Veículo: Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2006, 9ªed. p.629-667
Autor(es): Hamilton Dias de Souza
O presente estudo tem por escopo analisar as contribuições de competência da União Federal previstas no artigo 149 da Constituição Federal, tema que sempre reputei da mais alta importância, por abranger parte substancial da carga tributária suportada pelo setor produtivo da sociedade.
Neste trabalho, adotarei conceitos gerais constantes de publicações anteriores sobre contribuições.[1]Porém, como o exame da matéria depende eminentemente da interpretação do texto constitucional, entendi necessário reavaliar alguns pontos, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal em decorrência das múltiplas e sucessivas disputas judiciais submetidas ao crivo daquela Corte.
1. Introdução.
As contribuições são conhecidas no direito comparado por denominações variadas, como impostos especiais, tributos especiais, tributos parafiscais, contribuições especiais, etc. Dos autores que se ocuparam do tema, muitos lhes negam o caráter de espécie distinta do imposto ou da taxa. Alguns ainda a colocam como exação “sui generis”. Na verdade, entretanto, a correta classificação da figura de que se cuida depende do trato que lhe é dado pelo direito positivo. Este, em função de vários fatores, sobretudo os relacionados com a repartição de competências tributárias, dá diferentes regimes jurídicos a exações que apresentem certas características que permitem distingui-las das demais.[2] Como as contribuições diferem das demais imposições tributárias, visto que não se caracterizam somente por seu fato gerador e que têm por objetivo o financiamento de uma certa atividade estatal, pode o direito de cada país tratá-las destacadamente.
Além das contribuições especiais propriamente ditas, há as chamadas exações parafiscais, tratadas por muitos como figuras típicas, que não se confundem nem com o imposto, nem com a taxa, nem com a própria contribuição. Outros, todavia, entendem terem elas as características fundamentais das contribuições, como, por exemplo, Fonrouge que inclui “la parafiscalidad en la categoria de contribuciones especiales, por tratarse de prestaciones obligatorias debidas en razón de beneficios individuales o de grupos sociales, derivados de especiales actividades del Estado“.[3] Na verdade, e sem embargo de as exações parafiscais terem como peculiaridade o fato de serem arrecadadas por órgão da administração descentralizada que é o beneficiário do produto dessa arrecadação, e não constarem do orçamento geral, junto com os tributos, nada impede sejam elas tratadas dentre as contribuições especiais ou autonomamente. Tudo depende do Direito Positivo.
2. Natureza jurídica das contribuições.
Na vigência da Constituição de 1.967, com a redação da Emenda nº 1 de 1.969, entendia expressiva doutrina que as contribuições estavam sujeitas à disciplina jurídica dos tributos.[4]
Com a superveniência da Emenda Constitucional nº 08, de 14 de abril de 1.977, entendeu o Supremo Tribunal Federal que as contribuições sociais referidas no artigo 43, inciso X, da Constituição deixaram de ser tributos, mesmo porque, a par de outros argumentos, estavam elas situadas em capítulo diverso daquele relativo ao sistema tributário.[5]
Sobreveio a Constituição Federal de 1988, que, no capítulo reservado ao Sistema Tributário Nacional, outorgou competência aos entes políticos para criar impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições (sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas) e contribuições para a seguridade social, conforme se verifica dos artigos 145, 148 e 149.
Assim, a discussão que de início travou a doutrina, sobre serem ou não tributos as contribuições, restou superada com o advento da Constituição de 1988[6], sobretudo após reiterada manifestação do Supremo Tribunal Federal no sentido de definitivamente conferir-lhes natureza tributária.[7]
3. Classificação das espécies tributárias.
As classificações dos tributos, diga-se, não são necessárias ao exame do fenômeno tributário em todos os países do mundo. Na verdade, as classificações, em geral, obedecem a motivos pragmáticos ou interesseiros. Classifica-se para melhor explicar alguma coisa. Mas é perfeitamente possível identificar o fenômeno tributário de uma maneira una, independentemente de partições ou de classificações de tributos em impostos, taxas e contribuições, nos países unitários ou naqueles com estrutura federativa onde não há partilha constitucional do poder de tributar, existindo apenas algumas competências privativas.
No caso particular do Brasil, o sistema tributário é tido como o mais rígido do mundo, havendo ampla partilha da competência tributária entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não se admitindo competências concorrentes em matéria de impostos. Portanto, embora o poder de tributar seja do Estado, como um todo, cada uma das ordens parciais de governo que o compõe tem sua parcela de poder que é determinada a partir de critério classificatório.[8] Em razão deste critério, temos taxas e contribuições de melhoria, como tributos de competência comum e demais contribuições, impostos e empréstimos compulsórios como de competência privativa. O fenômeno tributário deve, então, ser identificado em suas várias facetas, tornando a classificação tendente à correta caracterização das espécies tributárias extremamente importante.
Nada obstante, a análise histórica do contencioso tributário brasileiro mostra que os poderes públicos sempre procuraram alargar suas competências tributárias, em muitos dos casos, por meio da criação de novas figuras com denominações impróprias. Assim é que foram instituídas taxas com bases de cálculo próprias de impostos, empréstimos compulsórios sem afetação do produto de sua arrecadação à respectiva causa, contribuições sem referibilidade a qualquer grupo de indivíduos. As décadas de 70 e 80 foram particularmente ricas em precedentes versando sobre variadas figuras rotuladas de taxa. O Supremo Tribunal Federal, aos poucos, foi assentando determinados conceitos, como o de serviço específico e divisível, o de serviço público,[9] bases de cálculo impróprias,[10] etc., o que cerceou novas tentativas de invasão de competência sob o pretexto de se tratar de taxa.
Na década de 80, as tentativas de invasão de competência foram feitas principalmente pela União. Entre essas, merecem especial referência os empréstimos compulsórios, mesmo porque bastava para a sua instituição afirmar-se ou que houve seca no Norte ou chuva no Sul ou, ainda, que em face do fenômeno inflacionário havia necessidade de absorção temporária do poder aquisitivo. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de vários desses empréstimos.[11] Todavia, tantos eram os flancos que a redação do texto da Emenda Constitucional nº 01/69 suscitava que houve nítida preocupação do Constituinte de 1988 em traçar limites claros à sua criação.
Na década passada, já não mais dispondo do recurso fácil dos “empréstimos compulsórios” de outrora, a União recorreu às contribuições, que vêm sendo utilizadas sem parcimônia sempre que necessário incrementar as receitas para fazer frente aos compromissos do poder central. O tema ainda permite reflexões aprofundadas da jurisprudência, mas em grande parte já há uma sedimentação razoável do que se entende por tais tributos[12], que serão objeto de maiores considerações ao longo deste trabalho.
Convém assinalar que as invasões de competência prejudicam o sistema tributário como um todo. Afetam sua lógica interna,[13] atingindo não só os contribuintes, mas também os demais poderes tributantes. De fato, quando se cria algo como se fosse contribuição ou empréstimo compulsório, acrescenta-se novo ônus para os contribuintes, a par dos previstos na Constituição, e sem que de sua receita participem Estados, Distrito Federal e Municípios, como aconteceria se o tributo fosse corretamente rotulado de imposto.
Além disso, há uma série de princípios que limitam a instituição de cada um dos tributos discriminados na Constituição, alguns de ordem geral, como o princípio da reserva legal, que impede a cobrança de qualquer tributo sem lei que o estabeleça (artigo 150, I), e outros, específicos, como o que impossibilita que as taxas tenham base de cálculo própria de impostos (artigo 145, §2º), realçando a necessidade de que o tributo criado efetivamente se revista da natureza e característica declaradas pela respectiva lei instituidora. Vale lembrar que tais limitações e princípios, que, no mais das vezes, encontram-se estabelecidos na Seção II do Capítulo do Sistema Tributário Nacional, que cuida das “Limitações ao Poder de Tributar”, integram o assim chamado Estatuto do Contribuinte, de observância obrigatória até mesmo pelo Constituinte Derivado, sempre que identificados como direitos e garantias individuais.[14]
Por tais razões, a exata classificação da espécie tributária tem repercussões jurídicas importantes no sistema brasileiro, pois, de um lado, a própria repartição de competências dos entes políticos está nela fundada e, de outro, há o envolvimento de direitos subjetivos dos contribuintes que devem ser respeitados.
3.1. A classificação dos tributos sob a égide da Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal outorga competência tributária à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria, decorrente de obras públicas (artigo 145). Ainda, há outorga de competência exclusiva à União para instituir empréstimos compulsórios (artigo 148) e contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, de interesse das categorias profissionais ou econômicas e de financiamento da seguridade social, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (artigo 149 c/c 195).[15]
De uma forma bastante breve e já adiantando um pouco do que se verá adiante em tema de contribuições, importa referir que a Constituição atual permite distinguir, claramente, as espécies tributárias.
3.1.1. Impostos.
Os impostos são instituídos a partir de um determinado fato econômico previsto em lei e que revela uma suposta capacidade econômica para contribuir dos respectivos sujeitos passivos. O artigo 16 do Código Tributário Nacional os define como tributos que independem de qualquer atividade estatal específica referida ao contribuinte. Ou seja, trata-se de tributo que se destina a custear as atividades gerais do Estado.
Os fatos econômicos sobre os quais podem incidir os impostos são variados, razão pela qual a Constituição os classifica atribuindo competência privativa à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a partir de tal classificação. Assim, os campos econômicos são separados de molde a permitir que sobre cada um deles possa incidir o imposto correspondente. É bem verdade que a referência feita na Constituição Federal é genérica, abrangendo o âmbito de incidência do tributo. Nesse sentido, não pode haver tributação que decorra diretamente da Constituição. É preciso mais, que o titular da competência impositiva descreva, sempre respeitando o respectivo âmbito de incidência, o fato gerador do tributo, com todos os seus aspectos, em atenção ao princípio da tipicidade.[16]
Outrossim, a competência tributária é estabelecida de sorte a não permitir que uns invadam o campo tributável de outros. Com efeito, a Federação brasileira é estruturada de forma a que suas ordens parciais de governo tenham fontes próprias de recursos. Mas não só próprias, também exclusivas. Isto significa que não podem os entes que a compõem alargar suas competências impositivas de nenhuma forma, sobretudo através da utilização de tributos que nada mais constituem do que disfarces daqueles que pertencem à competência alheia.
Em matéria de impostos, portanto, a rigidez da partilha das competências impositivas é evidente, mesmo tratando-se da competência residual da União (artigo 154 da Constituição Federal).
3.1.2. Taxas.
Nos termos do artigo 145 da Constituição e do artigo 77 do Código Tributário Nacional, só pode haver instituição de taxa se houver atividade estatal consistente na prestação ou disponibilização de serviços públicos ao contribuinte, ou no exercício regular do poder de polícia. De outra parte, o serviço público que autoriza a cobrança de taxas é aquele prestado pelo ente que detiver a competência para tanto. Nesse sentido, é inconstitucional a taxa em razão de serviço público se quem o presta não é detentor da competência administrativa para fazê-lo.
3.1.3. Empréstimos compulsórios.
Os empréstimos compulsórios, previstos no artigo 148 da Constituição Federal, só podem ser instituídos mediante lei complementar e para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência e no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.
Demais disso, o parágrafo único do artigo 148 contém importante limitação ao exercício da competência tributária na medida em que obriga que o produto da arrecadação do empréstimo seja vinculado à despesa que fundamentou sua instituição. Saliente-se que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que seu regime jurídico é tributário.[17]
3.1.4. Contribuições.
A leitura do artigo 149 em conjunto com os artigos 194 e 195 da Constituição Federal, permite identificar a existência de dois tipos de contribuição, que encontram fundamento geral naquele dispositivo e podem ser chamadas de “contribuições especiais”. De um lado, há as contribuições de caráter social geral, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. De outro, as contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social. A elas, soma-se a contribuição de melhoria, devida em decorrência da realização de obra pública, nos termos do artigo 145, III, da Constituição Federal.
As características das contribuições do artigo 149 serão examinadas de forma mais detalhada no decorrer do presente trabalho, mas cabe adiantar, por ora, que o traço comum que une todas as contribuições é a sua destinação ao atendimento de determinada atividade estatal, indicada pela Constituição.
Conseqüência dessa destinação específica é que a exigência das contribuições somente pode ser feita, em regra, dos indivíduos que compõem um grupo que tenha interesse qualificado na atuação do Estado. É importante registrar, todavia, que tal interesse, por vezes chamado de benefício, vantagem ou referibilidade, não consiste, necessariamente, num proveito concreto ao sujeito passivo. Trata-se de qualquer interesse diferenciado, especial, que alguém tenha em determinada atividade estatal, passível de justificar a sua participação no custeio das despesas públicas de forma distinta dos demais. Significa uma vantagem individual suposta, admitida como presunção absoluta pela lei. A vantagem, em si, é do grupo que, como um todo, justifica e sofre os efeitos da atuação estatal, a ser custeada pela contribuição.[18]
Há, todavia, uma exceção à regra da referibilidade entre o grupo sujeito à contribuição e a atuação estatal que enseja a sua cobrança. É o caso das contribuições para a seguridade social. Tais contribuições, nada obstante tenham previsão genérica no artigo 149 da Constituição, encontram parâmetros no artigo 195 que limitam seu campo de incidência e lhes dão características próprias decorrentes de princípios específicos a que se submetem, como o da solidariedade, que implica a participação de toda a sociedade no custeio das ações estatais nas áreas de saúde, previdência e assistência social, conforme apontado por autores como Marco Aurélio Greco[19] e reconhecido pela iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,[20] extremando-as dos outros tipos de contribuição, exigíveis somente dos integrantes de grupos com interesse diferenciado em determinadas áreas de atuação estatal.
Na verdade, a inexistência de correlação entre o contribuinte da contribuição para a seguridade social e a atividade estatal desenvolvida aproxima a figura dos impostos, que, como visto, são tributos cuja cobrança independe de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte, consoante a definição do artigo 16 do Código Tributário Nacional. Mais precisamente, haveria certa semelhança com os chamados impostos de escopo, exigidos de todos em função de determinada causa ou objetivo, como ocorre com os impostos extraordinários de que trata o art. 154, II, da Constituição Federal, passíveis de serem instituídos na iminência ou no caso de guerra externa.
Contudo, se fosse denominada imposto, a contribuição para a seguridade social estaria submetida às restrições próprias daquela figura, especialmente a proibição de vinculação de receita a órgão, fundo ou despesa (artigo 167, IV, da Constituição)[21], além de eventual repartição com Estados e Municípios (artigos 157 a 159 da Constituição).
Tais razões, de ordem pragmática, possivelmente tenham levado o Constituinte a criar, sob o rótulo de contribuição para a seguridade social, uma figura híbrida, verdadeiro tributo sui generis, com algumas características de contribuição e outras de imposto. Contribuição, na medida em que se destina ao atendimento de uma finalidade específica. Imposto, por ser exigível de toda a coletividade.[22]
Destarte, embora sejam qualificados como contribuições – e dessa forma devam ser tratados-, os tributos destinados ao financiamento da seguridade social são figuras peculiares, justificando-se sua classificação em separado das demais espécies tributárias, inclusive de outros tipos de contribuição.
3.2. A classificação dos tributos sob a perspectiva da ciência das finanças
A classificação das diferentes espécies de tributos deve ser feita não só em função de suas próprias características, mas também tendo em vista os vários critérios adotados para a repartição dos encargos públicos. Isto porque, de fato, a distinção dos tributos foi logicamente elaborada em primeiro lugar pela Ciência das Finanças, e, após, penetrou no terreno jurídico.
Nessa análise deve-se partir do pressuposto de que o Estado cobra exações compulsórias de todos aqueles que se encontram submetidos à sua jurisdição. Por uma perspectiva pré-jurídica ou no âmbito da Ciência das Finanças, o que se tem de verificar é como os indivíduos se relacionam com os vários serviços públicos prestados pelo Estado, sobretudo no que respeita à utilidade individual que deles retiram. Há casos (1) em que os serviços são de tal forma gerais que cada indivíduo não pode medir a utilidade que deles tira. Outros há (2) em que o serviço é desenvolvido em função do interesse público, mas implica uma série de prestações a indivíduos determinados, que dele tiram uma utilidade específica e, portanto, mensurável. Por fim, há (3) aqueles desenvolvidos em função do interesse público, prestados não a usuários específicos, mas que atendem interesses de um grupo de indivíduos.
De acordo com as características antes assinaladas e considerando as diversas espécies tributárias previstas na Constituição de 1988, pode-se dizer que temos, no primeiro grupo, (1) impostos, empréstimos compulsórios e contribuições para a seguridade social; no segundo, (2) taxas, e, no terceiro, (3) contribuições de melhoria, sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
3.3. A classificação dos tributos sob o ângulo jurídico
Do ponto de vista jurídico, para se chegar à classificação dos tributos importa examinar a estrutura das hipóteses de incidência de suas espécies, verificando o que cada uma delas tem em comum. Mais precisamente, faz-se necessário analisar o aspecto material da hipótese de incidência da norma jurídico-tributária.
Partindo-se desse aspecto, será possível verificar se importa: a) numa atividade do Poder Público (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento indiferente a qualquer atividade estatal.[23] Se consistir num fato desvinculado de qualquer atuação do Estado, sua espécie será imposto, empréstimo compulsório ou contribuição para a seguridade social. Se implicar atuação estatal, teremos taxa – caso a referibilidade entre a atividade estatal e o sujeito passivo seja direta – ou contribuição de melhoria, social, de intervenção no domínio econômico ou de interesse das categorias profissionais ou econômicas – se a referibilidade for indireta, pois a atividade é desenvolvida no interesse geral, mas atende especial interesse de um grupo de pessoas.
Em conclusão, verifica-se que é complementar o exame das classificações das espécies tributárias feitas a partir de dados da Ciência das Finanças – repartição dos encargos públicos – e a partir de critérios jurídicos – exame da norma jurídica tributária.
De fato, a partir da repartição dos encargos públicos, em razão de princípios de justiça fiscal, teremos conceitos de imposto, taxa, empréstimo compulsório, contribuição para a seguridade social e demais contribuições, inspirados na utilização que cada indivíduo tira dos serviços públicos. Quando não é possível destacar tal utilidade em unidades de fruição, nem determinar benefício específico que decorra para o contribuinte da atividade do Estado, estar-se-á em face de imposto, empréstimo compulsório ou contribuição para a seguridade social. Neste caso, sua medida de grandeza será referida a um fato qualquer, indicador de capacidade econômica do sujeito passivo. Quando a atividade pública é desenvolvida em função do interesse geral, mas permite fruição destacada pelos indivíduos, ou quando a eles é referida diretamente, tem-se uma taxa. Neste caso, terá ela como parâmetro algo que se relacione com a utilidade tirada da atividade estatal respectiva. Quando a atividade pública tem em vista o interesse geral, não permite utilização destacada pelos contribuintes, mas atende interesse especial de um grupo, ou seja, diverso daquele que todo particular teoricamente tem nos serviços públicos gerais, haverá uma contribuição de melhoria, social, de intervenção no domínio econômico, ou de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
Portanto, é o mesmo que dizer serem o imposto, a contribuição para a seguridade social[24] e o empréstimo compulsório tributos que têm por fato gerador uma situação que independe de qualquer atuação estatal referida ao contribuinte; taxa, o que tem por fato gerador uma prestação de serviço público ou o exercício regular do poder de polícia e, demais contribuições, os que têm por pressuposto da obrigação uma atividade desenvolvida pelo Estado em prol dos interesses de um determinado número de indivíduos.
Feitas essas considerações iniciais, passemos ao exame mais detalhado das características das contribuições previstas no artigo 149 da Constituição Federal.
4. As contribuições especiais.
Conforme anteriormente apontado, o artigo 149 da Constituição Federal alberga figuras tributárias distintas,[25] com pontos de semelhança que autorizam sua classificação como espécies do gênero “contribuições especiais”. Uma dessas exações[26] guarda, porém, peculiaridade que a coloca, pode-se assim dizer, numa zona intermediária entre as contribuições e os impostos, em razão de poderem ser exigidas de qualquer pessoa, nada obstante se destinem a custear atividade específica do Estado, teoricamente de interesse apenas daqueles que dela usufruem, ainda que de forma suposta.
É forçoso, portanto, descrever as características gerais das contribuições e os contornos específicos de cada uma delas, de sorte a extremá-las e impedir que, a pretexto de instituí-las, possa a União invadir competências alheias ou tributar mais de uma vez fato econômico cujo campo lhe é reservado para a instituição de impostos.
Assim, examinaremos a seguir algumas características comuns e específicas que identificam cada uma dessas contribuições, com o que será possível diferenciá-las.
4.1. Características comuns das contribuições.
4.1.1. Instrumentalidade.
Ao estabelecer que a União pode instituir contribuições “como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas”, a Constituição vincula sua criação a uma finalidade. As contribuições são, portanto, meio para alcançar um fim. Mas qual seria o fim a que se destinam as contribuições? A leitura do artigo 149 responde satisfatoriamente à questão, ao consignar claramente que a finalidade é viabilizar a atuação da União nas áreas previstas, quais sejam, a social, a de intervenção no domínio econômico e a que se refere às categorias profissionais e econômicas. Não se trata, porém, de uma atuação genérica e global. A noção de área de atuação liga-se à idéia de espaço delimitado de ação.[27] Assim, somente uma atividade estatal específica nas “respectivas áreas” de que trata o artigo 149 da Constituição enseja a contribuição.
Portanto, a contribuição consiste num instrumento tendente a viabilizar a atuação da União em setor específico de uma das áreas indicadas pela Constituição, ou, se assim se preferir, em subáreas daquelas mencionadas no artigo 149.
Frise-se que a contribuição deve ser necessária e adequada para alcançar o objetivo perseguido. O tributo é uma das formas mais gravosas de interferência no campo privado e deve ser utilizado apenas quando não exista meio diverso, mais benéfico, para o atendimento do fim almejado.
Em outras palavras, a exigência deve ser razoável e proporcional, adequada ao atendimento da finalidade constitucionalmente prevista.
4.1.2. Fatos geradores qualificados pela finalidade.
O fato gerador da obrigação tributária, assim entendida a situação definida em lei como necessária e suficiente para que surja o dever de pagar tributo (artigo 114 do CTN), geralmente aparece descrito na hipótese de incidência das contribuições de que se cuida, como o resultado de uma atividade qualquer do contribuinte (faturamento, receita, valor da operação, valor aduaneiro).[28] Desse modo, à primeira vista, poderia parecer desnecessária qualquer ligação do obrigado com uma determinada área de atuação do Estado para a exigência desse tipo de exação.
Ocorre que, na verdade, a hipótese de incidência das contribuições tem configuração especial, pois não se caracteriza apenas pela descrição de um determinado fato. A este fato agrega-se a circunstância de a ação estatal ser desenvolvida para atender a uma determinada finalidade. O pressuposto ou causa da obrigação é o desenvolvimento de atividade estatal voltada para o interesse público em geral, mas que cause benefício ou enseje interesse especial de um grupo (salvo nas contribuições para a seguridade social), embora se tome como parâmetro, referencial ou fato de exteriorização, algo que ocorre no mundo fenomênico, semelhantemente aos impostos.
Obviamente, o legislador tem de escolher critérios razoáveis e proporcionais para partilhar o custo da atividade que enseja a contribuição. É por isso que as várias leis que cuidam da hipótese de incidência de contribuições em geral descrevem, abstratamente, como fatos geradores, situações que ocorrem no mundo fenomênico aparentemente divorciadas de qualquer atividade estatal. Porém, como ressaltado, para que ocorra a obrigação de pagar contribuição é necessário que se verifiquem, concorrentemente, não só o fato abstratamente previsto na norma, mas também a atividade estatal que enseja a cobrança da contribuição. Neste sentido, pode-se dizer, com Miguel Reale, que o fato gerador não atua como mera causa da exação, como acontece com os impostos, mas sim como causa qualificada pela finalidade que lhe é inerente.[29]
Assim, embora muitas vezes o fato gerador das contribuições tenha consistência aparentemente idêntica à dos impostos em geral, tal identidade não existe, porque, nestes, basta a ocorrência do fato para nascer a obrigação tributária, ao passo que, naquelas, a obrigação só nasce se verificados, concomitantemente, a atividade estatal em determinada área de particular relevância e o fato descrito na norma.
Essa a razão de encontrarmos várias contribuições no direito positivo com descrição abstrata de fatos semelhantes aos previstos em normas instituidoras de impostos, como, por exemplo, a CSL e o IRPJ. Trata-se, apenas, de um critério para a equânime repartição dos encargos dentre aqueles que devem concorrer para o custeio da atividade estatal. Não se confunde, entretanto, com o fato gerador dos impostos, primeiro por não bastar a sua simples realização, pois há de se verificar também atividade estatal destinada a atender interesse especial de um grupo; segundo, porque a arrecadação da exação deve ser destinada ao custeio da atividade desenvolvida, o que demonstra que a medida total da exação há de ser proporcional à atuação estatal.
Aliás, ter como pressuposto ou causa da obrigação o custeio de determinada atividade estatal está em consonância com o critério adotado pela Constituição no que respeita à outorga de competências para instituir tais exações, destinadas justamente a atender finalidades previamente traçadas. Em todas elas, a referência feita é à atividade estatal em determinada área, não ao fato gerador. Nas poucas vezes em que, a par da atividade estatal, também se refere um fato qualquer, como se dá com as contribuições do artigo 195, I e III, da Constituição, este é adotado como parâmetro ou fato de exteriorização do interesse tutelado, que é a verdadeira causa da obrigação.
4.1.3. Destinação do produto da arrecadação à finalidade constitucionalmente prevista.
De outro lado, é da essência da contribuição a destinação das receitas a um determinado órgão, fundo ou despesa, para atender a finalidades também determinadas.[30] Realmente, assim é como conseqüência da natureza da exação examinada. Sendo ela instituída para atender a finalidades previamente traçadas, não teria sentido que o produto de sua arrecadação tivesse destinação diversa que a referida à atividade que é o pressuposto da obrigação.
Por conseguinte, as receitas decorrentes da arrecadação de contribuições sociais devem ser destinadas a viabilizar as ações estatais que as justificaram, observando-se que as destinadas à seguridade social devem ser revertidas às áreas da saúde, previdência e assistência social (artigos 194 e 195 da Constituição); as receitas arrecadadas com a contribuição de intervenção no domínio econômico devem ser usadas como instrumento da atuação da União no setor atingido; e as receitas obtidas com a contribuição de interesse das categorias profissionais e econômicas devem proporcionar ações que atendam peculiaridades da categoria sujeita ao seu recolhimento.
A destinação dessas receitas na forma preconizada assume particular importância na medida em que, através desse mecanismo, será possível diferenciar as contribuições de verdadeiros impostos, porquanto, para estes, a Constituição veda, em regra, a vinculação do respectivo produto a órgão, fundo ou despesa (artigo 167, inciso IV, da Constituição Federal).
Nestas condições, é fundamental que a lei instituidora das contribuições determine claramente a destinação do produto de sua arrecadação ao atendimento da finalidade constitucional que justifica sua criação. Portanto, se houver uma entidade específica com a incumbência de realizar a ação que justifica a cobrança da contribuição, a ela deve reverter o produto da respectiva arrecadação.
É certo, porém, que, nem sempre existirá um ente destacado da Administração Direta com essa função, o que não impede que a contribuição seja exigida, desde que os valores arrecadados sejam destinados à finalidade prevista, tendo em vista o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “o que importa perquirir não é o fato de a União arrecadar a contribuição, mas se o produto da arrecadação é destinado ao financiamento da seguridade social (C.F., art. 195, I)”, de modo que se a lei instituidora da contribuição efetivamente determinar a destinação do respectivo produto ao fim constitucionalmente previsto, mas “o produto da arrecadação for desviado de sua exata finalidade, estará sendo descumprida a lei, certo que uma remota possibilidade de descumprimento da lei não seria capaz, evidentemente, de torná-la inconstitucional”.[31]
4.1.4. Submissão às normas gerais de direito tributário previstas em lei complementar.
Há intenso debate em torno da necessidade de lei complementar para definir os contornos das contribuições, inclusive porque, ao dispor sobre a figura, o artigo 149 da Constituição faz expressa referência à observância do artigo 146, III. Trata-se de questão ainda polêmica na doutrina e que não encontrou solução uniforme na jurisprudência.
A esse respeito, parece não haver discrepância quanto ao entendimento de que todas as espécies tributárias têm de ter definição conceitual em Lei Complementar, conforme previsto na letra “a” do artigo 146, III, da Constituição.
Ocorre que o Código Tributário define tributo (artigo 3º), imposto (artigo 16), taxa (artigo 77) e contribuição de melhoria (artigo. 81). Não assim, entretanto, as demais contribuições. Essa circunstância poderia levar à conclusão de que a falta definição, em tese, do que sejam as contribuições, individualmente consideradas, impediria sua instituição por lei ordinária.
Todavia, o raciocínio prova demais porque implicaria a aceitação do fato de que também seriam dependentes de lei complementar as contribuições para a seguridade social, cujas materialidades se encontram previstas no artigo 195 da Constituição.
O Supremo Tribunal Federal solucionou a questão ao assinalar a desnecessidade da lei complementar para dispor sobre contribuições delineadas na própria Constituição,[32] como é o caso das previstas nos incisos do artigo 195. A importância desse entendimento é que a matéria não se restringe a questões meramente formais. Com efeito, uma das funções da lei complementar é prevenir conflitos de competência (artigo 146, I, da Constituição Federal). Tal não se verifica quando o texto constitucional delimita a competência tributária, por meio da especificação de elementos suficientes para a caracterização do fato gerador, base de cálculo e dos contribuintes da exação.
Seguindo essa linha de raciocínio, parece realmente desnecessária a edição de lei complementar para definir algo identificado na própria Constituição, como afirmado nos primeiros julgados do Supremo Tribunal Federal em que houve a análise do tema,[33] o que permite tirar a ilação de que, quando as materialidades das contribuições não estejam previstas na Constituição, há necessidade de lei complementar, sobretudo para evitar sobreposição de competências impositivas. [34]
É nesse sentido a lição do Ministro Moreira Alves, ao esclarecer que “(…) embora o Tribunal tenha exigido sempre a observância do art. 146, III, ou seja, lei complementar para o fim de estabelecer não só a definição, como também o fato gerador, base de cálculo e contribuinte relativos a essas figuras – com relação às contribuições de intervenção no domínio econômico, esses elementos não se encontravam na lei anterior, que foi considerada como recepcionada como lei complementar, que é o Código Tributário Nacional. Entendeu, entretanto, o Tribunal, que isso era possível de ser superado, se a contribuição social fosse instituída por lei complementar. Assim, uma lei complementar específica que, a par de instituir a contribuição, definisse seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes, isso atenderia o que alude o art. 146, III. Tanto assim, que o Poder Executivo, quando pleiteou, perante o Congresso Nacional, e o Poder Legislativo promulgou, a contribuição para fundo de garantia do tempo de serviço, optou por lei complementar, para afastar qualquer problema. Já no caso da COFINS, apesar de tratar-se de contribuição para a seguridade social – não havia necessidade de lei complementar de normas gerais, tendo em vista a circunstância de que o caput do art. 195 já estabelece as linhas capitais para a instituição das contribuições nele previstas. O Tribunal sempre entendeu que, com relação às contribuições de que trata o caput do art. 195, não há necessidade de lei complementar de normas gerais – que é aquela a que se refere o art. 146, III – definindo base de cálculo, contribuinte e fato gerador, pois esses elementos já estão devidamente expressos no próprio art. 195.”.[35]
Essa explicação resolve uma generalidade de situações, como, por exemplo, a do artigo 195, § 4º, da Constituição Federal, que, na exegese do Supremo Tribunal Federal cuida de outras contribuições, que somente poderiam ser veiculadas por lei complementar.[36] Por que essas contribuições, de grande importância, somente poderiam ser instituídas por lei complementar se bastasse lei ordinária para instituir outros tipos de contribuições? A necessidade de lei complementar, à toda evidência, se justifica como forma de assegurar que mera lei ordinária, ou mesmo medida provisória, estabeleça contribuições indiscriminadamente, adotando como hipóteses de incidência fatos econômicos aptos à incidência de impostos, com a possibilidade de invasão de competência alheia, num sentido jurídico, ou bi-tributação econômica, com os efeitos gerais negativos daí decorrentes.
Poder-se-ia alegar que, com o advento da Emenda Constitucional nº 33/01, que, dentre outras alterações, acrescentou o inciso III ao §2º do artigo 149 da Constituição para permitir que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico possam ter alíquotas específicas ou ad valorem, incidindo estas sobre o faturamento, a receita bruta, o valor da operação ou o valor aduaneiro, o problema da lei complementar estaria solucionado, em relação a essas contribuições.
Todavia, objeção nesse sentido não parece procedente, porque o que regula referido § 2º, inciso III, do artigo 149 são os tipos de alíquotas e bases de cálculo passíveis de serem adotadas para aquelas contribuições, faltando, todavia, a indicação de um elemento fundamental, que é a forma de identificação de quem seriam seus contribuintes, em face do interesse na atividade que dá ensejo à cobrança. Vale dizer, não há definição dos grupos passíveis de serem atingidos, diversamente do que se dá em relação às contribuições do artigo 195 da Constituição, que, a par de poderem ser exigidas de toda a sociedade, viabilizam a identificação dos obrigados em seus incisos I a IV; ou, ainda, em relação à contribuição de intervenção de que trata o artigo 177, §4º, também introduzido pela Emenda 33/01, que permite pinçar os seus contribuintes dentre aqueles que promovem a importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.
Ademais, para a instituição da contribuição de intervenção referida, o artigo 177, §4º, da Constituição Federal exige apenas lei, portanto, de natureza ordinária. Não assim, entretanto, o §2º, III do artigo 149, que, diversamente dos seus parágrafos 3º e 4º (que falam em “lei”), silencia sobre o veículo normativo competente para instituição da contribuição, circunstância que, sistematicamente, revela que a lei complementar não seria dispensável, como se poderia pensar, num primeiro momento.
Portanto, entendo que a lei ordinária é veículo normativo adequado para instituir contribuições novas quando suas materialidades já se encontram previstas na Constituição e permitem a identificação dos possíveis sujeitos passivos. Tanto é assim que o artigo 195, § 4º, da Constituição exige lei complementar para a instituição de contribuições com materialidades diversas das previstas nos incisos I a IV do dispositivo mencionado. Não teria sentido que, para as demais contribuições, pudessem seus fatos geradores e contribuintes ser descritos originariamente em lei ordinária. Parece, então, que o único entendimento capaz de dar uniformidade sistêmica à Constituição é aquele adotado pelo Supremo Tribunal Federal em seus primeiros acórdãos e que, conforme exposto em data recente pelo Ministro Moreira Alves, consiste na orientação adequada sobre a matéria.
4.1.5. Observância dos princípios da reserva legal, irretroatividade e anterioridade.
O artigo 149 da Constituição Federal faz referência, ainda, à observância do artigo 150, I e III, na instituição de contribuições, sem prejuízo da aplicação do artigo 195, §6º, em relação às contribuições de seguridade social.
O inciso I do artigo 150 proíbe os entes políticos de “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. O inciso III impede a cobrança de tributos (a) “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”; (b) “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”; (c) “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea ´b´”.
O § 6 do artigo 195, por sua vez, estabelece que as contribuições para a seguridade “só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b”. Ou seja, as contribuições para a seguridade social, diferentemente das demais, podem ser cobradas no mesmo exercício de sua instituição ou alteração.
Significa dizer que todas as contribuições estão sujeitas aos princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, sendo este último mitigado em relação às contribuições destinadas a seguridade social, que podem ser cobradas no mesmo exercício financeiro em que instituídas ou modificadas, observado o prazo de 90 dias.
4.2. Características específicas das contribuições sociais gerais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
4.2.1. Vinculação entre a atividade estatal e o sujeito passivo
Tratando-se de tributo que tem por finalidade favorecer uma atuação estatal restrita a determinado setor, teoricamente, a contribuição deverá atender apenas os interesses de quem a ele se conecte. Por isso, sempre entendi, com amparo em expressiva doutrina nacional e estrangeira, que as contribuições são tributos que podem ser cobrados somente de indivíduos integrantes de determinados grupos sociais, econômicos ou profissionais, identificados entre aqueles que têm um interesse qualificado em determinada ação estatal.
A esse respeito, Geraldo Ataliba, após assinalar que as contribuições são tributos vinculados a uma atuação estatal referida indiretamente ao contribuinte, observa que “na contribuição, ou se tem uma atuação estatal que produz um efeito, o qual (efeito) se conecta com alguém (que é, pela lei, posto na posição de sujeito passivo), ou, pelo contrário, se tem uma pessoa (que afinal será sujeito passivo) que desenvolve uma atividade, ou causa uma situação que requer, exige, provoca ou desencadeia uma atuação estatal“.[37]
No direito comparado, autores, como Micheli, indicam como elemento da hipótese de incidência apenas a vantagem auferida pelo particular em decorrência de uma atividade administrativa.[38] Outros, como A. D. Giannini, salientam que a contribuição ou “tributo speciale” pressupõe ou a vantagem já referida ou uma maior despesa do ente público em razão de sua atividade.[39] Jarach salienta que o critério “es el de hacer pagar aquellos que reciben un beneficio o una ventaja diferencial por una obra o servicio que no se presta o no se hace para ellos exclusivamente, pero que les procura una ventaja especial”.[40]Giuliani Fonrouge, por seu turno, esclarece que “la contribución especial se caracteriza por la existencia de un beneficio actual o futuro, que puede derivar no sólo de la realización de una obra publica, sino también de actividades o servicios estatales especiales, destinados a aprovechar a un particular determinado o a grupos sociales”. [41]
Na mesma ordem de idéias, Rubens Gomes de Sousa preleciona que para as contribuições “o benefício individual” é um elemento jurídico integrante do próprio fato gerador da incidência. Neste sentido, Ignácio Manzoni, que recorre ao princípio do benefício individual designando-o por via oblíqua como “expressão do gozo diferencial de um serviço público” para distinguir a contribuição de melhoria dos impostos sobre a renda incidentes sobre a mais valia patrimonial”.[42]
Para Llamas Labella, a “vantagem” é apenas suposta para os sujeitos passivos do tributo. Tal não afasta, entretanto, algum vínculo entre a atividade estatal desenvolvida e o grupo considerado.[43]
Em suma, de acordo com a doutrina citada, o pressuposto das contribuições seria uma vantagem diferencial obtida por determinados indivíduos ou grupos em decorrência da atividade estatal, ainda que suposta pela lei,[44] o que significa que a instituição da contribuição depende tão somente da existência do especial interesse de um grupo em certa atividade estatal a ser custeada pela exação.
Em outras palavras, o obrigado ao pagamento da contribuição não pode ser alguém estranho ou externo à atividade estatal, que com ela não guarde nenhum vínculo de pertinência lógica, até porque a atuação estatal há de ser referida a uma determinada área, à qual o particular se relacione especialmente.
Embora sob perspectiva diversa, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha – como informa Brandão Machado – tem fixado alguns critérios para justificar a exigência de contribuições (lá denominadas tributos especiais), que não discrepam, em sua essência, dos já salientados. Assim, assentou “em sua jurisprudência, que pode o legislador constituir fundos para o custeio de determinadas atividades, cobrando os necessários tributos de todas as pessoas que estejam em uma relação especial com o objetivo para o qual serve a sua receita (Tipke-Kruse, Abgadenordnung-Kommentar, Colônia, 10a. ed., 1980, anot. ao par.3, n.12). Esta relação ocorre quando o contribuinte faz parte de um grupo cujos interesses são estimulados pelo fundo constituído pela receita do tributo; ou quando o contribuinte obtém determinada vantagem; ou quando o contribuinte assume obrigação tributária em lugar de um dever de direito público, como acontece ao pagar um tributo de combate a incêndio em vez de prestar o serviço pessoal correspondente; ou quando o pagamento do tributo substitui o cumprimento de uma obrigação legal de direito privado, como no caso do salário-família. Como dizem Tipke-Kruse, op.cit., ibid., citando Friauf, todas as relações podem resumir-se como resultantes de uma responsabilidade material específica do grupo onerado pelo cumprimento do objetivo a ser financiado pelo tributo“.[45]
Evidentemente, quando o Tribunal Alemão se refere a grupo com interesses estimulados pelo fundo ou vantagem ou substituição pelo Estado de um dever do particular ou ainda quando, no dizer de Tipke-Kruse, trata-se de relações resultantes de uma responsabilidade material específica do grupo onerado, tudo isto implica uma referibilidade, ainda que indireta, entre o sujeito passivo da contribuição e a atividade estatal que lhe dá fundamento.
A despeito da solidez da teoria construída pela doutrina acerca dos pressupostos e características que identificam as contribuições e, por conseguinte, as diferenciam dos demais tributos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não a vem adotando em sua plenitude. De fato, o exame dos diversos julgados do Supremo Tribunal Federal em matéria de contribuições revela que, no entender da Corte, a característica fundamental do tributo é sua destinação a uma finalidade específica, constitucionalmente prevista.[46] A referibilidade dos integrantes do grupo à atividade estatal desenvolvida não tem, entretanto, sido examinada com rigor pela Corte, que guarda precedentes legitimando contribuições em que o vínculo de pertinência lógica entre a atuação do Estado e os sujeitos passivos não se revela nítido.[47]
É certo que, no tocante às contribuições destinadas a seguridade social, há dispositivos constitucionais (artigos 194 e 195) que autorizam a dispensa de interesse qualificado do contribuinte na área de atuação estatal, como mencionado no item 3.1.4, retro. Todavia, a falta de disposições semelhantes para as contribuições destinadas a atender as demais áreas, que não são objeto da seguridade (saúde, previdência e assistência social), confirma que tais exações somente poderão ser exigidas daqueles que possuam especial interesse na atuação estatal desenvolvida. Nesse sentido, assinala o Ministro Cezar Peluso que os contribuintes “serão, pois, identificados dentre aqueles que guardem nexo lógico-jurídico com a finalidade constitucional do tributo”.[48] Não fosse assim, estar-se-ia diante de tributo não-vinculado, verdadeiro imposto, na dicção do artigo 16 do Código Tributário Nacional.
Ainda a respeito da necessidade de relação especial com a área em que se dá a atuação estatal para que alguém possa ser sujeito passivo da contribuição, há outro ângulo de exame que leva à mesma conclusão.
Com efeito, se as contribuições estão sujeitas às normas gerais de direito tributário (artigo 146, III c/c 149 da Constituição) e estas são veiculadas pelo Código Tributário Nacional, conforme entendimento pacífico, o contribuinte só pode ser aquele que “tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador” (artigo 121, § único, I). Ora, a situação que constitui o fato gerador da contribuição é caracterizada, concomitantemente, pela atividade estatal numa determinada área e pela realização do fato de exteriorização previsto na norma tributária, como demonstrado no item 4.1.2. deste trabalho.
Portanto, sujeito passivo da contribuição somente poderá ser quem esteja conectado à área de atuação do Estado e realize o fato econômico presuntivo da capacidade de contribuir. Conseqüência disso é que não pode ser contribuinte aquele que não possua relação com a área de atuação estatal que enseja a contribuição e/ou não realize o fato apto ao nascimento da obrigação tributária. Daí porque também não se pode admitir que a contribuição seja cobrada de um integrante do grupo A para atender interesse de integrante do grupo B.
4.2.2. Peculiaridades das contribuições sociais gerais.
As chamadas contribuições sociais “gerais” estão genericamente previstas no artigo 149 da Constituição Federal. Existem, porém, dispositivos constitucionais específicos prevendo a cobrança de exações deste tipo (e.g., 7º, III, 212, §5º, 239 e 240).
A finalidade precípua dessas contribuições consiste no custeio de ações estatais tendentes a assegurar direitos sociais que deveriam ser proporcionados por um determinado grupo econômico.
Assim é que a exigência usualmente recai sobre empregadores, com o objetivo de custear determinadas atividades estatais que beneficiam seus empregados, como se verifica nitidamente, por exemplo, nos casos do FGTS e do PIS.
4.2.3. Peculiaridades das contribuições de intervenção no domínio econômico.
A inexistência de norma complementar definindo o que seja intervenção e domínio econômico impede a identificação adequada dessa figura, abrindo um largo campo para que os poderes públicos possam invadir competências alheias a pretexto de instituir tributo de sua própria área. Portanto, a correta análise do que e quando seja possível a intervenção é essencial ao deslinde do tema.
4.2.3.1. Hipóteses de intervenção estatal no domínio econômico.
A análise implica o exame dos dispositivos constitucionais pertinentes, particularmente os do Capítulo da Ordem Econômica (artigo 170 e seguintes).
O artigo 170 da Constituição Federal contém os fundamentos e princípios que regem toda a ordem econômica nacional. Sua leitura conduz o intérprete, muitas vezes, a algumas perplexidades em face da aparente colisão que têm eles entre si. Aparente, porém, já que do exame do caso concreto e em face da fundamentalidade dos valores envolvidos é que se há de dar maior ou menor prestígio a um princípio ou a outro. O que não pode ocorrer é que, a pretexto de afirmar-se um, negue-se completamente o outro. A interpretação supõe um balanceamento dos princípios a partir, sobretudo, de considerações axiológicas.[49] É a partir dessas considerações que se inicia o exame dos artigos que mais de perto interessam ao tema de que se cuida.
O artigo 173 da Constituição Federal estabelece que “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Da interpretação do dispositivo verifica-se que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado pode se dar nos casos expressamente previstos na Constituição (artigos 21 e 177) ou, excepcionalmente, quando houver problemas relacionados com a segurança nacional ou relevante interesse coletivo, nos termos da lei. Assim, o que o artigo 173 da Constituição autoriza é a exploração excepcional da atividade econômica pelo Estado em área que não é do seu domínio, mas sim dos particulares. Tanto que as empresas estatais criadas para desenvolver tais atividades submetem-se ao mesmo regime aplicável às empresas privadas e não gozam de privilégios fiscais (§§ 1º e 2º do artigo 173). Há, pois, nessas condições, ingerência do Estado em domínio alheio e, portanto, intervenção. Desse modo, a primeira forma de intervenção do Estado no domínio econômico é a prevista no caput do artigo 173 da Constituição Federal.
Uma segunda forma de intervenção é a que consta do § 4º do mencionado artigo 173, que se refere ao abuso de poder econômico e dispõe que “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.Ou seja, o abuso do poder econômico, quando afetar a concorrência, permitirá, também, a intervenção do Estado. Mas não uma intervenção para que o Estado atue empresarialmente, exercendo, com exclusividade ou juntamente com os particulares, atividade econômica. A intervenção autorizada pela Constituição, neste caso, é de natureza regulatória, que Celso Antonio Bandeira de Melo denomina de intervenção indireta.[50] Na esteira dessa terminologia, também se qualifica como intervenção regulatória a que se opera ou pode operar-se em face do que prevê o artigo 174 da Constituição Federal, que será examinado a seguir.
O artigo 174 da Carta Maior permite múltiplas leituras, conforme a ideologia de cada um. De qualquer forma, o fato é que o Supremo Tribunal Federal, na linha de parte da doutrina nacional (José Afonso da Silva,[51] Eros Grau,[52] Fábio Konder Comparato[53]), entendeu que o Estado, enquanto agente normativo e regulador da atividade econômica, pode exercer as funções de fiscalizador, de estimulador e de planejador da atividade econômica, sendo este planejamento apenas indicativo para o setor privado.[54]
Portanto, domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada e a intervenção pode ocorrer com fundamento no caput do artigo 173, no seu §4º, ou no artigo 174, da Constituição Federal.
4.2.3.2. A intervenção no passado e nos dias atuais
As considerações sobre a ordem econômica levam, ainda, ao exame do artigo 163 da Constituição de 1967, na redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/69, porque parece ter conteúdo normativo similar ao dos artigos 173 e 174 da Constituição atual.
Efetivamente, o artigo 163 da Constituição de 1967 permitia a intervenção e o monopólio de determinada indústria ou atividade “mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais” .
Ora, por que hoje se admite a intervenção do Estado no domínio econômico? A intervenção direta do artigo 173 da Carta atual “por razões de segurança nacional ou de interesse relevante coletivo” pode, perfeitamente, ser compreendida no conteúdo do artigo 163 da Constituição de 1967/69. Por outro lado, quando há um setor que não funciona bem em regime de competição, até porque pode haver uma empresa ou um grupo de empresas que têm o domínio completo deste mercado, pode haver uma intervenção regulatória nos termos do § 4º, do artigo 173 da Constituição de 1988, a exemplo do que autorizava o referido artigo 163 da Constituição de 1967/69. E, quando um determinado setor precisa de fomento, porque não funciona, normal ou regularmente, num regime de livre competição, possibilita-se a intervenção do artigo 174 da Constituição de 1988. O que se expôs permite concluir que há pontos em comum entre a Constituição atual e a anterior, valendo ressaltar que vários julgados do Supremo Tribunal sobre o tema examinaram questões ocorridas na vigência da Constituição passada, como, por exemplo, o do Adicional para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.[55]
A definição destes campos leva à conclusão de que a intervenção no domínio econômico de hoje tem pontos em comum com a intervenção existente sob a égide da Constituição anterior; que domínio econômico é aquele reservado à iniciativa privada; que a intervenção no domínio econômico pode dar-se com fundamento no caput do artigo 173, no parágrafo 4º do mesmo artigo 173 e com base no artigo 174 da Constituição Federal de 1988.
4.2.3.3. Intervenção em campo de atuação reservado à União.
Remanesce para exame questão relevante: haveria possibilidade de intervenção em campo constitucionalmente reservado à União? Assim não parece. Intervir significa “interferir, interceder, entremeter-se, meter-se de permeio”.[56] Se determinado campo é reservado à União, claro que não pode ela intervir em seu próprio campo. A intervenção, logicamente, só pode ocorrer em campo de atuação distinto do seu – o campo de atuação privado ou o campo de atuação que, embora originariamente reservado ao Estado, passe a pertencer à iniciativa privada por força de autorização, concessão ou permissão. Realmente, quando a União delega aos particulares a exploração de atividade econômica que a Constituição lhe confere, o campo que não era domínio econômico reservado à livre iniciativa passa a pertencer a esta, ainda que sob o controle do Estado. Trata-se de hipótese diversa daquela prevista no artigo 174 da Constituição Federal, pois há controle efetivo do Estado, seja no caso de autorização, de permissão ou de concessão.
Destarte, atividades como a exploração de portos marítimos, fluviais e lacustres (artigo 21, inciso XII), enquanto exercidas pela União, e aquelas previstas no artigo 177 da Constituição de 1988, que sempre são por ela exercidas, não poderiam ensejar intervenção. E, não havendo intervenção, logicamente não há de cogitar-se do instrumento (contribuição) que poderia viabilizá-la.
Mas não só por essa razão seria injustificada a contribuição na hipótese cogitada. Se é ela meio através do qual a União pode atuar, qual seria a razão de sua instituição, caso optasse por atuar através da exploração direta da atividade econômica?
Explorar é “tirar vantagem ou proveito de algum empreendimento”.[57] A União, quando atua diretamente tira proveito econômico de sua atuação, mediante a cobrança de preço, cuja dimensão deverá ser suficiente para a manutenção e também para a expansão da atividade, em obediência ao princípio da eficiência (artigo 37 da Constituição Federal). Admitir a possibilidade de o Estado, concorrendo com a atividade privada, explorar determinada atividade econômica e, ao mesmo tempo, instituir contribuição de intervenção como instrumento para essa exploração, implica perigoso alargamento da competência impositiva da União, porque a autoriza a criar as contribuições que bem entender, a pretexto de melhorar, investir, re-aparelhar ou conservar a sua rede toda de serviço público, ou de serviços de interesse público a que se refere o artigo 21 da Constituição. A par de explorar determinadas atividades e receber o respectivo preço, receberá de outra fonte, o que não faz sentido. Nessa hipótese, não teríamos contribuição, assim entendida aquela que se caracteriza como instrumento de atuação do Estado em determinada área, mas preço, em contrapartida à atuação estatal. A contribuição seria meio de financiar o Estado independentemente da atuação estatal referida ao contribuinte, o que é incompatível com a figura. Nesse caso, estaríamos diante de tributo não vinculado.
Além disso, a instituição de contribuição quando a União já pode cobrar preço por sua atuação fere claramente o princípio da proporcionalidade, em virtude do qual a ação do Estado só se justifica se for (i) necessária, (ii) adequada e (iii) razoável (proporcionalidade em sentido estrito).[58] Ora, se se pode cobrar preço não é (i) necessária a instituição de contribuição para financiar a mesma atividade; (ii) nem adequada, pois a empresa pública deve atuar com os mesmos instrumentos das do setor privado, e que não se coaduna com fonte externa de recursos a serem canalizados exatamente para viabilizar ou impulsionar suas atividades; (iii) nem tampouco razoável, pois, contando a ação estatal com meio próprio que a financia (preço) não é razoável possa ela contar, também, com recursos compulsoriamente arrecadados dos particulares.
4.2.3.4. Especial interesse de grupo econômico.
Outrossim, é fundamental na configuração legal da contribuição de intervenção que fique clara a existência de especial interesse para um grupo integrante de determinado setor de atividade. Isto significa que se da estrutura da contribuição faz parte essencial a finalidade, é fundamental que se tenha em conta a correta identificação do grupo econômico que gerou gastos extraordinários ou cujos interesses foram atendidos de forma especial pela atividade estatal.
A leitura dos elementos informadores da contribuição de intervenção no domínio econômico relativa à importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, delineados no §4º do artigo 177 da Constituição Federal, confirma o exposto, na medida em que indica como fato gerador possível “as atividades de importação ou comercialização” desses produtos, limitando, assim, sua exigência em face dos particulares que as desenvolvam. Os recursos arrecadados, por sua vez, devem ser destinados “ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo”, ao “financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria de petróleo e do gás” e ao “financiamento de programas de infra-estrutura de transportes”,[59] ou seja, finalidades de especial interesse daqueles que atuam nesse setor e que, portanto, podem ser chamados a contribuir.
Em síntese, a instituição de contribuições de que tratamos é possível quando haja (i) efetiva intervenção do Estado no domínio econômico, nos limites das possibilidades constitucionalmente previstas para tanto, (ii) em atividade originariamente reservada ao setor privado ou que tenha a esta sido transferida por autorização, concessão ou permissão, (iii) e que cause um gasto excepcional do Estado ou que atenda interesse especial de determinado grupo de indivíduos, componentes do setor objeto da intervenção. A exação que não atenda a esses requisitos não pode ser considerada contribuição de intervenção no domínio econômico, tal qual pretendida pelo constituinte, mas figura diversa.
4.2.4. Peculiaridades das contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
A contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas destina-se a custear as atividades estatais consistentes na regulamentação, fiscalização etc. das atividades de interesses de um determinado grupo de empresas ou de trabalhadores, em sentido lato.
Tendo em vista serem distintos e peculiares os interesses de cada uma das categorias econômicas e profissionais envolvidas, a atuação do Estado geralmente se faz por intermédio de órgãos especializados e específicos, desvinculados da Administração Direta.
É o caso, por exemplo, dos sindicatos e das entidades de fiscalização de profissões liberais (e.g., OAB, CRM, CREA). Em decorrência, tais órgãos possuem legitimidade para cobrar as chamadas contribuições “parafiscais” dos seus respectivos filiados, na forma da lei.[60]
4.3. Características específicas das contribuições para a seguridade social.
O artigo 149 da Constituição, após traçar as características gerais das contribuições, faz referência, ao final, ao regime diferenciado aplicável particularmente “às contribuições a que alude” o artigo 195 da Constituição. Este dispositivo trata do financiamento da seguridade social, expressão que compreende “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (artigo 194), mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das contribuições sociais ali indicadas. É nesse contexto que devem ser examinadas as contribuições para a seguridade social.
4.3.1. Solidariedade.
Conforme mencionado no item 3.1.4. deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que as contribuições destinadas a atender a seguridade são marcadas pelo traço da ampla solidariedade.[61] A inexigibilidade de identificação do especial interesse de um grupo determinado de pessoas nesta hipótese justifica-se em face dos artigos 194 e 195 da Constituição Federal, segundo os quais a seguridade deve ser financiada por todos, de forma direta e indireta.[62] Daí a afirmação, que bem resume o pensamento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema, no sentido de que “contribuição social é um tributo fundado na solidariedade de todos para financiar uma atividade estatal complexa e universal, como é a da Seguridade Social”.[63]
Desse modo, a exigência de contribuição para a seguridade social não depende de especial interesse dos empregadores ou de qualquer outro que seja chamado a contribuir, mas tão somente da condição de indivíduo integrante da sociedade, onde todos são solidários para com o financiamento das atividades estatais nas áreas de saúde, previdência e assistência social, consideradas de particular relevância pelo constituinte.
4.3.2. Unidade da contribuição do empregador e da empresa. Critérios diferenciados para a repartição dos custos.
O artigo 195 da Constituição Federal prevê que o empregador, a empresa e a entidade a ela equiparada estão sujeitos ao recolhimento de contribuições incidentes sobre: a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados a pessoa física prestadora de serviços; a receita ou o faturamento; o lucro; e, mais recentemente, o valor aduaneiro de bens ou serviços importados.[64]
Conquanto os parâmetros de incidência sejam diversificados, sempre sustentei que se trata de uma única contribuição, pois prevista em dispositivo constitucional específico (art. 195) e os valores arrecadados têm como finalidade comum o financiamento da seguridade social.[65] A adoção de vários parâmetros de incidência se explica porque seria insuficiente apenas um, como a folha de salários, tendo em vista que varia o grau de emprego de mão-de-obra pelas empresas, sobretudo em face da automação,[66]sendo certo, por outro lado, que existem empresas que não possuem empregados, como é o caso, por exemplo, de algumas sociedades prestadoras de serviços regulamentados.[67] Assim, para que todos os obrigados sejam efetivamente atingidos e o sacrifício possa ser repartido de maneira equânime, a Constituição indicou diversas hipóteses passíveis de ensejar o recolhimento da contribuição.
Nessa ordem de idéias, a contribuição do empregador e da empresa deve ser examinada em função do conjunto de regras que tratam de seus vários parâmetros. Portanto, é perfeitamente possível – e até desejável – que se um sujeito passivo (empregador ou empresa) não contribui ou o faz insuficientemente com base em um dos parâmetros, seja isso compensado, contribuindo mais intensamente com base em outro dos fatores previstos.
Nesse contexto, não há quebra da isonomia quando uma classe de empregadores ou empresas contribui mais do que outras no que respeita a uma determinada base de incidência, como forma de compensar o que não contribui quanto a outra. Todavia, se alguns são mais onerados que outros sem que esse acréscimo decorra da aplicação dos critérios de diferenciação previstos na Constituição, mas por razões apenas de uma suposta capacidade econômica,[68] haverá inconstitucionalidade por afronta ao princípio da igualdade.[69]
Tais conclusões se confirmaram com a edição das Emendas Constitucionais ns. 20/98 e 42/03, que acrescentaram, dentre outros, os parágrafos 9º e 12 ao artigo 195 da Constituição, autorizando, respectivamente, a adoção de alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas para as contribuições previstas no inciso I (folha de salários e demais rendimentos do trabalho, receita ou faturamento e lucro) de acordo com a atividade econômica ou a utilização intensiva de mão-de-obra, e a indicação de setores da atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b (faturamento ou receita) e IV (importação) serão não-cumulativas.[70]
4.3.3. Critérios para a instituição de novas fontes de custeio da seguridade.
Ainda com relação ao tema das contribuições sociais, é oportuno analisar alguns aspectos relativos à instituição de outras fontes de custeio para a seguridade social, o que implica interpretação acerca do disposto no artigo 195, § 4º, da Constituição Federal, no sentido da observância do art. 154, I, que outorga competência à União para instituir “mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.
A leitura em conjunto dos dispositivos citados não deixa dúvidas de que a lei complementar é o veículo normativo exigido para a instituição de novas fontes destinadas ao custeio da seguridade social, sendo pacífica a jurisprudência a respeito.
Questão que muito se discutiu diz respeito à submissão das contribuições ao disposto na parte final do art. 154, I, que veda a identidade de impostos residuais com os impostos discriminados no texto constitucional. Sobre o tema, decidiu o Supremo Tribunal Federal que a regra não veda a identidade das novas contribuições com impostos,[71] mas sim a repetição de contribuições preexistentes[72].
Por fim, a contribuição há de ser não-cumulativa, isto é, caso incida em diversas etapas de um determinado ciclo econômico, deve permitir a dedução do que tenha sido cobrado nas anteriores, a exemplo do que ocorre com o IPI e o ICMS.[73] A restrição é salutar, pois a experiência passada com o imposto de vendas e consignações demonstrou que tributos cumulativos ou em cascata criam distorções econômicas, favorecendo a integração vertical e horizontal de empresas e dificultando a aplicação de sistemas desonerativos da carga tributária nas exportações, dentre outros. Trata-se de mecanismo indesejável, pois incapaz de atingir objetivos de justiça fiscal.
5. Conclusão.
Saliente-se, de todo o exposto, a grande importância em se definir os traços característicos das contribuições. Estas se distinguem dos demais tributos, em suma, por serem exações vinculadas a uma atuação estatal, que, embora não referida diretamente ao contribuinte, com ele se relaciona, por um especial benefício que obteve (contribuição de melhoria), ou por atender um dever material que originalmente lhe incumbia, mas foi substituído pela ação do Estado (contribuição social geral), ou por uma ação estatal em atividade explorada pelo grupo econômico do qual faz parte (contribuição de intervenção), ou por uma maior despesa necessária à organização e fiscalização dos profissionais que atuam na mesma área (contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas), ou por responsabilidade social (contribuições para a seguridade social).
Entretanto, a mera existência de uma finalidade constitucionalmente prevista e a afetação do produto da arrecadação à sua destinação constitucional são insuficientes para caracterizar as contribuições. A referibilidade entre a ação estatal e o interesse do grupo integrado pelo sujeito passivo é que, efetivamente, parece confirmar a natureza de um tributo como contribuição. A exceção fica por conta das contribuições destinadas ao custeio da seguridade social, que observam regime próprio, fundado na premissa de que compete a toda a sociedade contribuir para o financiamento dessa atividade estatal, com base no princípio da solidariedade. Nestas, todavia, será necessário verificar se a exação se destina a atender as áreas de saúde, previdência e assistência social, de que tratam os artigos 194 e 195 da Constituição.
Identificada a natureza da exação como contribuição, impõe-se ainda o respeito aos limites constitucionais estabelecidos à sua instituição e majoração, posto que, incluídas no sistema tributário, estão as contribuições sujeitas aos princípios constitucionais referidos expressamente no artigo 149 e, quando o caso, no artigo 195, parágrafos 4º e 6º, da Constituição Federal, que não podem ser afastados.
[1] Vide as edições anteriores desta obra e o trabalho “Contribuições de intervenção no domínio econômico e a federação” redigido em conjunto com Tércio Sampaio Ferraz Jr., publicado no Caderno de Pesquisas Tributárias – Série-8, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. CEU/RT, São Paulo, pág. 58.
[2] Bernardo Ribeiro de Moraes, “Contribuição no Sistema Constitucional Tributário”, Caderno de Pesquisas Tributárias nº 2, página 62.
[3] Giuliani Fonrouge, “Derecho Financiero”, Depalma, 2a.edição, 1.970, vol.2, página 1.026.
[4]Ives Gandra da Silva Martins, “As Contribuições Especiais numa Divisão Quinquipartida dos Tributos”, Ed. Resenha Tributária, São Paulo, páginas 1 e seguintes; Rubens Gomes de Sousa, “A Previdência Social e os Municípios”, R.D.P. vol.24, página 247; Aliomar Baleeiro, “Direito Tributário Brasileiro”, 5a. Edição, Rio de Janeiro, página 68 e José Souto Maior Borges, “Contribuições – Caráter Tributário”, Revista de Direito Tributário nº 34, página 120.
[5]Recurso Extraordinário n. 86.595-BA, no qual salientou o Ministro Moreira Alves que a Emenda Constitucional n. 08/77 alterou a redação do inciso I, do parágrafo 2º do artigo 21, da Emenda Constitucional n. 01/69 e acrescentou um inciso, o X, ao artigo 43 do texto constitucional em vigor. Em função de tais alterações concluiu-se que as contribuições, que até então tinham natureza tributária, deixaram de tê-la (RTJ 87/271).
[6] Ives Gandra Martins, comentando o artigo 195 da Constituição, leciona: “Há a destacar-se ao dispositivo o fato de que a pretérita discussão sobre se a contribuição teria uma natureza dicotômica (taxa-imposto) ou não, fica no atual texto constitucional definitivamente solucionado.” (“Sistema Tributário na Constituição de 1.988”, Ed. Saraiva, 1.989, páginas 122/123).
[7]Por ocasião do julgamento do RE 146.733-9/SP), no qual foi examinada a constitucionalidade da Lei nº 7.689/88, que criou a Contribuição Social sobre o Lucro das pessoas jurídicas, o relator do processo, Ministro Moreira Alves, enfrentou a questão relativa à natureza jurídica das contribuições, manifestando entendimento no sentido de que, com a Constituição Federal de 1988, a classificação dos tributos passou a ser a seguinte: impostos, taxas e contribuições de melhoria, referidas no artigo 145, além de duas outras modalidades, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas (artigos 148 e 149) – RTJ 143/684. No mesmo sentido, o acórdão proferido no RE 148.754/RJ (RTJ 150/888), dentre outros.
[8] Rubens Gomes de Sousa, após acentuar que o tributo é essencialmente uma figura unitária por sua função, assinala: “Considero a subdivisão, no plano do direito positivo, apenas como um expediente prático de aplicação, ligado à atribuição das competências tributárias, especialmente ao que se chama, nos países federais (mas não necessariamente só neles) de discriminação de rendas”. (“Natureza Tributária da Contribuição do FGTS”, R.D.A., vol. 112/33).
[9] RE 89.876 (RTJ 98/230) e Representação nº 1.094-SP (RTJ 141/430).
[10] RE 110.576-3, Relator Ministro Rafael Mayer, DJ: 31/10/86 e RE 100.201-8, Relator Ministro Carlos Madeira, DJ: 22/11/85.
[11] De se referir o empréstimo compulsório instituído pela União pelo Decreto Lei 2.047/83 e o empréstimo compulsório sobre veículos instituído pelo Decreto Lei 2.288/86, declarados inconstitucionais pelo Plenário do STF, respectivamente, nos RE´s 111.954-PR (RTJ 126/330) e 121.336-CE (RTJ 129/624).
[12] A Suprema Corte declarou inconstitucionais: a) INSS- contribuição de autônomos, avulsos e administradores – RE 166.772-9-RS (RTJ 156/666); b) PIS – alteração de base de cálculo e alíquota pelos Decretos-Leis ns. 2445/88 e 2449/88 – RE 148.754-RJ (RTJ 150/888); c) FINSOCIAL – declarada inconstitucional a exigência veiculada pelo artigo 9º da Lei nº 7689/88 – RE 150.764-1-PE (RTJ 147/1024).
[13] Vide meu trabalho intitulado “A competência tributária e seu exercício: a racionalidade como limitação ao poder de tributar”, publicado no Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, Ed. RT, ano 2 – nº 5.
[14] É o que ficou reconhecido nos autos da ADIN 939/DF, em que foi declarada a inconstitucionalidade da cobrança do IPMF no ano de sua criação, por ofensa ao princípio da anterioridade e a diversas normas de imunidade (RTJ 151/755).
[15] O Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, por ocasião do julgamento do RE 146.733-SP (RTJ 143/684), identificou cinco espécies tributárias na Constituição, quais sejam: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria (artigo 145); as contribuições (sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais (artigo 149) e os empréstimos compulsórios (artigo 148). No mesmo sentido, o RE 138.284-CE (RTJ 143/113).
[16] Vide, a respeito, Alberto Xavier, in “Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação”, ed. RT, 1978, p. 78.
[17]No passado, diversa era a disciplina do empréstimo compulsório, cujas hipóteses de cabimento eram previstas apenas na lei complementar e não na Constituição e através de fórmulas que permitiam ampla discrição ao legislador ordinário. Era o caso, por exemplo, da conjuntura que exigisse “absorção temporária de poder aquisitivo”. Como, no Brasil, naquela época, a inflação era crônica, sempre havia conjuntura que pudesse exigir absorção temporária de poder aquisitivo e, portanto, sempre poderia haver a instituição de empréstimos compulsórios.
[18] Embora não seja o foco deste trabalho, é interessante observar que o regramento constitucional da contribuição de melhoria sofreu alteração que a aproximou ainda mais das chamadas contribuições especiais, de que trata o artigo 149 da Constituição. Com efeito, a Constituição de 1967, no seu artigo 19, III e §3º, impunha limites à instituição das contribuições de melhoria, que constam do artigo 81 do Código Tributário Nacional: o valor arrecadado não poderia ser superior ao custo da obra e a exação não poderia ser superior ao valor resultante da valorização do imóvel. Muitos dizem que estes limites estão implícitos na Constituição de 1988, de modo que o Código Tributário Nacional permaneceria inteiramente aplicável neste ponto. Entendo, porém, que a questão merece reflexão, pois a comparação dos textos das Constituições atual e pretérita sugere que a supressão de alguns limites à instituição da contribuição de melhoria deve ter algum sentido. Ora, é fato notório que muitos municípios têm tido dificuldades para calcular a valorização de cada imóvel resultante da obra pública, de sorte a instituir contribuição de melhoria. Por isso, parece razoável entender que, de acordo com a atual Constituição, a cobrança da contribuição possa se dar em vista do especial interesse (ou, se assim se preferir, vantagem, benefício, referibilidade, etc.) do grupo diretamente afetado pela obra pública que enseja sua instituição, devendo a lei privilegiar a capacidade contributiva da totalidade de indivíduos que o compõe, tal como se dá em relação às demais contribuições. Neste caso, a vantagem para cada um de seus integrantes será suposta, cabendo ao interessado, se o caso, valer-se, posteriormente, de meios próprios para demonstrar que, no caso concreto, tenha ocorrido valorização menor de seu imóvel do que a esperada, para adequar a exação à valorização havida, sob pena de confisco.
[19] “Contribuições (uma figura ´sui generis´), Dialética, 2000, pág. 243.
[20] Nesse sentido decidiu-se, entre outras oportunidades, quando do julgamento dos AGRE`s 238.171/SP (Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ: 26/03/02) e 225.360/SP (Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ: 06/10/00), nos quais se apreciou a possibilidade de exigência do Funrural em face de empresas urbanas; no AGRE 205.355-3-DF, que apreciou a incidência de Finsocial sobre a receita de operações com minérios (Relator Ministro Carlos Velloso, DJ: 08/11/02).
[21] Tal restrição levou o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade do adicional de 1% da alíquota do ICMS estabelecido pelo Estado de São Paulo para financiar programas habitacionais (RE 183.906-6/SP, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ: 30/04/98).
[22] Dir-se-ia que o artigo 4º do Código Tributário Nacional estabelece que a destinação legal do produto da arrecadação não seria relevante para distinguir as espécies tributárias, cuja natureza dependeria do fato gerador da respectiva obrigação. Sucede que é a Constituição – e não a lei – que caracteriza as contribuições, inclusive de seguridade social, pela destinação dos valores arrecadados, extremando-as dos impostos. Além disso, o fato gerador das contribuições é qualificado pela finalidade de sua cobrança, como se verá adiante. Daí porque se afigura correta a observação constante do voto proferido pelo Ministro Carlos Velloso, nos autos da ADIN 3.105-8/DF (Relator para acórdão Ministro Cezar Peluso, J. 18/0804), no sentido de que “No que concerne, entretanto, às contribuições parafiscais, essa regra, constante de norma infraconstitucional, não prevalece. É que, por força de disposição constitucional, a destinação do produto da arrecadação dessas contribuições constitui característica destas (C.F., art. 149 e 149-A)”.
[23] Vide Geraldo Ataliba, “Hipótese de Incidência Tributária”, Ed. Revista dos Tribunais, 1.973, páginas. 140/141. Vale referir que, em trabalho versando a natureza das contribuições previdenciárias, Rubens Gomes de Sousa adotou expressamente a classificação proposta por Geraldo Ataliba (“A Previdência Social e os Municípios” cit., página 233).
[24] Vide item 3.1.4. deste trabalho.
[25] Contribuições sociais gerais, contribuições de intervenção no domínio econômico, contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas e contribuições para o financiamento da seguridade social.
[26] Contribuições para a seguridade social.
[27]No dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1ª ed. Editora Objetiva), encontram-se, dentre outros, os sentidos de “extensão mais ou menos limitada de espaço, território ou superfície”; “campo em que se exerce determinada atividade”; “espaço reservado para uma função específica”; “zona de influência, domínio, controle ou exploração”.
[28] Conforme previsto no artigo 149, §2 (acrescentado pela Emenda Constitucional nº 33/01) e no artigo 195, I a IV, da Constituição Federal.
[29] Miguel Reale, “Aplicações da Constituição de 1988”, Ed. Forense, 1.990, “Contribuições Sociais”, página 68.
[30]Adolfo Carretero Perez, “Derecho Financiero”, Ed. Santillana S.A. de Ediciones, Madri, 1.968, páginas 358/359; Llamas Labella, op.cit., páginas 125/1126; Silvio Santos Faria, “Aspectos da Parafiscalidade”, Livraria Progresso Editora, 1.955, página 50; Edvaldo Brito, “Problemas Jurídicos da Contribuição para o Fundo P.I.S.”, Caderno de Pesquisas Tributárias n. 2, cit., página 122.
[31] Transcrição parcial do voto proferido pelo Ministro Carlos Velloso, nos autos do já citado RE 138.284-8/CE. No mesmo sentido, destaque-se o seguinte trecho do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves, nos autos do RE 146.733-SP: “Assim, o argumento de que a União, por si própria, não poderia arrecadar contribuição para a seguridade social, só teria sentido se efetivamente a Constituição tivesse criado a Seguridade Social com individualidade própria e autônoma. Aí, sim, somente a entidade ou os entes específicos da Seguridade é que poderiam arrecadar as contribuições. Todavia, nos termos em que delineados os contornos da Seguridade Social com a simples aproximação das ações de saúde, de assistência e de previdência com a manutenção de variadas fontes de custeio, direto e indireto, não há como vislumbrar na Constituição proibição a que a União institua e arrecade contribuição social expressamente prevista no artigo 195, I, incidente sobre o lucro dos empregadores, desde que destine os recursos exclusivamente à Seguridade Social. Ora, o art. 1º da Lei n. 7.689/88 estabelece que a contribuição é destinada ao financiamento da seguridade social. Se os recursos obtidos tiverem destino diverso, haverá desvio de finalidade. Mas tal cogitação situa-se em dimensão futura, sujeitando os responsáveis às conseqüências legalmente previstas.” (RTJ 143/684).
[32] Vide, exemplificativamente, a ADC 1-1/DF (RTJ 156/721) e o já referido RE 146.733-9/SP.
[33] Posteriormente, houve acórdãos dispensando a lei complementar para instituição de contribuições, como se verifica, por exemplo, do RE 214.206-9, no qual foi examinada a recepção da contribuição ao IAA pela Constituição de 1988 (Relator Ministro Nelson Jobim, DJ: 29/05/98).
[34] Interessante registrar o caso do salário-educação, inicialmente instituído pela Lei nº 4.440/64 e atualmente regulado pela Lei nº 9.424/96. Esta contribuição não foi criada por lei complementar e, a despeito de sua materialidade não estar prevista no artigo 212, §5º, da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal validou a sua exigência, tanto sob a égide da Constituição de 1967/69, quanto da atual Constituição, concluindo pela constitucionalidade da exigência desde sua instituição, respectivamente, nos autos do RE 290.709-6/SC (Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ: 04/04/2003) e da ADC 3-0/DF (Relator Ministro Nelson Jobim, DJ: 09/05/2003). Entretanto, o principal argumento invocado para justificar a desnecessidade da lei complementar para a instituição do salário-educação parece ter sido a ressalva constante da parte final do dispositivo constitucional mencionado, que prevê o recolhimento daquela contribuição pelas empresas com o objetivo de financiar o ensino fundamental público na forma da lei, “sem adjetivação, o que significa lei ordinária´” (trecho do voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, nos autos da ADC 3-0/DF), em razão de ter sido “mantido, de forma expressa, e, portanto, constitucionalizado, o salário-educação, então vigente, como fonte de recursos destinados ao financiamento do referido serviço, a exemplo do que fez com a contribuição para o PIS-PASEP, art. 239, e com o Finsocial mencionado no art. 56 do ADCT” , sendo “extreme de dúvida que quis ele se referir a única contribuição assim, então denominada; denominação, de resto, inadequada para caracterizar um pretenso gênero de contribuição” (trecho do voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão, nos autos do RE 290.079-6). Nesse passo, é possível concluir que o artigo 212, §5º, da Constituição recepcionou a contribuição ao salário-educação tal como anteriormente definida pela legislação ordinária e, por isso, dispensou, excepcionalmente, o trato da matéria por lei complementar.
[35] Conferência Inaugural do XXVII Simpósio do Centro de Extensão Universitária, publicada no Caderno de Pesquisas Tributárias, Nova Série – n. 9 (Ed. RT, pág. 18).
[36] Vide RE 228.321/RS (Relator Ministro Carlos Velloso, DJ: 30/05/03), que versava sobre a Lei Complementar nº 84/96.
[37]Geraldo Ataliba, op.cit., página 165.
[38]Gian Antonio Micheli, “Corso di Diritto Tributario”, Torino, UTET, 1972, páginas 74/75.
[39]A. D. Giannini, “Istituzioni di Diritto Tributario”, Milano, Giuffrè, 1968, páginas 58/59.
[40] Dino Jarach, “Curso Superior de Derecho Tributário”, 1.967, Buenos Aires, páginas 182/183.
[41] Giuliani Fonrouge, op. cit. páginas 1.004/1.005.
[42] Rubens Gomes de Sousa, “A Previdência… cit., página 242.
[43]Miguel Alfonso Llamas Labella, “Las Contribuciones Especiales”, Publicaciones del Real Colegio de España en Bolonia, 1973, página 96.
[44]O modelo de Código Tributário para a América Latina consagra o mesmo entendimento, estabelecendo seu artigo 17 que “Contribución especial es el tributo cuya obligacion tiene como hecho generador beneficios derivados de la realización de obras públicas e de actividades estatales y cuyo producto no debe tener un destino ajeno a la financiación de las obras o las actividades que constituyen el presupuesto de la obligacion.” A contribuição para a seguridade social, por sua vez, é conceituada como “la prestación a cargo de patronos e trabajadores integrantes de los grupos beneficiados, destinada a la financiación del servicio de previsión.”
No mesmo sentido foram as conclusões da 2a. Reunião Regional Latino Americana de Direito Tributário, particularmente as Resoluções nºs I a VI, do seguinte teor:
“I. “Las contribuciones especiales son tributos con características propias que las distinguen de los impuestos y de las tasas.”
II. “Es necesario definir las contribuciones especiales en términos jurídicos, sin negar el valor de las ciencias prejurídicas, reconociendo al derecho su autonomia”.
III. “Es contribución especial, el tributo vinculado cuya hipótesis de incidencia consiste en una actividad estatal dirigida al interés general, pero que produce beneficio individual al sujeto pasivo”.
IV. “Es irrelevante para el reconocimiento jurídico de las especies tributarias el destino que se de al producto de la recaudación, pero la ley de creación de la contribución especial no debe asignarle un destino ajeno al financiamento de la actividad estatal, que constituye el presupuesto de la obligacion”.
V. “Es también irrelevante la designación que el legislador eventualmente atribuya al tributo que crea. Para identificar una especie tributaria el interprete debe solamente considerar las caracteristicas jurídicas propias de las especies”.
VI. “La ley puede designar sujeto activo a una persona distinta del estado conferiendole la capacidad para determinar y recaudar contribuciones en beneficio de las finalidades propias de dicha persona, observando el régimen tributario de cada Estado”(Trecho extraído de Ives Gandra da Silva Martins, “As contribuições especiais no Sistema Tributário Brasileiro”, Caderno de Pesquisas Tributárias n.2, Ed.Resenha Tributária, 1.977, página 261).
[45] Brandão Machado, “São Tributos as Contribuições Sociais?”, in Direito Tributário Atual, 1987/1988, v. 7/8, página 1.868/1869.
[46]Vide nota 31.
[47] É o que se pode verificar da leitura dos acórdãos que examinaram, por exemplo, a cobrança da contribuição ao Sebrae de pessoas jurídicas que não têm interesse especial na área de atuação a que se destinam os respectivos recursos (RE 396.266/SC, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ: 27/02/2004) e do Adicional de Tarifa Portuária, cujos recursos se destinavam a fundo que não atendia interesse específico dos obrigados (RE 177.137-2/RS, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ: 18/04/97).
[48] Transcrição parcial do voto proferido pelo Ministro Cezar Peluso, Relator nos autos da citada ADIN 3.105-8/DF.
[49] Vide, a respeito, o caso das mensalidades escolares, onde o Supremo Tribunal Federal assentou importante doutrina sobre a interpretação do artigo 170 da Carta Maior, o balanceamento de princípios lá contidos e a necessidade de serem eles observados em toda e qualquer matéria atinente à ordem econômica (ADIN 319-DF- RTJ 149/666).
[50] Revista de Direito Administrativo, vol. 1243, Fundação Getúlio Vargas, “O Estado e a Ordem Econômica”, p. 37-50, v. p.45.
[51] “Curso de Direito Constitucional Positivo”, ed. Malheiros, 9ª edição, p.437
[52] “A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica)”, ed. Revista dos Tribunais, ed. 1990, p.142-143.
[53] “Ensaio Sobre o Juízo de Constitucionalidades de Políticas Públicas” – Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba 2 – Direito Administrativo e Constitucional, Ed. Malheiros, 1997, p. 354.
[54] Tenho dúvidas quanto ao fato de ser este planejamento apenas indicativo, como diz a Constituição, porque quando há um determinado planejamento, este é executado, compulsoriamente, até para permitir que a ordem econômica funcione bem. E para que a ordem econômica funcione bem muitas vezes estimula-se determinado segmento da economia, através do que já se chamou de sanções premiais, tornando a concorrência para quem não as tem difícil, e, às vezes, impossível. Portanto, o planejamento é meramente indicativo, no sentido de não ser obrigatória a sua adoção, mas quem não seguir a indicação do Estado pode não ter, de fato, condição de competir, o que implica ser a questão de planejamento indicativo, no mínimo, discutível.
[55] RE´s 165.939-4-RS e 177.137-2-RS, Relator Ministro Carlos Velloso, publicados em 30/06/95 e 18/04/97, respectivamente.
[56] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
[57] De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, vol. II, Cia. Editora Forense, 4ª edição, p. 662.
[58] Sobre o tema, vide Gilmar Ferreira Mendes, in “O Princípio da Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Novas Leituras”, Repertório IOB de Jurisprudência – 2a Quinzena de Julho de 2000 – n.º 14/2000 – Caderno 1 – p.372.
[59]Como escrevi, em trabalho conjunto com Tércio Sampaio Ferraz Jr., “se o objeto do “financiamento de programas de infra-estrutura de transportes, for o transporte em geral (de quaisquer produtos e até de pessoas), ainda que, indiretamente, possa alcançar o transporte de produtos do setor (petróleo, gás, álcool), ele não constituirá parte da área, salvo se ficar definida uma finalidade específica. O financiamento da infra-estrutura de transportes é matéria de orçamento geral, sendo próprio de impostos. Como a lei e a Constituição falam em financiamento de programas, é preciso ficar atento a que tais programas tenham o perfil de uma destinação específica. Do contrário, teremos imposto e não contribuição de intervenção no domínio econômico”.(op. cit., página 106).
[60] Em relação às contribuições sindicais é importante destacar que a contribuição confederativa prevista no artigo 8º, IV, da Constituição Federal, exigida dos filiados a um determinado sindicato, não se confunde com a contribuição corporativa prevista no artigo 149 da Constituição, de natureza compulsória, conforme previsto no artigo 579 da CLT (vide, a respeito, o RE 198.092/SP, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ: 11/10/96; e o RE 196.081/SP, Relator Ministro Moreira Alves, DJ: 18/03/97).
[61] Vide nota 20.
[62] Vide, a respeito, o intenso debate sobre a questão da imunidade dos minerais ao Finsocial, nos autos do AGRE 205.355-4/DF (Relator Ministro Carlos Velloso, DJ: 08/11/2002).
[63] Transcrição parcial do voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, nos autos da ADIN 1.441/DF, na qual foi examinada a constitucionalidade da contribuição dos servidores inativos criada pela MP 1.415/96, face ao disposto na EC 3/93 (RTJ 166, p. 893).
[64] A contribuição, a rigor, não se limita apenas ao empregador ou empresa, podendo, em tese, ser exigida de qualquer um que importe bens ou serviços. Outrossim, a adoção do valor aduaneiro como base de cálculo decorre da leitura em conjunto dos arts. 149, §2º, III, ‘a’ e 195, IV, acrescentados à Constituição Federal por intermédio das Emendas Constitucionais ns. 33/01 e 42/03, respectivamente.
[65] Nossa Constituição contempla mais de uma hipótese de figuras unitárias que incidem sobre fatos diversos. Tal se dá até em tema de ICMS, que é um tributo que incide autonomamente sobre circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte e de comunicação, embora com regulação comum e com um traço que lhe dá unidade sistemática que é a não-cumulatividade das várias incidências.
[66]Wagner Ballera assinala que “a onda tecnológica que envolve a humanidade (que é denominada “terceira onda” por Alvin Toffler), está transformando, por completo, a fisionomia das empresas. Grandes contingentes de trabalhadores vão sendo substituídos, gradativamente, pelas máquinas que dão plena conta das tarefas de produção. Por outro lado, há atividades onde, ainda hoje, a mão de obra é empregada em grandes quantidades. Se se onerar apenas a folha de pagamento, a contribuição terá um peso proporcionalmente maior no custo da produção das empresas que empregam mais operários.
Ora, o peso relativo dessas atividades, no conjunto da economia nacional, não difere muito daquele representado pelas empresas onde a automação é mais intensa. Por isso, os estudiosos buscaram elementos que melhor traduzissem a real participação de cada empresa no conjunto da economia, a fim de que a carga fiscal pudesse ser melhor distribuída.
A folha de salários já não era, pois, instrumento suficiente para dimensionar a grandeza do fato – ser empregador – que serve de suporte à contribuição social em estudo. Alguém é qualificado juridicamente como empregador pelo fato de ter e remunerar empregados. Impende relacionar essa situação jurídica (ser empregador) com um dado econômico, o faturamento, (e eu acrescentaria, o lucro), com vista aos objetivos da seguridade social.” (“A Seguridade Social na Constituição de 1988, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1988, página 54).
[67] Daí certamente o porquê do artigo 195 referir-se a empregador ou empresa, ou seja, considerando que nem todo empregador é empresa e que nem toda empresa é empregadora.
[68] O Supremo Tribunal Federal já manifestou entendimento no sentido de que o artigo 145, §1º, da Constituição não se aplica às contribuições “não só porque diz ele respeito a impostos e não aos tributos em geral, mas também porque, a título de reforço, tais contribuições não têm caráter de tributo pessoal, para que se faculte à administração tributária identificar, nos termos da lei, patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos contribuintes” (trecho do voto proferido pelo Ministro Moreira Alves, nos autos da ADMC 2.556/DF – DJ: 08/08/03).
[69] Não infirma as conclusões do texto a referência que o artigo 149 da Constituição faz apenas aos princípios da legalidade e da irretroatividade, com aparente exclusão do da igualdade. De fato, o artigo 150, II, da Constituição Federal, proíbe “qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função” exercida, o que, na verdade, consiste em elemento não muito próprio do princípio em questão. A jurisprudência americana admite diferenças em razão de ocupação profissional ou função, desde que fundadas em critérios razoáveis. No Brasil, em tema de tributos em geral, isso não é possível. Em matéria de contribuições, é. Daí a razão de a elas não se aplicar a regra constitucional mencionada. Aplica-se, contudo, a regra geral de igualdade prevista no artigo 5º da Constituição, cujo conteúdo não é idêntico àquela do artigo 150, inciso II.
[70] Considerando que a contribuição sobre a importação é monofásica, ou seja, incide uma única vez, parece inevitável concluir possa seu valor ser compensado com o devido com base na receita ou o faturamento, de modo a que se viabilize a não-cumulatividade, confirmando serem ambas as contribuições, na verdade, aspectos diversos de uma só contribuição para a seguridade social, devida pelo empregador ou empresa.
[71] Vide a ADIMC 1.432-3 (Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ: 29/11/96), que versava sobre a contribuição social sobre a remuneração de empresários, autônomos, avulsos e demais pessoas físicas criada pela Lei Complementar nº 84/96.
[72] Confira-se, a respeito, o seguinte trecho do voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão, nos autos do já citado RE 146.733-9: “O que veda a Carta, no art. 154, I, é a instituição de imposto que tenha fato gerador e base de cálculo próprios dos impostos nela discriminados. E o que veda o art. 195, § 4º, é que quaisquer outras contribuições, para fim de seguridade social, venham a ser instituídas sobre os fenômenos econômicos descritos nos incs. I, II e III do caput, que servem de fato gerador à contribuição em exame.” No mesmo sentido decidiu-se por ocasião do julgamento do citado RE 228.321-0/RS.
[73] Conforme observado pelo Ministro Moreira Alves, em voto proferido nos autos do RE 258.470-3/RS (DJ: 12/05/00), no qual também se examinava a contribuição da Lei Complementar nº 84/96, a exigência de não-cumulatividade “só pode dizer respeito à técnica de tributação que afasta a cumulatividade em impostos como o ICMS e o IPI – e cumulatividade que, evidentemente, não ocorre em contribuição dessa natureza cujo ciclo de incidência é monofásico -, uma vez que a não-cumulatividade, no sentido de sobreposição de incidências tributárias já está prevista, em caráter exaustivo, na parte final do mesmo dispositivo da Carta Magna, que proíbe nova incidência sobre fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos discriminados nesta Constituição.”.