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Artigos - 02/06/22

Hugo Funaro publica texto sobre a ‘Guerra Fiscal’ e a LC 160/2017 no livro “ICMS no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo

Autor(es): Dr. Hugo Funaro

A GUERRA FISCAL E A LEI COMPLEMENTAR 160/2017

Hugo Funaro¹

RESUMO:

A Lei Complementar nº 160/2017 veio a lume com o objetivo de criar condições para a “convalidação” dos benefícios de ICMS concedidos de forma unilateral no passado, de modo a pacificar a chamada “guerra fiscal”. Para tanto, autorizou a remissão de créditos tributários e a reinstituição de benefícios fiscais pelos Estados concedentes, com o automático reconhecimento dos créditos das operações interestaduais nos Estados de destino das mercadorias incentivadas.

Seguindo a diretriz da lei complementar, o Estado de São Paulo editou a Resolução Conjunta SFP/PGE nº 1/2019, que disciplinou o procedimento administrativo para reconhecimento dos valores de ICMS exigidos com fundamento no art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975. Todavia, o órgão responsável pela análise dos pleitos formulados pelos contribuintes interessados vem indeferindo o reconhecimento dos créditos de ICMS em situações duvidosas, como na ausência de determinados atos no sítio eletrônico do CONFAZ e nos casos envolvendo operações sujeitas ao regime de substituição tributária, prolongando o desfecho dos processos administrativos correlatos, no âmbito do TIT/SP.

I – Introdução

A concessão e a revogação de isenções, incentivos e benefícios de ICMS dependem de prévia deliberação dos Estados e do Distrito Federal, na forma disciplinada em lei complementar, por força do art. 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal.

A matéria é regulada pela Lei Complementar nº 24/1975, que exige aprovação unânime dos representantes de todas as unidades federadas, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ[2], para a concessão de benefícios de ICMS; e de 4/5 deles para a sua revogação. Ressalvam-se, apenas, os benefícios concedidos “às indústrias instaladas ou que vierem a instalar-se na Zona Franca de Manaus, sendo vedado às demais Unidades da Federação determinar a exclusão de incentivo fiscal, prêmio ou estimulo concedido pelo Estado do Amazonas” (art. 15).

A despeito da clareza da legislação nacional, generalizou-se a concessão de benefícios de ICMS pelos Estados sem prévia autorização do CONFAZ, notadamente com o objetivo de atrair novas empresas e investimentos para as unidades federadas concedentes. Essa conduta passou a ser denominada como “guerra fiscal” e tem como causas remotas a falta de uma política nacional de desenvolvimento regional capitaneada pela União e a utilização recorrente do poder de veto, inerente à unanimidade, para impedir a celebração de convênios admitindo a utilização do ICMS como instrumento para a atração de investimentos, inclusive por Estados menos desenvolvidos.

Como, todavia, os fins não justificam os meios, sempre que instado a analisar ações versando sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisões declarando a inconstitucionalidade das legislações estaduais que instituíram benefícios de forma unilateral, a ponto de ter sido proposta a edição de uma Súmula Vinculante (PSV 69)[3].

Em paralelo e como forma de “retaliação”, muitos Estados para os quais eram destinadas mercadorias em operações interestaduais incentivadas passaram a exigir o estorno dos créditos de ICMS atribuídos aos estabelecimentos receptores, na proporção do benefício concedido unilateralmente na origem, como previsto no art. 8º, I, da Lei Complementar nº 24/1975[4]. A norma federal foi internalizada, no Estado de São Paulo, pelo art. 36, §3º, da Lei nº 6.374/1989[5]; e sua aplicação foi estendida pelo Fisco aos casos de substituição tributária “para frente”, em que a apuração do “ICMS-ST” cabe ao estabelecimento remetente da mercadoria, como se verifica do §1º do art. 426-C, introduzido no RICMS pelo Decreto nº 58.918/2013[6].

Nesse ambiente de intenso conflito federativo e insegurança jurídica, potencializado pela incerteza quanto à solução que seria dada pelo Supremo Tribunal Federal em relação aos temas envolvidos, os Estados decidiram entabular tratativas políticas, inicialmente no âmbito do CONFAZ[7] e depois no Congresso Nacional, visando uma solução consensual que permitisse a regularização dos atos praticados no passado e a sua manutenção por prazo razoável, até que fossem encontradas alternativas jurídicas e financeiras para o fomento de atividades econômicas pelas unidades que assim desejassem.

Entre diversas outras propostas, foi apresentado o projeto de lei complementar do Senado Federal (PLS-C) nº 130/2014, que previa a convalidação dos benefícios de ICMS concedidos em desacordo com a Constituição Federal, assim como a remissão e anistia dos créditos tributários correspondentes. Durante a tramitação do projeto, porém, concluiu-se que poderia haver problemas de ordem constitucional, caso uma lei de natureza federal – ainda que complementar – viesse a dispor sobre créditos tributários de titularidade dos Estados e do Distrito Federal[8]. Por isso, o texto da proposta foi aperfeiçoado no sentido de estabelecer a forma pela qual os entes competentes poderiam conceder a remissão dos créditos tributários decorrentes dos benefícios concedidos unilateralmente (rectius: inconstitucionalmente) e promover a sua reinstituição por prazo determinado; além de outras disposições correlatas ao tema, como o expresso afastamento das sanções do art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975, em relação aos benefícios que viessem a ser remitidos/reinstituídos com autorização do CONFAZ[9].

A proposta foi aprovada e transformada na Lei Complementar nº 160/2017, que, enfim, possibilitou a chamada “convalidação” (tecnicamente: remissão e reinstituição) dos benefícios de ICMS concedidos até 8/8/2017, mediante convênio aprovado e ratificado pelo quórum qualificado de 2/3 (dois terços) dos Estados e do Distrito Federal, desde que neles compreendidos 1/3 (um terço) das unidades federadas de cada uma das 5 (cinco) regiões do País.

Na sequência, sobreveio o Convênio ICMS 190/2017, que implementou as disposições da lei complementar e pormenorizou os procedimentos a serem adotados pelas unidades federadas para a “convalidação” dos benefícios de ICMS, notadamente o registro e depósito dos respectivos atos normativos e concessivos junto ao CONFAZ, com vistas à publicação no Portal Nacional de Transparência Tributária (PNTT) mantido em seu sítio eletrônico e com acesso reservado às Administrações Tributárias dos Estados e do Distrito Federal (cláusulas segunda e sétima).

Por fim, há notícias de que os Estados e o Distrito Federal praticaram os atos de sua incumbência para remitir os créditos tributários relativos aos fatos geradores ocorridos no passado e reinstituir os benefícios que entenderam pertinentes[10], possibilitando a edição das leis estaduais necessárias à conclusão do ciclo normativo de “convalidação” dos benefícios[11], os quais, a partir de então, devem ser respeitados pelas demais unidades federadas.

Especificamente no âmbito do Estado de São Paulo, a par da publicação de atos visando à “convalidação” de benefícios concedidos anteriormente pela legislação bandeirante[12], foi publicada a Resolução Conjunta SFP/PGE nº 1/2019, que “disciplina os procedimentos a serem adotados relativamente a créditos de ICMS decorrentes de operações para as quais tenham sido concedidos benefícios em desacordo com o previsto em norma constitucional”, em consonância com o art. 5º da Lei Complementar nº 160/2017, segundo o qual “a remissão ou a não constituição de créditos concedidas por lei da unidade federada de origem da mercadoria, do bem ou do serviço afastam as sanções previstas no art. 8º da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, retroativamente à data original de concessão da isenção, do incentivo ou do benefício fiscal ou financeiro-fiscal, vedadas a restituição e a compensação de tributo e a apropriação de crédito extemporâneo por sujeito passivo”. A medida adotada pelo Fisco Paulista é louvável, pois confere eficácia aos princípios da segurança jurídica, devido processo legal e eficiência administrativa.

De acordo com a resolução conjunta, deverá ser apresentado ao órgão competente, conforme o estágio do processo administrativo ou judicial, “pedido de verificação, reconhecimento de créditos e renúncia a defesa ou recurso administrativo ou judicial”, que suspende o prosseguimento dos procedimentos administrativos de julgamento e cobrança de valores decorrentes de operações para as quais tenham sido concedidos benefícios em desacordo com o previsto no artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal, e na Lei Complementar 24/75. Na hipótese de acolhimento do pedido, deverá ser cancelado o auto de infração e imposição de multa (AIIM) correspondente, operando-se a renúncia aos respectivos processos; no caso de indeferimento, haverá o prosseguimento do processo, no estágio em que encontrava quando feito o pedido.

Com a edição da resolução conjunta, restaram superadas as dificuldades que os contribuintes vinham enfrentando junto ao Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP) para a desconstituição dos lançamentos fiscais envolvendo a “guerra fiscal” do ICMS, justamente em virtude da ausência de normas procedimentais que permitissem a análise detalhada da “convalidação” de cada benefício envolvido, no curso dos processos em andamento[13]. Assim, estima-se que um grande número de processos administrativos pendentes deva ser resolvido, com o cancelamento das chamadas “glosas” de créditos do imposto.

Entretanto, subsistem questões pontuais a serem dirimidas, com relação aos créditos passíveis, em tese, de reconhecimento administrativo. Nesse sentido, destacam-se as decisões proferidas pela Diretoria de Atendimento, Gestão e Conformidade (DIGES), que vem indeferindo pedidos de reconhecimento de créditos nos casos em que os atos concessivos dos benefícios aos remetentes das mercadorias não tenham sido publicados no PNTT mantido pelo CONFAZ, ainda que tempestivamente entregues pelo Estado concedente (questão formal); e nos processos envolvendo autos de infração lavrados com exigência de complemento de ICMS-ST em razão da glosa de parte do imposto relativo à operação própria do substituto, correspondente ao benefício fiscal por este usufruído (questão material).

II – Argumentos pró-fisco

Com relação ao aspecto formal, as decisões da DIGES que indeferem pedidos de reconhecimento do crédito por falta de publicação do ato individual de concessão do benefício no PNTT apoiam-se no inciso II da Cláusula segunda do Convênio ICMS 190/2017, que determina o registro e depósito, junto ao CONFAZ, dos atos normativos e concessivos dos benefícios objeto de remissão, anistia e/ou reinstituição.

Quanto ao aspecto material, a DIGES tem negado o reconhecimento dos créditos de ICMS nos casos sujeitos à sistemática de substituição tributária, por entender que “a sanção decorre de falta de pagamento do ICMS retido por substituição tributária, por dedução indevida de valor do imposto referente à operação própria do substituto, do montante devido por substituição tributária (…). Não se trata, portanto, de hipótese de penalidade decorrente da ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria (artigo 8º, inciso I, da LC 24/1975), tampouco da exigência do imposto não pago ou devolvido pelo Estado instituidor do benefício fiscal (artigo 8º, inciso II, da LC 24/1975)” [14].

III – Argumentos pró-contribuinte

Os contribuintes sustentam que, nos termos do art. 5º da Lei Complementar nº 160/2017, o afastamento das sanções do art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975 depende da amplitude da lei publicada pelo Estado de origem prevendo a remissão ou a não constituição de créditos tributários relacionados a determinado benefício de ICMS.

Se a lei remissiva tiver caráter geral (como se dá em regra), não há que se perquirir acerca do registro e depósito de atos individuais dos contribuintes interessados, ou de sua publicação no PNTT. Isso porque tais providências devem ser atendidas pelas unidades federadas antes da edição da lei de remissão e não depois, conforme se verifica da cláusula segunda do Convênio ICMS 190/2017[15]. Vale dizer, o registro, o depósito e a publicação de atos normativos e concessivos são condições para a produção das normas de remissão (e anistia) de débitos e de reinstituição de benefícios, e não para a produção dos seus efeitos jurídicos.

Logo, se alguma condicionante não tiver sido observada pelo Estado que tenha “perdoado”, de modo amplo e irrestrito, os créditos tributários relativos aos benefícios fiscais concedidos unilateralmente, trata-se de questão a ser resolvida pelos entes interessados, na esfera apropriada, não obstando a produção dos efeitos da lei estadual remissiva, que se estendem automaticamente aos demais Estados, por força do seu caráter coercitivo e do alcance extraterritorial que lhe confere a Lei Complementar nº 160/2017.

Por outro lado, se a lei remissiva estabelecer limitações à sua aplicação, em função de características individuais do sujeito passivo do tributo, caberá, por certo, averiguar se os remetentes das mercadorias atendem às condições nela previstas, para que se considerem extintos os créditos tributários correspondentes, tanto na unidade federada de origem quanto na de destino, aplicando-se, por analogia, o art. 182 do CTN[16].

De todo modo, parece claro que, em havendo o registro, o depósito ou a publicação (no PNTT) do ato concessivo do benefício objeto da autuação, mesmo após o indeferimento do pedido de reconhecimento do crédito pela DIGES, o pleito poderá ser aditado ou renovado, pois trata-se de matéria de ordem pública, não sujeita aos efeitos da preclusão.

No tocante aos casos envolvendo a cobrança de ICMS-ST, as autuações normalmente consideram que parte do ICMS-próprio não poderia ser deduzida do imposto recolhido pelo substituto tributário em favor do Estado de São Paulo[17], em virtude da concessão, pelo Estado de origem, de benefício fiscal em desacordo com as regras da Lei Complementar nº 24/1975. Em vários casos, os autos de infração fazem expressa menção ao artigo 8º da referida lei complementar, a evidenciar que o Fisco entende devido o complemento de ICMS-ST pelo contribuinte substituto em razão das sanções previstas no referido dispositivo.

Diante do critério jurídico adotado na atividade de lançamento, os contribuintes sustentam que, por coerência, deve ser reconhecido o direito à dedução integral do crédito correspondente ao ICMS-próprio do substituto tributário, para efeito de apuração do ICMS-ST devido a São Paulo, em conformidade com o art. 5º da Lei Complementar nº 160/2017.

Afinal, manter auto de infração que adota como fundamento o art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975 e, ao mesmo tempo, negar o reconhecimento do crédito correspondente à parcela do ICMS-próprio do substituto tributário cujo montante tenha sido remitido pela unidade de origem, na forma do art. 5º da Lei Complementar nº 160/2017, configura comportamento contraditório da Administração, vedado pelo ordenamento[18].

Ademais, a legislação paulista indica que deva ser conferida uniformidade de tratamento aos casos de “guerra fiscal”, independentemente de as operações interestaduais se sujeitarem ao regime de conta gráfica ou à sistemática de substituição tributária, como evidenciam os §§1º e 5º do art. 426-C do RICMS. O trato isonômico se impõe, na medida em que o regime de substituição tributária apenas desloca para terceiro (substituto) a responsabilidade pelo recolhimento do ICMS devido pelo estabelecimento paulista (contribuinte substituído), não podendo gerar aumento de carga tributária, conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal[19]. Por isso, aliás, é assegurado tanto ao adquirente paulista sujeito ao regime de conta gráfica quanto ao substituto tributário localizado em outro Estado o direito de deduzir, como crédito, o valor do ICMS incidente na operação interestadual e devido ao Estado de origem, para efeito de apuração do ICMS devido ao Estado de São Paulo, em razão da posterior saída interna da mercadoria[20]. Assim, se ao estabelecimento paulista foi assegurado o crédito integral do ICMS destacado nas operações interestaduais alcançadas por remissão concedida pela unidade federada de origem, a regra deve valer tanto para o regime de conta gráfica quanto para o de substituição tributária.[21]

Em síntese, sustentam os contribuintes que não há justificativa legal nem tampouco razão lógica para reconhecer-se o crédito da parcela do ICMS remitida pelo Estado de origem na situação em que o ICMS devido a São Paulo é recolhido pelo estabelecimento paulista pelo regime periódico de apuração, mas não no caso em que o imposto é recolhido pelo substituto tributário, em nome do contribuinte paulista substituído, devendo ser observado o procedimento da Resolução Conjunta SFP/PGE nº 1/2019 em ambos os casos.

IV – Jurisprudência do TIT/SP

O TIT/SP vem julgando prejudicados os recursos dos contribuintes quando verificado o acolhimento de pedidos de reconhecimento de créditos pela DIGES[22], na forma do art. 2º, par. único, da Resolução Conjunta nº 1/2019[23]. Confira-se:

ICMS – Crédito Indevido – Matéria de fundo Guerra Fiscal – O reconhecimento do crédito, em discussão, pelo Diretor da DIGES – DIRETORIA DE ATENDIMENTO, GESTÃO E CONFORMIDADE, implica na renúncia ao recurso administrativo, nos termos do parágrafo único, do artigo 2º da Resolução Conjunta SFP/PGE – 01/2019 Recurso Especial Não Conhecido” (TIT-SP – Câmara Superior – Processos ns. 4015173/2013 e 4015174/2013 – Rel. Juiz Silvio Ryokity Onaga – P: 09/09/2020).[24]

Não foram localizadas na base de jurisprudência do tribunal decisões em processos nos quais a DIGES não tenha reconhecido o crédito pleiteado pelo contribuinte. Conforme orientação daquele órgão, nessas situações, caberá à unidade de julgamento competente decidir a questão, nos termos do art. 6º, §§1º e 3º, da resolução conjunta[25], de sorte que “o próprio TIT, no exercício de sua competência, adotará ou não o entendimento desta Diretoria[26].

V – Conclusão

Do exposto, verifica-se que a Lei Complementar nº 160/2017 dispôs no sentido de eliminar discussões jurídicas acerca da validade de benefícios fiscais de ICMS que haviam sido concedidos de forma unilateral no passado, ao permitir a remissão dos créditos tributários correspondentes pelas unidades federadas concedentes e garantir o automático reconhecimento, pelas unidades federadas de destino, dos valores destacados nas operações interestaduais.

Entretanto, subsistem questões atinentes à validade de lançamentos realizados pelo Fisco Paulista nos casos em que o órgão administrativo responsável vem indeferindo pedidos de reconhecimento de créditos, o que deverá prolongar o andamento dos processos administrativos correlatos no TIT/SP, até que se decida sobre a adequada interpretação do art. 5º da Lei Complementar nº 160/2017 e a correta aplicação da Resolução Conjunta SFP/PGE nº 1/2019.

__________________________________________

[1] Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pelo IBET/IBDT. Sócio do escritório Dias de Souza Advogados.

[2] O conjunto dos representantes dos Estados e do Distrito Federal foi denominado como “CONFAZ” pelo Convênio ICMS 133/1997, que aprovou o Regimento Interno do Colegiado, em conformidade com o art. 11 da Lei Complementar nº 24/1975.

[3] A proposta, apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes e publicada em 23/4/2012, tem a seguinte redação: “Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.”

[4] “Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

Il – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.

Parágrafo único – As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição federal.

[5] “Art. 36. O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é não-cumulativo, compensando-se o imposto que seja devido em cada operação ou prestação com o anteriormente cobrado, por este, outro Estado ou pelo Distrito Federal, relativamente à mercadoria entrada ou à prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o Fisco.

………………..

  • 3º Não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal.”

[6] “Artigo 426-C – Nas operações interestaduais destinadas a contribuinte paulista, beneficiadas ou incentivadas em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, o imposto correspondente ao valor do benefício ou incentivo deverá ser recolhido ao Estado de São Paulo pelo adquirente da mercadoria, observando-se o seguinte:

I – O imposto correspondente ao valor do benefício ou incentivo deverá ser recolhido até o momento da entrada da mercadoria no território deste Estado, por meio de guia de recolhimentos especiais, conforme disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda;

II – A Secretaria da Fazenda divulgará os benefícios ou incentivos concedidos por outras Unidades da Federação, para fins de cálculo do valor a ser recolhido;

III – Relativamente aos benefícios ou incentivos divulgados na forma do inciso II, presume-se que estes foram utilizados pelo remetente da mercadoria, acarretando ao adquirente paulista a obrigação do recolhimento de que trata este artigo.

  • 1º – O disposto neste artigo aplica-se também às operações interestaduais sujeitas ao regime de substituição tributária, hipótese em que o adquirente paulista deverá recolher o imposto correspondente ao valor do benefício ou incentivo utilizado na operação própria do remetente.
  • 2º – Desde que efetuados antes da entrada da mercadoria neste Estado, admitir-se-á que os recolhimentos de que tratam o “caput” e § 1º sejam realizados pelo remetente da mercadoria, a favor deste Estado, por meio de Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais – GNRE, conforme disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda.
  • 3º – Uma via do documento de arrecadação a que se referem o inciso I e §§ 1º e 2º deverá acompanhar a mercadoria durante o seu transporte.
  • 4º – Os recolhimentos previstos neste artigo poderão ser dispensados nos casos em que o remetente comprovar, antecipadamente, conforme disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda, que não utilizou os benefícios ou incentivos divulgados na forma do inciso II.
  • 5º – O crédito integral do imposto destacado no documento fiscal correspondente às operações de que trata o “caput” e o § 1º fica condicionado ao atendimento do disposto neste artigo, além das demais normas estabelecidas na legislação.”

[7] Vide o Convênio ICMS 70/2014.

[8] O art. 151, III, da Constituição Federal veda à União “III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”.

[9] Confira-se a justificação da Emenda nº 11 – PLN ao PLS 130/2014, que criou o dispositivo que veio a se tornar o art. 5º da LC 160/2017:

“O substitutivo aprovado pela CAE resolve parcialmente a questão, ao permitir que o CONFAZ autorize a remissão de débitos e a reinstituição de incentivos e benefícios concedidos unilateralmente. Com a remissão, o ICMS dispensado no passado e que seria exigível, na forma do art. 8º, II, da Lei Complementar nº 24, de 1975, poderá ser exonerado. A partir da reinstituição o incentivo ou benefício terá amparo em convênio e passará a produzir efeitos regulares, não acarretando qualquer sanção.

Permaneceu incólume, contudo, a sanção de ineficácia do crédito fiscal do estabelecimento recebedor de mercadorias em operações incentivadas, que possibilita ao Estado de destino cobrar o mesmo valor do ICMS devido ao Estado de origem, ainda que o ICMS devido pelo respectivo remetente tenha sido objeto de remissão pelo Estado concedente.

Ora, para que seja alcançado o desiderato de convalidar os atos praticados no passado, a remissão do ICMS devido pelo remetente das mercadorias deve ter como reflexo imediato e automático a convalidação do crédito fiscal correspondente, no Estado de destino.”

[10] https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/certificado-registro-deposito-cv-icms-190-17-1.

[11] Cf. art. 150, §6º, da Constituição Federal. Vide: STF – ADI 5.929/DF – Rel. Min. Edson Fachin – DJe:6/3/2020.

[12] Vide Decretos ns. 63.320/2018 (e alterações) e Decreto 64.118/2019.

[13] OLIVEIRA, Júlio M. de; REZENDE, Gabriel Caldiron.  A guerra fiscal e a Lei Complementar 160/2017. In: GRUPO DE PESQUISA SOBRE JURISPRUDÊNCIA DO TIT DO NEF/FGV DIREITO SP. JOTA, 07 fev. 2019. (Observatório do TIT). Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/observatorio-tit-lei-complementar-07022019. Acesso em: 7 dez. 2020.

[14] Processo 32339-268428/2019 – J: 18/08/2020.

[15] “Cláusula segunda As unidades federadas, para a remissão, para a anistia e para a reinstituição de que trata este convênio, devem atender as seguintes condicionantes: (…)”.

[16] Art. 182. A anistia, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com a qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão.”

[17] Nos termos do §5º do art. 8º da Lei Complementar nº 87/1996: “O imposto a ser pago por substituição tributária, na hipótese do inciso II do caput, corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto”.

[18] “(…) o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara (excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em abuso de direito encartado na máxima nemo potest venire contra factum proprium.” (STJ – 1ª Seção – REsp 1143216 / RS – Rel. Mion. Luiz Fux – DJe: 09/04/2010).

“´Ofende os princípios básicos da razoabilidade e da justiça o fato do Estado violar o direito de garantia de propriedade e, concomitantemente, exercer a sua prerrogativa de constituir ônus tributário sobre imóvel expropriado por particulares (proibição do venire contra factum proprium)´. (REsp 1.144.982/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 15/10/2009.)” (STJ – 2ª Turma – REsp 1766106/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 28/11/2018)

[19] “3. O princípio da praticidade tributária não prepondera na hipótese de violação de direitos e garantias dos contribuintes, notadamente os princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como a arquitetura de neutralidade fiscal do ICMS.” (STF – Pleno – RE 593.849/MG – Rel. Min. Edson Fachin – DJe: 05/04/2017)

[20] Vide arts. 59, 61, 268 e 275 do RICMS/SP.

[21] No âmbito de Minas Gerais, por exemplo, o Decreto nº 47.762/2019 trata de forma isonômica os contribuintes sujeitos ao regime normal e à sistemática de substituição tributária, quando “dispõe sobre os procedimentos a serem adotados pelo contribuinte adquirente mineiro ou pelo substituto tributário, inclusive o localizado em outra unidade da Federação, para a remissão de créditos tributários relativos ao ICMS, decorrentes de operações para as quais tenham sido concedidos benefícios em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, e na Lei Complementar Federal nº 24, de 7 de janeiro de 1975”.

 [23] Art. 2º No pedido, o contribuinte deverá também declarar, expressamente, que renuncia a qualquer defesa ou recurso administrativo ou judicial, bem como que desiste dos já interpostos, se for o caso, relativamente aos créditos de ICMS objetos de Auto de Infração e Imposição de Multa – AIIM, decorrentes das operações referidas no artigo 1º (cláusula oitava do Convênio ICMS 190/17).

Parágrafo único. A renúncia à defesa ou recurso somente efetivar-se-á com o reconhecimento do crédito relativo ao ICMS decorrente das operações referidas no artigo 1º.

[24] No mesmo sentido os acórdãos dos processos: 4050881/2014 (Rel. Juiz Alberto Podgaec – P: 28/10/2020), 4081558/2016 (Rel. Juiz Marco Antonio Veríssimo Teixeira – P:13/11/2020), 4012573/2012 e 4014360/2012 (Rel. Juiz Argos Campos Ribeiro Simões – P:30/11/2020).

[25] “Art. 6º Para a apreciação do pedido de reconhecimento a Diretoria de Atendimento, Gestão e Conformidade poderá realizar os procedimentos necessários para averiguar a efetiva realização das operações objeto do pedido.

  • 1º Após a verificação do reconhecimento, ou não, dos créditos tributários, o pedido retornará ao órgão que o encaminhou para decisão e notificação ao contribuinte.
  • 2º O contribuinte será notificado da decisão do Fisco acerca do pedido mediante publicação no Diário Eletrônico, sendo que a referida decisão passará a ser parte integrante do processo contencioso relativo ao AIIM, nas hipóteses dos incisos I e II, ambos do artigo 1º.
  • 3º Na hipótese de retorno do pedido à Delegacia Tributária de Julgamento ou ao Tribunal de Impostos e Taxas, deverá o processo contencioso prosseguir na fase processual em que se encontrar para que o órgão de julgamento, conhecendo do resultado sobre o reconhecimento, profira decisão.

[26] Processo 32339-268428/2019 – J: 18/08/2020.