Veículo: O Globo
Autor(es): Dr. Hugo Funaro
Texto do deputado Dr. Jaziel (PL-CE) promove uma série de alterações no cálculo do tributo estadual. Tributarista diz que proposta é inconstitucional
BRASÍLIA – O texto da proposta que altera a forma como o ICMS é calculado para obter redução no preço dos combustíveis foi aprovado em votação no plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira.
Foram 392 votos favoráveis, 71 contrários e duas abstenções. Os deputados rejeitaram todos os destaques que poderiam alterar o projeto. Agora, o texto seguirá para avaliação do Senado.
O projeto foi abraçado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que decidiu assumir a liderança do debate sobre como conter a alta dos preços dos combustíveis, um dos itens que mais pressiona a inflação em 2021.
O substitutivo apresentado pelo relator, deputado Dr. Jaziel (PL-CE), promove uma série de alterações na forma da cobrança do tributo estadual. Ele determina que as alíquotas do imposto sejam específicas, por unidade de medida adotada, definidas pelos estados e pelo Distrito Federal para cada produto (gasolina, diesel ou etanol).
Alíquotas fixas
As alíquotas específicas do ICMS devem ser fixadas anualmente e irão vigorar por 12 meses.
O texto também determina que a arrecadação dos estados não poderá exceder, em reais por litro, o valor da média dos preços ao consumidor final, considerando o período de dois anos anteriores.
Essa é uma mudança bastante substancial no modelo de cálculo do preço usado pelos estados para definir o ICMS cobrado sobre a gasolina, o diesel e o etanol. Hoje, a cobrança é feita em cima do valor da operação e leva em consideração a variação do preço nos últimos 15 dias.
Agora, passará a ser cobrado um valor pelo litro de combustível, que será fixo por um ano.
Para tributarista, proposta é inconstitucional
Para o tributarista Hugo Funaro, sócio do Dias de Souza Advogados, a proposta aprovada na Câmara é inconstitucional, porque, sob pretexto de tratar de um tema de substituição tributária, acabou limitando a autonomia dos estados.
— Ao dispor sobre substituição tribuária, o Congresso tem que se limitar a fixar regras gerais. O projeto já começa dizendo que os estados não podem manter a cobrança como é hoje (sobre valor de operação), estabelece que é por valor de litro e também limita esse valor, colocando uma média de 24 meses – explica.
E acrescenta:
— O Congresso não pode dizer qual é o máximo que os estados irão cobrar. A Constituição dá essa prerrogativa aos estados. É evidente que todos queremos a redução do preço dos combustíveis e inflação, mas tem formas para isso. Essa é uma forma errada, porque é inconstitucional.
Divergências marcaram tramitação
O relator, Dr. Jaziel, afirmou que propunha uma solução para amortecer a oscilação do preço dos combustíveis e, ao mesmo tempo, respeitar a autonomia dos estados, que poderiam definir as alíquotas do ICMS sobre esses produtos.
Ele também defendeu que a proposta atende a uma demanda da população:
— (A proposta está) atendendo à demanda da sociedade, que tem sofrido com a escalada dos preços dos combustíveis. Nosso substitutivo efetivamente promove significativa redução do preço desses produtos, colaborando, ainda, para a contenção da inflação.
Deputado diz que estados não sofrerão prejuízos
Para o deputado Hildo Rocha (MDB-AM), a ideia do projeto é boa. Mas ele pondera que não vai resolver a questão, tampouco prejudicará os estados:
— O projeto visa a congelar a arrecadação de ICMS, que este ano já aumentou mais ou menos 20% em função da inflação. Os estados arrecadaram mais de R$ 100 bilhões a mais do que o previsto. Então, eu vejo que isso não vai dar prejuízo, como alguns alegam, aos Estados, porque os Estados já estão arrecadando mais. No entanto, nós precisamos também trabalhar a política econômica do Governo Federal, principalmente a política cambial.
Já o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), criticou o projeto, por entender que ele não ataca o problema central dos preços dos combustíveis.
— Nós somos contrários, portanto, a esse PLP não porque, obviamente, sejamos favoráveis ao valor cobrado na bomba do consumidor, do diesel, da gasolina e também ao preço do gás, mas, pelo contrário, porque isso será no máximo paliativo e não resolverá a questão — declarou durante a sessão.
Perdas para estados
A proposta se alinha ao discurso do presidente Jair Bolsonaro, que atribuiu aos estados boa parcela da responsabilidade pelo preço elevado dos combustíveis, apesar de ser o governo federal o controlador da Petrobras e também incidirem tributos federais sobre os combustíveis.
No entanto, críticos ao texto argumentam que ela não ataca a principal questão, que é a política de paridade de preços adotada pela Petrobras, e que faz com que o preço do combustível aqui varie de acordo com a oscilação do mercado internacional.
Um estudo feito pela Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) apontou que a aprovação da proposta derrubaria a arrecadação dos estados e municípios em R$ 24,1 bilhões por ano.
A Febrafite estimou que essa nova metodologia implicaria em perdas de R$ 12,7 bilhões para o tributo cobrado sobre a gasolina, R$ 7,4 bilhões para o diesel e R$ 4 bilhões para o etanol.
O Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), que já havia se posicionado contra a proposta, reiterou a insatisfação com a proposta.
A avaliação é de que o texto vai “agir paliativamente sobre uma parcela de um dos efeitos do aumento de preço do combustível pela Petrobras e continuar ignorando a sua causa, que seguirá operando sobre todos os demais componentes”.
O Comsefaz defende que qualquer alteração no ICMS seja discutida no âmbito da proposta de emenda à Constituição (PEC) 110, em tramitação no Senado Federal, que promove uma ampla reforma sobre os tributos de consumo.