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Artigos - 21/08/19

Luiz Carlos Fiorentino analisa o prazo de decadência das contribuições previdenciárias em artigo publicado hoje no Consultor Jurídico

Veículo: ConJur
Autor(es): Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino

O art. 45 da Lei n.º 8.212/1991[1] previa um prazo de 10 anos para que a Fazenda Pública apurasse e constituísse os créditos tributários atinentes às contribuições previdenciárias.

Ocorre que, nos termos do art. 146, III, “b”, da CF/88, apenas a legislação complementar poderia disciplinar acerca da decadência tributária, o que acarretou a declaração de inconstitucionalidade do 45 da Lei n.º 8.212/1991 pela Súmula Vinculante n.º 08 editada pelo Supremo Tribunal Federal em 12/06/2008[2] (houve a sua revogação posterior pela LC nº 128, de 2008). Por consequência, o prazo decadencial para as contribuições previdenciárias passou a ser aquele fixado no CTN (promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pela Constituição de 1988) que é de cinco anos.

Quanto à norma a ser aplicada para fixação do marco inicial para a contagem do quinquídio decadencial, o CTN apresenta três hipóteses que merecem transcrição:

“Art. 150 (…)

  • 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

……………………………………………………………………………………

 Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado”.

Nos termos do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, o § 4.º do art. 150 do CTN deve ser aplicado para os casos em que há antecipação de pagamento do tributo, ou até nas situações em que não havendo a menção à ocorrência de recolhimentos, com base nos elementos constantes nos autos, seja possível se chegar a uma conclusão segura acerca da existência de pagamento antecipado[3]. A jurisprudência do CARF, inclusive por sua Câmara Superior de Recursos Fiscais, em atenção § 2º do art. 62 do atual Regimento Interno[4], tem o mesmo posicionamento exarado pelo Tribunal da Cidadania (ac. nº 9101-002.725, p. em 03/05/2017, e ac. nº 9202-005.293, p. em 23/05/2017, dentre tantos outros).

O art. 173, I, tem sido aplicado para as situações em que comprovadamente o contribuinte não tenha antecipado o pagamento das contribuições, na ocorrência de dolo, fraude ou simulação e também para os casos de aplicação de multa por descumprimento de obrigação acessória.

Por fim, o art. 173, II, deve ser adotado quando se está diante de novo lançamento lavrado em substituição ao que tenha sido anulado por vício formal.

O Fisco, entretanto, com alguma frequência, justifica a aplicação da contagem do prazo decadencial pelo art. 173, I, do CTN, mesma na ocorrência de pagamento parcial pelo contribuinte, face uma suposta ocorrência de fraude, dolo ou simulação, pelo fato de a empresa haver deixado de declarar parte da remuneração paga aos seus empregados. O objetivo é contar com um prazo decadencial mais benéfico aos interesses fiscais.

De fato, a aplicação do § 4.º do art. 150 do CTN, para a contagem do lapso decadencial da ocorrência do fato gerador, é afastada quando se comprova ter ocorrido dolo, fraude ou simulação. Nessa hipótese, conforme sedimentada jurisprudência administrativa e judicial, a regra aplicável é o art. 173, I, do CTN, segundo o qual a contagem do prazo de decadência inicia-se no primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o tributo poderia ter sido lançado.

Nas lides envolvendo falta de declaração de fatos geradores na GFIP, a Auditoria Fiscal da RFB tem lavrado Representações Fiscais para Fins Penais com esteio no art. 337-A do Código Penal, o qual trata do crime de sonegação de contribuições previdenciárias, nos seguintes termos:

Sonegação de contribuição previdenciária 

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;

II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;

III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa(…)”.

Entretanto, a conduta positivada acima pelo Código Penal não autoriza, por si só, a conclusão de que houve fraude por parte do sujeito passivo que deixou de informar na GFIP a totalidade das contribuições previdenciárias devidas.

É que a omissão na GFIP pode se dar em decorrência de divergência de interpretação da legislação entre a Fazenda e o contribuinte.

Assim, quando se busca sobre a ocorrência de conduta dolosa ou fraudulenta, há de se buscar mais elementos de que a mera falta reiterada da declaração dos fatos geradores em GFIP.

Os conceitos de sonegação e fraude constam dos artigos 71 e 72 da Lei n.º 4.502/1964, que dispõem:

Art . 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II – das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Art . 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.

Tais figuras têm uma característica indissociável que as caracterizam: emprego de artifício doloso, ardiloso e enganoso, para, através dele, impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal (sua natureza ou circunstâncias materiais) ou das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Diante disso, pode-se concluir que a contagem do prazo de decadência pelo art. 173, I, do CTN não se aplica aos casos em que o sujeito passivo age de acordo com suas convicções e com ordenamento jurídico vigente da época. Nessa hipótese, não há tentativa de enganar quem quer que seja. O que pode haver é divergência na interpretação da lei tributária aplicável.

Da leitura dos dispositivos da Lei nº 4.502/64 há de se inferir que a falta de declaração de fatos geradores, cuja existência possa ser comprovada pela documentação da empresa e por sua escrituração contábil, não autoriza a automática conclusão pela existência de sonegação ou fraude.

Na verdade, com o intuito de se utilizar da contagem do prazo decadencial previsto pelo art. 173, I, do CTN, deve o Fisco caracterizar e demostrar a existência de conduta dolosa tendente a desconfigurar o fato gerador. Exemplificativamente, é o caso de comprovação de que a empresa houvera pago pela prestação de serviços e registrado as notas fiscais como compra de materiais, posto que nesse caso restaria evidente a intenção de suprimir fato gerador de contribuição previdenciária.

Embora não se refira diretamente à questão da contagem do prazo decadencial, mas à aplicação de multa qualificada em razão da ocorrência de dolo, a Súmula CARF n.º 14 é um indicativo do entendimento desse órgão sobre o tema:

“Súmula CARF nº 14: A simples apuração de omissão de receita ou de rendimentos, por si só, não autoriza a QUALIFICAÇÃO da multa de ofício, sendo necessária a comprovação do evidente intuito de fraude do sujeito passivo”

Daí porque o CARF, inclusive por intermédio das 1ª e 3ª Turmas da sua CSRF, tem sistematicamente afastado a imputação de multa qualificada quando a operação decorre da divergência de interpretação ou está embasada na jurisprudência consolidada da época, visto a inexistência de dolo, fraude ou simulação:

“Houve, é claro, descumprimento das normas que, à época, estabeleciam a forma pela qual se dava a compensação. Mas daí concluir caracterizado o dolo, a respaldar a exigência da multa no percentual qualificado, vai uma enorme distância. E em nada altera esse entendimento o fato de a contribuinte ter desistido da execução judicial somente após o lançamento (como se viu, a contribuinte, ao final, obteve, em definitivo, o direito pretendido).

O dolo, a vontade clara de não cumprir com as obrigações tributárias, deve estar plenamente configurado e indene de dúvidas. O simples descumprimento de ato normativo não pode ensejar a exasperação da multa, senão que apenas a exigência do que se deixou de pagar, com os consectários ordinariamente exigíveis” (Ac. nº 9303-004.258, p. em 17/11/2016).

“MULTA QUALIFICADA. Não há que se falar em multa qualificada, pois à época da realização dos atos societários com vistas ao aproveitamento do ágio, não havia entendimento consolidado neste Conselho sobre a abusividade dos planejamentos tributários e, portanto, injusto tratar a operação realizada como sendo fraudulenta, dolosa ou simulada.” (Acórdão 1402-002.215, Rel. Cons. Demetrius Nichele Macei, J: 08/06/2016).

“MULTA DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPOSSIBILIDADE. Constatado que o procedimento adotado pelo contribuinte não denota dolo não se pode falar em dolo, e, consequentemente, em fraude, sonegação ou conluio (arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64), elementos necessários à qualificação da multa de ofício, conforme determina o parágrafo 1º do art. 44 da Lei nº 9.430/96” (Acórdão 1402-002.148, Rel. Cons. Frederico Augusto Gomes de Alencar, J: 05/04/2016).

MULTA DE OFÍCIO. 150%. DESQUALIFICAÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO EVIDENTE INTUITO DE FRAUDE. JURISPRUDÊNCIA DIVERGENTE SOBRE O TEMA À ÉPOCA DA EFETIVAÇÃO DOS NEGÓCIOS SUCESSIVOS. AUSÊNCIA DE POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO FATO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 112 DO CTN. Não se pode qualificar a multa para 150%, se não restar configurado, nos autos, evidente intuito de fraude. Este não se revela presente, pois que, à época da efetivação dos atos e negócios jurídicos, a jurisprudência oscilava relativamente ao tema de planejamento tributário. O intuito fraudulento resta por isso afastado. Tratando- se de imposição de penalidade, havendo dúvida, deve imperar a interpretação que seja mais favorável ao contribuinte, nos termos do artigo 112 do CTN” (Acórdão 9101-001.625, Rel. Cons. Susy Gomes Hoffmann, J: 17/04/2013).

Percebe-se que o CARF tende somente a acatar a imposição de efeitos legais decorrentes da ocorrência de fraude, dolo ou simulação, quando o Fisco comprova a existência do intuito doloso (ardil) do sujeito passivo, sendo insuficiente, para tanto, a mera falta de informação na GFIP da totalidade das contribuições previdenciárias que o Fisco entende devidas.

O fisco deve mencionar em seu relatório a ocorrência de dolo, fraude ou simulação, devendo essas circunstâncias servir de motivação do lançamento. Apenas nessa hipótese, é possível cogitar-se da utilização do prazo decadencial do art. 173, I, do CTN.

Em resumo, a falta de declaração de fatos geradores da contribuição previdenciária na GFIP não autoriza a automática conclusão pela existência de dolo, fraude ou simulação. Com o intuito de se utilizar da contagem do prazo decadencial previsto pelo art. 173, I, do CTN, deve o Fisco caracterizar demostrar cabalmente a existência de conduta dolosa tendente a desconfigurar o fato gerador do tributo.

[1] “Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:

I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído; 

II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada”.

[2] “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/1991, que tratam da prescrição e decadência do crédito tributário”.

[3] Conforme o REsp nº 973.733 do Superior Tribunal de Justiça julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, foi sedimentado o posicionamento de que, havendo pagamento do tributo por parte do contribuinte e entendendo o Fisco que o mesmo não fora integral, o prazo tem início a partir da realização do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN).

[4] O § 2º do art. 62 do atual Regimento Interno do CARF, aprovado pela Portaria MF nº 343, de 09 de junho de 2015, determina que “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF”.

 

Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino é formado em Direito e Administração; cursou especialização em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Direito Tributário/Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET); mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo (USP); e advogado do escritório Dias de Souza Advogados Associados em São Paulo.

Revista Consultor Jurídico, 21 de agosto de 2019, 6h49

https://www.conjur.com.br/2019-ago-21/opiniao-prazo-decadencial-contribuicoes-previdenciarias