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Artigos - 17/05/21

A TRIBUTAÇÃO DO STREAMING

Veículo: Revista Direito Tributário Atual
Autor(es): Drs. Hugo Funaro e Cesar Augusto Seijas de Andrade

IBDT | INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO TRIBUTÁRIO
Revista Direito Tributário Atual
ISSN: 1415-8124
e-ISSN 2595-6280

 

HUGO FUNARO
MESTRE EM DIREITO ECONÔMICO E FINANCEIRO – USP. ESPECIALISTA EM DIREITO TRIBUTÁRIO – IBDT/IBET. ADVOGADO EM SÃO PAULO. E-MAIL: HUGO.FUNARO@DSA.COM.BR

CESAR AUGUSTO SEIJAS DE ANDRADE
MESTRE EM DIREITO ECONÔMICO E FINANCEIRO – USP. DOUTORANDO EM DIREITO ECONÔMICO E FINANCEIRO – USP. ESPECIALISTA EM DIREITO TRIBUTÁRIO – IBET. ADVOGADO EM SÃO PAULO. E-MAIL: CESAR.ANDRADE@DSA.COM.BR

RESUMO

O artigo analisa qual imposto deve incidir sobre o streaming e conclui que se trata de serviço tributável pelo ISS, por não configurar serviço de comunicação, em conformidade com precedentes do Supremo Tribunal Federal e com o disposto na Lei Complementar n. 157/2016. Depois de definir que os municípios podem cobrar o ISS sobre o streaming, o artigo analisa possíveis conflitos de competência entre essas unidades federadas e alguns critérios para se definir o local do estabelecimento prestador ou o município para o qual deverá ser recolhido o imposto.

Palavras-chave: streaming, conflitos de competência tributária, ISS, ICMS, serviços, estabelecimento prestador

ABSTRACT

The article analyzes which tax should be levied on streaming and concludes that it is a service taxable by the ISS, as it is not a communication service, in accordance with the precedents of the Supreme Court and with the provisions of Complementary Law no. 157/2016. After defining that the municipalities can collect ISS on the streaming services, the article analyzes possible conflicts between such entities and some criteria for defining the location of the establishment rendering the services or which municipality can collect the tax.

Keywords: streaming, tax disputes, ISS, ICMS, services, establishment rendering the services

CONSIDERAÇÕES SOBRE O STREAMING: POTENCIAL CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE ESTADOS E MUNICÍPIOS PARA INSTITUIR O ICMS OU O ISS SOBRE A ATIVIDADE

Até o final dos anos 1990, o conteúdo disponibilizado na internet era estático. Assim, arquivos de vídeo e de áudio eram criados, formatados e disponibilizados para consumo, com transferência integral por meio de download para o solicitante antes de sua utilização. Nesse modelo de negócios, o conteúdo digital é duplicado no banco de dados do consumidor, o que traz dois problemas: o tamanho dos arquivos é muito grande (ocupando muita memória em disco rígido e gerando lentidão na transferência); e o seu valor é mais elevado, em função dos direitos autorais e do risco de reprodução/comercialização não autorizada (“pirataria”).

O streaming surgiu como uma estratégia para contornar esses problemas, pois, em vez de transferir a informação definitivamente para o computador dos usuários, funciona “como um rádio ou uma televisão”, i.e., os arquivos de áudio e vídeo são reproduzidos simultaneamente ao seu recebimento, e nenhum dado é transferido permanentemente ao usuário. O tamanho dos arquivos deixa de ser entrave, porque a mídia pode ser reproduzida de forma célere (após a transferência de pequena quantidade suficiente de dados – cache ou buffer). O streaming também garante maior segurança aos detentores dos direitos autorais, pois o consumidor paga antes de ter acesso aos arquivos de áudio e vídeo e, como não existe armazenamento de dados, há menor risco de “pirataria”. Consequentemente, o conteúdo é disponibilizado por preços mais acessíveis 1.

Os serviços de streaming, em resumo, consistem na cessão temporária do direito de uso de obras audiovisuais (bens móveis incorpóreos) aos assinantes, que podem usar e fruir desse conteúdo dentro dos limites da licença concedida, durante o período da assinatura ou, ainda, durante o período em que o conteúdo estiver disponível. Como a cessão não é definitiva, os direitos de uso ou de exploração das obras audiovisuais permanecem com seus detentores originais (i.e., não há transferência do domínio ou propriedade de tais direitos) 2.

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça examinou o streaming no âmbito do Direito Privado, tendo consignado que se trata de modalidade de exploração econômica de obras audiovisuais a demandar a autorização prévia e expressa dos titulares de direitos autorais. Nesse julgado, o STJ assim definiu o gênero streaming e suas subespécies 3:

“Streaming é a tecnologia que permite a transmissão de dados e informações, utilizando a rede de computadores, de modo contínuo. Esse mecanismo é caracterizado pelo envio de dados por meio de pacotes, sem a necessidade de que o usuário realize download dos arquivos a serem executados. O streaming é gênero que se subdivide em várias espécies, dentre as quais estão o simulcasting e o webcasting. Enquanto na primeira espécie há transmissão simultânea de determinado conteúdo por meio de canais de comunicação diferentes, na segunda, o conteúdo oferecido pelo provedor é transmitido pela internet, existindo a possibilidade ou não de intervenção do usuário na ordem de execução”.

Com a popularização do streaming, seus provedores vêm obtendo mais assinantes a cada dia que passa. Isso chamou a atenção das autoridades fiscais para a necessidade de se regular o regime tributário aplicável à atividade, em especial, com relação à tributação sobre o consumo (como é o caso do ISS, em nível municipal, ou do ICMS, em nível estadual).

Assim, foi editada a Lei Complementar n. 157/2016, que altera a Lei Complementar n. 116/2003 para, dentre outras razões, adicionar novos itens à lista dos serviços tributáveis pelo ISS. Em virtude da Lei Complementar n. 157/2016, a atividade de streaming passou a constar expressamente no item 1.09 da lista de serviços, cuja literalidade é a seguinte:

“1.09 – Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS)”.

Os estados, por seu lado, editaram no âmbito do CONFAZ o Convênio ICMS n. 106/2017, que estabelece as disposições para a cobrança do ICMS sobre as operações com bens e mercadorias digitais, como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializados por meio de transferência eletrônica de dados (cláusula primeira) 4.

O disposto no referido Convênio, em confronto com o item 1.09 da lista de serviços (acrescido pela Lei Complementar n. 157/2016), poderia levar a entendimentos diversos sobre quem é o ente federado competente para tributar o streaming, i.e., estados ou municípios. Poder-se-ia argumentar, ainda a favor da competência dos estados para tributar a atividade, que o streaming constitui serviço de comunicação, devendo ser tributado pelo ICMS nessa modalidade.

Procuraremos demonstrar a seguir que a atividade de streaming deve ser tributada pelo ISS, a partir da edição da Lei Complementar n. 157/2016, por representar serviço segundo a mais recente orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e por estar prevista no rol dos serviços tributáveis pelo imposto municipal. Existem, ainda, potenciais conflitos de competência entre as municipalidades, tendo em vista as dificuldades em se definir o local do fato gerador.

O PAPEL DA LEI COMPLEMENTAR EM DIRIMIR CONFLITOS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: A DEFINIÇÃO DA TRIBUTAÇÃO DO STREAMING PELO ISS A PARTIR DA EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR N. 157/2016

É cediço que entre as funções reservadas constitucionalmente à lei complementar está a definição dos fatos geradores dos tributos, com vistas a bem delimitar a competência tributária outorgada à União, estados, Distrito Federal e municípios e, dessa forma, prevenir bitributação e conflitos federativos decorrentes de invasão de competência alheia, em prejuízo do correto funcionamento do sistema tributário, fundado que está na rígida repartição de receitas tributárias (CF/1988, art. 146) 5.

Coerentemente, ao tratar de serviços que envolvem materialidades passíveis, em tese, de serem alcançadas por ISS e ICMS, dispõe a Lei Complementar n. 116/2003 que:

“Art. 1º. O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

[…]

§ 2º. Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias”.

Logo, se os serviços estiverem previstos em lei complementar como sendo tributáveis pelos municípios, haverá a cobrança do ISS. Mas não basta a previsão na lei complementar que regula o imposto. Para que a incidência do ISS se complete, a legislação municipal também deve prever que determinada atividade constitua fato gerador do imposto.

O STJ sedimentou o entendimento de que a lista de serviços tributáveis pelo ISS é taxativa, i.e., serviços que não estejam arrolados em tal lista não podem ser tributados pelo imposto 6. Em que pese a taxatividade da lista, admite-se que a interpretação dos itens que a compõem seja extensiva. Foi esse o entendimento sedimentado pelo STF com repercussão geral no RE n. 784.439/DF 7, oportunidade em que foi fixada a seguinte tese: “é taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, admitindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva”.

Como visto acima, a Lei Complementar n. 157/2016 acrescentou o item 1.09 à lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003, inserindo no rol das atividades sujeitas à tributação pelo ISS o streaming. Com isso, o legislador complementar atribuiu aos municípios a competência para instituir o ISS sobre a atividade, afastando, por conseguinte, a competência dos Estados.

A “Lei da Reforma do ISS”, como ficou conhecida a Lei Complementar n. 157/2016, teve início no Projeto de Lei do Senado n. 396/2012 (Complementar), de autoria do senador Romero Jucá. Havia no texto original a previsão de inclusão de diversos itens à lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2013, como a “computação em nuvem” (item 1.09) e a “cessão temporária de arquivo de áudio, vídeo e imagem, inclusive por ‘streaming’” (item 1.13), dentre outros. Na Justificação, fez-se menção expressa à jurisprudência do STJ (culminando na Súmula 334) de que o provedor de acesso à internet não presta serviço de comunicação, e sim serviço de valor adicionado, não estando, assim, sob a alça da competência tributária dos estados. Especificamente em relação ao serviço de streaming, a Justificação pondera o seguinte 8:

“De imediato, cabe esclarecer que se trata de atividade de valor adicionado ao serviço de telecomunicação, portanto, sujeita ao ISSQN. Em linhas gerais, trata-se da disponibilização de acesso à informação multimídia (som, imagem e vídeo) para uso temporário em dispositivos computacionais, a exemplo de computadores, ‘tablets’, ‘smartphones’ e outros dispositivos, arquivada pelo prestador, disponibilizada ao usuário, para que este possa reproduzi-la, conforme regras próprias. Como exemplos de mercado cita-se a Itunes Store e o Netflix, ambos prestadores que oferecem serviços de cessão temporária de filmes”.

Porém, houve desconforto com os Fiscos estaduais durante o trâmite legislativo, conforme noticiam os pareceres do Projeto de Lei Complementar n. 366/2013, pelo que se optou por alterar a redação do item, passando por redações intermediárias até se chegar à redação aprovada. Em parecer apresentado no Plenário da Câmara, o deputado Walter Ihoshi afirmou que a redação incluiu a disponibilização de conteúdo via internet na lista de serviços tributáveis pelo ISS, ressalvando a tributação pelo ICMS dos “serviços de acesso condicionado” 9.

Assim, considerando o papel da lei complementar de dirimir conflitos de competência tributária, bem como o trâmite legislativo da Lei Complementar n. 157/2016, pode-se concluir que o Congresso Nacional arbitrou em favor dos municípios a titularidade da competência para cobrar o ISS sobre o streaming, excluindo, por via de consequência, a competência dos estados para cobrar o ICMS sobre tal atividade.

O STREAMING NÃO SE CONFUNDE COM SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO OU COM OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS

Poder-se-ia argumentar, de outro lado, que a Lei Complementar n. 157/2016 teria extrapolado os limites constitucionais sobre a matéria, por atribuir aos municípios competência para instituir o ISS sobre atividade que não configura serviço, ou, ainda, que estaria abrangida pela competência dos estados para cobrança do ICMS, haja vista se tratar de serviço de telecomunicação ou de operação de circulação de mercadorias. Esse raciocínio, porém, não se sustenta diante da jurisprudência firmada pelo STF e pelo STJ.

Com efeito, o art. 155, II, da Constituição Federal outorga competência aos estados e ao Distrito Federal para criar imposto sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.

Em face do rígido sistema de partilha de competências tributárias previsto no texto constitucional, a prerrogativa de instituir imposto sobre serviços de comunicação foi reservada exclusivamente aos estados e ao Distrito Federal (CF, art. 155, § 3º). Por conseguinte, nenhuma lei, nem mesmo de natureza complementar, poderia determinar a incidência de ISS sobre esse tipo de serviço (de comunicação).

Nessa conformidade, o art. 2º, III, da Lei Complementar n. 87/1996, que regula o ICMS nacionalmente (CF, arts. 146, III c/c 155, § 2º, XII), inclui entre as hipóteses de incidência do tributo as “prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.

Para que haja serviço de comunicação sujeito ao ICMS, é necessária a execução de uma atividade em favor de terceiro que possibilite a instauração de uma relação comunicativa entre, pelos menos, dois interessados. Tal atividade pode ser “feita por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza” (Lei Complementar n. 87/1996, art. 12, VII). O essencial é que o meio utilizado tenha por fim viabilizar a troca de mensagens ou informações entre emissor e receptor.

Por isso, o prestador de serviços deve ser alguém estranho ao elo comunicacional instaurado. Sua função é possibilitar que se estabeleça comunicação entre terceiros. Quem simplesmente se comunica com alguém não está prestando serviço de comunicação. É cediço que ninguém pode prestar serviço a si mesmo. Trata-se de relação contratual onerosa e, como tal, exige benefício de terceiro e contrapartida de valor equivalente 10.

Nesse sentido, o serviço de comunicação tributável é aquele prestado como atividade-fim do contribuinte. Ainda que prestadas onerosamente, as atividades como o streaming, que utilizam o serviço de comunicação como “insumo” (atividade-meio), com o objetivo de proporcionar uma nova utilidade ao usuário, agregando valor ao serviço preexistente que as torne inconfundíveis com este, submetem-se a regime jurídico próprio, inclusive sob o aspecto tributário. É o caso dos chamados “serviços de valor adicionado”, que inovam em relação aos serviços de telecomunicação (espécie de serviço de comunicação realizada por meio de processo eletromagnético), sendo o prestador daqueles usuários destes, nos termos dos arts. 60 e 61 da Lei n. 9.472/1997:

“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

[…]

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

§ 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações”.

Tais conceitos encontram-se definitivamente incorporados na jurisprudência do STJ, em face da casuística enfrentada nas últimas décadas, notadamente após a privatização do setor de telecomunicações. Expressão disso é a Súmula 334, segundo a qual: “O ICMS não incide no serviço dos provedores de acesso à Internet”. Assim se entendeu justamente porque o provedor de internet se utiliza do serviço de comunicação prestado pela operadora de telefonia para prestar outro tipo de serviço, distinto daquele. E, como tal, inalcançável pelo ICMS.

Além disso, ao julgar o RE n. 572.020/DF 11, o STF decidiu, com fundamento no art. 60, § 1º, da Lei n. 9.472/1997, que, para fins de incidência do ICMS, serviço de comunicação é “aquele em que um terceiro, mediante prestação negocial-onerosa, mantém interlocutores (emissor/receptor) em contato por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza” 12.

O mesmo entendimento foi perfilhado pela 1ª Seção do STJ, ao julgar o REsp n. 1.176.753/RJ, sob o regime de recursos repetitivos, como se verifica do voto vencedor do ministro Teori Zavascki:

“Tributável, desse modo, é a prestação de serviços de comunicação, ou ‘a atividade de alguém, em caráter negocial, fornecer a terceiros condições materiais para que a comunicação entre eles ocorra’. (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS, 11. ed., 2006, Malheiros, p. 169). Em outras palavras: presta esse serviço aquele que fornece a terceiros, mediante pagamento, os meios indispensáveis à transmissão de mensagens. Meios, aqui, tem o sentido de aparato físico e lógico necessário ao resultado comunicação. Tal atividade se relaciona ‘ao fornecimento dos meios para a transmissão ou recebimento de mensagens e não ao seu próprio conteúdo’, de modo que ‘presta de serviço de comunicação quem fornece o ‘ambiente de comunicação’ (GRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito, 2. ed., São Paulo, Dialética, 2000, p. 122)”.

Na esteira da interpretação firmada pela jurisprudência acerca do sentido e alcance do art. 2º, III, da Lei Complementar n. 87/1996, que orienta e condiciona a produção legislativa dos estados e do Distrito Federal em matéria de ICMS, podem ser tiradas as seguintes conclusões:

a) Só há incidência do ICMS quando se trate de atividade prestada de forma onerosa e qualificada como serviço de comunicação, na medida em que sejam fornecidos meios e condições para a troca de mensagens de qualquer tipo entre determinados interlocutores (receptor e emissor) 13; e

b) Não há incidência do ICMS quando se trata de serviço em que o prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte, com a finalidade de viabilizar execução de atividade que crie utilidade nova, independentemente de autorização, permissão ou concessão pela Anatel.

Consequentemente, não há prestação de serviço de comunicação no streaming. De fato, trata-se de atividade realizada não com o objetivo de proporcionar a troca de mensagens entre terceiros, mas sim de agregar facilidades ao serviço de telecomunicação que lhe dá suporte, podendo inclusive ser desenvolvida por empresa distinta daquela habilitada pela Anatel para prestar serviços de telecomunicações.

De outro lado, não há operação de circulação de mercadorias na hipótese.

A doutrina é praticamente uníssona no sentido de que o fato gerador do ICMS nessa modalidade pressupõe a circulação jurídica de mercadorias, e não a mera circulação física, sendo que essa circulação deve implicar mudança de titularidade ou de patrimônio 14.

A jurisprudência do STF confirma essa premissa, tendo afastado a cobrança do ICMS sobre o arrendamento mercantil internacional, por inexistência de circulação econômica da mercadoria importada 15. Igualmente, o STJ sedimentou que “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte” (Súmula 166), pois não há transferência de titularidade.

O STF também já reconheceu ser irrelevante para a incidência do ICMS que a mercadoria seja um bem corpóreo, admitindo que a circulação jurídica da mercadoria possa ocorrer por meio de transferência eletrônica de dados (em vez de física) 16. No entanto, no streaming não há transferência de domínio que caracterize o fato gerador do imposto.

O art. 481 do Código Civil prevê que “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”, ao passo que o art. 1.267 do mesmo Código determina que a propriedade das coisas não se transfere antes da tradição.

No streaming, porém, inexiste transferência de titularidade dos direitos, eis que se trata de mera cessão temporária de uso que se encerra com o término do contrato firmado entre o provedor de streaming e o assinante, podendo, inclusive, haver alterações no conteúdo disponibilizado ao usuário durante a vigência do contrato. Tendo em vista que não há circulação jurídica de mercadorias, caracterizada pela mudança de patrimônio dos direitos transacionados, não há, obviamente, que se falar na incidência do ICMS.

Nesse sentido, deve-se compatibilizar o Convênio ICMS n. 106/2017 com a Lei Complementar n. 157/2016. Deveras, preceitua o item 1.09 da lista de serviços que a cessão tributada pelo ISS é aquela “não definitiva”, ao passo que o aludido Convênio ICMS, numa interpretação sistemática, deve ser compreendido no sentido de que existe a transferência de titularidade para que se perfaça o fato gerador do ICMS 17. O Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo acatou o entendimento de acordo com o qual a Lei Complementar n. 157/2016 solucionou o conflito de competência para a tributação das atividades de streaming em favor dos municípios, ao estatuir que deverá haver a incidência do ISS 18 – a não ser que se trate de serviço de acesso condicionado previsto na Lei n. 12.485/2011, pois, nesse caso, a própria Lei Complementar n. 157/2016 preconiza a cobrança do ICMS 19.

O STREAMING É ATIVIDADE PASSÍVEL DE INCLUSÃO NA LISTA DE SERVIÇOS SUJEITOS AO ISS. O CONCEITO DE SERVIÇOS PARA EFEITOS TRIBUTÁRIOS. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF

Por fim, resta examinar se a Lei Complementar n. 157/2016 determinou a incidência do ISS sobre atividade (streaming) que não configura prestação de serviços, pelo que se deveria afastar também a competência dos municípios para a cobrança do imposto.

A definição do que é “serviço” não é unânime na doutrina, e existem ao menos duas correntes divergentes, que foram firmadas para se definir a materialidade tributável pelo ISS.

A primeira delas, defendida por Bernardo Ribeiro de Moraes, sustenta que o serviço seria um bem imaterial (resultado da atividade, e não ela em si). Em decorrência disso, o ISS oneraria a circulação de bens imateriais (em contraposição à circulação de bens materiais, que seria tributável pelos estados por meio do ICMS), como se lê do trecho abaixo 20:

“O conceito de serviço é outro, que se acha radicado na economia. Já vimos que serviço é a atividade realizada, da qual não resulta um produto material industrial ou agrícola. Para a ciência econômica, a atividade que interessa é a que se dirige para a produção de bens econômicos (criação de bens úteis), que podem ser tanto bens materiais como bens imateriais. Levando-se em conta esse resultado da atividade sob a forma de bem imaterial, chegamos ao conceito de serviço. Esse pode ser conceituado como o ‘produto da atividade humana destinado à satisfação de uma necessidade (transporte, espetáculo, consulta médica), mas que não se apresenta sob a forma de bem material’. O ISS é, assim, um imposto sobre serviços de qualquer natureza, ou melhor, um imposto que recai sobre bens imateriais que circulam. Grava a venda de serviços”.

A segunda corrente adota viés civilista e defende que a prestação de serviço envolve uma obrigação de fazer em oposição a uma obrigação de dar. O núcleo da incidência do ISS seria a atividade, e não o seu resultado. Nessa linha, Aires Fernandino Barreto assevera que “serviço é esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial” 21.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da conceituação de serviços para efeitos tributários foi elaborada a partir de decisões que analisaram o aspecto material do ISS, em especial, se a locação de bens móveis se submeteria ou não ao imposto.

Inicialmente, o STF vinha decidindo que a locação de bens móveis estaria sujeita ao ISS, fazendo uma interpretação histórica, com referência à redação original do art. 71, § 1º, do Código Tributário Nacional 22 e ao fato de o ISS ser o sucessor do imposto sobre profissões e indústrias, que onerava o aluguel de veículos, tratores, máquinas, roupas, instrumentos e móveis. Além disso, o conceito de serviços então adotado pelo STF dizia mais respeito à utilidade econômica gerada para o tomador do que à condição de existir uma obrigação de fazer ou de dar por parte do prestador 23.

Posteriormente, verificou-se uma guinada na jurisprudência da Suprema Corte, que decidiu que a incidência do ISS pressupõe a prática de atos que configurem uma obrigação de fazer do prestador em relação ao contratante (i.e., um “esforço humano”). Assim, o STF afastou a cobrança do ISS sobre a locação de guindastes, por entender que não haveria na hipótese prestação de serviços sujeita ao imposto 24, precedente que levou o presidente da República a vetar, por inconstitucionalidade, o item 3.01 na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 (“locação de bens móveis”), bem como à edição da Súmula Vinculante 31 25.

Essa interpretação ficou de certa forma superada, quando o STF analisou a incidência do ISS sobre contratos de arrendamento mercantil. Nesse precedente, o STF passou a afirmar que, em vista da variedade de acordos passíveis de serem firmados no Direito Privado, caso a obrigação contratual resulte numa utilidade que não se limite apenas à entrega de um bem, é possível que sobre ela haja a incidência do ISS. A Suprema Corte entendeu, assim, que pode ser cobrado o ISS no leasing financeiro e no lease-back, porque tais operações possuem como núcleo o financiamento, que seria um serviço financeiro, sendo irrelevante a possibilidade de compra do bem. De outro lado, foi afastada a cobrança do ISS sobre o leasing operacional, uma vez que essa modalidade envolveria mera locação de bens 26.

Seguindo nessa toada, a 2ª Turma do STF admitiu a cobrança do ISS sobre a cessão do direito de uso de marca, que não foi considerada locação de bem móvel, e sim “serviço autônomo especificamente previsto na Lei Complementar 116/2003” (item 3.02 do Anexo) 27.

Depois disso, o STF concluiu pela incidência do ISS sobre as atividades das operadoras de planos de saúde, pois o núcleo do contrato com os respectivos clientes é a disponibilidade ao usuário de rede credenciada e a garantia de cobertura para os infortúnios previstos no contrato. Assim, o STF assentou que “as operadoras de planos privados de assistência à saúde (plano de saúde e seguro-saúde) realizam prestação de serviço sujeita ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN” 28. Mais recentemente, o STF decidiu que o ISS incide sobre os contratos de franquia, tendo o relator, ministro Gilmar Mendes, apontado que a jurisprudência da Corte é no sentido de que o imposto municipal onera “tanto obrigações de fazer quanto obrigações mistas, que também incluem uma obrigação de dar” 29. Igualmente, a Suprema Corte assentou que, nas relações mistas ou complexas em que não seja possível dissociar de forma clara as obrigações de dar e de fazer, e estando a atividade prevista em lei complementar como sujeita à incidência do ISS (CF, art. 156, III), deverá ser cobrado, a priori, o ISS 30.

Portanto, o STF vem utilizando, nos últimos precedentes, interpretação mais ampla do que vem a ser prestação de serviço, se apartando de certa forma da dicotomia “obrigação de dar” e “obrigação de fazer”. Embora ainda afaste a tributação das obrigações de dar pelo ISS (caso da locação), o Tribunal vem entendendo que atividades que gerem uma utilidade para terceiro, ainda que não representem em sentido estrito um “esforço humano”, estão submetidas à incidência do imposto.

Assim, considerando o entendimento do STF sobre a matéria, o streaming pode ser considerado como serviço, tributável pelo ISS 31. Havendo previsão em lei complementar incluindo a atividade na lista de serviços tributáveis pelo imposto, basta aos municípios adequar suas respectivas legislações a fim de cobrar a exação. Isso leva a potenciais conflitos de competência entre as diversas municipalidades no território nacional.

LOCAL DA PRESTAÇÃO E POTENCIAIS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA ENTRE OS MUNICÍPIOS

O ISS é devido, como regra, no local do estabelecimento do prestador. Contudo, os incisos do art. 3º da Lei Complementar enumeram as hipóteses em que o ISS é devido no local da prestação.

No caso do streaming, aplica-se em princípio a regra geral, sendo devido o ISS no local do estabelecimento prestador. Este é considerado pela legislação complementar como o “local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contrato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas” (art. 4º da Lei Complementar n. 116/2003). De fato, não faria sentido que o ISS sobre o streaming fosse devido aos municípios onde residem os assinantes, pela absoluta impossibilidade prática de os provedores possuírem cadastro em quase todos os municípios brasileiros e recolherem, de forma individualizada, o ISS para cada um deles.

Ocorre, de outro lado, que as empresas de streaming estão espalhadas por todo o globo, e nem sempre há coincidência entre o local onde está o servidor, o local onde está o escritório operacional e o local onde está o escritório administrativo, o que dificulta a correta identificação do local do estabelecimento prestador. Na ausência de estabelecimento prestador, o art. 3º, caput, da Lei Complementar n. 116/2003 estabelece que o ISS será devido “no local do domicílio do prestador”. Parece correto adotar, nesse caso, o entendimento acolhido pela 1ª Seção do STJ no precedente que definiu o município competente para a cobrança do ISS nos serviços de arredamento mercantil, a saber, o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional com poderes decisórios para que seja aperfeiçoado o núcleo da operação que caracteriza o fato gerador do tributo (i.e., o fornecimento do streaming ao assinante) 32.

Assim, é lícito concluir que, havendo estabelecimento da empresa de streaming no Brasil, deve o ISS ser recolhido para o município em que localizado tal estabelecimento.

A maior controvérsia surge, em verdade, na hipótese de a empresa não possuir estabelecimento no Brasil, pois, nesse caso, não se poderiam aplicar os arts. 3º e 4º da Lei Complementar n. 116/2003 para definir o município competente para a cobrança do imposto.

Poder-se-ia cogitar a cobrança do ISS na modalidade “importação”, conforme autoriza o art. 1º, § 1º, da Lei Complementar n. 116/2003 33. Nesse caso, o fato gerador do ISS seria caracterizado no local “do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado” (art. 3º, I, da Lei Complementar n. 116/2003), e o legislador municipal poderia atribuir responsabilidade pelo pagamento do tributo aos contratantes, em conformidade com o art. 6º, § 2º, I, da Lei Complementar n. 116/2003. Considerando, porém, que os contratantes são, em grande parte, pessoas físicas, a atribuição de responsabilidade tributária tornaria extremamente complexa a cobrança e a fiscalização do tributo, o que poderia conduzir à ineficácia técnica da norma de tributação.

Uma alternativa seria atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do ISS ao procurador da pessoa jurídica estrangeira (como prevê a legislação federal no caso de ganho de capital auferido por pessoa residente ou domiciliada no exterior) 34, mas ela apresenta alguns problemas. Primeiro, pode não haver procurador no Brasil, levando a norma à inocuidade. Segundo, inexiste previsão na lei complementar que autorize a atribuição de responsabilidade tributária ao procurador em matéria de ISS, e o “domicílio do procurador” não equivale ao “domicílio do prestador” (art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003). Terceiro, ainda que se pretenda recorrer à norma geral de atribuição de responsabilidade a terceiros prevista no art. 6º, caput, da Lei Complementar n. 116/2003, exige-se que o responsável esteja de algum modo vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação, o que não ocorre no caso do procurador, que é mero representante da companhia prestadora de serviços, não detendo, necessariamente, poderes ou disponibilidade financeira para pagamento do tributo.

Para contornar esses entraves e viabilizar a cobrança do ISS, uma alternativa seria atribuir a responsabilidade pelo recolhimento do imposto a pessoas jurídicas que detêm os meios de pagamento ao prestador de serviços, como operadoras de cartão de crédito. Neste caso, haveria vínculo suficiente com o substrato econômico do fato gerador, na medida em que o intermediário financeiro paga o prestador de serviço por conta e ordem do tomador, o que lhe permite reter e recolher o tributo, mediante o respectivo desconto do valor a ser repassado ao prestador 35. Com isso, restariam atendidos os limites à substituição tributária, já reconhecidos pela jurisprudência do STF, como a razoabilidade e a proporcionalidade 36. Situação análoga ocorreu, por exemplo, na cobrança da extinta CPMF, em que o fato gerador do tributo era (dentre outros) o lançamento a débito, por instituições financeiras, em contas correntes de depósito, de empréstimo, de poupança etc., sendo contribuintes os titulares das contas. Os responsáveis pela retenção e recolhimento da CPMF, no entanto, eram as instituições financeiras 37, independentemente do negócio jurídico que propulsionou a movimentação financeira (do qual a instituição financeira frequentemente não era parte) 38.

De outro lado, caso seja eleito como sujeito ativo do ISS o município do domicílio do tomador dos serviços (na mesma toada da Lei Complementar n. 157/2016, que incluiu o inciso XXIV ao art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003), também haverá a provável ineficácia técnica da norma de tributação, eis que as administradoras de cartão de crédito não possuem meios hábeis para recolher o ISS para praticamente todos os municípios da Federação. Válido citar, a esse respeito, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que concedeu a medida cautelar pleiteada na ADI n. 5.835/DF para suspender a eficácia do inciso XXIV do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 pela dificuldade de sua aplicação e pela possibilidade de esta gerar conflitos de competência 39. A questão, como se vê, não é de simples solução.

CONCLUSÃO

Na esteira do atual entendimento do STF a respeito do conceito de serviços para efeitos de tributação pelo ISS, a atividade de streaming pode se submeter à cobrança do imposto, tendo o requisito da previsão em lei complementar sido preenchido com a edição da Lei Complementar n. 157/2016, que acrescentou o item 1.09 à lista de serviços anexa à Lei Complementar n. 116/2003. Em função disso, o streaming passou a ser considerado serviço tributável pelo ISS, o que, por si só, afasta a possibilidade de cobrança do ICMS. Além disso, não há circulação de mercadorias, nem serviço de comunicação, por se tratar de serviço de “valor adicionado”, na esteira da jurisprudência do STJ.

Há controvérsias sobre o município competente para a cobrança do ISS sobre o streaming, tendo a lei complementar optado pelo município do local do estabelecimento do prestador. Na dúvida sobre qual seria tal município, deve-se apontar aquele com poderes decisórios para a realização do fato gerador do ISS (o fornecimento do streaming). De outro lado, não possuindo o prestador estabelecimento no Brasil, poder-se-ia, como alternativa, eleger os detentores dos meios de pagamento aos prestadores de serviços (e.g. as operadoras de cartão de crédito) como responsáveis pelo pagamento do ISS.

REFERÊNCIAS

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  1. RAYBURN, Dan. Streaming and digital media: understanding the business and technology. Burlington: Focal Press, 2007, p. 22-24.
  2. As cláusulas previstas nos “termos de uso” da Netflix permitem que se extraiam as seguintes conclusões sobre a utilidade que é oferecida aos assinantes: (i) acesso limitado, não exclusivo e intransferível ao conteúdo (filmes e séries) para uso pessoal; (ii) não há cessão definitiva do conteúdo ou dos direitos autorais a ele relativos; (iii) o conteúdo não pode ser reproduzido fora dos limites previstos; (iv) o assinante deve contratar o acesso à internet à parte do streaming, com outros fornecedores. (NETFLIX MEDIA CENTER. Termos e condições do Netflix Media Center. c2020. Disponível em: https://media.netflix.com/pt_br/terms-and-conditions. Acesso em: 9 jan. 2021). Os “termos e condições de uso” do Spotify vão na mesma linha e deixam claro que a cessão (licença) dos direitos de uso é limitada (inexistindo, pois, a “venda” do seu conteúdo para o usuário) (SPOTIFY. Termos e condições de uso do Spotify. c2021. Disponível em: https://www.spotify.com/br/legal/end-user-agreement/#:~:text=Se%20voc%C3%AA%20comprar%20uma%20Assinatura,servi%C3%A7o%20Spotify%20durante%20esse%20per%C3%ADodo. Acesso em: 9 jan. 2021). ↩
  3. REsp n. 1.559.264/RJ, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, DJe 15.02.2017.
  4. Válido destacar que a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) propôs a ADI n. 5.958/DF objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Convênio ICMS n. 106/2017 e a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 2º, I, da Lei Complementar n. 87/1996, para afastar “qualquer possível interpretação que permita a incidência do ICMS sobre operações de transferência eletrônica de softwares e congêneres”. Ao apreciar o pedido de medida cautelar, o então relator ministro Dias Toffoli determinou a aplicação do procedimento abreviado previsto no art. 12 da Lei n. 9.868/1999, para que a decisão seja tomada em caráter definitivo. Contudo, o feito ainda aguarda julgamento, agora sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia. De outro lado, está em curso o julgamento de duas ADIs (5.659 e 1.945) em que se discute a incidência do ICMS sobre softwares, e até o momento sete ministros (Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux) votaram pela cobrança do ISS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de software, padronizado ou por encomenda. De acordo com o entendimento acolhido pelos citados ministros, a elaboração de softwares é um serviço que resulta do esforço humano, havendo obrigação de fazer na sua confecção, no esforço intelectual e nos demais serviços prestados ao usuário. Já os ministros Cármen Lúcia e Edson Fachin entenderam que a atividade se submete à cobrança do ICMS, por se tratar de criação intelectual produzida em série destinada à atividade mercantil. O ministro Gilmar Mendes adotou entendimento intermediário, admitindo a incidência do ISS sobre os softwares desenvolvidos de forma personalizada e a incidência do ICMS sobre os softwares padronizados, comercializados em escala industrial e massificada. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques.

  5. É o que se colhe, v.g., da decisão proferida pelo STF no RE n. 361.829/RJ (rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 24.02.2006): “A lei complementar, portanto, que definirá os serviços sobre os quais incidirá o ISS tem por finalidade, sobretudo, afastar os conflitos de competência, em matéria tributária, entre as entidades políticas que compõem o Estado Federal brasileiro”.
  6. Cf. REsp n. 1.111.234/PR, rel. min. Eliana Calmon, Primeira Seção (recursos repetitivos), DJe 08.10.2009.
  7. Rel. min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, DJe 15.09.2020.
  8. Texto inicial do Projeto de Lei do Senado n. 386/2012. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=4168340&ts=1548954961252&disposition=inline. Acesso em: 9 jan. 2021.
  9. A definição do serviço de acesso condicionado está prevista no art. 4º do Anexo à Resolução n. 581/2012, do Conselho Diretor da Anatel, e se refere basicamente aos serviços de TV por assinatura:

    “Art. 4º. O SeAC é o serviço de telecomunicações de interesse coletivo, prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais de programação nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de Canais de Programação de Distribuição Obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer.

    § 1º Incluem-se no serviço a interação necessária à escolha de conteúdo audiovisual, à aquisição de canais de programação nas modalidades avulsas e outras aplicações inerentes ao serviço.

    § 2º Entende-se como interação qualquer processo de troca de sinalização, informação ou comando entre a URD e os equipamentos e sistemas da Prestadora.

    § 3º O SeAC é considerado, para todos os efeitos, serviço de televisão por assinatura.

    § 4º O SeAC é sucedâneo do TVC, do MMDS, do DTH e do TVA” (AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES. Conselho Diretor. Resolução n. 581, de 26 de março de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28.03.2012).

  10. Como expõe Roque Antonio Carrazza: “Um dado, porém, é incontroverso: de per si, o fato físico comunicação não é suficiente para ensejar o nascimento do dever de recolher o ICMS. A comunicação – tornamos a insistir – somente o determinará se derivar de um contrato oneroso firmado entre as partes interessadas”. Por isso, o fato gerador do ICMS “é prestar a terceiros (um tomador e um receptor), em caráter negocial, um serviço de comunicação, tendente a produzir-lhes uma utilidade. Reafirmamos, portanto, que o tributo em estudo nasce do fato de uma pessoa prestar a terceiros, mediante contraprestação econômica, serviços de comunicação. Ou, se preferirmos: seu fato imponível ocorre quando duas pessoas, valendo-se dos meios mecânicos, elétricos, eletrônicos etc., diretamente propiciados, em caráter negocial, por um terceiro, passam a interagir, trocando mensagens e informações” (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 241 e 253, destaques do original).

  11. Rel. p. acórdão min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 13.10.2014.
  12. Em linha com essa interpretação, o STF definiu que a tarifa de assinatura básica mensal deve integrar a base de cálculo do ICMS-comunicação, por se tratar de contraprestação pelo serviço de comunicação propriamente dito prestado por concessionárias de telefonia, eis que consiste no fornecimento das condições materiais para que ocorra a comunicação entre o usuário e terceiro (RE n. 912.888/RS, rel. min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 10.05.2017).
  13. É o que diz textualmente a ementa do REsp n. 402.047/MG: “1. Há ‘serviço de comunicação’ quando um terceiro, mediante prestação negocial-onerosa, mantém interlocutores (emissor/receptor) em contato ‘por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza’” (rel. min. Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, DJ 9.12.2003).
  14. Cf. MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 14-15.
  15. Cf. RE n. 226.899/SP, rel. min. Rosa Weber, rel. p. acórdão min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 12.12.2014.
  16. Cf. ADI n. 1.945 MC/MT, rel. min. Octavio Gallotti, rel. p. acórdão min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 14.03.2011.
  17. Diga-se, aliás, que não cabe ao Convênio ICMS dispor sobre o fato gerador do ICMS ou a responsabilidade do seu recolhimento, porque tal matéria é de competência da lei complementar. Sobre o tema, cf. decisão monocrática proferida pela ministra Cármen Lúcia, na qualidade de presidente do STF, nos autos da ADI n. 5.866/DF, proposta em face do Convênio ICMS n. 52/2017.
  18. Cf. Processo DRT 05 n. 4069824-5, rel. Rodrigo Pansanato Osada, Décima Segunda Câmara Julgadora, j. 31.08.2018.
  19. Cf. Processo DRT 05 n. 4068138-5, rel. Rodrigo Pansanato Osada, Décima Segunda Câmara Julgadora, j. 29.06.2018.
  20. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo: RT, 1975, p. 84.
  21. BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 62 (destaques nossos).
  22. “§ 1º Para os efeitos deste artigo, considera-se serviço: I – o fornecimento de trabalho, com ou sem utilização de máquinas, ferramentas ou veículos, a usuários ou consumidores finais; II – a locação de bens móveis; III – locação de espaço em bens imóveis, a título de hospedagem ou para guarda de bens de qualquer natureza”.
  23. Cf. RE n. 112.947/SP, rel. min. Carlos Madeira, Segunda Turma, DJ 07.08.1987 e RE n. 113.383/SP, rel. min. Oscar Correa, Primeira Turma, DJ 29.04.1988, dentre outros.
  24. Cf. RE n. 116.121/SP, rel. p. acórdão min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ 25.05.2001.
  25. “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”.
  26. Cf. RE n. 547.245/SC e RE n. 592.905/SC, rel. min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe 05.03.2010.
  27. Rcl n. 8.623 AgR/RJ, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 10.03.2011.
  28. Cf. RE n. 651.703/PR, rel. min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 26.04.2017.
  29. RE n. 603.136/RJ, rel. min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 16.06.2020.
  30. ADI n. 3.142/DF, rel. min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 09.10.2020.
  31. Diverge desse entendimento Betina Treiger Grupenmacher, para quem “os serviços over-the-top transmitidos por streaming são disponibilizações de conteúdo de áudio e vídeo sem cessão definitiva, em razão do que possuem a natureza jurídica de cessão de direitos e as cessões de direitos não se equiparam às prestações de serviços, em consequência sua receita não pode sofrer a incidência do ISS” (GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tributação do streaming e serviços over-the-top. In: PISCITELLI, Tathiane (coord.). Tributação da economia digital. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 329, destaques do original).
  32. REsp n. 1.060.210/SC, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 05.30.2013 – recurso repetitivo, temas 354, 355. Em sentido semelhante, embora trate de hipótese diversa, o STJ entendeu que o ISS seria devido integralmente para o município do local da obra no caso de serviço de construção civil, ainda que o contrato estabelecesse diversas etapas realizadas fora da obra e em município diverso. Para o STJ, a obra deveria ser considerada uma universalidade, sem divisão das etapas de execução para efeitos do recolhimento do ISS (REsp n. 1.117.121/SP, rel. min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 29.10.2009 – recurso repetitivo, tema 198).
  33. “§ 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País”.
  34. É o que prevê o art. 26 da Lei n. 10.833/2003: “Art. 26. O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente sobre o ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que alienar bens localizados no Brasil”.
  35. De fato, o vínculo com o fato gerador é imprescindível para que o sujeito passivo possa, na relação mantida com a pessoa que praticou o fato gerador do tributo, recuperar o ônus fiscal, seja mediante repasse, seja mediante desconto. Cf. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 229-230.
  36. “[…] 1. Na substituição tributária, sempre teremos duas normas: a) a norma tributária impositiva, que estabelece a relação contributiva entre o contribuinte e o fisco; b) a norma de substituição tributária, que estabelece a relação de colaboração entre outra pessoa e o fisco, atribuindo-lhe o dever de recolher o tributo em lugar do contribuinte. 2. A validade do regime de substituição tributária depende da atenção a certos limites no que diz respeito a cada uma dessas relações jurídicas. Não se pode admitir que a substituição tributária resulte em transgressão às normas de competência tributária e ao princípio da capacidade contributiva, ofendendo os direitos do contribuinte, porquanto o contribuinte não é substituído no seu dever fundamental de pagar tributos. A par disso, há os limites à própria instituição do dever de colaboração que asseguram o terceiro substituto contra o arbítrio do legislador. A colaboração dele exigida deve guardar respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não se lhe podendo impor deveres inviáveis, excessivamente onerosos, desnecessários ou ineficazes. […]” (RE n. 603.191/MT, rel. min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe 05.09.2011).
  37. Lei n. 9.311/1996, arts. 2º, I, 4º, I e 5º, I.
  38. Ao comentar o art. 128 do CTN, Luís Eduardo Schoueri assevera que o substituto não pode ser qualquer pessoa, porque o fato gerador do tributo é imputável ao contribuinte, e não ao terceiro. Daí por que “o legislador complementar pressupõe que o substituto esteja suficientemente vinculado ao fato jurídico tributário, de modo a ressarcir-se do valor pago, ou mesmo reter o tributo”. Mais adiante, o autor enfrenta a questão relativa à aplicação do art. 128 do CTN à substituição tributária “para frente” (CF, art. 150, § 7º), dada a dificuldade de se estabelecer o vínculo entre o fato gerador do tributo (que sequer ocorreu) e o substituto (que não integra a relação jurídica objeto da tributação, que ocorrerá posteriormente à operação própria), e conclui o seguinte: “Se o fato jurídico tributário, posto que provável, ainda não ocorreu, não há como determinar quem seja a ele vinculado. Por outro lado, tampouco se admitiria que o substituto fosse completamente estranho à situação que constituirá, no futuro, o fato jurídico tributário. Afinal, deve-se ter em mente que é do contribuinte que se espera venham os recursos para o pagamento do tributo. O fato de o legislador definir terceiro como sujeito passivo não afasta a circunstância de que o fato jurídico tributário – fundamento imediato da tributação – é imputável ao contribuinte, não ao terceiro. Este deve, daí, ter condições de se ver ressarcido por aquele, já que antecipou recurso cuja dívida (‘Schuld’) não gerou. Daí a ideia de o substituto antecipar o contribuinte na cadeia de consumo, ressarcindo-se, por meio do preço, do tributo antecipado. Vê-se daí que a substituição ‘para frente’ adapta-se aos tributos plurifásicos sobre o consumo, quando um agente econômico recolhe, ao lado do tributo devido em nome próprio […], outro montante, a título de antecipação daquele tributo que poderá vir a ser devido quando o produto passar pelas etapas seguintes de produção e comercialização. O referido agente econômico será, portanto, sujeito passivo na qualidade de contribuinte, no que se refere ao primeiro montante e na qualidade de substituto, no montante concernente ao fato presumido” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva: 2017, p. 589 e 591).

  39. Confira-se trecho da decisão mencionada: “Diferentemente do modelo anterior, que estipulava, para os serviços em análise, a incidência tributária no local do estabelecimento prestador do serviço, a nova sistemática legislativa prevê a incidência do tributo no domicílio do tomador de serviços. Essa alteração exigiria que a nova disciplina normativa apontasse com clareza o conceito de ‘tomador de serviços’, sob pena de grave insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação, ou mesmo inocorrência de correta incidência tributária. A ausência dessa definição e a existência de diversas leis, decretos e atos normativos municipais antagônicos já vigentes ou prestes a entrar em vigência acabarão por gerar dificuldade na aplicação da Lei Complementar Federal, ampliando os conflitos de competência entre unidades federadas e gerando forte abalo no princípio constitucional da segurança jurídica, comprometendo, inclusive, a regularidade da atividade econômica, com consequente desrespeito à própria razão de existência do artigo 146 da Constituição Federal” (j. 23.03.2018)