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Artigos - 21/12/16

Anna Paola Zonari – STF decidiu temas tributários relevantes, mas poderia ter feito mais

Veículo: Revista Consultor Jurídico, 21 de dezembro de 2016, 9h26
Autor(es): Anna Paola Zonari

RETROSPECTIVA 2016

Neste ano que se encerra é forçoso reconhecer que apesar do conturbado momento político enfrentado por toda a nação e, em especial, pelo Supremo Tribunal Federal, várias de suas sessões plenárias foram dedicadas ao julgamento de temas de Direito Público.

 

A análise que se passa a fazer visa destacar a essência da fundamentação de alguns destes julgados. Os temas enfrentados são polêmicos, tanto que geram divergências entre os próprios membros da Corte. Isso, entretanto, não impede que se extraiam conclusões coerentes da maioria.

 

Julgamentos finalizados no plenário do Supremo Tribunal Federal

 

a)   Ao julgar constitucional o art. 25 da Lei 12.767/12, o Supremo Tribunal Federal autorizou o protesto de dívidas fiscais em cartório. O STJ já havia reconhecido a legalidade desse mecanismo extrajudicial de cobrança de divida ativa (1.126.515/PR )

 

Prevaleceu o entendimento do relator da ADI 5135, ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que a cobrança extrajudicial não representaria uma forma de sanção política, porque não implicaria restrição desproporcional a direitos fundamentais assegurados aos contribuintes. Teria sido criada outra forma, rápida e eficaz, de cobrança alternativa à lenta e custosa execução fiscal.

 

A divergência aberta pelo ministro Fachin, ao contrário, apontava na direção de que o protesto tinha como único propósito o de coagir o contribuinte a quitar débitos fiscais. Tal procedimento caracterizaria a vedada sanção política, nos termos das Súmulas 70, 323 e 547 do STF, na medida em que geraria restrições ao crédito das empresas que poderiam afetar suas operações. Ademais, haveria outros meios menos gravosos para a exigência fiscal. Esse entendimento foi seguido pelos Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, para quem o protesto violaria, além da livre iniciativa, os princípios do devido processo legal e da ampla defesa do contribuinte, por se tratar de ato unilateral da Administração.

 

O debate, como se vê, girou em torno de se aferir a razoabilidade da medida impugnada, sob o pressuposto de que sanção política só haveria diante de formas irrazoáveis de cobrança fiscal.

 

Sob esse enfoque, seria razoável admitir o protesto de CDA, por exemplo, para forçar o pagamento de débitos fiscais dos assim chamados “devedores contumazes”. Isso porque a constitucionalidade do uso de mecanismos constritivos nessa hipótese foi reconhecida no julgamento da ADI 173/DF e do RE 550.769/RJ.

 

Na verdade, em situações como a acima descrita nem sequer se estaria em face de exceção ao disposto nas referidas súmulas e sim diante de sua inaplicabilidade, pois de sanção fiscal não se trataria. Afinal, a jurisprudência da Corte não pode socorrer a quem se organiza para agir no mercado de forma ilícita, sem pagar tributo, visando à prática de concorrência desleal.

 

Nesse caso, a lei tributária poderia estabelecer “sanções”, desde que respeitados o devido processo legal (formal e substancial), a ampla defesa e o contraditório. Tanto é assim que no julgado em tela foi ressalvada a necessidade de regulamentação legal que explicite os parâmetros utilizados para a identificação dos contribuintes e das situações de fato abrangidas. Dessa forma pretende-se assegurar a impessoalidade e a igualdade, possibilitando-se, ainda, a contestação judicial de eventual utilização indevida do instrumento.

 

A pergunta que se põe é se a razoabilidade da medida sancionadora se manteria em todas as demais situações, por exemplo, em que o contribuinte pagou o tributo que se exige em duplicidade, não pagou o tributo por entendê-lo indevido ou nem sequer teve a oportunidade de defesa na esfera administrativa. Nesses casos seria adequado, necessário e proporcional coagi-lo ao pagamento como forma de suspensão do protesto ou obrigá-lo a recorrer ao Judiciário para esse fim?

 

Diante da diversidade de situações que podem ocorrer seria de todo conveniente que o Supremo Tribunal Federal explicitasse que as sanções políticas continuam vedadas, embora sejam legítimos os mecanismos que visem coibir a atividade econômica com fins ilícitos e voltados à concorrência desleal. Tais esclarecimentos poderiam se dar no julgamento das ADIs 3952 e 4854, as quais tratam de temas correlatos. O que parece excessivo é considerar como regra situações disfuncionais.

 

b)   Na mesma linha de estimular a adimplência fiscal se inserem os julgamentos do RE 601.314 e da ADI 2.859, nos quais se declarou a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar 105/01. O dispositivo admite o acesso das autoridades fiscais a dados bancários dos contribuintes para fins de apuração e constituição do crédito tributário, independentemente de prévia autorização judicial.

 

Por maioria de votos (9 a 2) prevaleceu o entendimento de que a autorização legal não tratava de quebra de sigilo bancário, mas sim de transferência do sigilo da órbita bancária para a fiscal, preservando-se a confidencialidade dos dados em relação a terceiros. O julgamento modificou posição anterior da Corte (RE 389.808), no sentido de que o acesso a tais dados dependeria de ordem judicial.

 

Novamente, os votos vencedores contaram com fundamentação vinculada à efetividade do dever geral de pagar tributos e de acordos internacionais pautados na transparência fiscal e no combate à fraude fiscal internacional, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ou seja, legitimou-se a ação do Estado para o fim de se prevenirem ilícitos fiscais e penais.

 

Para que os fins não justifiquem meios arbitrários, aos estados e municípios foi determinada a devida regulamentação da questão, tal como já foi feito pela União, de sorte a garantir-se a instauração de prévio processo administrativo fundado em motivação que revele pertinência temática entre as informações bancárias e o tributo exigido. Além disso, exige-se a utilização de sistemas certificados de segurança e o registro de acesso do agente público competente, dentre outras medidas que visam resguardar o contraditório e a ampla defesa dos contribuintes.

 

c)   O Supremo Tribunal Federal continuou surpreendendo com a alteração de posicionamentos anteriormente adotados, ao conferir nova interpretação à parte final do disposto no § 7º, do artigo 150 da Constituição Federal. Desta feita para reconhecer a possibilidade de exigir-se a restituição do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária, quando a base de cálculo efetiva da operação resultou em valor inferior ao presumido.  A decisão se opõe ao decidido, em 2002, na ADI 1.851, oportunidade em que se julgou possível o ressarcimento apenas na hipótese de inocorrência integral do fato gerador presumido.

 

Este foi o resultado majoritariamente alcançado no julgamento do RE 593.849, sob a sistemática de repercussão geral. O julgado teve por fundamento o princípio que veda o enriquecimento sem causa. O Tribunal aduziu que a praticidade tributária encontra limites nos princípios da igualdade, capacidade contributiva e vedação ao confisco, bem como na neutralidade fiscal do ICMS.

 

Segundo afirmou o ministro Barroso, a decisão é de “mão dupla”, de modo que valerá também para viabilizar que a Fazenda apure diferenças a seu favor, quando o valor real da operação for maior do que o presumido.

 

Foi definida a modulação de efeitos para que o atual entendimento se aplique apenas às ações judiciais pendentes e aos casos futuros, evitando-se ações rescisórias.

 

d)   Dentre os demais casos julgados em 2016, nos parecem dignos de nota os recursos extraordinários nºs 838.284 e 704.292, que tratam do aspecto quantitativo das taxas cobradas por conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas. A fundamentação destes precedentes definiu novos contornos ao princípio da legalidade. Vejamos.

 

No primeiro caso, a lei prescrevia o teto sob o qual o regulamento poderia transitar para fixar o valor da taxa pelo exercício do poder de polícia. Por maioria de votos foi decidido que “Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita ao ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos.”

 

Para chegar a tal conclusão, o tribunal acenou para o esgotamento do modelo da tipicidade fechada como garantia de segurança jurídica, devendo haver ponderação compatível com o princípio da praticidade e eficiência da Administração Pública.  Isso porque o ente público é conhecedor da realidade dos custos a ressarcir para fins de complementação do aspecto quantitativo da taxa, até o limite do teto legalmente estabelecido.

 

A partir dos mesmos pressupostos teóricos do julgamento acima comentado, no RE 704.292/PR o Supremo julgou inconstitucional lei que delega aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a competência de fixar ou majorar, sem parâmetro legal, o valor das respectivas anuidades. Ou seja, afastou-se o valor fixado por Resolução, à falta de limite máximo do valor da exação ou de critérios legais para encontrá-lo, sob pena de inovação normativa por ato infralegal.

 

É interessante notar que a Corte aceitou a fixação do teto legal do valor da contribuição como limitador suficiente para o controle do ato administrativo, mesmo que não haja critérios legais nos quais sua apuração deva estar pautada. Tal parâmetro, entretanto, quer nos parecer excessivamente indeterminado para fins de assentar-se o aspecto quantitativo da obrigação tributária. Embora a flexibilização da legalidade possa ser aceita como tendência, a delegação só se legitima nos limites dos standards legalmente estabelecidos. É dizer, o espaço para a complementação regulamentar deveria subordinar-se à lei, não havendo liberdade para criar elementos tributários essenciais.

 

Julgamentos interrompidos pelo plenário do STF

 

Várias outras questões tiveram seus julgamentos iniciados ou foram retomadas pelo Plenário do Supremo, mas não foram finalizadas.

 

a)   Dentre os temas de maior impacto para os contribuintes encontra-se o objeto do RE 870.947, que examina a constitucionalidade dos índices utilizados para a remuneração de poupança (TR + 0,5%) para fins de atualização das condenações impostas à Fazenda Pública.

 

Em março de 2013 foi finalizado o julgamento das ADIs 4.425 (proposta em 06/2010) e 4.357 (proposta em 12/2009), tendo sido decidido que seria inconstitucional a aplicação da TR para a atualização dos débitos fazendários inscritos em precatório, “na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão”, para o que foi designado o IPCA-e.

 

Consta inclusive das ementas daqueles precedentes que “O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatório incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.”

 

Posteriormente veio a ser alegado que a declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo legal alcançaria, apenas, a atualização dos débitos fazendários no momento posterior à inscrição em precatório. Assim, não teria havido manifestação sobre o índice aplicável aos cálculos realizados na fase de cumprimento de sentença, ou seja, até a expedição do precatório. A questão foi posta como se houvesse alguma lógica em se adotar índices distintos para o cálculo do mesmo débito, a partir do corte temporal da expedição do precatório.

 

Assim, para julgar o que aparentemente já estava julgado, foi reconhecida a repercussão geral do mesmo tema: validade da aplicação de índices de poupança sobre as condenações impostas à Fazenda Pública, conforme previsto no artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/09.

 

Tudo isso fez com que mais de 6 (seis) anos após o ingresso das referidas ADIs, o tema continue sem solução. Embora o julgamento tenha se iniciado em 12/2015, ocasião em que foram proferidos cinco votos pela inconstitucionalidade da aplicação da TR e um a favor, o mesmo foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Retornado o feito ao Plenário em 08/2016, quando foram proferidos mais dois votos a favor da aplicação da TR, o julgamento foi novamente paralisado por pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes, cujo voto já fora disponibilizado à presidência para que se dê continuidade ao julgamento.

Diante do excessivo tempo decorrido e da enorme relevância da questão, que conta com mais de cem mil processos no aguardo desta decisão, espera-se que seja dada preferência para o julgamento do tema no retorno dos trabalhos do Tribunal após o recesso, em fevereiro de 2017.

 

Quanto ao mérito da questão, agride o senso comum de justiça e a orientação pacífica da jurisprudência (inclusive no RE 593.849, acima referido), a possibilidade de o Supremo decidir de modo a promover o enriquecimento sem causa da Fazenda, em detrimento do credor. Mas é isso o que ocorrerá se a decisão final for pela aplicação da TR. E mais, nesse caso, quanto maior a mora do Judiciário em condenar a União, menor será o valor real da reparação do dano causado ao particular, em função do decurso do tempo sobre o valor privado da devida atualização. Basta considerar que nos últimos 10 anos o IPCA acumulado rendeu 83,17% ao passo que a TR chegou a meros 11,32%.

 

É dizer, a agilidade do Judiciário ditaria o maior ou menor valor do direito da parte, em evidente afronta aos princípios da razoável duração do processo, da eficiência na prestação jurisdicional, da isonomia e do devido processo legal substancial, sem falar no direito à integral reparação pelo dano sofrido.

 

b)   Em 2016 também teve início e foi suspenso o julgamento do RE 592.891, sobre direito ao creditamento de IPI na entrada de matérias primas e insumos isentos oriundos da Zona Franca de Manaus. Após o voto da Relatora, Ministra Rosa Weber, admitindo a utilização dos créditos diante de autorização constitucional excepcional para tanto, com vistas à redução das desigualdades regionais, no que foi acompanhada por mais dois Ministros na assentada de maio/2016, o julgamento foi suspenso por pedido de vista. Aguarda-se sua continuidade em 2017.

 

c)   Outras questões há muito controvertidas também precisam ser pacificadas. É o caso do RE 400.479, que definirá o conceito de faturamento como base de cálculo para a exigência da Cofins das instituições financeiras.

 

O recurso extraordinário foi distribuído no Supremo em setembro de 2003 e julgado pela 2ª Turma em outubro de 2006, tendo prevalecido o entendimento de que as receitas oriundas dos contratos de seguro, seja qual for sua classificação, se incluem na base de incidência das contribuições ao PIS e Cofins. Isso porque o conceito de receita bruta envolve não apenas aquela decorrente da venda de mercadorias e da prestação de serviços, como também a soma das receitas oriundas do exercício da atividade empresarial.

 

Daquela decisão foram opostos embargos de declaração, cujo julgamento foi afetado ao Plenário da Corte em setembro de 2007. O então relator, ministro Cezar Peluso, prestou esclarecimentos em agosto de 2009, sem, contudo, alterar o teor do acórdão embargado. Nesta assentada o julgamento foi paralisado por pedido de vista do ministro Marco Aurélio, que retornou ao Plenário com voto divergente apenas em outubro de 2016. Ato contínuo houve pedido de vista do Ministro Ricardo Lewandowski, relator do RE 609.096, que discute questão mais ampla em repercussão geral, sobre a exigibilidade do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras das instituições financeiras.

 

O que se nota em comum nos julgamentos que se estendem por longos períodos é a falta de uma diretriz concreta quanto às hipóteses em que os pedidos de vista seriam cabíveis. Em primeiro lugar, parece razoável que tais pedidos fossem justificados. Por outro lado, seria recomendável que fossem feitos apenas para oportunizar a discordância ou apresentação de fundamentação totalmente distinta para chegar-se à mesma conclusão do relator. Uma dose de bom senso também viria a calhar para que questões tão importantes fossem resolvidas com o mínimo de celeridade e comprometimento com a entrega de jurisdição.

 

Essas as considerações sobre os temas jurídicos submetidos ao Supremo Tribunal Federal que entendemos mais relevantes, sem nenhuma pretensão de exaurir a enorme gama de assuntos que foram objeto de debate em 2016.

 

Anna Paola Zonari é sócia do Dias de Souza Advogados Associados.

 

http://www.conjur.com.br/2016-dez-21/retrospectiva-2016-stf-produzido-materia-tributaria