes observado. De fato, é ilógico admitir que a própria lei contenha normas que prejudiquem a livre concorrência. É nesse sentido que se pode dizer que o artigo 146-A confirmou, de forma expressa, o princípio da neutralidade tributária.

É claro que, havendo razões extrafiscais compatíveis com o perfil constitucional do tributo que justifiquem o tratamento desigual, como, por exemplo, a maior prejudicialidade de um produto à saúde do que outro que o substitua, para fins de graduação do IPI (seletivo em função da essencialidade do produto – CF, art. 153, 3º, I), pode não haver quebra da neutralidade tributária.

Contudo, se a distinção for causada apenas por questões tributárias e a instituição de alíquotas diferenciadas provocar distorções na competição entre produtos equivalentes, inviabilizando a comercialização de um deles, haverá quebra da neutralidade. Da mesma forma, alterações de alíquotas que visem dar eficácia a princípios da ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal) não podem, a esse pretexto, provocar desequilíbrios na concorrência. De fato, para dar-se aplicação a um princípio da ordem econômica não se pode malferir outro de igual estatura. É por essa razão que há limites para a concessão de incentivos para o desenvolvimento regional quando, por sua dimensão, possam prejudicar a concorrência como um todo.

5.3. Condições e limites para a instituição de critérios especiais de tributação.

A instituição de critério especial de tributação com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência pressupõe o atendimento de condições e o respeito a limites, que devem ser indicados em lei complementar.

A condição fundamental para o exercício da competência legislativa pelos entes políticos é que efetivamente exista uma anomalia potencial ou atual no funcionamento do mercado que justifique a utilização de critério especial de tributação. Sendo o regime especial de cumprimento de obrigação tributária meio para atingir um fim estabelecido na Constituição, o controle de sua legitimidade deve ser feito segundo a técnica de validação finalística.[22] De tal forma que a criação de critério especial de tributação para atingir fim diverso daquele preconizado no art. 146-A configura desvio de finalidade, tornando inconstitucional a norma que o preveja. Se, a pretexto de prevenir desequilíbrio concorrencial, o ente tributante estabelecer obrigações tributárias com viés puramente arrecadatório, simplesmente para facilitar o seu trabalho de fiscalização e arrecadação de tributos, estará atuando em campo diverso do que lhe foi facultado, podendo configurar-se, conforme o caso, espécie de sanção política, cuja utilização vem sendo sistematicamente afastada pelo Supremo Tribunal Federal.[23] Daí porque o exame da situação que deu origem ao regime especial e da sua finalidade é fundamental para aferir a sua validade.[24]

Em decorrência, a aplicação do critério especial de tributação está condicionada à persistência dos motivos que justificaram a sua adoção. Se a situação que caracteriza o desequilíbrio desaparece, a norma perde a sua finalidade e, conseqüentemente, o fundamento de validade. Nesses casos, a norma que veicular critério especial de tributação terá vigência condicionada. Cessada a causa (desequilíbrio), cessa igualmente o efeito (critério especial)[25], sob pena de inconstitucionalidade superveniente da norma respectiva. Diferente é a situação relativa a setores sujeitos a problemas crônicos decorrentes de alto índice de sonegação. Aqui o regime pode perdurar por lapso indefinido de tempo.[26]

A par do controle dos fins, é essencial verificar se os meios utilizados pelo legislador são proporcionais, ou seja, aptos a viabilizar o atingimento do resultado com o menor sacrifício de direitos possível (liberdade de iniciativa, igualdade etc.).[27] Se não forem, restará caracterizada inconstitucionalidade, por abuso do poder legislativo.[28] Só cabe o instrumental tributário quando não haja outro meio eficaz de solucionar o problema. E, dentre os vários critérios de tributação existentes, deve ser adotado o menos oneroso para o sujeito passivo.

Ainda em termos de proporcionalidade, o critério especial de tributação deve ser instrumento para viabilizar o adequado recolhimento do tributo cujo inadimplemento seja causa do desequilíbrio concorrencial. Não pode resultar em aumento injustificado de carga fiscal, com desvirtuamento dos elementos constitutivos da obrigação tributária, de tal modo que o tributo perca as suas características essenciais.[29] Por exemplo, se for substituída a sistemática ad valorem por alíquotas específicas, a fixação destas deve ter como parâmetro o valor do tributo que deveria ser recolhido no regime comum, em condições normais de mercado. Da mesma forma, tributo de incidência plurifásica que venha a ser exigido numa única etapa da cadeia circulatória deve ser graduado de forma que a carga tributária global seja compatível com o valor do tributo que seria recolhido em cada fase do ciclo econômico. Em outras palavras, o critério especial de tributação deve levar em conta o patamar de tributação existente e o peculiar regime jurídico a que se submete o tributo correspondente, respeitando sua lógica interna, a fim de preservar a racionalidade do sistema tributário e evitar que o ente tributante exceda os limites da competência tributária que lhe foi outorgada. Assim, não se pode, a pretexto de prevenir desequilíbrios concorrenciais, aumentar alíquotas de IPI sem levar em conta o grau de essencialidade do produto considerado[30].

Por fim, a aplicação do critério especial de tributação fica limitada ao território do ente tributante que o tenha instituído, isto é, alcança um determinado conjunto de contribuintes, a depender do âmbito espacial da norma (federal, estadual, municipal). No caso da União, não há problemas, pois suas leis valem em todo o território nacional. Já Estados e Municípios podem ter dificuldades em prevenir desequilíbrios concorrenciais cujos efeitos extrapolem suas dimensões geográficas.[31] Se agentes econômicos adotarem práticas tributárias relacionadas a tributos estaduais ou municipais que afetem não apenas o mercado local, como o regional ou mesmo o nacional, nada impede que as leis estaduais ou municipais cuidem dos desequilíbrios verificados nos respectivos mercados. Contudo, para que haja atuação conjunta e uniforme que resolva o problema em toda a sua extensão, a lei complementar que venha a regular o art. 146-A da Constituição deverá prever a possibilidade de serem celebrados acordos específicos entre as unidades federativas interessadas, a exemplo do que prevê o art. 9º da Lei Complementar nº 87/96, em relação à adoção do regime de substituição tributária nas operações interestaduais.

6. Campo de atuação dos Estados e Municípios.

O art. 146-A afasta a possibilidade de Estados ou mesmo Municípios legislarem sobre matérias que lhes são próprias sem base em lei complementar, ao ressalvar apenas a competência da União para tratar do assunto por lei ordinária. Com efeito, os legisladores estaduais e municipais não têm competência para instituir regras tributárias diferenciadas em face de desequilíbrios concorrenciais. Tal competência surgirá quando for editada a lei complementar de que ora se cuida. Não há competência concorrente para a disciplina dessa matéria.

Apenas no momento em que a lei complementar regular a matéria ora tratada, definindo campo de atuação próprio dos Estados e dos Municípios, estes poderão editar regras de conduta que tenham por objetivo a prevenção ou repressão de desequilíbrios concorrenciais. Vale dizer, a competência dos legisladores estaduais e municipais depende do que dispuser a lei complementar.

Em outras palavras, além da competência pré-existente da União, há duas outras competências:

1ª: a outorgada pela Constituição à lei complementar para estabelecer critérios especiais de tributação para prevenir desequilíbrios da concorrência; e

2ª: a definida pela lei complementar para atuação dos Estados e Municípios. Esta só existirá quando a lei complementar dispuser sobre a matéria.

A lei complementar tem hierarquia superior às leis dos Estados e Municípios. E o tem porque se a lei local contrariar a lei nacional, não terá fundamento de validade. O campo de atuação do legislador local é delimitado pela lei complementar, por força do art. 146-A. Logo, é com base na lei complementar que deve ser verificado se a competência local foi regularmente exercida.

7. A questão das obrigações acessórias.

As obrigações acessórias fundadas no art. 146-A devem ter base em lei. Sua aplicação, entretanto, é, no mais das vezes, atribuída às autoridades administrativas. Tratando-se de medida de caráter geral, pode ser adotada em caráter permanente; não, entretanto, se destinada a coibir ou prevenir desequilíbrios concorrenciais cujos efeitos sejam temporários. Exemplo do primeiro caso são os medidores de vazão[32]. Do segundo, o regime especial de fiscalização, o recolhimento antecipado de imposto e outros, antes referidos.

Os atos administrativos devem ser motivados amplamente, com indicação da norma em que se fundam e da situação fática que os justifica.

Além disso, deverá ser demonstrada sua necessidade, adequação e “justa medida” (proporcionalidade). Necessidade, por supor situação fática de descumprimento contumaz e substancial de obrigação tributária que ocasione desequilíbrio no mercado, sem que se possa resolver o problema eficazmente com os meios normais postos à disposição do Fisco. Adequação, por os meios utilizados serem próprios para alcançar os objetivos colimados. Proporcionalidade, por representar benefício maior do que os custos individuais decorrentes da aplicação das medidas. Tudo isso a significar que o Poder Público deve investigar a realidade de modo a identificar as causas do desequilíbrio e adotar as medidas razoáveis para corrigi-lo.

Determinados atos administrativos podem afetar, em diferentes medidas, o exercício de atividade empresarial. Isso ocorre, exemplificativamente, com a negativa de registro especial que é exigida para a produçãode cigarros e o condicionamento de créditos de tributos não-cumulativos à comprovação de efetivo pagamento do montante devido na operação ou prestação anterior. Nesses casos, só em situações extremas pode a medida ser adotada, sob pena de inconstitucionalidade. Assim, se houver meio menos gravoso de tratar a questão não pode ser ela aplicada. Igualmente não pode o objetivo do Fisco consistir em apenas cobrar tributos. Pode, entretanto, quando na impossibilidade de adoção de outras medidas eficazes, as ações do contribuinte comprometerem o mercado. O Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre caso emblemático, decidindo cautelarmente ser possível a aplicação de sanções da espécie, em caráter excepcional, por se verificar reiterado e contumaz descumprimento da obrigação tributária com efeitos nocivos e de grande monta ao mercado[33]. Em outras oportunidades, a Corte prosseguiu no mesmo sentido atenuando os efeitos de suas Súmulas 70, 323 e 547.[34]

8. Órgãos de concorrência. Limites de atuação.

Compete aos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, solucionar os desvios e sancionar as condutas praticadas pelos agentes da ordem econômica que desequilibrem a concorrência.

Tem o CADE, por força da Lei 8.884/1994 (art. 7º), entre outras funções, “decidir sobre a existência de infrações à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei” e “requisitar dos órgãos do Poder Executivo Federal e solicitar das autoridades dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios as medidas necessárias ao cumprimento desta lei”. Já à SDE, entre outras, cabe “zelar pelo cumprimento desta lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado”, “proceder, em face de indícios de infração da ordem econômica, a averiguações preliminares para instauração de processo administrativo” e “orientar os órgãos da administração pública quanto à adoção de medidas necessárias ao cumprimento desta lei” (art. 11).

Portanto, a identificação de desequilíbrios concorrenciais e a investigação de seus motivos é tarefa legalmente atribuída às autoridades que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC. Trata-se de competência específica, que exclui a genérica, em decorrência do princípio da eficiência (CF, art. 37).

Em matéria tributária, há disposição constitucional expressa no sentido de que: “a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei;”, devendo as respectivas atividades ser “exercidas por servidores de carreiras específicas” (CF, art. 37, XVIII e XXII). Cuidando-se de questões sujeitas à atuação dos órgãos fazendários não há competência para atuação concorrente de outros órgãos da Administração Pública.

Coerente com essa diretriz, tanto a SDE quanto o CADE vêm se manifestando no sentido de que não compete aos órgãos de defesa da concorrência controlar situações decorrentes do descumprimento de obrigação legal, sujeita à fiscalização por outros órgãos.[35]

Diante disso, parece correto afirmar que práticas tributárias adotadas pelos particulares que ocasionem desequilíbrios concorrenciais devem ser prevenidas ou reprimidas, conforme o caso, através de normas fundadas no art. 146-A da Constituição, ou da atuação das administrações tributárias federal, estadual e municipal. Aos órgãos de defesa da concorrência compete investigar e reprimir eventuais condutas nocivas à concorrência. Se a causa for tributária, eles podem (e devem) elaborar pareceres e recomendações às autoridades fiscais ou ao Poder Legislativo, conforme o caso, para que ou auxiliem na tomada de medidas tendentes a resolver eventuais desequilíbrios fundados no tributo.

Contudo, havendo questão tributária que implique desequilíbrio concorrencial e não havendo possibilidade de solução eficaz pelos órgãos da Administração tributária, pode haver competência dos órgãos que integram o SBDC, desde que se constatem efeitos deletérios sobre o mercado. Tais efeitos podem ser sentidos especialmente em questões relacionadas com incentivos fiscais. Dentre estes, vale considerar os federais destinados à redução de desigualdades regionais e os estaduais em matéria de ICMS. Os primeiros, mesmo sendo legais e constitucionais, podem provocar distúrbios no mercado se os seus beneficiários os utilizarem como instrumento competitivo, vendendo produtos abaixo dos custos suportados pelas empresas deles não beneficiárias. Os segundos, ainda que inconstitucionais (guerra fiscal), podem igualmente provocar distorções profundas, como já observado pelo CADE na citada resposta à Consulta n. 0038/99. A despeito de o enfoque da consulta ter sido a concessão de incentivos ilegítimos pelos Estados, pode-se inferir que a utilização de incentivo que provoque desequilíbrio na concorrência, pela fixação de preços predatórios, pode ser objeto de exame pelo CADE.

Quando o agente econômico passa a utilizar a vantagem decorrente do incentivo para atingir objetivos constitucionais diversos dos que a autorizam, inibindo a livre competição em determinado segmento de mercado, desvirtua-se por completo a finalidade do incentivo, com agressão a princípios fundamentais, como a isonomia, a livre competição e a neutralidade. É justamente nesse ponto que se justifica a atuação dos órgãos de defesa da concorrência, de modo a controlar os efeitos dos atos praticados sobre o mercado e impedir desequilíbrios concorrenciais, de sorte a assegurar a eficiência na alocação de recursos na economia e proteger o consumidor.

Na verdade, a introdução do artigo 146-A na Constituição Federal influi na exegese do texto como um todo, no que se refere à aplicação do princípio da livre concorrência. Não teria sentido pudesse haver desequilíbrio nesse campo sem meio eficaz para combatê-lo ou, ainda, sem órgão administrativo que pudesse dar solução ao desequilíbrio. Isso contrariaria o princípio da máxima eficácia dos preceitos constitucionais. É por essa razão que todos os órgãos estatais que de alguma forma têm interesse na matéria podem, se houver pertinência temática, adotar as medidas cabíveis no seu âmbito ou mesmo participar de questões submetidas ao Judiciário e relacionadas à concorrência na qualidade de amicus curiae.[36] Da mesma forma, os órgãos do SBDC devem considerar, em suas decisões, eventuais efeitos anti-concorrenciais de práticas tributárias adotadas pelos contribuintes.

9. Conclusão.

Diante do exposto, verifica-se a enorme importância da lei complementar prevista no art. 146-A da Constituição Federal para a preservação do equilíbrio da concorrência. Com sua edição, as administrações tributárias terão parâmetros claros e uniformes para editar normas tendentes a neutralizar vantagens competitivas fundadas em práticas tributárias adotadas por agentes econômicos com o objetivo de evitar o pagamento de tributo a que estão sujeitos os seus competidores. Por isso, é de todo conveniente o amplo debate de todos os aspectos relacionados à normatização da matéria, a fim de que o Congresso Nacional legisle de forma a atingir os objetivos estabelecidos pela Constituição. Nesse sentido, entende-se deva a lei complementar estabelecer normas gerais definindo, essencialmente, os critérios especiais de tributação passíveis de serem adotados, os desequilíbrios concorrenciais que os justificam e as condições e os limites a serem observados pelos entes tributantes na sua instituição.

[1] O efeito do tributo sobre a concorrência, há muito apontado pela doutrina e agora reconhecido pela Constituição Federal, já fora detectado pelo CADE, como se verifica do Processo de Consulta nº 0038/99, no qual se concluiu que a concessão desordenada de benefícios estaduais importa “na redução do montante do imposto a pagar, resultando, dada a estrutura tributária brasileira, em aumento de lucro para as empresas beneficiadas de até centenas de pontos percentuais em comparação com aquelas não favorecidas, como demonstrado numericamente”, podendo, “portanto, alterar a dinâmica econômica e o nível de bem-estar da coletividade.” (Rel. Cons. Marcelo Calliari – J: 22/03/2000).

[2] Misabel Abreu Machado Derzi bem percebe que o art. 146-A, da Constituição Federal “estabelece uma importante diretriz: não devem ser tolerados os desequilíbrios da concorrência provocados pelos tributos. Critérios especiais de tributação, ainda que preventivamente, podem ser introduzidos. Como norma principiológica, o art. 146-A obriga o legislador complementar ou ordinário (…).”. Não-cumulatividade, Neutralidade, PIS e COFINS e a Emenda Constitucional nº 42/03. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais de Direito Tributário. N. 8. São Paulo: Dialética, 2004, p. 346). No mesmo sentido, José Luiz Ribeiro Brazuna anota que: “Se em seu aspecto positivo, a autorização do art. 146-A para o uso de normas tributárias indutoras para prevenir desequilíbrios da concorrência pode ser vista como realizadora do princípio da neutralidade tributária, não se pode deixar de reconhecer que, em seu aspecto negativo, o art. 146-A apresenta, de maneira explícita, a neutralidade tributária como princípio limitador ao poder de tributar, não se admitindo que a ação arrecadadora do Estado provoque, ela própria, desequilíbrios na concorrência” (“Defesa da Concorrência e Tributação”, Quartier Latin, 2009, p. 144). E conclui Ricardo Seibel de Freitas Lima: “A neutralidade tributária, desse modo, pode ser entendida, em primeiro plano, como um dever negativo, ou de omissão do Estado, de não interferir na concorrência por meio da tributação, e, em segundo plano, como um dever positivo ou de ação, de prevenir ou restaurar, quando for o caso, a igualdade de condições na concorrência, quando esta se encontre ameaçada por ações de particulares ou outros fatores relevantes, sempre objetivando a preservação da igualdade de condições competitivas no mercado.” (Livre Concorrência e o Dever de Neutralidade Tributária. Porto Alegre, 2005. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Direito, p. 73).

[3] Sobre o princípio da neutralidade, confira-se, o seguinte trecho do voto do Min. Joaquim Barbosa, nos RREE 547.245 e 592.905, em que se discutiu a cobrança de ISS nas operações de leasing: “sempre que possível a tributação não deve afetar a alocação econômica de recursos. Isto é, operações idênticas ou muito semelhantes, com bens e serviços, devem gerar cargas tributárias muito próximas, independentemente da formatação do negócio jurídico.”

[4] Esse entendimento vem permeando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, embora ainda de forma tímida.

Em voto condutor proferido no RE 325.822/SP (Pleno – J: 18/12/2002), no qual se decidiu pela imunidade ao IPTU de imóveis de propriedade de entidade religiosa, o Min. Gilmar Mendes transcreve lição de Ives Gandra da Silva Martins, para quem nem todas as atividades desenvolvidas pelas entidades imunes estão alcançadas pela desoneração, sob pena de admitir-se “concorrência proibida pelo art. 173, §4º, da Lei Suprema”. Afinal, “se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse preços idênticos de concorrência, mas livre de impostos”. Por isso, “a junção do princípio estatuído nos arts. 173, §4º e 150, §4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciados nos incs. b e c do art. 150, VI, se forem idênticas ou análogas às de outras empresas privadas, não gozariam de proteção imunitória. Exemplificando: se uma entidade imune tem imóvel e o aluga. Tal locação não constitui atividade econômica desrelacionada de seu objetivo nem fere o mercado ou representa concorrência desleal. Tal locação do imóvel não atrai, pois, a incidência do IPTU, sobre gozar a entidade de imunidade para não pagar imposto de renda. A mesma entidade, todavia, para obter recursos para suas finalidades, decide montar uma fábrica de sapatos, porque o mercado da região está sendo explorado por outras fábricas de fins lucrativos, com sucesso. Nesta hipótese, a nova atividade, embora indiretamente referenciada, não é imune, porque poderia ensejar a dominação de mercado ou eliminação de concorrência sobre gerar lucros não tributáveis exagerados se comparados com os de seu concorrente”. (trechos citados constantes da obra “Imunidades Tributárias”. Vários Autores. Coord: Martins, Ives Gandra da Silva. São Paulo: RT/CEU, 1998, p. 45-46. No mesmo sentido, mesma obra, Hugo de Brito Machado, p. 92-93; Ricardo Lobo Torres, p. 218-219, entre outros).

[5] Trata-se de exigência decorrente da própria Constituição, que distingue os diversos campos da experiência jurídica, para efeito de atribuir e, com isso, delimitar, a competência legislativa dos entes políticos (CF, arts. 22 e 24).

[6] MICHELI, Gian Antonio. Trad. Marco Aurélio Greco e Pedro Luciano Marrey Junior. Curso de Direito Tributário. São Paulo: RT, 1978.

[7] Sobre normas de estrutura e conduta, vide, e.g., ROSS, Alf. Sobre El Derecho y La Justicia. 4. ed. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1977, p. 32; BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10.ed. Brasília: UNB, 1999 (reimpressão 2006), p. 33-34; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Competência Tributária Municipal. Revista de Direito Tributário. n. 54, out.-dez.1990, p. 158-159; BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3. ed. Malheiros: 2001, p. 376-378; COELHO, Sacha Calmon Navarro. Normas Jurídica e Proposições sobre Normas Jurídicas – Prescrições Jurídicas – O Papel dos Intérpretes. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 173, Janeiro/2010, p. 123-152.

[8] A primeira posição é adotada por Luís Eduardo Schoueri (Livre Concorrência e Tributação. In: Rocha, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007. p.267). A segunda corrente é defendida por José Luiz Ribeiro Brazuna (Defesa da concorrência e da tributação – à luz do artigo 146-A da Constituição. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 130).

[9] A questão da hierarquia da lei complementar sobre a lei ordinária ainda suscita debates na doutrina e não encontrou solução definitiva na jurisprudência. Naquela há autores que sustentam não existir qualquer hierarquia entre uma e outra, em face das distintas distribuições de competências materiais outorgadas pelo texto constitucional a uma e a outra. Outros há, sobretudo em trabalhos menos recentes, que sustentam ser a lei complementar superior à ordinária (Pontes de Miranda (“Comentários à Constituição de 1967”, RT, Tomo, II, p. 163), Miguel Reale, RDP/39, p. 73). A posição que nos parece mais adequada é a sugerida por Souto Maior Borges, no sentido de que não há hierarquia necessária entre uma e outra (“Lei Complementar Tributária”, 1975, RT, p. 83). Quando a lei complementar condiciona o domínio de validade da lei ordinária há hierarquia. Caso contrário, não. A propósito do tema várias opiniões foram externadas quando do julgamento dos RREE ns. 377.457/PR e 381.964/MG (Min. rel. Gilmar Mendes; J: 17.08.2010), sendo parte delas pela inexistência de qualquer hierarquia (Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello). Alguns, entretanto, embora concordando com a opinião da maioria de que no caso podia a lei ordinária posterior revogar a anterior, por se tratar de lei formalmente complementar, mas materialmente ordinária, concluíram que a questão da hierarquia não se põe necessariamente, mas pode ocorrer a depender das características da lei no sentido de que umas regulam diretamente determinadas situações e outras fundamentam leis ordinárias, tais como as referidas no art. 59, parágrafo único, e no art. 146 da Constituição Federal (Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence).

Em nossa opinião, a lei complementar a que se refere o artigo 146 da CF – o CTN – conforma o domínio de validade das leis ordinárias que devem observá-lo. Isso decorre de imperativo do sistema tributário, que é nacional, havendo necessidade de uniformidade de suas normas gerais. O mesmo ocorre com o artigo 146-A cujos critérios, de âmbito nacional, devem ser observados por União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No mesmo sentido, Carlos Mário da Silva Velloso, em obra doutrinária, observa existirem leis complementares nacionais e federais, integrando o primeiro grupo aquelas que fundamentam a validade de outros atos normativos (Lei Complementar Tributária. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 235, p. 137, jan./mar. 2004).

[10] Alguns entendem que a ressalva diz respeito à competência da União para dispor sobre infrações à ordem econômica, como José Afonso da Silva (Comentário Contextual à Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 646) e José Luiz Ribeiro Brazuna (op. cit., p. 148-168).

[11]Note-se que a Lei Complementar 95/98, que cuida da elaboração de atos normativos em geral (inclusive PEC´s), estabelece que, para a obtenção de ordem lógica, deve-se “restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio” (art. 11, III, “b”). É correto supor que essa regra foi observada pelo constituinte derivado, o que corrobora o entendimento de que a parte final do art. 146-A da Constituição complementa sua parte inicial, tratando igualmente de competência tributária.

[12] Ressalvado o disposto nos convênios e leis de normas gerais (CTN, art. 102).

[13]Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11a. , da Positivo Informática.

[14] SOUZA, Hamilton Dias de. Desvios Concorrenciais Tributários e a Função da Constituição. São Paulo: Revista Consultor Jurídico, 21/09/2006 (http://www.conjur.com.br/2006-set-21/desvios_concorrenciais_tributarios_funcao_constituicao).

[15] Paulo de Barros Carvalho assinala: “No plexo das faculdades legislativas que o constituinte estabeleceu, figura a de editar normas que disciplinem a matéria tributária, desde a que contemple o próprio fenômeno da incidência até aquelas que dispõem a propósito de uma imensa gama de providências, circundando o núcleo da regra-matriz e que tornam possível a realização concreta dos direitos subjetivos de que é titular o sujeito ativo, bem como dos deveres cometidos ao sujeito passivo.” (Curso de Direito Tributário. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 235-263).

[16] Para Tércio Sampaio Ferraz Jr., entre os critérios especiais de tributação, “merece atenção, por sua importância na efetividade da fiscalização e de controles preventivos, a imposição de obrigações tributárias acessórias” (Práticas tributárias e abuso de poder econômico. Revista de Direito da Concorrência. Brasília, n.9, jan./mar. 2006, p. 125-138).

[17] Odete Medauar explica que “oprincípio da proporcionalidade consiste, principalmente, no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público, segundo critério razoável de adequação dos meios aos fins.” (Direito Administrativo Moderno, RT, 7ª ed., 2003, p.143). Hely Lopes Meirelles diz que o princípio em questão pode ser chamado de “princípio da proibição de excesso que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições, desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais” (Direito Administrativo Brasileiro, 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 91). Gilmar Mendes enfatiza que “o pressuposto da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado” (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1988, p.68).

[18] Tanto é verdade que se exige previsão em lei no caso de restrição de direitos que o art. 33 da Lei n. 9.430/96 fixa as hipóteses em que se autoriza a Administração Fiscal Federal a impor regime especial de fiscalização, aplicável, em síntese, quando constatada a prática reiterada de infração à legislação tributária.

[19] Luís Eduardo Schoueri concorda que “(…) a expressão critérios especiais de tributação implica uma forma diferenciada para a tributação, não um novo tributo. Dadas as particularidades do caso, deve o legislador complementar buscar critérios adequados à prevenção de desequilíbrios”, incluindo “(…) a criação de obrigações tributárias acessórias, que, ao dificultar a evasão fiscal, assegurem a livre concorrência (…) ” (op. cit., p. 268).

[20] É nesse sentido que Humberto Ávila assinala: “O pressuposto do desequilíbrio é que ele seja pulverizado e intenso, porque senão ele não afeta a concorrência. Quando, portanto, houver sonegação sistemática, continuada e substancial pode se alterar o regime geral.”. São essas as circunstâncias que, para o autor, justificam a aplicação do artigo 146-A (Seminário intitulado “Desequilíbrio Concorrencial Tributário e a Constituição Brasileira”, realizado em 10.05.2010 em Brasília e promovido pelo ETCO – Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial e pela Escola de Magistratura Federal da Primeira Região).

[21] Nos termos da Portaria Conjunta SEAE/SDE nº 50/2001: “O mercado relevante se determinará em termos dos produtos e/ou serviços (de agora em diante simplesmente produtos) que o compõem (dimensão do produto) e da área geográfica para a qual a venda destes produtos é economicamente viável (dimensão geográfica). Segundo o teste do ´monopolista hipotético´, o mercado relevante é definido como o menor grupo de produtos e a menor área geográfica necessários para que um suposto monopolista esteja em condições de impor um pequeno porém significativo e não transitório aumento de preços”.

[22] Ao discorrer sobre as técnicas de validação condicional e finalística, Tércio Sampaio Ferraz Jr. explica que: “Ambas as técnicas representam, na verdade, relações entre meios e fins, mas com cargas imunizantes diferentes. Assim, uma norma imuniza outra condicionalmente na medida em que lhe fixa as condições de edição como a competência, as hipóteses de incidência, deixando em aberto os fins a serem atingidos. Por sua vez, uma norma imuniza outra finalisticamente na medida em que lhe fixa os fins a serem atingidos, deixando os meios em aberto. O efeito imunizador, em ambos, está em que, pela prefixação dos meios ou dos fins, a autoridade pode decidir, neutralizando possíveis críticas desconfirmadoras (…)” (A relação meio/fim na Teoria Geral do Direito Administrativo. In: Revista de Direito Público, Editora RT, Ano XV – Janeiro/ Março – 1982 , n. 61, p. 27-33). Particularmente em matéria tributária, Marco Aurélio Greco constata que ambos os modelos foram consagrados pela Constituição “a) o modelo condicional, de caráter eminentemente ´causalista´ no sentido de que a exigência só será validamente exigida se ( daí a condição) atrelada a um determinado evento que, não se verificando, invalida a exação e, se esta ocorreu antecipadamente, os valores recebidos devem ser recolhidos por não terem fundamento de validade; e b) o modelo finalístico, de caráter eminentemente ´modificador´, no sentido de que justifica-se pela vinculação à busca de uma finalidade ou objetivo. Neste segundo caso, cria-se a exigência para obter certo resultado” (Contribuições: (uma figura ´sui generis´). São Paulo: Dialética, 2000, p. 121-122).

[23] Confira-se, nesse sentido, o seguinte trecho da ementa do acórdão proferida na ADI 173/DF: “Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.” (Rel. Min. Joaquim Barbosa – J: 25/09/2008).

[24] Na distinção feita por Humberto Ávila, a partir da jurisprudência da Suprema Corte: “Para que se esteja diante de uma medida ordenadora, em vez de uma mera sanção política, terá de haver comprovação (nunca de mera alegação) de ´substancial, reiterado e injustificado´ descumprimento de obrigação tributária principal ou acessória: substancial no sentido de que o descumprimento de obrigações tributárias principais deve ser de um montante expressivo de que cause um impacto adverso e grave para a concorrência, tornando-a desleal, e o descumprimento de obrigações tributárias acessórias deverá ser tão grande que impeça a fiscalização tributária e insira o contribuinte na informalidade; reiterado no sentido de que o descumprimento de obrigações tributárias deverá ser sistemático e continuado; injustificado no sentido de que o contribuinte, podendo se manifestar a respeito da regularidade da sua situação fiscal por meio do devido processo legal¸ deixe de se pronunciar e demonstrar que está cumprindo as suas obrigações, por meio de defesas, administrativas ou judiciais, no exercício legítimo da ampla defesa e do contraditório.” (Comportamento Anticoncorrencial e Direito Tributário. In: FERRAZ, Roberto (Coord.). Princípios e Limites da Tributação 2. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 438).

[25]Segundo Carlos Maximiliano: “Incumbe ao intérprete verificar se a norma foi promulgada somente para atender a uma circunstância ocasional, como acontece em relação às leis de emergência; ou se apenas o fato transitório deu impulso à atividade do Congresso e fez criar providências para as hipóteses que podem reproduzir-se. No primeiro caso, os dispositivos extinguem-se com as circunstâncias que lhes deram vida; no segundo, perduram, a fim de serem aproveitadas quando se renovem as ocorrências que os puseram em foco.” (Hermenêutica e Aplicação do Direito.19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 295). A norma editada com fundamento no art. 146-A da CF (e respectiva lei complementar) enquadra-se no primeiro caso.

[26] É o que se dá, por exemplo, em setores como o de bebidas e cigarros, sujeitos a elevada tributação e onde tem se verificado inúmeros problemas relacionados à base de cálculo aplicável. As práticas tendentes a evitar ou reduzir o recolhimento do tributo nesses setores têm provocado desequilíbrios concorrenciais, o que justifica a aplicação de critérios materiais diferenciados em caráter permanente. (CF, “Tributação Específica”, 2007, ETCO e Quartier Latin, Coordenação, SOUZA, Hamilton Dias de. Página 16).

[27] Humberto Ávila observa que “O exame da proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade. Nesse caso devem ser analisadas as possibilidades de a medida levar à realização da finalidade (exame da adequação), de a medida ser a menos restritiva aos direitos envolvidos dentre aquelas que poderiam ter sido utilizadas para atingir a finalidade (exame da necessidade) e de a finalidade pública ser tão valorosa que justifique tamanha restrição (exame da proporcionalidade em sentido estrito)”. (Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 113-14).

[28] Essa é a doutrina que se colhe da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. – O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.” (ADI 2.551 MC-QO/MG – Rel. Min. Celso de Mello – J: 02/04/2003 – transcrição parcial da ementa).

[29] Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, que a aplicação do regime de estimativa para fins de recolhimento do ICMS não pode resultar na cobrança de imposto superior ao que resultaria da sistemática normal (créditos e débitos), devendo ser facultado ao contribuinte promover o ajuste ao final de certo período de tempo, com a restituição da importância porventura recolhida a maior (ADI 1.995-3/DF – Rel. Min. Néri da Silveira – J: 03/08/2000).

[30] Sobre o tema assinalei em trabalho anterior: “…o conjunto de normas constitucionais que regem a imposição de exações fiscais deve ser interpretado de maneira harmônica, como sistema, em que cada dispositivo serve a uma causa e atende a uma finalidade específica. Por conseguinte, a utilização de um tributo no lugar de outro fundada em razões extra-fiscais fere a lógica interna e a racionalidade do sistema tributário. Diante desse quadro, é dever do legislador estruturar os tributos de modo que sua exigência guarde coerência lógica com seus respectivos pressupostos e finalidades, respeitando-se, assim, “as bases racionais” do sistema tributário.”Cf. “Ainda a Racionalidade como Limitação ao Poder de Tributar: Impossibilidade de utilização do IOF como Sucedâneo da CPMF”(“Princípios e limites da tributação 2”, Coordenação: Ferraz, Roberto. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 653).

[31] Como já referido, a extensão do desequilíbrio concorrencial pode variar conforme o mercado relevante a ser considerado.

[32] Referidos medidores foram implantados pelo SICOBE (“Sistema de Controle de Produção de Bebidas”), instituído pelo art. 58-T da Lei n. 10.833/03, atualmente regulamentado pela IN RFB n. 869/08. Regramento semelhante foi conferido ao setor de cigarros, por meio do sistema SCORPIOS (“Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros”), que realiza a contagem das unidades de cigarro produzidas (arts. 27 a 30 da Lei n. 11.488/07, regulamentados pela IN RFB n. 769/07).

[33] Nos autos da AC 1657-MC/RJ a Corte Constitucional considerou legítimo ato da Receita Federal que cassou registro especial para a produção de cigarros em função de inadimplemento contumaz no recolhimento do IPI, afastando-se “a pretensão de indústria de cigarros que, deixando sistemática e isoladamente de recolher o Imposto sobre Produtos Industrializados, com conseqüente redução do preço de venda da mercadoria e ofensa à livre concorrência, viu cancelado o registro especial e interditados os estabelecimentos” (Rel. p/ acórdão Min. Cezar Peluso – J: 27/06/2007).

[34] Vide, a título exemplificativo, a decisão nos seguintes termos: “a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição deve ser desproporcional e não-razoável.” (ADI 173-6 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJ: 19/03/2009).

[35]“Com efeito, é possível sustentar a geração de distorções concorrenciais derivadas de descumprimentos de obrigações legais, como em normas trabalhistas e administrativas. É o caso do agente que consegue conquistar ou até mesmo dominar mercado sustentando-se em uma prática originariamente ilícita, como (i) a inobservância de obrigações trabalhistas ou previdenciárias, (ii) o desrespeito à propriedade intelectual, (iii) o desrespeito às regras que disciplinam o exercício de atividade econômica ou profissional (ausência de registro em órgão fiscalizador ou órgão de classe), (iv) fraude em processo licitatório etc.

Entretanto, é preciso observar que essas situações fáticas de aparente ou efetiva distorção na concorrência são impulsionadas pelo desvio àquilo que o ordenamento jurídico estipula como lícito, ou como o modus operandi regular da atividade. Sendo assim, a partir do momento que a normalidade jurídica é restabelecida, reconstituem-se também as condições concorrenciais habituais.

Assim, convém frisar que os órgãos de defesa da concorrência não se prestam a se manifestar quando as distorções concorrenciais decorrem de descumprimento de mandamento legal, cuja apuração dependa da atividade de outro órgão. Entende-se que essas distorções são prontamente corrigidas quando do retorno aos parâmetros habituais de legalidade, cuja discussão deve se dar no âmbito judicial ou na esfera dos órgãos fiscalizadores administrativos respectivos.

Assuntos relativos à sonegação fiscal, na forma como foi relatado na Representação, muito embora hipoteticamente possa acarretar efeitos na estrutura competitiva de um determinado mercado, constitui matéria das receitas Federal e estaduais e do Poder Judiciário. Uma vez corrigida a eventual distorção por esses órgãos, através das medidas cabíveis pela legislação pertinente, os eventuais efeitos anticompetitivos dela decorrentes estariam igualmente solucionados”. (Nota Técnica na Averiguação Preliminar 08012.004657/2006-12 – J: 23/07/2009 – destacamos). Importante salientar que a Nota Técnica foi aprovada pela Secretária de Direito Econômico, que concluiu pelo arquivamento da Averiguação Preliminar, com a remessa dos autos à Receita Federal. Há convênio firmado entre os órgãos que permite a troca de informações (Convênio 20/2004).

De forma semelhante, o CADE decidiu que “descabe ao SBDC tutelar pela regularidade operacional e fiscal das empresas”, tarefa que deve ser desempenhada “pelo órgão competente”, o que não impede “avaliar se a prática poderia ou não configurar um ilícito concorrencial, conforme o art. 20 da Lei 8.884/94”. Vale dizer, “é possível sustentar a geração de distorções originadas por descumprimento de obrigações legais. Por meio de uma conduta originalmente ilícita, o agente consegue reduzir artificialmente os custos da firma, possibilitando a conquista ou até mesmo domínio de mercado em prejuízo à livre concorrência”. No entanto, é preciso demonstrar claramente a prática do ilícito, não havendo infração quando “há uma distorção no equilíbrio competitivo, porém pontual, a ser corrigida (como já foi) por outro órgão de governo, no caso a Secretaria da Receita Federal”. (Pleno – Averiguação Preliminar 08012.003648/2005-23 – Rel. Cons. César Costa Alves de Mattos – J: 11/11/2009 – destacamos)

[36] O Ministro Luiz Fux aponta que a corrente interpretativa das normas jurídicas denominada “pos-positivista” caracteriza-se pela ponderação entre regras e princípios jurídicos. Por meio dela, na aplicação dos princípios não se “recorre a categorias metafísicas, mas não se abre mão da moral” e, ao mesmo tempo, na aplicação das regras observa-se a “a estrita legalidade, sem desprezar o direito posto”. Com isso, estabelece-se uma “posição intermediária entre os valores e as regras”, a fim de promover “a reabilitação da argumentação jurídica (…) tendo como fundamento a dignidade humana” (Seminário intitulado “Desequilíbrio Concorrencial Tributário e a Constituição Brasileira”, realizado em 10.05.2010 em Brasília e promovido pelo ETCO – Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial e pela Escola de Magistratura Federal da Primeira Região). E é por essa razão que se justifica que questões não diretamente ligadas ao processo, mas que atingem interesses diversos prestigiados por princípios constitucionais, sejam consideradas pelos tribunais. Por isso, terceiros podem, na qualidade de amicus curiae,participar do processo, como se deu em precedente do Superior Tribunal de Justiça relatado pelo Ministro Luiz Fux que, por julgar oportuno, solicitou a intervenção do CADE (REsp. 737.073/RS, 1ª Turma, J: 06/12/2005).