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Artigos - 26/08/21

Depósito bancário de origem comprovada não constitui omissão de renda

Veículo: Conjur
Autor(es): Dr. Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino

O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do artigo 42 da Lei 9.430/1996, que trata como omissão de receita ou de rendimento os depósitos bancários de origem não comprovada pelo contribuinte no âmbito de procedimento fiscalizatório e autoriza a cobrança do Imposto de Renda (IR) sobre os valores. A decisão foi tomada no julgamento do RE 855.649, com repercussão geral reconhecida (Tema 842), na sessão virtual encerrada em 30 de abril último.

Prevaleceu no julgamento o voto do ministro Alexandre de Moraes, sob o entendimento de que a norma não amplia o fato gerador do tributo e não ofende o direito ao sigilo bancário. A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: “O artigo 42 da Lei 9.430/1996 é constitucional”.

Por consequência, devemos verificar a aplicação, pelos nossos tribunais, do quanto disposto no artigo 42 da Lei nº 9.430/96. Essa a sua redação:

“Artigo 42 — Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.
§1º. O valor das receitas ou dos rendimentos omitido será considerado auferido ou recebido no mês do crédito efetuado pela instituição financeira.
§2º. Os valores cuja origem houver sido comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo dos impostos e contribuições a que estiverem sujeitos, submeter-se-ão às normas de tributação específicas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos.
§3º. Para efeito de determinação da receita omitida, os créditos serão analisados individualizadamente, observado que não serão considerados:
I — os decorrentes de transferências de outras contas da própria pessoa física ou jurídica;
II — no caso de pessoa física, sem prejuízo do disposto no inciso anterior, os de valor individual igual ou inferior a R$ 1 mil, desde que o seu somatório, dentro do ano-calendário, não ultrapasse o valor de R$ 12 mil.
§4º. Tratando-se de pessoa física, os rendimentos omitidos serão tributados no mês em que considerados recebidos, com base na tabela progressiva vigente à época em que tenha sido efetuado o crédito pela instituição financeira.
§5º. Quando provado que os valores creditados na conta de depósito ou de investimento pertencem a terceiro, evidenciando interposição de pessoa, a determinação dos rendimentos ou receitas será efetuada em relação ao terceiro, na condição de efetivo titular da conta de depósito ou de investimento.
§6º. Na hipótese de contas de depósito ou de investimento mantidas em conjunto, cuja declaração de rendimentos ou de informações dos titulares tenham sido apresentadas em separado, e não havendo comprovação da origem dos recursos nos termos deste artigo, o valor dos rendimentos ou receitas será imputado a cada titular mediante divisão entre o total dos rendimentos ou receitas pela quantidade de titulares” (grifos do autor).

O caput do artigo 42 da Lei 9430/96 tipifica que se presumem rendimentos omitidos pelo contribuinte, quando este “regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações”.

Assim, comprovada a origem dos rendimentos, descabe a tributação com fundamento no artigo 42 da Lei 9.430/96.

Além disso, nos termos do §2º, mesmo que a comprovação da origem dos depósitos, feita pelo contribuinte, seja representativa de matéria tributável, não incluída entre os rendimentos tributáveis na declaração de ajuste anual, incabível a aplicação das disposições do artigo 42 do diploma legal citado, pois afastada a tipificação para fins da presunção estabelecida.

Não obstante, em sessão de 17/1/2020, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, por meio do Acórdão n° 9101-004.693, decidiu que, mesmo em caso de identificação da origem de depósitos bancários, aplica-se a presunção legal de omissão de receitas prevista no artigo 42 da Lei n° 9.430/96. Esse precedente restou assim ementado:

“IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ) Ano-calendário: 2005 DEPÓSITOS BANCÁRIOS DE ORIGEM NÃO COMPROVADA. DEPÓSITOS BANCÁRIOS DE ORIGEM IDENTIFICADA, MAS NÃO OFERECIDOS À TRIBUTAÇÃO. APLICAÇÃO DO artigo 42 DA LEI Nº 9.430/96. O lançamento com base em presunção legal transfere o ônus da prova ao contribuinte em relação aos argumentos que tentem descaracterizar a movimentação bancária detectada, o que inclui não apenas o ônus da efetiva comprovação da origem dos recursos depositados, mas também o da comprovação do adequado oferecimento da respectiva receita à tributação, no caso de se tratar de receita tributável”.

O contribuinte alegou que na hipótese de haver a identificação da origem do depósito bancário não poderia ser imputada a responsabilidade por omissão de receitas decorrentes de depósitos de origem não comprovada.

A 1ª Turma da CSRF, contudo, sustentou a aplicação do referido dispositivo com base na alegação de que haveria uma distinção entre os conceitos de “identificação” e “comprovação” e que o contribuinte não haveria logrado êxito em demonstrar esse último. Afirmou a CSRF que caberia ao contribuinte “comprovar a origem do depósito, ou seja, cabe-lhe o ônus de demonstrar que aquele específico depósito encontra-se, por exemplo, vinculado ao documento ‘X’, e encontra-se devidamente contabilizado no Livro ‘Y’, na data ‘Z”.

Não compartilhamos com a interpretação dada pela CSRF. Isso porque a legislação autoriza a presunção legal de omissão de rendimentos quando o contribuinte não informa a sua origem. Apenas se não houver tal informação, é que a lei autoriza a presunção de que tais depósitos são receitas ou rendimentos tributáveis omitidos, até porque não tem o Fisco elementos para averiguar a efetiva natureza dos recursos.

Tal situação não ocorre, entretanto, quando se conhece a origem, a conta corrente de um parente, de uma pessoa física qualquer, de uma empresa da qual o contribuinte é sócio etc. Nesses exemplos, não há que se falar em presunção de omissão de rendimentos, mas de identificação da natureza da operação que ensejou a transferência do recurso e, se for o caso, da eventual incidência tributária.

Além disso, a leitura conjunta do caput do artigo 42 com o seu §2° conduz à interpretação de que, para afastar a presunção legal de omissão de rendimentos basta a comprovação da procedência dos recursos. Conhecida esta, cumpre ao Fisco examinar a hipótese de eventual incidência tributária em face de legislação outra que não o próprio artigo 42 da Lei n° 9.430/96.

O artigo 37, caput [1], da Constituição Federal, como se sabe, vincula a atividade administrativa ao princípio da legalidade, o qual reza que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5º, II, da CF/88). Destarte, a atuação da Administração Pública depende da perfeita subsunção da conduta praticada pelo agente público à competência que lhe foi outorgada diretamente pela Constituição ou pelas leis.

Na seara tributária há relevo especial para o respeito à legalidade, com previsão específica no artigo 150, I, da Constituição Federal, que veda à União, aos estados e ao Distrito Federal “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Disso decorre, como desdobramento, ser vedada a exigência de tributos por meio de analogia, como, aliás, expressamente consta do artigo 108, §1º, do Código Tributário Nacional (CTN ou Lei 5.172/66).

Assim, a interpretação dada pela CSRF implica em tributação sem suporte em lei, além de representar a aplicação da analogia para fins de exigência de tributo.

Semelhante conclusão se chega por intermédio de uma análise histórico-legislativa do tema.

Antes do advento da Lei nº 8.021/90, os depósitos bancários, por si só, não representavam rendimentos passíveis de sofrer a incidência do imposto de renda. O antigo Tribunal Federal de Recursos tinha sumulado um entendimento com tal interpretação (Súmula 182 do TFR).

A partir da Lei nº 8.021/90, para presumir que depósitos bancários de origem não comprovada eram rendimentos omitidos, o Fisco passou a ser obrigado a comprovar o consumo da renda representado pelos depósitos bancários de origem não comprovada, a transparecer sinais exteriores de riqueza (acréscimo patrimonial ou dispêndio), incompatíveis com os rendimentos declarados. Essa era a dicção do artigo 6º da Lei nº 8.021/90:

“Artigo 6° — O lançamento de ofício, além dos casos já especificados em lei, far-se-á arbitrando-se os rendimentos com base na renda presumida, mediante utilização dos sinais exteriores de riqueza.
§1°. Considera-se sinal exterior de riqueza a realização de gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte.
§2°. Constitui renda disponível a receita auferida pelo contribuinte, diminuída dos abatimentos e deduções admitidos pela legislação do imposto de renda em vigor e do imposto de renda pago pelo contribuinte.
§3°. Ocorrendo a hipótese prevista neste artigo, o contribuinte será notificado para o devido procedimento fiscal de arbitramento.
§4°. No arbitramento tomar-se-ão como base os preços de mercado vigentes à época da ocorrência dos fatos ou eventos, podendo, para tanto, ser adotados índices ou indicadores econômicos oficiais ou publicações técnicas especializadas.
§5°. O arbitramento poderá ainda ser efetuado com base em depósitos ou aplicações realizadas junto a instituições financeiras, quando o contribuinte não comprovar a origem dos recursos utilizados nessas operações.
§6°. Qualquer que seja a modalidade escolhida para o arbitramento, será sempre levada a efeito aquela que mais favorecer o contribuinte” (grifo do autor).

A partir do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, os valores mantidos em conta de depósito sem comprovação de origem passam a ser rendimentos presumidos. Trata-se de presunção iuris tantum, passível de prova em contrário por parte do contribuinte. Entretanto, caso o contribuinte regularmente intimado não comprove a origem dos valores mantidos em conta de depósito ou investimento, é de se presumir que tais valores foram omitidos da tributação. O artigo 6º, §5º, da Lei nº 8.021/90, que tratava do arbitramento dos rendimentos com base em depósitos bancários, foi expressamente revogado pelo artigo 88, XVIII, da Lei nº 9.430/96.

Portanto, o artigo 42 da Lei nº 9.430/96 atualmente vigente retirou o foco da aplicação dos recursos e concentrou apenas na origem, e mudou completamente a natureza do lançamento, que deixa de ser por arbitramento e passa a ser diretamente por omissão de rendimentos, com base em presunção.

Divergimos, assim, dos que entendem que o termo “origem”, constante do caput do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, refira-se a “causa” ou “à natureza da operação que gerou os recursos creditados”. Não nos parece que o intérprete esteja autorizado a conferir tal extensão ao termo. Ao se referir a origem dos recursos, a lei quer dizer apenas procedência.

Nesse sentido, precedentes da 2ª Turma da CSRF do Carf:

“LANÇAMENTO COM BASE EM DEPÓSITOS BANCÁRIOS. PRESUNÇÃO DE OMISSÃO DE RENDIMENTOS. EXATA CORREPONDÊNCIA DE DATAS E VALORES PARA COMPROVAÇÃO DE ORIGEM. Quando da constatação de depósitos bancários cuja origem reste não comprovada pelo sujeito passivo, de se aplicar o comando constante do artigo 42 da Lei no 9.430, de 1996, presumida, assim a omissão de rendimentos. Nestes casos não há se falar em exata correspondência de datas, valore e depositantes, cabendo tão somente que o contribuinte informe a origem do rendimento” (Ac. nº 9202-007.879, p. em 05/08/2019 — grifo do autor. No mesmo sentido, Ac. nº 9202-007.828, p. em 21/06/2019).

“IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA (IRPF) Ano-calendário: 2002 OMISSÃO DE RENDIMENTOS CARACTERIZADA POR DEPÓSITOS DE ORIGEM NÃO COMPROVADA. INAPLICABILIDADE DA PRESUNÇÃO LEGAL. COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DOS DEPÓSITOS. A possibilidade de aplicação da legislação específica afasta a necessidade de utilização da presunção legal, que é norma excepcional aplicável apenas quando inviável o trabalho do fisco na apuração da omissão de rendimentos” (Ac. nº 9202-008.543, p. em 09/03/2020 — grifo do autor).

“IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA (IRPF) Ano-calendário: 2003, 2004, 2005 COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DOS DEPÓSITOS BANCÁRIOS. FASE DE AUTUAÇÃO. Inviável a manutenção da presunção de rendimentos, com fulcro no artigo 42 da Lei 9430/96, quando o contribuinte comprova a origem dos depósitos” (Ac. nº 9202-008.503, p. em 13/01/2020 — grifo do autor).

Portanto, comprovada a origem, no sentido de procedência, não há mais que se falar em presunção de omissão de receita ou de rendimentos nos termos do artigo 42 da Lei nº 9.430/96, devendo ser aplicadas as normas de tributação específicas (outras), vigentes à época em que auferidos ou recebidos os rendimentos.

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[1] “Artigo 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)”.

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