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Artigos - 14/04/22

Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino publica artigo sobre “A transação tributária e a Estrita Legalidade”.

Veículo: Análise
Autor(es): Dr. Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino

Tendo como tema a linha tênue entre Administração e o Direito Tributário, o presente texto irá discorrer sobre a transação tributária e sua relação com a Estrita Legalidade.

A transação tributária, como se sabe, está prevista no art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual “a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário“.

O CTN exige, portanto, que haja lei ordinária que preveja os contornos da transação. A mesma exigência pode ser extraída do § 6º do art. 150 da Constituição Federal, inserido pela EC 3/1993, pois “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g“.Com base nesse arcabouço normativo, a Lei nº 13.988, de 2020, conhecida como “Lei da Transação Fiscal”, estabelece, dentre outras coisas, parâmetros permanentes para que os contribuintes possam obter descontos e parcelamentos para pagar tributos inscritos ou não em Dívida Ativa da União.Trata-se de solução institucional que se afasta do modelo que considera exclusivamente o interesse privado, sem qualquer análise casuística do perfil de cada devedor e, consequentemente, aproxima-se de diretriz alinhada à justiça fiscal, pautando o instituto sob o viés da conveniência e da ótica do interesse da arrecadação e do interesse público. Não por acaso o art. 1º, § 2º, da Lei 13.988, de 2020 estabelece que “serão observados, dentre outros, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade“.

A despeito das especificidades dessa Lei Federal, parece não haver dúvidas quanto à necessidade de previsão em lei ordinária para que se opere a transação tributária.

Entretanto, devemos verificar a existência de eventual incompatibilidade da transação com o princípio da Legalidade Estrita em matéria tributária (art. 5º, II e art. 150, I, ambos da CF/88). Em outras palavras, devemos examinar o grau de exatidão que a lei ordinária que disciplina a transação tributária necessita ter.

Isso porque, o fato de a lei prever que o ajuste de vontade possa ser utilizado como instrumento de determinação de um objeto litigioso, fixando-lhe um sentido único da interpretação legal, de forma a permitir a aplicação pacificada do Direito e a consequente extinção do crédito tributário, não retira deste ato consensual nem a origem legal, nem a vinculação à lei do procedimento de cobrança, conforme já explanado.

A estrita legalidade não permite o exercício de discricionariedade por parte das Autoridades Administrativas em matéria tributária, de modo que não é dado à lei que versa sobre transação ser tão ampla a ponto de conferir aos servidores públicos o exercício de juízo de conveniência e oportunidade quanto à diminuição de multas e juros decorrentes do tributo.

O critério decisório deverá estar previsto em lei, não se admitindo conferir à Autoridade Administrativa margem de decisão quanto a aspectos como obrigação tributária, penalidades, acréscimos legais e aspectos instrumentais.

Na verdade, em matéria de transação tributária, a estrita legalidade é uma via de mão dupla. Ao contribuinte só resta anular com os termos da legislação que previu a transação, descabendo qualquer ingerência nos termos do favor concedido pela lei. A Autoridade Administrativa, por seu turno, só pode fazer aquilo que a lei prevê, não havendo espaço de manobra fora da estrita previsão legal.

Nem ao Poder Judiciário cabe, em relação a favores fiscais, alterar condições fixadas em lei para o benefício fiscal, ou revê-las. Em decisão que aqui pode ser invocada, mutatis mutandis, decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), em um julgamento ocorrido em 18/12/2012, com o então ministro Ricardo Lewandowski, que “(…) Ante a impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, não cabe a ele, com base no princípio da isonomia, afastar limitação para concessão de benefício fiscal a contribuintes não abrangidos pela legislação pertinente“.

A Autoridade Administrativa, no exercício de sua função pública, não é titular de modo exclusivo do interesse do tributo e de sua arrecadação. Pelo contrário, o grande detentor desse poder é o cidadão, que entrega dinheiro ao Estado para satisfazer as necessidades públicas; a Autoridade Administrativa é apenas a representação do poder tributário, responsável pela operacionalização da busca da receita pública, não havendo espaço para utilização ou emprego do crédito tributário se inexistente a autorização legislativa.

Nesse sentido, a transação tributária é forma de extinção do crédito tributário, nos moldes já previstos no Código Tributário Nacional, em seu art. 156, inciso II, desde que sejam observados critérios rígidos para a sua realização, devendo ser apreciado caso a caso, e, principalmente, que tais pressupostos sejam editados por lei formal.

Normas infralegais e editadas unilateralmente não podem sobrepor-se à lei, seja nas questões de imposição tributária, seja nas questões de exoneração total ou parcial do crédito tributário, dentre as quais se encontra a transação tributária.

É um típico caso em que a Administração não pode se sobrepor ao Direito Tributário. No que se refere à transação tributária, os servidores públicos — representantes da Administração — ficam sujeitos às amarras da Estrita Legalidade, princípio tão caro ao Direito Tributário. Nessa linha tênue de interdependência, a Administração só pode fazer aquilo que a lei permite.

A máxima de Seabra Fagundes de que “Administrar é aplicar a lei de ofício”, espelha com clareza a subordinação da Administração à lei, encartada também no caput do artigo 37 da Constituição Federal.

Acesse a íntegra do artigo aqui.