Veículo: Jornal Valor econômico. São Paulo, 24.set.2014. Caderno Legislação. E-2
Autor(es): Douglas Guidini Odorizzi e Mário Luiz Oliveira da Costa
O governo federal estuda a possibilidade de passar a aceitar a apropriação de créditos de PIS e Cofins em relação a todas as despesas incorridas no exercício das atividades empresariais. Em paralelo, a qualquer momento voltará à pauta de julgamento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recurso especial sobre a amplitude do conceito de insumo tal como previsto nas leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003. O relator do caso é o ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Aguarda-se, também, o oportuno julgamento do tema atinente à não cumulatividade destas contribuições pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O relator do caso, com repercussão geral, é o ministro Luiz Fux.
O aspecto principal a ser definido é se a não cumulatividade de que se cuida deve ser plena e integral. A Constituição Federal (artigo 195, parágrafo 12) outorga competência à lei ordinária para selecionar os setores da atividade econômica sujeitos à sistemática não cumulativa de apuração das contribuições sobre a receita. Embora o texto tenha eficácia limitada no que respeita à implementação do regime, na medida em que a parte inicial do dispositivo exige a produção de norma legal que defina os contribuintes a ele sujeitos, a parte final do parágrafo tem eficácia plena, quando determina que, definidos os setores, as contribuições “serão não cumulativas”. Trata-se de conteúdo preceptivo mínimo a ser observado, sob pena de tornar ineficaz a própria norma constitucional.
A não cumulatividade implica, necessariamente, não sobreposição de incidências. É preciso observar que as contribuições em questão – se e enquanto sujeitas ao regime não cumulativo – devem ser neutras, não podendo se tornar um elemento de custo. Se isso ocorrer, o tributo embutido no preço será novamente tributado como se fosse receita. Haverá, então, superposição de incidências (tributação em cascata), tornando a exigência cumulativa, em contraposição ao regime não cumulativo. Para que referido efeito não se verifique, deve ser assegurado o abatimento dos gastos incorridos para a obtenção de receita pela pessoa jurídica ao final de cada período de apuração para somente sobre o resultado líquido calcular-se o devido a título de PIS e de Cofins.
Se o PIS e a Cofins incidem sobre quaisquer receitas, os créditos devem ser considerados sobre quaisquer gastos
Considerando o espectro de incidência do PIS e da Cofins (todas as receitas, independentemente da origem ou denominação), a aquisição de qualquer bem, direito ou serviço, desde que condizente com o objeto social da empresa e cujo valor esteja sujeito à incidência das mesmas contribuições, deve ensejar o crédito do montante equivalente para que a pessoa jurídica possa deduzi-lo dos débitos gerados pelas receitas que vier a auferir. Afinal, se o PIS e a Cofins incidem sobre quaisquer receitas (salvo determinadas exceções), obviamente os créditos devem ser considerados sobre quaisquer gastos incorridos no curso da atividade empresária visando a sua obtenção (observadas as mesmas exceções).
Ora, os gastos que ensejam o direito de crédito como insumos devem vincular-se ao critério material que individualiza as contribuições. Não obstante as leis 10.637, de 2002, e 10.833, de 2003, não tenham conceituado expressamente o termo “insumo” ou o que se deva entender como bens e serviços “utilizados como insumo”, o critério para a identificação do serviço ou bem como tal deve ser sua inerência (assim entendida de forma ampla, não restrita) com o contínuo desenvolvimento da atividade econômica geradora de elementos que acrescem o patrimônio da pessoa jurídica (exame finalístico). Aquilo que é adquirido para auferir receita, já que é o meio para atingir o fim.
Admitir entendimento no sentido de que o conceito de insumo para o PIS e a Cofins está restrito aos gastos com bens e serviços diretamente agregados aos produtos comercializados e aos serviços prestados ou ainda que o legislador poderia criar e suprimir créditos, ao seu alvedrio, implicaria perda de coerência e racionalidade na tributação, caracterizando abuso de poder legislativo, na esteira da jurisprudência do Supremo.
Não se nega que, para conferir segurança jurídica o legislador pode contemplar em lista as aquisições com direito ao crédito (praticabilidade). Todavia, para que não haja desrespeito à lógica interna das contribuições, certo é que referida finalidade deve ser compatibilizada com a não cumulatividade. O fato de o legislador ter liberdade para definir os setores submetidos ao regime não cumulativo e o método para assegurá-lo evidentemente não lhe autoriza estruturá-lo de modo a permitir, naquele mesmo regime e de forma contraditória, a incidência em cascata. Em especial no atual momento econômico pelo qual passa o país, será extremamente salutar se o Judiciário ou mesmo a administração puserem fim à controvérsia.
Mário Luiz Oliveira da Costa e Douglas Guidini Odorizzi são advogados tributaristas em São Paulo e sócios do escritório Dias de Souza Advogados Associados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações