O Supremo Tribunal Federal (STF) pode votar a qualquer momento a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) nº 69, de 2012, que dispõe: “Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária], é inconstitucional”.
É provável que a súmula seja aprovada. Porém, há quem a encare com ceticismo. A posição do STF é conhecida há mais de 20 anos e as medidas já disponíveis para coibir a guerra fiscal não surtiram efeito. Com a súmula vinculante seria diferente?
A partir da vigência da súmula vinculante, os agentes públicos deverão considerar inválidos todos os incentivos e benefícios não autorizados pelo Confaz. Do contrário, caberá reclamação ao STF e qualquer cidadão ou o Ministério Público poderá processá-los por danos ao patrimônio público, com reflexos civis, penais e políticos. A rigor, poderia ser responsabilizado quem tenha subscrito os atos concessivos de incentivos e benefícios e também quem tenha deixado de exigir os tributos correspondentes (por exemplo, governadores e secretários estaduais).
É preciso encontrar solução que iniba a concessão desordenada de incentivos, mas não prejudique empresas
Portanto, num cenário pós-súmula, a guerra fiscal tende a arrefecer. Além de evitar a concessão de novos incentivos e benefícios, poderão os Estados pretender revogar aqueles concedidos no passado, na tentativa de prevenir responsabilidades.
Embora do ponto de vista jurídico e institucional isso seja desejável, haverá consequências econômicas e sociais que não podem ser ignoradas e merecem adequado tratamento. Legítimos ou não, os incentivos e benefícios produziram efeitos que não podem ser desfeitos pela declaração de inconstitucionalidade, como se jamais tivessem existido. Na ausência de ações eficazes do governo federal, os incentivos de ICMS contribuíram para o desenvolvimento regional, conforme dados do IBGE.
De acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), isso se explica porque os incentivos estaduais podem gerar efeitos multiplicadores sobre o PIB, o emprego e a arrecadação tributária do país, devido às interconexões das economias regionais. Assim, sua supressão abrupta poderia agravar as desigualdades regionais e sociais, contrariando objetivos fundamentais que inspiram a ordem econômica na Constituição.
É preciso, pois, encontrar solução que iniba a concessão desordenada de incentivos e benefícios de ICMS, mas não prejudique os agentes públicos que agiram no interesse de seus Estados, nem as empresas que foram induzidas a usufruir das desonerações fiscais e, em contrapartida, elevaram o PIB, a arrecadação e o nível de emprego nos municípios onde estão instaladas, até para não prejudicar as populações locais.
O ideal seria que, antes da votação da PSV 69, o conflito fosse pacificado pela via legislativa. O fim da guerra fiscal é questão federativa cuja solução exige ponderação dos interesses públicos e privados envolvidos e concessões mútuas.
A insegurança jurídica que o tema suscita vem paralisando investimentos necessários à retomada do crescimento econômico. A discussão da matéria é obrigatória e antecede qualquer proposta de reforma tributária.
O primeiro passo foi dado com a aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 130, pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O texto aprovado permite que o Confaz, por decisão de maioria qualificada, possa autorizar os Estados a remitir (perdoar) dívidas e reinstituir os incentivos e benefícios, por determinado prazo. Trata-se de um avanço, que demonstra o reconhecimento da gravidade do problema pelo Congresso Nacional e sinaliza sua disposição de solucioná-lo.
Entretanto, para que a questão seja definitivamente resolvida, é preciso aperfeiçoar o projeto, de forma que o perdão dado pelo Estado concedente dos incentivos e benefícios alcance todo o ICMS devido. Explica-se. O artigo 8º da Lei Complementar (LC) 24, de 1975, prevê sanções cumulativas para a inobservância dos convênios, entre as quais a exigibilidade do imposto dispensado e a ineficácia do respectivo crédito atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria.
Ora, se o imposto que seria devido pelo remetente da mercadoria for perdoado pelo Estado de origem, não faz sentido que o adquirente tenha de pagar ao Estado de destino o mesmo valor. Embora pareça óbvio que o Estado de destino não possa locupletar-se de imposto alheio, objeto de remissão, a sanção prevista na LC 24 só será afastada, em relação aos fatos passados, mediante previsão noutra lei complementar. Se isso não ocorrer, será solucionada apenas parte da problemática relacionada à guerra fiscal.
Assim, aguarda-se que o Congresso Nacional dê prosseguimento à discussão do tema e o regule de forma a eliminar por completo as discussões jurídicas existentes. O apoio dos Estados é de rigor, pois o problema foi criado por eles próprios, ao agirem à margem da Constituição. Não é prudente deixar a solução para o STF, que não tem os poderes do legislador para disciplinar a questão em sua inteireza.
Hugo Funaro é advogado tributarista, mestre em direito econômico e financeiro pela Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Dias de Souza Advogados Associados
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