Veículo: Fiscosoft publicado em 27/07/2017
Autor(es): Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino
IRRETROATIVIDADE DA MULTA ISOLADA DE 50% INCIDENTE SOBRE AS COMPENSAÇÕES NÃO HOMOLOGADAS.
Luiz Carlos Fróes Del Fiorentino[1]
A MP nº 656, de 07 de outubro de 2014, posteriormente convertida na Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, trouxe importantes alterações ao art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, na parte que trata das multas isoladas aplicadas sobre os pedidos de ressarcimento indeferidos ou indevidos, e as compensações não homologadas.
A penalidade aplicada sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido foi revogada pela MP nº 656/2014, o que repercutiu bastante na imprensa especializada, face à expressa anuência da Administração Fiscal que, em atenção ao decidido no art. 1º do ADI nº 08, de 24 de agosto de 2016, reconheceu que a multa não mais deveria ser aplicada aos pedidos de ressarcimento pendentes de decisão em obediência aos termos do art. 106, II, “a”, do CTN[2]:
“Art. 1º A multa isolada prevista nos §§ 15 e 16 do art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, revogados pela Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de 2014, e pela Medida Provisória nº 668, de 30 de janeiro de 2015, convertida na Lei nº 13.137, de 19 de junho de 2015, não se aplica, em razão da retroatividade benigna prevista na alínea “a” do inciso II do caput do art. 106 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN), aos pedidos de ressarcimento pendentes de decisão”.
Não obstante, também as multas isoladas aplicadas sobre as declarações de compensação não homologadas sofreram substanciais alterações, as quais afetam diretamente o direito dos contribuintes.
Preliminarmente, embora não seja esse o foco do presente estudo, entendemos que a previsão de incidência de multa do § 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/96 (sobre as compensações não homologadas), restringe, dentre outros princípios constitucionais, o exercício do direito de petição (art. 5º, inc. XXXIV, alínea ‘a’ da CF/88), porquanto, aprioristicamente, já define uma sanção em razão do simples indeferimento do pedido, sem levar em consideração qualquer elemento volitivo, como a má-fé. Ao contrário, pune o contribuinte de boa-fé, sendo dessa forma contrária ao nosso ordenamento jurídico. É que a inexistência do direito postulado não pode ser confundida com má-fé ou fraude, que não se presumem e devem ser comprovados por quem as alega[3].
Com efeito, essa a redação do § 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/1996, antes das alterações da MP nº 656/2014:
“§ 17. Aplica-se a multa prevista no § 15, também, sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo” (destacamos).
Entretanto, após as alterações perpetradas pela MP nº 656/2014, a hipótese de cominação da multa isolada passou a ser a seguinte:
“§ 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo” (destacamos).
A multa do § 17 na redação atual tem conteúdo diverso daquela revogada – a atual refere-se ao débito e a anterior tratava do crédito. Trata-se, na verdade, da revogação da multa antiga e da criação de uma nova penalidade, conforme esclarece a Exposição de Motivos da MP nº 656/ 2014:
“11. A presente proposta de Medida Provisória também visa revogar a aplicação da multa isolada (§§15 e 16 do art. 74 da Lei nº 9.430/1996) incidente sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido. A jurisprudência judicial é quase unânime em afastar essa multa sob o argumento de que sua aplicação fere o direto constitucional de petição.
12. Com a revogação proposta para os §§ 15 e 16, e visando manter a aplicação da multa isolada de 50% apenas nos casos de não homologação de compensação, faz-se necessária nova redação para o § 17 do art. 74 da Lei 9.430, de 1996, trazendo para o referido parágrafo o percentual da multa antes previsto no § 15, e para substituir o termo ‘crédito’ por ‘débito”, que é efetivamente o valor indevidamente compensado e que deverá ser a base de cálculo da multa isolada.
13. A nova redação proposta para o § 17 deixa claro que o instituto da Declaração de Compensação não deve ser utilizado para extinção de débitos sem a existência de créditos correspondentes, em estrita observância do que dispõe o art. 170 do CTN.
14. Assim, é aplicável a multa isolada no caso em que o débito é extinto sob condição resolutória, mas cujo crédito indicado para compensação é insuficiente, no todo ou em parte, para extinguir o tributo devido.
15. E a ressalva contida no §17 de que essa multa não se aplica no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo é porque para esta hipótese existe previsão específica de aplicação de multa isolada nos termos do art. 18 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2013” (destacamos).
A aplicação das normas de caráter sancionatório, como se sabe, restringe-se aos fatos ocorridos após a sua introdução no ordenamento, por força do princípio da irretroatividade (eficácia ex nunc), materializado no art. 105 do CTN:
“Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.”
Na mesma linha de entendimento já se manifestou o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que reconheceu que a penalidade prevista atualmente, com as alterações da MP nº 656/2014, é distinta daquela existente até então:
“MULTA ISOLADA. RESSARCIMENTO. MULTA ISOLADA-COMPENSAÇÃO. OBJETOS DISTINTOS. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DE FUNDAMENTO PELO JULGADOR. A multa isolada de 50% prevista no § 15 do art. 74 da Lei no 9.430/1996, “sobre o valor do crédito objeto de pedido de ressarcimento indeferido ou indevido” tem objeto distinto daquela criada com a sua revogação, e hoje presente no § 17 do mesmo art. 74, aplicada “sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo”. A aplicação da multa prevista no § 15 do art. 74 da Lei no 9.430/1996 em período anterior à sua revogação, pelo indeferimento de ressarcimento, não pode ter, simplesmente, seu fundamento alterado, no julgamento, adaptando-a ao novo enquadramento do § 17” (Ac. nº 3401-003.096, sessão de 23/02/2016, Conselheiro Relator Rosaldo Trevisan – destacamos).
A Administração Fiscal, por seu turno, já teve a oportunidade de se manifestar sobre o assunto. Em processo administrativo fiscal federal de contribuinte ainda em curso, a Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento em Porto Alegre (RS) aduziu que “o legislador não incluiu uma penalidade nova no sistema jurídico, como defende a impugnante, mas tão somente ajustou a redação do § 17 em face da revogação do § 15, e alterou a base de cálculo da multa isolada, que anteriormente era baseada no crédito, para apurá-la em relação ao débito. Em outras palavras, a penalidade já existia, o que mudou foi a sua base de cálculo”.
Ocorre que a alteração da base de cálculo da legislação ordinária submete-se ao disposto na “Lei de Introdução ao Código Civil”, atualmente denominada de “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”[4], que determina, em seu art. 1º, § 4º, que “as correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova”.
Vale dizer, a mencionada alteração (ou “ajuste”, como se refere a Delegacia de Julgamento de Porto Alegre) na base de cálculo teve o condão de fazer com que, após a publicação do texto da MP nº 656, em 07 de outubro de 2014, passasse a haver uma nova lei sobre a matéria, no que se refere à base de cálculo da multa em questão (sobre as compensações não homologadas), que substituiu aquela até então existente. E não poderia ser diferente, uma vez que, na data da edição do texto da MP nº 656, um aspecto fundamental para a determinação do crédito tributário, a sua base de cálculo, era outra completamente diferente da novel legislação.
Como reforço a esse entendimento, pode-se adotar o posicionamento exarado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a impossibilidade da cobrança do ITR no ano-base de 1994, por ofensa ao princípio da anterioridade.
Nessa ocasião, a exigência do ITR em questão fundamentou-se na MP nº 399/1993, posteriormente convertida na Lei nº 8.847/1994, que instituiu nova sistemática para a cobrança deste tributo.
Entretanto, a referida MP, editada em 30.12.1993, não indicou as alíquotas que incidiriam sobre a base de cálculo do tributo, impedindo o contribuinte de apurar o “quantum” devido a título de ITR, se o caso fosse.
Para sanar esta omissão, foi editada uma “retificação” desta MP, o que, contudo, só se deu em 07.01.1994, data em que foi publicada no Diário Oficial da União, corrigindo o texto original, com a indicação das alíquotas aplicáveis à base de cálculo do tributo, para que a incidência do ITR fosse possível.
Instado a analisar a questão, o Supremo Tribunal Federal considerou que a legislação que embasou a cobrança do tributo, complementada em 07.01.1994, com a retificação da MP anterior (MP nº 399/1993), constitui uma nova lei. Esses os termos da ementa do Recurso Extraordinário analisado:
“Recurso extraordinário. 2. Tributário. ITR. 3. A nova configuração do ITR disciplinada pela MP 399 somente se aperfeiçoou com sua reedição de 07.01.94, a qual por meio de seu Anexo alterou as alíquotas do referido imposto. 4. A exigência do ITR sob esta nova disciplina, antes de 01 de janeiro de 1995, viola o princípio constitucional da anterioridade tributária (Art. 150, III, “b”). 5. Recurso Extraordinário a que se nega provimento” (RE n° 448.558-3/PR, sessão de 29.11.2005, Relator Min. Gilmar Mendes – destacamos).
Por oportuno, vale transcrever parte do voto proferido pelo Ministro Gilmar Mendes:
“Portanto, ao se verificar que houve de fato instituição de nova configuração do imposto e que esta apenas se aperfeiçoou em 07 de janeiro de 1994, com a publicação, a título de ‘retificação’, do Anexo à MP 399, essenciais à caracterização e quantificação da alíquota da exação por força do mesmo diploma, conclui-se que a exigência do ITR sob esta nova modalidade, antes de 1º de janeiro de 1995, por força do art. 150, III, ‘b’, da CF, viola o princípio constitucional da anterioridade tributária”.
Assim, aplicando-se esse racional ao caso ora em análise, verifica-se que a multa prevista no § 17 do art. 74 da Lei nº 9.430/1996 (na redação dada pela MP nº 656/2014) não se aplica às declarações de compensação enviadas antes de 07 de outubro de 2014, tendo em vista que se trata de compensação realizada antes de sua vigência (vigência da nova lei consubstanciada pela MP nº 656/2014).
Consequentemente, todos os processos administrativos ou judiciais pendentes de decisão final e cuja exigência de multa isolada tenha sido calculada sobre “o valor do crédito objeto de declaração de compensação não homologada” (redação anterior à MP nº 656/2014), devem ser cancelados em razão da retroatividade benigna prevista na alínea “a” do inciso II do caput do art. 106 do CTN. Assim é, pois, a legislação não mais define como base de cálculo da infração o valor do crédito objeto de declaração de compensação (mas sim o valor do débito).
De outro lado, o Fisco, com base na novel legislação, somente poderá exigir a penalidade de que se trata sobre as declarações de compensação enviados após a data de 07 de outubro de 2014, quando promulgada a MP nº 656, em observância ao art. 105 do CTN.
Em conclusão, os contribuintes que possuírem discussões judiciais ou administrativas relativas à imposição da multa ora em análise poderão rever suas discussões, de modo que as penalidades impostas no passado sejam readequadas de acordo com os ditames legais aplicáveis à hipótese.
[1] Bacharelou-se em 1999 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Formado em Administração em 1995 pela Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP. Cursou especialização em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Direito Tributário/Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo – USP. Advogado em São Paulo.
[2] “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: …………….
II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática”.
[3] A constitucionalidade da penalidade será decidida pelo Supremo Tribunal Federal. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2013, ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade nº 4.905, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, ainda pendente de julgamento. Também houve o reconhecimento da repercussão geral da matéria nos autos do RE 796.939, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. Nesse recurso extraordinário interposto pela União Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se pelo seu desprovimento, propondo a fixação da seguinte tese: “É inconstitucional a multa prevista no art. 74, § 17, da Lei 9.430/1996, quando aplicada da mera não homologação da compensação tributária, ressalvada sua incidência aos casos de comprovada má-fé do contribuinte”.
[4] Denominação dada pela Lei nº 12.376, de 2010.